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Processo nº 780/2016
(Autos de Recurso Civil e Laboral)

Data: 19 de Janeiro de 2017

ASSUNTO:
- Usucapião
- Parques de estacionamento
- Partes comuns do prédio

SUMÁRIO:
- Os parques de estacionamento, sendo partes comuns do prédio, natureza esta estabelecida no respectivo registo do título constitutivo da propriedade horizontal, não são passíveis de apropriação individual, designadamente por meio da aquisição prescritiva, se e enquanto se mantiver inalterada esta natureza.
O Relator
Ho Wai Neng


Processo nº 780/2016
(Autos de Recurso Civil e Laboral)

Data: 19 de Janeiro de 2017
Recorrente: A (Autora)
Recorridos: B, Limitada (substituída pelos habilitados C e D) (1ª Ré)
E, Limitada (2ª Ré)
F e G (3ºs Réus)
H Limitada (substituída pelos habilitados I, J, K, L, M e N) (4ª Ré)
O (5º Réu)
P (6º Réu)
Q e R (7ºs Réus)
S e T (8ºs Réus)
U e V (9ºs Réus)
W, Limitada (10ª Ré)
X (11º Réu)

ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:

I – Relatório
Por sentença de 18/12/2015, foi decidido julgou-se improcedente a acção e parcialmente procedente a reconvenção e, em consequência, decidiu:
1. Absolve os Réus, E, Lda., F e mulher G, O, P, Q e mulher R, S e mulher T, U e mulher V, W, Lda. e X, e Habilitados, C e mulher D, I e mulher J, K e mulher L, M e mulher N, dos pedidos formulados pela Autora;
2. Declarar os Réus e Habilitados comproprietários dos lugares de estacionamento com os nºs 1 e 2 do rés-do-chão que integram as partes comuns de um prédio urbano destinado a indústria sito na Avenida de xxxxxx, nºs xxx, xxx, xxx, e Istmo de xxxxxx, nºs xxx, xxx, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº xxxxx, a fls. 157 do livro B45;
3. Condenar a Autora a reconhecer o direito de compropriedade dos Réus e Habilitados;
4. Condenar a Autora a restituir os lugares de estacionamento aos Réus e Habilitados;
5. Declarar que a posse da Autora sobre os citados lugares de estacionamento de má fé a partir de 4 de Fevereiro de 2012;
6. Condenar a Autora a pagar à 2ª Ré, E, Lda., os frutos na posse do lugar de estacionamento nº 2 produzidos a partir de 4 de Fevereiro de 2012 até à restituição deste lugar de estacionamento à 2ª Ré, cujo valor é liquidado em execução da presente sentença;
7. Absolver a Autora dos restantes pedidos reconvencionais formulados pela 2ª Ré.
Dessa decisão vem recorrer a Autora A, alegando, em sede de conclusão, o seguinte:
a) O art. 1321º do CC regulamenta apenas a modificação negocial do título constitutivo da propriedade horizontal por deliberação dos condóminos, não impedindo a possibilidade da sua modificação por funcionamento dos outros títulos legais constitutivos da propriedade horizontal previstos no art. 1317º/1 do CC;
b) Por isso, verificado que a posse da Autora sobre dois lugares de estacionamento que integram as partes comuns do edificio em causa foi exercida com as características legais e durante o prazo para usucapir, para a aquisição do direito de propriedade horizontal sobre os mesmos não é também necessário que os condóminos prestem por deliberação unânime o seu acordo para a modificação do respectivo título constitutivo ou que, faltando essa unanimidade, que condóminos que representem pelo menos 2/3 do condomínio deliberem nesse sentido e que a sentença supra o acordo dos restantes condóminos;
c) Solução diferente não faria sentido, porque a usucapião é o meio mais forte (originário) de aquisição de um direito real, no caso da propriedade horizontal, que tem como razão de ser o castigo ou a penalização da inércia dos condóminos durante um longo período de tempo, no caso durante bem mais de 20 anos, não se justificando que a vontade desses mesmos titulares possa posterionnente pela via indirecta de uma sua deliberação opor-se com êxito a que a usucapião opere, como sucederia no caso, no qual todos os condóminos a isso se opuseram efectivamente;
d) Porque os interesses dos condóminos foram já ponderados nas regras da usucapião que permitem aniquilar o seu direito pela sua inércia durante o período de tempo da posse legalmente exigido para usucapir;
e) Porque a usucapião não visa satisfazer um interesse individual do possuidor, mas o interesse público de assegurar, no tráfego das coisas, quer a certeza da existência dos direitos reais de gozo sobre elas e de quem é o seu titular, quer de proteger o valor da publicidade/confiança que nesse tráfego é aduzido pela posse, quer em favorecer, através do usucapião, um meio de prova seguro, de fácil utilização e consentâneo com a confiança, quanto à existência do direito e à sua titularidade;
f) Porque de modo diferente o interessado, no caso a Recorrente, teria um direito sem a necessária e correspondente acção adequada a fazê-lo reconhecer em juízo, contra o que dispõe o art. 1°/2 do CPC:
g) Porque se a usucapião, o acto administrativo e a decisão judicial são títulos competentes para conseguir o mais - a constituição de raiz da propriedade horizontal - não podem também de ser idóneos para obter o menos - a mera modificação do seu título constitutivo.
h) Porque no caso de usucapião de propriedade horizontal, a fonte ou a causa constitutiva do direito de propriedade horizontal não é apenas a posse usucapível, tendo esta de ser completada ou integrada pela decisão judicial que a declara, uma vez que neste caso a lei impõe expressamente a verificação de outros requisitos para a procedência desta forma constitutiva, nomeadamente a especificação das fracções, do seu valor e destino, como exige o art. 1318° do CC., que se assumem processualmente como verdadeiras condições de procedência da acção, e que têm também de ser verificados/declarados pela decisão.
i) Assim, no caso concreto, estando o prédio já constituído em propriedade horizontal e dados corno provados factos que demonstram urna posse que realiza os pressupostos da usucapião e que a composição dos dois lugares de estacionamento permite a sua constituição corno fracção autónoma, corno a sentença recorrida ajuizou na parte não impugnada, a acção devia ter sido julgada procedente, por provada, e em consequência ser declarado o direito invocado pela Autora e os Réus serem condenados nos pedidos condenatórios formulados, pelo que decidindo corno o fez a sentença recorrida violou o disposto nos arts. 1317º 1 e 3, 1321º/1 e 2 e 1212º do CC e no art. 1º/2 do CPC.
j) E, consequentemente, devia ter sido julgado improcedente o pedido reconvencional deduzido pela 2ª Ré, uma que o seu mérito deste está dependente da improcedência da acção.
