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Processo nº 530/2016 Data: 19.01.2017
(Autos de recurso penal)

Assuntos : Crime de “burla”.
Pena.
Suspensão da execução.



SUMÁRIO

1. Na determinação da medida da pena, adoptou o Código Penal de Macau a “Teoria da margem da liberdade”, segundo a qual, a pena concreta é fixada entre um limite mínimo e um limite máximo, determinados em função da culpa, intervindo os outros fins das penas dentro destes limites.

2. O instituto da suspensão da execução da pena baseia-se numa relação de confiança entre o Tribunal e o condenado. Aquele convence-se, em juízo de prognose favorável, que o arguido, sentindo a condenação, é capaz de passar a conduzir a sua vida de modo lícito e adequado, acreditando ainda que o mesmo posto perante a censura do facto e a ameaça da pena, é capaz de se afastar da criminalidade.

O relator,

José Maria Dias Azedo


Processo nº 530/2016
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. A (A), (3°) arguido, com os restantes sinais dos autos, vem recorrer do Acórdão do T.J.B. que o condenou como co-autor material da prática de 1 crime de “burla”, p. e p. pelo art. 211°, n.° 1 do C.P.M., na pena de 1 ano e 3 meses de prisão; (cfr., fls. 525 a 545 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

Em sede da sua motivação e conclusões de recurso, diz que “excessiva” é a pena e que lhe devia ser suspensa na sua execução; (cfr., fls. 628 a 642).

*

Respondendo, diz o Ministério Público que o recurso merece parcial provimento; (cfr., fls. 645 a 651).

*

Admitido o recurso, vieram os autos a este T.S.I., e, em sede de vista juntou o Ilustre Procurador Adjunto o seguinte douto Parecer:

“Na Motivação de fls.628 a 642 dos autos, o recorrente solicitou a graduação de novo da pena e a suspensão da execução, invocando que é primário e confessou os factos que lhe tinham sido imputados.
Antes de mais, subscrevemos inteiramente as criteriosas explanações do ilustre Colega na douta Resposta (cfr. fls.645 a 651 dos autos), no sentido do não provimento do recurso em exame.
*
Sem prejuízo do muito respeito pela opinião diferente, a atenciosa leitura permite-nos colher que não são estritamente pessoais os motivos invocados nas Motivações dos recursos do aresto de fls.299 a 314v. dos autos, vendo os quais ganhar procedência com o douto Acórdão de fls.425 a 432 verso prolatado pelo Venerando TSI.
À luz do preceituado na a) do n.°2 do art.392° do CPP, entendemos que embora o ora recorrente A não interpusesse recurso daquele aresto de fls.299 a 314 verso, o Acórdão de fls.425 a 432 verso aproveita ao mesmo, dado ser co-autor dos dois recorrentes referidos nesse douto Acórdão do Venerando TSI que revogou aquele.
De acordo com a moldura penal consagrada no n.°1 do art.211° do CPM, e ponderando equilibradamente a ilicitude e culpa do ora recorrente na comparticipação, afigura-se-nos que a pena de um ano e três meses de prisão não excede ao limite da sua culpa.
Porém, basta uma análise perfunctória para se concluir que a culpa do recorrente A é mais leve e menos intensiva do que a do 1° arguido B a quem foi aplicada pelo tribunal a quo, no acórdão em escrutínio, a pena única de um ano e seis meses de prisão, com suspensão da execução por período de dois anos.
Com bem observou o ilustre colega, «在本案中,上訴人為初犯,在整個共同犯罪中,相對而言,其處於次要地位,其犯罪具有一定的偶然性,且自2011年7月作出本案犯罪後未見其再因犯罪而被控告或判罪,故此,有理由相信上訴人的人格有正向轉變的可能性,考慮到上述因素,本院認為,給予上訴人緩刑未至於違反法律秩序譴責犯罪和預防犯罪的需要,也未至動搖社會大眾對法律能有效懲治犯罪的信心,亦能體現罪責自負的立法精神。此外,儘管在共同犯罪中,其他嫌犯被判處的刑罰並非單純考量因素,但在參與程度及情節相仿時,不同嫌犯之量刑亦應相若,不應相差懸殊。從卷宗資料可見,上訴人的情況基本接近本案第二嫌犯,而後者最終被判處了1年3個月徒刑,暫緩2年執行。因此,本院認為,有理由相信僅對上訴人的犯罪事實作譴責並以監禁作威嚇可以使上訴人吸取教訓,不再犯罪及重新納入社會,准予上訴人緩刑足以起到預防犯罪的作用。»
Nesta linha de consideração, entendemos modestamente que cabe ao Venerando TSI curar a injustiça, no sentido de conceder a suspensão da execução da pena imposta ao recorrente A. O que implica, na nossa óptica, a parcial procedência do recurso em apreço.
Por todo o expendido acima, sugerimos a parcial procedência do presente recurso”; (cfr., fls. 663 a 664).