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As 1ª Ré e a 2ª Ré responderam à motivação do recurso acima em referência nos termos constante a fls. 729 a 747 e fls. 686 a 694 respectivamente dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, pugnando pela improcedência do recurso.
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Foram colhidos os vistos legais.
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II – Factos
Vêm provados os seguintes factos pelo Tribunal a quo:
- A constituição da propriedade horizontal do prédio urbano sito em Macau na Av. de xxxxxx, xx-xx, Edifício xxxxxx, foi registada no registo predial em 09 de Maio de 1991, passando o prédio a ter 12 fracções autónomas (alínea A) dos factos assentes).
- Em 28 de Agosto de 1991 o referido prédio já se encontrava constituído em propriedade horizontal e Y LIMITADA tinha inscrita a seu favor a aquisição do direito de propriedade de todas as fracções autónomas (alínea B) dos factos assentes).
- Os lugares de estacionamento/ garagens em discussão nestes autos (números 1 e 2 do rés-do-chão do prédio identificado em A)), estão descritos na Conservatória do Registo Predial como sendo partes comuns do edifício e a sua propriedade encontra-se, através da inscrição no. yyyyy do livro F39, fls. 45, definitivamente inscrita a favor do conjunto de todos os condóminos (alínea C) dos factos assentes).
- O título constitutivo da propriedade horizontal afectou o uso da garagem nº 1, que designa por parque nº 1, à fracção individualizada pela designação A1, e afectou o uso da garagem nº 2, que designa por parque nº 2, à fracção individualizada pela designação A2 (alínea D) dos factos assentes).
- A Y LIMITADA vendeu a fracção autónoma A2 à 2ª Ré, E LIMITADA, por escritura de 01 de Setembro de 1992, encontrando-se o direito de propriedade sobre a mesma registado a favor desta desde 18 de Setembro de 1992 (alínea E) dos factos assentes).
- E vendeu a fracção autónoma A1 à 1ª Ré, B, LIMITADA, por escritura de 31 de Janeiro de 1994, encontrando-se o direito de propriedade sobre a mesma registado a favor desta desde 16 de Fevereiro de 1994 (alínea F) dos factos assentes).
- Em 08 de Março de 1991, a sociedade Y LIMITADA prometeu vender à sociedade Z Limitada, Macau Branch, e esta prometeu comprar àquela, as duas garagens com os nºs 1 e 2 do rés-do-chão do prédio referido em A) dos factos assentes (resposta ao quesito 1º da base instrutória).
- No mesmo dia 08 de Março de 1991, com o consentimento e aprovação da promitente vendedora, Y LIMITADA, a Z Limitada, Macau Branch, acordou com AA AA transmitir a este a posição contratual de promitente compradora (resposta ao quesito 2º da base instrutória).
- Em 28 de Agosto de 1991, também com o consentimento e aprovação da Y LIMITADA, AA AA acordou com a Autora transmitir a esta a posição contratual de promitente comprador que havia adquirido (resposta ao quesito 3º da base instrutória).
- Ao celebrarem a promessa e as duas cessões da posição de promitente comprador as partes não previram a celebração no futuro de um contrato definitivo de compra e venda, nem posteriormente, em qualquer momento, algum dos contraentes falou sobre a sua celebração (resposta ao quesito 4º da base instrutória).
- No momento da celebração do acordo referido na resposta ao quesito 1º, em 08 de Março de 1991, a Z Limitada, Macau Branch, pagou integralmente o preço e em data não apurada mas anterior a 28 de Agosto de 1991 a promitente vendedora entregou-lhe as chaves das duas garagens (resposta ao quesito 5º da base instrutória).
- O preço acordado para a venda foi de HKD50.000,00 por cada uma das garagens ou lugares de estacionamento (resposta ao quesito 6º da base instrutória).
- Os preços das cessões das posições contratuais foram também pagos pelos cessionários aos cedentes (resposta ao quesito 7º da base instrutória).
- Em data não apurada mas anterior a 28 de Agosto de 1991, a promitente vendedora entregou as duas garagens à Z Limitada, Macau Branch, e esta, enquanto cedente, entregou-as ao cessionário AA AA (resposta ao quesito 8º da base instrutória).
- A Z Limitada, Macau Branch e AA AA receberam as duas garagens sabendo que a Y LIMITADA era a proprietária exclusiva de ambas e, por isso, com a convicção de que fazendo-o não lesavam o direito de outrem (resposta ao quesito 9º da base instrutória).
- Em 28 de Agosto de 1991, ao ser celebrado o segundo acordo de cessão da posição contratual de promitente-vendedor, AA AA entregou à Autora as duas garagens e esta recebeu-as com a convicção de que fazendo-o não lesava o direito de outrem (resposta ao quesito 15º da base instrutória).
- E desde então a Autora vem utilizando ininterruptamente as duas garagens (resposta ao quesito 16º da base instrutória).
- À vista de toda a gente, nomeadamente dos condóminos e dos vizinhos (resposta ao quesito 17º da base instrutória).
- Sem oposição de ninguém até 28 de Outubro de 2010 (resposta ao quesito 18º da base instrutória).
- Com a convicção de ser proprietária das mesmas (resposta ao quesito 19º da base instrutória).
- Sendo como tal reconhecida por todos até 28 de Outubro de 2010 (resposta ao quesito 20º da base instrutória).
- Com a convicção de que fazendo-o não lesava o direito de outrem até 28 de Outubro de 2010 (resposta ao quesito 21º da base instrutória).
- A Autora começou por utilizar as garagens para guardar produtos que a Autora vendia no exercício da sua actividade comercial (resposta ao quesito 22º da base instrutória).
- A partir de Agosto de 1993, a Autora começou a dar de arrendamento as duas garagens, o que vem fazendo ininterruptamente até à presente data (resposta ao quesito 23º da base instrutória).
- Sempre tendo arrendado em conjunto as duas garagens (resposta ao quesito 24º da base instrutória).
- Entre 01 de Agosto de 1993 e 31 de Julho de 1995 a Autora deu de arrendamento as duas garagens à sociedade BB BB貿易有限公司 (resposta ao quesito 25º da base instrutória).
- Entre 01 de Setembro de 1994 e 31 de Maio de 2010 a Autora deu de arrendamento as duas garagens a CC CC (resposta ao quesito 26º da base instrutória).
- A partir desta última data a Autora deu de arrendamento as garagens a DD DD (resposta ao quesito 27º da base instrutória).
- A Autora sempre recebeu dos inquilinos as rendas das duas garagens (resposta ao quesito 29º da base instrutória).
- E ao longo do tempo foi esporadicamente visitando e vistoriando as duas garagens (resposta ao quesito 30º da base instrutória).
- Até 28 de Outubro de 2010 as 1ª e 2ª Rés nunca manifestaram directamente perante a Autora oposição à utilização que esta vem fazendo das garagens (resposta ao quesito 31º da base instrutória).
- Em 24 de Março de 2011, a 2ª Ré enviou a carta juntas as fls.280 e 281 ao inquilino DD DD para manifestar a sua oposição à utilização da garagem com o n.º 2 (resposta ao quesito 32º da base instrutória).
- As duas garagens formam em conjunto um compartimento delimitado e fechado, com duas grades ligada entre si e tem acesso directo à via pública, demarcadas por estas grades e por três paredes e tecto, sem qualquer acesso para o interior do prédio referido em A) dos factos assentes (resposta ao quesito 33º da base instrutória).
- As sete fracções autónomas designadas por A1 a A8 (não existe nenhuma com a designação A7) têm as mesmas áreas de 635,31 m2 cada uma, têm todas o uso de um parque, menos a fracção A8, que tem o uso de dois parques, e todas elas têm as mesma percentagem ou valor relativo de 8,734% (resposta ao quesito 35º da base instrutória).
- As cinco fracções autónomas designadas por A9 a A13 têm as mesmas áreas de 562,51 m2 cada uma, têm todas o uso de dois parques, menos a fracção A13, que tem o uso de apenas um parque, e esta tem um valor relativo superior aos das outras quatro em 0,002% (resposta ao quesito 35ºB da base instrutória).
- As duas garagens em causa não têm qualquer acesso ao interior do edifício (resposta ao quesito 35ºC da base instrutória).
- Os parques de estacionamento que a Autora reclama beneficiam dos serviços de segurança providenciados pelo condomínio (resposta ao quesito 38º da base instrutória).
- Os referidos parques de estacionamento beneficiam da protecção que lhes é conferida pela fachada do edifício, pilares e demais elementos estruturais (resposta ao quesito 40º da base instrutória).
- A Autora sabe que os condóminos do edifício deliberaram em Assembleia Geral do Condomínio realizada em 28 de Outubro de 2010 tomar as medidas necessárias para impedir qualquer uso dos parques de estacionamento para outras finalidades (resposta ao quesito 45º da base instrutória).
- Na Assembleia-geral de condomínio realizada em 28 de Outubro de 2010 foi deliberado estabelecer um regulamento e tomar medidas contra a ocupação pela Autora dos parques de estacionamento (resposta ao quesito 46º da base instrutória).
- A partir de 28 de Outubro de 2010, a Autora tem vido a ser interpelada na pessoa de algumas pessoas que, ocasionalmente, se encontravam nos parques de estacionamento 1 e 2 para os desocupar (resposta ao quesito 47º da base instrutória).
- As quais negaram sempre fornecer a identidade e a morada ou sítio onde pudesse a Autora ser encontrada (resposta ao quesito 48º da base instrutória).
- A acta da Assembleia Geral do Condomínio de 28 de Outubro de 2010 cujo cópia se em contra junto a fls. 271 a 279 foi afixada no átrio de entrada do condomínio (resposta ao quesito 49º da base instrutória).
- O que consta das repostas aos quesitos 32º e 47º (resposta ao quesito 50º da base instrutória).
- A partir de 28 de Outubro de 2010 o condomínio tentou fazer com que a Autora se escusasse à fruição que tinha vindo a fazer, nomeadamente deliberando que fossem tomadas todas as providências judiciais e extrajudiciais nesse sentido (resposta ao quesito 51º da base instrutória).
- A 2ª Ré e os proprietários da fracção “A1” têm sido impossibilitados de utilizar os parques de estacionamento devido à ocupação da Autora (resposta ao quesito 52º da base instrutória).
- A Autora recebeu MOP$934.000,00 pelo arrendamento dos parques de estacionamento (resposta ao quesito 53º da base instrutória).
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III – Fundamentação
O Tribunal a quo não obstante reconhecer a posse da Autora, julgou a acção improcedente e reconvenção parcialmente procedente, absolvendo os Réus dos pedidos, por entender que a parte comum do prédio não é susceptível de aquisição por usucapião, a saber:
“...
Usucapião
Nos termos do artigo 1221º, do CC, “Não havendo registo do título nem da mera posse, a usucapião só pode dar-se no termo de 15 anos, se a posse for de boa fé, e de 20 anos, se for de má fé, independentemente do carácter titulado ou não da posse.”
Tendo a Autora adquirido a posse por tradição dos lugares de estacionamento feito pelo anterior possuidor sem que alguém na altura da aquisição tivesse oposto à aquisição, a posse do Autor é pacífica – artigo 1185º do CC.
Por poder ser conhecida por todos os Réus e Habilitados, a posse da Autora é exercida publicamente – artigo 1186º do CC.
Uma vez que a posse da Autora adveio de uma cessão da posição contratual de promitente comprador celebrada entre a mesma e o então promitente comprador, a mesma não é titulada e, como tal presumidamente de má fé – cfr. artigos 1183º e 1184º do CC.
Contudo, as circunstâncias que rodearam a aquisição da posse: a promessa de compra e venda a que se refere a cessão foi feita junto da proprietária registada de todas as fracções autónoma do prédio, todo o preço quer o devido pelo promitente comprador cedido quer o devido pela Autora foi pago e o facto e não ter ficaco provado que a Autora sabia que os lugares de estacionamento eram parte comum do prédio onde se encontram, não podem deixar de afastar a presunção de má fé. Pois, não havia qualquer motivo para a Autora pensar que pudesse estar a lesar direitos de outrem.
Conjugando todo o expendido, o prazo de prescrição aquisitiva dos lugares de estacionamento é de 15 anos.
*
   Tendo em conta a data da sua aquisição a posse do Autor sobre os lugares de estacionamento durou mais de 24 anos.
   Porém, não se deve olvidar o que dispõe o artigo 315º do CC. Segundo esta norma, “1. A prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o acto pertence e ainda que o tribunal seja incompetente. 2. Se a citação ou notificação se não fizer dentro de 5 dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram os 5 dias. 3. … 4. É equiparado à citação ou notificação, para efeitos deste artigo, qualquer outro meio judicial, com excepção do mencionado no número seguinte, pelo qual se dê conhecimento do acto àquele contra quem o direito pode ser exercido. 5. A notificação judicial avulsa em que se exprima a intenção de vir a exercer o direito não interrompe o prazo de prescrição, mas impede que o prazo se complete antes de decorridos 2 meses sobre a notificação; se, por causa não imputável ao requerente, a notificação não se fizer dentro de 5 dias após ser requerida, tem-se por efectuada decorrido esse prazo. 6. … . ”
   A esse propósito, alegam alguns Réus que, já em 28 de Outubro de 2010, manifestaram a sua vontade de reaver os lugares de estacionamento facto que era do conhecimento da Autora.