*

Corridos os vistos legais, vieram os autos à conferência.

Passa-se a decidir.

Fundamentação

Dos factos

2. Estão provados e não provados os factos como tal elencados no Acórdão recorrido a fls. 499 a 504, e que aqui se dão como integralmente reproduzidos.

Do direito

3. Vem o arguido recorrer da decisão que o condenou nos termos atrás já explicitados.

Das suas conclusões de recurso – que como se sabe, delimitam o thema decidendum do recurso, com excepção das questões de conhecimento oficioso, que no caso, não há – resulta que considera que “excessiva” é a pena que lhe foi imposta.

–– Antes de mais, vale a pena um esclarecimento.

O ora recorrente foi condenado nos termos atrás expostos por Acórdão do T.J.B. de 28.03.2014.

Com este mesmo Acórdão foram também condenados os (1° e 2°) co-arguidos B e C.

Deste Acórdão, e por estes dois co-arguidos, foi interposto recurso que, em apreciação, se veio a decidir pelo reenvio do pro julgamento e para que neste se apurasse do (nível de) capacidade cesso para novo intelectual e da faculdade cognitiva dos arguidos recorrentes; (cfr., o Ac. deste T.S.I. de 04.12.2014, Proc. n.° 330/2014).

No novo julgamento, veio-se a apurar que tinham ambos um “nível cognitível baixo para a generalidade de pessoas, embora fossem imputáveis e capazes de distinguir o proibido”, acabando por se lhes fixar novas penas pelos crimes pelos mesmos cometidos; (cfr., fls. 543 a 545).

Dito isto, e atento o art. 28° do C.P.M., claro cremos que fica que adequado não é invocar-se a pena a estes co-arguidos aplicada para se (tentar) justificar a pretensão pelo ora recorrente apresentada.

–– Aqui chegados, e identificadas que estão as questões suscitadas, vejamos.

Quanto à “pena”.

Nos termos do art. 40° do C.P.M.:

“1. A aplicação de penas e medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.
2. A pena não pode ultrapassar em caso algum a medida da culpa.
3. A medida de segurança só pode ser aplicada se for proporcionada à gravidade do facto e à perigosidade do agente”.

E, em sede de determinação da pena, tem este T.S.I. entendido que “na determinação da medida da pena, adoptou o Código Penal de Macau no seu art.º 65.º, a “Teoria da margem da liberdade”, segundo a qual, a pena concreta é fixada entre um limite mínimo e um limite máximo, determinados em função da culpa, intervindo os outros fins das penas dentro destes limites”; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 22.09.2016, Proc. n.° 561/2016, de 29.09.2016, Proc. n.° 628/2016 e de 07.12.2016, Proc. n.° 177/2016).

No caso, ao crime pelo recorrente cometido cabe a pena de prisão até 3 anos; (cfr., art. 211°, n.° 1 do C.P.M.).

Como temos vindo a considerar “a atenuação especial só pode ter lugar em casos “extraordinários” ou “excepcionais”, ou seja, quando a conduta em causa “se apresente com uma gravidade tão diminuída que possa razoavelmente supor-se que o legislador não pensou em hipóteses tais quando estatuiu os limites normais da moldura cabida ao tipo de facto respectivo”, (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 21.07.2016, Proc. n.° 483/2016, de 22.09.2016, Proc. n.° 561/2016 e de 13.12.2016, Proc. n.° 258/2016).