   A esse respeito, está provado que:
- Até 28 de Outubro de 2010 as 1ª e 2ª Rés nunca manifestaram directamente perante a Autora oposição à utilização que esta vem fazendo dos lugares de estacionamento;
- A Autora sabe que os condóminos do edifício deliberaram em Assembleia Geral do Condomínio realizada em 28 de Outubro de 2010 tomar as medidas necessárias para impedir qualquer uso dos parques de estacionamento para outras finalidades;
- Em 24 de Março de 2011, a 2ª Ré enviou a carta junta a fls.280 e 281 ao inquilino DD DD para manifestar a sua oposição à utilização da garagem com o n.º 2;
- A partir de 28 de Outubro de 2010, a Autora tem vido a ser interpelada na pessoa de algumas pessoas que, ocasionalmente, se encontravam nos parques de estacionamento 1 e 2 para os desocupar.
   Desses factos vê-se que, desde 28 de Outubro de 2010, à Autora tem vindo a ser pedida a desocupação dos lugares de estacionamento. Trata-se sem dúvida de um acto que exprime a intenção de exercer o direito que os Réus se arrogam ter sobre os lugares de estacionamento.
   Contudo, a norma acima transcrita é clara: apenas os actos praticados por via judicial e tão-só alguns dele interrompem os prazos de prescrição.
   Não tendo os actos acima referidos sido praticados por via judicial, não se verificou a almejada interrupção da prescrição.
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   O mesmo já não acontece com a contestação da acção feita pela 2º Ré. Flui da exposição feita mais acima que a 2ª Ré pediu, em reconvenção, que os Réus fossem declarados proprietários dos lugares de estacionamento. A sua contestação foi apresentada no dia 21 de Outubro de 2011 e a carta de notificação da Autora desta contestação foi enviada no dia 31 de Janeiro de 2012 (cfr. cópia da carta de fls 327). Nada indica que a não notificação da Autora em data anterior resultou de qualquer facto imputável à 2ª Ré.
   Pelo que, para os efeitos pretendidos pela Autora, o prazo que releva interrompeu-se no dia 27 de Outubro de 2011 tendo a posse da mesma durado 20 anos.
   Assim, se outro motivo impeditivo não existir, assiste à Autora o direito de adquirir o direito de propriedade dos lugares de estacionamento.
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   Natureza jurídica dos lugares de estacionamento
   Há, contudo, uma especificidade nos presentes autos que pode constituir o aludido motivo impeditivo: os lugares de estacionamento não são fracções autónomas que integram o prédio onde se situam mas tão-só partes comuns cujo uso está afectado às fracções autónomas pertencentes aos Habilitados, C e D, e à 2ª Ré.
   Flui da análise acima feita que, para os efeitos da presente acção, a Autora é possuidora dos lugares de estacionamento há 20 anos.
   Segundo Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. III, 2ª edição revista e actualizada, Coimbra Editora, Limitada, pg 1, “Entre o conceito de posse expresso neste artigo e o conceito do artigo 774º do Código de 1867 há uma profunda diferença, não só sob o ponto de vista formal, como no aspecto substancial. Enquanto naquele Código se admitia a posse de direito, sem qualquer restrição, limita-se a posse, no novo diploma, ao exercício aparente do direito de propriedade ou de outros direitos reais (à actuação por forma correspondente ao exercício de tais direitos), e estes direito só podem incidir sobre coisas.” (sublinhado nosso)
   Portanto, há que apurar se os lugares de estacionamento em questão têm o estatuto de coisa para os efeitos pretendidos pela Autora.
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   Consta dos autos que o registo do título constitutivo da propriedade horizontal do prédio acima referido teve lugar em 9 de Maio de 1991; as fracções autónomas que compõem esse prédio pertencem aos Réus e aos Habilitados; o uso de um desses lugares de estacionamento está afectado à fracção autónoma A1 pertencente aos Habilitados, C e D, e o do outro lugar de estacionamento à fracção autónoma A2 pertence à 2ª Ré.
   Nos termos do artigo 1323º do CC “1. Cada condómino é proprietário exclusivo da fracção que lhe pertence e comproprietário das partes comuns do condomínio. 2. O conjunto dos dois direitos é incindível; nenhum deles pode ser alienado separadamente, nem é lícito renunciar à parte comum como meio de o condómino se desonerar das despesas necessárias à sua conservação ou fruição.”
   Por força dessa norma, os lugares de estacionamento discutidos nos presentes autos são incindíveis dos direitos de propriedade de condóminos e, em particular, do dos Habilitados, C e D, e do da 2ª Ré.
   Segundo o Acórdão da Relação do Porto, de 20 de Novembro de 1995, Colectânea de Jurisprudência, Ano XX, 1995, Tomo V, pg 209, aqui citado a título de direito comparado, “Ora, o que caracteriza a propriedade horizontal e constitui razão de ser do respectivo regime é o facto de as fracções independentes fazerem parte de um edifício de estrutura unitária (H. Mesquita, RDES, XXIII, pág. 84), congregando-se na propriedade horizontal dois direitos reais distintos: um de propriedade singular, no que respeita às fracções autónomas, e outro de compropriedade, cujo objecto é constituído pelas partes comuns referidas no artº 1421º. Este enquadramento jurídico consta do artº 1420º, nº 1, do C. Civil (H. Mesquita, RDES, XXIII, pág. 142). Ou seja, em propriedade horizontal há fracções autónomas e partes comuns. O que não constituir, pelo respectivo título, fracção autónoma, inexiste como coisa corpórea capaz de ser objecto de apropriação individual; é necessariamente parte comum.” (sublinhado nosso)
   Da transcrição feita vê-se que as partes comuns, enquanto tais, não podem ser objecto de qualquer direito de propriedade singular quer dos condóminos quer de terceiros. Assim, enquanto essa natureza jurídica dos lugares de estacionamento dos autos se mantiver, a pretensão da Autora nunca pode proceder apesar de, no plano dos factos, a Autora ter exercido efectivamente sobre os mesmos todos os poderes semelhantes aos de um proprietário durante 20 anos.
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   Será que é mesmo assim?
   Para responder cabalmente a essa questão, há que ir à génese da propriedade horizontal em que o prédio foi constituído cujo registo teve lugar em 9 de Maio de 1991.
   Segundo o artigo 1415º do CC de 1966, lei vigente à data da constituição da propriedade horizontal sub judice, “Só podem ser objecto de propriedade horizontal as fracções autónomas que, além de constituírem unidades independentes, sejam distintas e isoladas entre si, com saída própria para uma parte comum do prédio ou para a via pública.”
   Pelo que, na propriedade horizontal há sempre fracções autónomas e partes comuns cujos direitos, como flui do artigo 1420º, nº 2, do mesmo Código (o correspondente ao artigo 1323º, nº 2, do CC, acima transcrito) são incindíveis.
   No que se refere à sua constituição, dispõe o artigo 1417º, nº 1, do CC de 1966, lei vigente à data em que a propriedade horizontal foi constituída, “A propriedade horizontal pode ser constituída por negócio jurídico, usucapião ou decisão judicial, proferida em acção de divisão de coisa comum ou em processo de inventário.” (sublinhado nosso)
   Além disso, preceitua o artigo 1º do Decreto-Lei nº 31/85/M, de 13 de Abril, também vigente na altura, que “1. Além dos modos previstos no artigo 1417.º do Código Civil, o regime da propriedade horizontal pode ser constituído por destinação do prédio à venda em fracções autónomas prevista no respectivo projecto de construção. 2. Considera-se constituída a propriedade horizontal com a aprovação do projecto instruído nos termos do artigo 2.º”
   Para Henrique Mesquita, A propriedade horizontal no Código Civil português, in Revista de Direito e de Estudos Sociais, pg 92 e ss, a efectiva constituição da propriedade horizontal ocorre quando as fracções autónomas que compõem o prédio passam a pertencer a 2 ou mais condóminos e nos casos mais frequentes de constituição por negócio jurídico inter vivos, designadamente o da compra e venda, a constituição efectiva da propriedade horizontal precede sempre de uma formalidade: o registo do “negócio jurídico unilateral do proprietário pleno do prédio em que este exprime a vontade de sujeitar o edifício ao regime de propriedade horizontal, indicando as partes correspondentes às várias fracções autónoma e fixando o valor relativos de cada uma delas, expresso em percentagem ou permilagem do valor total do prédio”.
   Trata-se do título constitutivo da propriedade horizontal previsto no artigo 1418º do CC de 1966. Segundo esta norma, “No título constitutivo serão especificadas as partes do edifício correspondentes às várias fracções, por forma que estas fiquem devidamente individualizadas, e será fixado o valor relativo de cada fracção, expresso em percentagem ou permilagem do valor total do prédio.”
   Consta da certidão do registo predial do prédio em questão, mais especificamente dos dados constantes de fls 24, que a propriedade horizontal do mesmo foi constituída com base numa certidão emitida pela Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transporte.
   Tendo em conta o disposto no artigo 1º do Decreto- Lei nº 31/85/M acima transcrito, deve-se entender que o projecto de construção aí referido tem a mesma natureza de título constitutivo.
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   Segundo o mesmo Autor, ob. cit., pg 97 a 102, a propósito da natureza e relevância do título constitutivo, “… a partir da sua elaboração, o edifício fica juridicamente dividido, mesmo em relação ao proprietário, em várias fracções autónomas, com individualidade jurídica própria. O proprietário deixa de ter um direito único sobre todo o edifício e passa a ter tantas quantas as fracções autónomas. O título constitutivo é, assim, um acto de divisão de imóvel. … Pelo que respeita, pois, à autonomização das fracções do edifício que preencham os requisitos indicados no art. 1415º, o título constitutivo tem eficácia imediata: ex vi da declaração negocial do proprietário, cada uma dessas fracções passa a constituir um objecto de direitos – uma coisa em sentido jurídico -, com todas as consequências daí resultantes. … Analisado, pois, na sua eficácia imediata, o título constitutivo de que temos vindo a ocupar-nos é, fundamentalmente, um acto gerador da autonomização jurídicas das fracções do edifício que preencham os requisitos indicados no art. 1415º e poderá ser também – acrescenta-se agora – um acto modelador do estatuto da projectada propriedade horizontal, sempre que nele se estabeleçam regras que completem o regime legal ou dele se afastem (na medida em que a lei o permita). Estas regram embora resultantes de uma declaração negocial, adquirem força normativa ou regaladora, vinculando, desde que registadas, os futuros adquirentes das fracções, independentemente do seu assentimento. Não se infira do exposto que a declaração negocial é um acto de reduzido relevo jurídico. Bem pelo contrário, ela reveste-se da maior importância para todos aqueles que venham a adquirir fracções autónomas do prédio. A cada passo acontece que, na fase de negociações destas fracções, muitas vezes ainda nem sequer construídas, se induzem os futuros adquirentes a supor que … , ao contrário do que resulta ou virá a resultar do título constitutivo. … Ou promete-se mesmo a venda de partes do prédio que, à face do futuro título, terão de ser consideradas comuns. Quando assim aconteça, prevalece o que resulta do título constitutivo, dada a natureza real – e, portanto, a eficácia erga omnes – do estatuto que nele se contém, … .” (sublinhado nosso)
   Segundo o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça português, de 14 de Fevereiro de 2008, http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/26f36002b37793bb802573ef004a11b6?OpenDocument, aqui citado a título de direito comparado, “O título constitutivo da propriedade horizontal – que, no caso, teve origem num negócio jurídico unilateral, por escritura pública, levado a cabo pelo construtor do edifício – ‘ é um acto modelador do estatuto da propriedade horizontal e as suas determinações têm eficácia real.’ Nele é especificado o seu conteúdo, não sendo obrigatória a menção do fim a que se destinam as fracções ou as partes comuns, mas se tal acontecer, “prevalece o que resulta do título constitutivo, dada a natureza real – e portanto, a eficácia erga omnes – do estatuto que nele se contém…”.”
   Dessas passagens vê-se a relevância do título constitutivo na definição da natureza e da forma de articulação das diferentes partes que compõem o prédio. Pois, uma vez fixados os seus termos, o título constitutivo dota de uma capacidade de irradiação que vai atingir todo e qualquer interessado que entre em contacto com o prédio. A isso acresce um efeito muito importante: o de cristalização da condição jurídica das diferentes partes que compõem o prédio definida no título constitutivo.
   Assim sendo, os lugares de estacionamento, por serem partes comuns, natureza esta estabelecida no projecto de construção do prédio sub judice, não são passíveis de apropriação individual, designadamente por meio da aquisição prescritiva, se e enquanto se mantiver inalterada esta natureza.
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Modificação do título constitutivo da propriedade horizontal
Daí a razão de ser do pedido de modificação do título constitutivo do prédio formulado pela Autora, no sentido de os lugares de estacionamento passarem a figurar como duas fracções autónomas.