No caso, (totalmente) inviável é uma “atenuação especial da pena”, já que evidente é que não estamos perante uma “situação extraordinária”.

E, a favor do arguido apenas temos o facto de ser “primário”, que no caso, não é de considerar de grande relevo dado que é o recorrente nascido em 1990.

Desta forma, atento os critérios para a determinação da medida (concreta) da pena previstos nos art°s 40° e 65° do C.P.M., ponderando na moldura penal em questão – e especialmente censurável sendo a conduta aqui em causa, (já que a ofendida é uma pessoa que padece de deficiência mental, circunstância que foi aproveitada para a prática do crime), entende-se que se deve manter a pena de 1 ano e 3 meses de prisão decretada.

Quanto à pretendida “suspensão da sua execução”, vejamos.

Nos termos do art. 48° do C.P.M.:

“1. O tribunal pode suspender a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 3 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
2. O tribunal, se o julgar conveniente e adequado à realização das finalidades da punição, subordina a suspensão da execução da pena de prisão, nos termos dos artigos seguintes, ao cumprimento de deveres ou à observância de regras de conduta, ou determina que a suspensão seja acompanhada de regime de prova.
3. Os deveres, as regras de conduta e o regime de prova podem ser impostos cumulativamente.
4. A decisão condenatória especifica sempre os fundamentos da suspensão e das suas condições.
5. O período de suspensão é fixado entre 1 e 5 anos a contar do trânsito em julgado da decisão”.

Em relação a tal preceito legal tem este T.S.I. entendido que “O artigo 48º do Código Penal de Macau faculta ao juiz julgador a suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido quando:
– a pena de prisão aplicada o tenha sido em medida não superior a três (3) anos; e,
– conclua que a simples censura do facto e ameaça de prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (cfr. Art.º 40.º), isto, tendo em conta a personalidade do agente, as condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste.
E, mesmo sendo favorável o prognóstico relativamente ao delinquente, apreciado à luz de considerações exclusivas da execução da prisão não deverá ser decretada a suspensão se a ela se opuseram as necessidades de prevenção do crime.”; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 21.07.2016, Proc. n.° 483/2016, de 29.09.2016, Proc. n.° 550/2016 e de 13.12.2016, Proc. n.° 258/2016).

E, como igualmente temos considerado, o instituto da suspensão da execução da pena baseia-se numa relação de confiança entre o Tribunal e o condenado. Aquele convence-se, em juízo de prognose favorável, que o arguido, sentindo a condenação, é capaz de passar a conduzir a sua vida de modo lícito e adequado, acreditando ainda que o mesmo posto perante a censura do facto e a ameaça da pena, é capaz de se afastar da criminalidade; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 14.01.2016, Proc. n.° 863/2015 e de 16.06.2016, Proc. n.° 254/2016).

E, ponderando-se na situação sub judice, admite-se a peticionada suspensão.

O arguido, como se disse, é nascido em 1990, e os factos ocorreram em 2011, sendo na altura um jovem com 21 anos, apresentando-se hoje arrependido da sua conduta.

Por sua vez, a burla cometida causou à ofendida um prejuízo relativamente diminuto, (inferior a MOP$1.000,00), certo sendo que já decorreram cinco anos sobre a prática dos factos.

Atento o que se deixou consignado, crê-se adequado suspender-se a execução da dita pena de 1 ano e 3 meses de prisão por 2 anos, na condição de o arguido pagar, no prazo de 30 dias, a quantia de MOP$10.000,00 à R.A.E.M..

Decisão

4. Em face do exposto, concede-se parcial provimento ao recurso, ficando o arguido com a execução da pena de 1 ano e 3 meses de prisão suspensa por 2 anos, na condição de, no prazo de 30 dias, pagar MOP$10.000,00 à R.A.E.M..

Pelo seu decaimento, pagará o recorrente a taxa de justiça de 2 UCs.

Honorários ao Exmo. Defensor no montante de MOP$1.800,00.

Registe e notifique.

Macau, aos 19 de Janeiro de 2017
José Maria Dias Azedo
Chan Kuong Seng
Tam Hio Wa
Proc. 530/2016 Pág. 14

Proc. 530/2016 Pág. 15