Analisa-se, então, se essa pretensão da Autora procede visto que a alteração da natureza dos lugares de estacionamento é o pressuposto da apropriação individual pretendida pela mesma.
Contra esse pedido, alega a 2ª Ré que os lugares de estacionamento não reúnem os requisitos previstos no artigo 1414º do CC de 1966, lei vigente à data da constituição da propriedade horizontal do prédio.
Conforme o estipulado nessa norma, “Só podem ser objecto de propriedade horizontal as fracções autónomas que, além de constituírem unidades independentes, sejam distintas e isoladas entre si, com saída própria para uma parte comum do prédio ou para a via pública.”
Em comparação com o regime instituído pelo Decreto-Lei nº 25/96/M, de 9 de Setembro, o CC de 1966 é muito mais restritivo. O mesmo acontece quando a comparação se estabelece entre o CC de 1966 e o CC de 1999.
Com efeito, dispõe o artigo 2º do Decreto-Lei nº 25/96/M que “1. Podem ser objecto de propriedade horizontal as fracções autónomas que, além de constituírem unidades independentes, sejam distintas e isoladas entre si, com saída própria para uma parte comum do prédio ou para a via pública. 2. Podem ainda constituir fracções autónomas os lugares de estacionamento, desde que o respectivo espaço seja suficientemente delimitado, mesmo que não constituam unidades distintas e isoladas entre si. 3. Entende-se por espaço suficientemente delimitado a área individualizada pela demarcação, por forma indelével, dos seus limites de contiguidade, com afixação de numeração ou designação própria e, quando seja o caso, a indicação da fracção autónoma a que esteja afecto.”
Por sua vez estatui o artigo 1315º do CC de 1999 que “1. Podem ser objecto de propriedade horizontal as fracções autónomas que, além de constituírem unidades independentes, sejam distintas e isoladas entre si, com saída própria para uma parte comum do condomínio ou para a via pública. 2. Podem ainda constituir fracções autónomas os lugares de estacionamento, desde que o respectivo espaço seja suficientemente delimitado e tenha saída própria para uma parte comum do condomínio ou para a via pública, mesmo que esses lugares não constituam unidades distintas e isoladas entre si. 3. Entende-se por espaço suficientemente delimitado a área individualizada pela demarcação, por forma indelével, dos seus limites de contiguidade, com afixação de numeração ou designação própria e, quando seja o caso, a indicação da designação da fracção autónoma em que esteja integrada, ou a cujo uso exclusivo se ache afecto.”
Uma vez que estão em causa dois lugares de estacionamento que formam em conjunto um compartimento delimitado e fechado, com duas grades ligadas entre si e tem acesso directo à via pública, demarcadas por estas grades e por três paredes e tecto, sem qualquer acesso para o interior do prédio que, os mesmos reúnem os requisitos para aceder ao estatuto de fracção autónoma tanto à luz do Decreto-Lei nº 25/96/M e com à do CC de 1999, mas já não face ao estatuído no CC de 1966.
Pelo que, urge apurar qual dos diplomas é aplicável ao presente caso.
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Trata-se, como é bom de ver, de uma questão da aplicação da lei no tempo dos citados diplomas.
A esse propósito, o legislador do Decreto-Lei nº 25/96/M, acautelou expressamente a situação. Pois, estipulou no artigo 46º o seguinte: “1. … 2. … 3. Os lugares de estacionamento afectados a fracções autónomas poderão ser autonomizados pelos respectivos proprietários, desde que preencham os requisitos previstos nesta lei, mediante acordo dos condóminos com direito a lugar de estacionamento, na memória descritiva. 4. Do acordo de autonomização das fracções a que se referem os números anteriores constará a atribuição a cada um dos condóminos da fracção autónoma que lhe couber, servindo esse acordo como título de registo para o respectivo averbamento de alteração às inscrições.”
Da faculdade prevista nas normas transcritas vê-se que o legislador entendeu que o novo regime fixado no artigo 2º do Decreto-Lei nº 25/96/M é aplicável aos prédios com propriedade horizontal constituída antes da sua entrada em vigor.
Também o legislador do Decreto-Lei nº 39/99/M, de 3 de Agosto, que aprovou o CC de 1999, disciplinou expressamente as situações existentes à data da entrada em vigor deste diploma. Nos termos do artigo 5º desse Decreto-Lei, “1. … 2. … 3. Os lugares de estacionamento afectados a fracções autónomas poderão ser autonomizados na memória descritiva pelos respectivos proprietários, mediante acordo dos condóminos com direito a lugar de estacionamento, desde que preencham os requisitos constantes do regime da propriedade horizontal estabelecido no novo Código. 4. Do acordo de autonomização das fracções a que se referem os números anteriores constará a atribuição a cada um dos condóminos da fracção autónoma que lhe couber, servindo esse acordo como título para o respectivo averbamento de alteração às inscrições no registo predial.”
Tendo a Autora formulado o pedido apenas depois da entrada em vigor do CC de 1999, é este Código que vai determinar os requisitos necessários para a transformação dos lugares de estacionamento em fracções autónomas.
Ora, tendo em conta a condição física dos lugares de estacionamento acima descritos bem como o disposto no artigo 1315º do CC de 1999, estes lugares podem ser transformados em fracções autónomas.
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Resta saber como.
Contra a pretensão da Autora, levantam o 5º Réu e os Habilitados, C e D a seguinte objecção: a transformação dos lugares de estacionamento pretendia só pode proceder-se através da modificação do título constitutivo nos termos do artigo 1321º do CC de 1999 para a qual o tribunal apenas é competente para suprir a falta de unanimidade face à aprovação da proposta de modificação por, pelo menos, 2/3 dos condóminos.
De facto, conforme o artigo 1321º do CC “1.O título constitutivo da propriedade horizontal pode ser modificado mediante deliberação tomada pela unanimidade dos condóminos de todo o condomínio, ou excepcionalmente do respectivo subcondomínio, nos termos da alínea e) do artigo 1367.º, devendo essa deliberação, em qualquer dos casos, constar de documento com as respectivas assinatura reconhecidas; a inobservância do disposto nos artigos 1314.º e 1315.º importa a nulidade da deliberação e a aplicação, com as necessárias adaptações, do disposto no n.º 3 do artigo 1316. 2. Se faltar a unanimidade, mas a proposta de modificação houver obtido o voto favorável de condóminos que representem, pelo menos, dois terços do valor total do condomínio ou do subcondomínio, consoante os casos, pode solicitar-se ao tribunal o suprimento do acordo dos restantes condóminos. 3. … 4. … 5. …”.
Trata-se de uma norma que, apesar de confirmar a necessidade do acordo de todos os condóminos já prevista na norma transitória do Decreto-Lei nº 39/99/M acima transcrito, faculta uma forma aos interessados para suprir a falta deste acordo. No entanto, o legislador impôs a condição de, pelo menos, 2/3 dos condóminos concordarem com a modificação.
Henrique Mesquita, ob. cit., pg 117 e 118, a propósito da regra de unanimidade prevista no artigo 1419º do CC de 1966, defende, já em 1976, que no caso de divisão ou junção de fracções autónomas bem como da usucapião das partes comuns por parte de um condómino, deve ser admitida a modificação do título constitutivo sem o acordo de todos os condóminos, porque não está em causa a alteração da posição relativa dos condóminos.
Porém, tanto o legislador do Decreto-Lei nº 25/96/M como o do CC de 1999 foi apenas sensível aos casos de divisão e junção de fracções autónomas, pois permitiu a modificação do título constitutivo independentemente do acordo de todos os condomínios tão-só nestes casos – artigo 8º do Decreto-Lei nº 25/96/M e artigo 1322º do CC de 1999.
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Nada consta dos factos assentes acerca do número de votos favoráveis dos Réus, condóminos do prédio sub judice.
Assim, nunca se pode concluir que está verificada a condição (acordo de 2/3 dos condóminos na modificação do título constitutivo nos termos pretendidos pela Autora) para que este tribunal possa suprir o consentimento dos condóminos que se opuseram à modificação do título.
Afastada a possibilidade de modificação do título constitutivo, mantém-se o obstáculo para a almejada usucapião dos dois lugares de estacionamento e a resposta a dar à questão formulada na página 26 da presente sentença não pode deixar de ser positiva.
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   Pedidos da Autora
Flui da análise feita que as pretensões de usucapião dos lugares de estacionamento e de modificação do título constitutivo da propriedade horizontal do prédio onde se encontram estes lugares não podem proceder.
Assim, é manifesto que todos os pedidos formulados pela Autora que pressupõe a procedência das pretensões acima referidas também não podem proceder.
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Pedidos da 2ª Ré
   Agrupando os pedidos reconvencionais da 2ª Ré, vê-se que esta pede (1) que os Réus sejam declarados proprietários dos lugares de estacionamento, que a Autora seja condenada a reconhecer este direito de propriedade e a restituir os lugares de estacionamento aos Réus e (2) que a ocupação da Autora seja declarada insubsistente, ilegal, não titulada e de má-fé e esta condenada a indemnizar os Réus pelos prejuízos, danos e despesas que vierem a ser liquidados em execução de sentença bem com a pagar à 2ª Ré a quantia de MOP$853.200,00 a título de frutos na posse de má-fé.
   Antes de entrar na apreciação do mérito dos pedidos, há que aquilatar se a 2ª Ré é parte legítima relativamente aos pedidos por si formulados, pois apenas o de pagamento da quantia de MOP$853.200,00 a título de frutos na posse de má-fé é que diz exclusivamente respeito à mesma.
   Pelo que, a 2ª Ré é parte legítima em relação ao pedido de condenação da Autora no pagamento desta quantia.
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   Relativamente aos pedidos do grupo (1) não se vê qualquer obstáculo.
   É que, dispõe o artigo 1301º do CC que “1. Os comproprietários exercem, em conjunto, todos os direitos que pertencem ao proprietário singular; separadamente, participam nas vantagens e encargos da coisa, em proporção das suas quotas e nos termos dos artigos seguintes. 2. Cada consorte pode reivindicar de terceiro a coisa comum, sem que a este seja lítico opor-lhe que ela lhe não pertence por inteiro.”
   Além disso, no caso de a compropriedade se referir às partes comuns da propriedade horizontal, sustenta o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça português, de 11 de Janeiro de 2011, http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/2d795c26600b71e28025781b00371c38?OpenDocument, aqui citado a título de direito comparado, “No artigo 1420º-1 C. Civil estabelece-se que "cada condómino é proprietário exclusivo da fracção que lhe pertence e comproprietário das partes comuns do edifício". Deste modo, às partes comuns do prédio aplicam-se as regras da compropriedade, o que vale por dizer que a cada condómino é reconhecido o direito de defender, sem qualquer restrição decorrente do regime da propriedade horizontal, eventuais ofensas aos seus direitos sobre partes comuns.”
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   Quanto aos pedidos do grupo (2), o da declaração sobre a natureza da ocupação dos lugares de estacionamento, por força dos mesmos argumentos a Autora também é parte legítima.
   No que se refere ao pedido de pagamento de uma indemnização do grupo (2), a 2ª Ré só pode formular tal pedido em relação aos prejuízos alegadamente por si sofridos. Para os prejuízos alegadamente sofridos pelos demais condóminos, a relação material controvertida não se estabelece entre a Autora e a 2ª Ré – artigo 58º do CPC, não sendo, portanto, a 2ª Ré parte legítima.
   Porém, tendo em conta a análise que se segue relativamente a esse pedido, ao abrigo do disposto no artigo 230º,n º 3, do CPC, não se absolve a Autora da instância relativamente a esta parte do pedido.
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   Posto isto, apreciam-se os pedidos reconvencionais.
   Nos termos do artigo 1235º, nº 1, do CC “1. O proprietário pode exigir judicialmente de qualquer possuidor ou detentor da coisa o reconhecimento do seu direito de propriedade e a consequente restituição do que lhe pertence. 2. Havendo reconhecimento do direito de propriedade, a restituição só poder ser recusada nos casos previstos na lei.”
   Por força da norma do artigo 1323º, nº 1, do CC acima transcrito que os Réus e os Habilitados são proprietários da sua fracção autónoma e comproprietários das partes comuns do prédio a que se referem os presentes autos.
   Ora, afastada a pretensão de usucapião dos lugares de estacionamento por parte da Autora, os Réus continuam a ser comproprietários destes lugares por serem partes comuns do prédio, direito real que se impõe à Autora.
   Pelo que, é de julgar procedente os pedidos do grupo (1) sendo o de declaração no sentido de os Réus serem comproprietários dos lugares de estacionamento.
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   No que se refere aos pedidos do grupo (2), na parte em que se debruçou sobre a pretensão de usucapião da Autora, concluiu-se que a posse da mesma era de boa fé designadamente por não se ter dado como provado que a Autora sabia que os lugares de estacionamento eram parte comum do prédio onde se encontram.
   Porém essa boa fé refere-se ao momento da aquisição da posse – artigo 1184º, nº 1, do CC.
   Para os efeitos pretendidos pela 2ª Ré há que apurar se essa boa fé se manteve.
   Está provado que, a partir de 28 de Outubro de 2010, a Autora tem vido a ser interpelada na pessoa de algumas pessoas que, ocasionalmente, se encontravam nos parques de estacionamento 1 e 2 para os desocupar.
   Será que esse facto é suficiente para fazer cessar a boa fé da Autora?
   Julga-se que não.
   É que, a posse da Autora resultou da cessão da posição contratual feita pelo AA para o qual a Knitters Macau, então proprietária de todas as fracções autónomas do prédio, deu o seu consentimento e a Autora tem vindo o usar e fruir os lugares de estacionamento tendo apenas a partir de 28 de Outubro de 2010 a ser questionada a sua ocupação. Flui da análise feita que a impossibilidade da Autora de aceder à posição jurídica de proprietária dos lugares de estacionamento resulta exclusivamente do facto de a lei impedir que a mesma desacompanhada de, pelo menos, 2/3 de condóminos modifique o título constitutivo. Ora, nada demonstra que a Autora tenha formação jurídica para compreender essa especificidade no plano jurídico. Assim, não se pode afirmar, sem mais, que a Autora, ao recusar os pedidos de desocupação e de restituição, actuou com intenção de lesar ou com conhecimento de que estava a lesar os direitos dos Réus e Habilitados.
   No entanto, não se pode olvidar o disposto no artigo 401º do CPC. Segundo esse preceito “Além de outros, especialmente prescritos na lei, a citação produz os seguintes efeitos: a) Faz cessar a boa fé do possuidor. ”
   Por força dessa norma a boa fé da Autora cessou no dia 3 de Fevereiro de 2012 visto que a carta de notificação da contestação da 2ª Ré foi enviada à Autora no dia 31 de Janeiro de 2012 (cfr. cópia da carta de fls 327).
   Portanto, a posse da Autora passou a ser de má fé a partir de 4 de Fevereiro de 2012.
   Declara-se, portanto, que a posse da Autora é de má fé a partir dessa data.
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   Relativamente ao pedido de condenação da Autora no pagamento de uma indemnização pelos prejuízos, danos e despesas que vierem a ser liquidados, há que ter em conta que apenas foi alegado que a 2ª Ré e os restantes condóminos foram impossibilitados de utilizar os parques de estacionamento devido à ocupação da Autora e tão-só ficou provado que “2ª Ré e os proprietários da fracção “A1” têm sido impossibilitados de utilizar os parques de estacionamento devido à ocupação da Autora”. Nada mais foi alegado acerca dos concretos prejuízos dessa não utilização dos parques.
   Será o facto acima transcrito suficiente para exigir uma indemnização cujo valor será fixado em execução de sentença?
   Julga-se que não.
   Senão, vejamos.
   É verdade que o artigo 564º, nº 2, do CPC dispõe que, “Se não houver elementos para fixar o objecto ou a quantidade, o tribunal condena no que se liquidar em execução de sentença, sem prejuízo de condenação imediata na parte que já seja líquida.”
   Contudo, não se pode olvidar que a 2ª Ré nem sequer indicou os valores dos prejuízos tidos até à propositura da presente acção nem justificou a razão por que não lhe foi possível apresentar os respectivos valores.
   Ora, a condenação nos termos do artigo 564º, nº 2, do CPC só ocorre quando não existem objectivamente elementos para fixar o objecto ou a quantidade da condenação ou os mesmos não são conhecidos pelos demandantes por facto a eles não imputável e não nos casos em que a falta de elementos se verifica por falha de alegação ou prova dos respectivos factos quando nada obsta a sua alegação e prova.
   Também assim sustenta o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça português, de 17 de Janeiro de 1995, BMJ, 443º, pg 395 a 407. De facto, vem afirmado nesse arresto o seguinte: “Da nossa parte, pendemos a crer que o n.º 2 do artigo 661.º (o correspondente ao artigo 564º, nº 2, do CPC de Macau) só permite remeter para execução de sentença quando não houver elementos para fixar o objecto ou a quantidade, mas entendida esta falta de elementos não como a consequência do fracasso da prova, na acção declarativa, sobre o objecto ou a quantidade mas sim como a consequência de ainda se não conhecerem, com exactidão, as unidades componentes da universalidade ou de ainda se não terem revelado ou estarem em evolução algumas ou todas as consequências do facto ilícito, no momento da propositura da acção declarativa; isto é, a carência de elementos não se refere à inexistência de prova dos factos já produzidos e que foram alegados e submetidos a prova, embora se não tivessem provados, mas sim à inexistência de factos provados, porque estes factos ainda não eram conhecidos ou estavam em evolução, aquando da propositura da acção, ou que como tais se apresentaram no momento da decisão de facto.” (sublinhado nosso)
   No presente caso, o que está em discussão são não apenas prejuízos futuros mas também prejuízos alegadamente já tidos visto que a ocupação teve lugar antes da propositura da presente acção. Assim, não se vislumbra qualquer obstáculo à 2ª Ré indicar, pelo menos, os prejuízos já sofridos.
   Improcede, pois, o pedido de condenação da Autora ao pagamento de uma indemnização correspondente aos prejuízos, danos e despesas que vierem a ser liquidados em execução de sentença.
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   Da conjugação das normas dos artigos 1195º, nº 1, e 1196º do CC conclui-se que a Autora pode ficar com os frutos produzidos pelos lugares de estacionamento por si possuídos até 3 de Fevereiro de 2012 devendo restituir os que se produziram desde 4 de Fevereiro de 2012 e que produzirão até o termo da sua posse, ou seja, a restituição dos lugares de estacionamento aos Réus.
   O que ficou apurado é apenas o valor Autora recebeu pelo arredamento dos lugares de estacionamento mas já não os que recebeu e receberá desde 4 de Fevereiro de 2012. Assim, nada resta senão relegar a liquidação do respectivo valor na fase da execução da presente sentença – artigo 564º, nº 2, do CPC.
   Há, contudo, um aspecto que deve ser tido em conta: apenas o uso do lugar de estacionamento nº 2 está afectado à 2ª Ré. Assim, à mesma só assiste o direito de receber os frutos produzidos pelo lugar de estacionamento nº 2 até restituição deste lugar de estacionamento à 2ª Ré.
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IV – Decisão (裁 決):
   Em face de todo o que fica exposto e justificado, o Tribunal julga improcedente a acção e parcialmente procedente a reconvenção e, em consequência, decide:
1. Absolve os Réus, E, Lda., F e mulher G, O, P, Q e mulher R, S e mulher T, U e mulher V, W, Lda. e X, e Habilitados, C e mulher D, I e mulher J, K e mulher L, M e mulher N, dos pedidos formulados pela Autora;
2. Declarar os Réus e Habilitados comproprietários dos lugares de estacionamento com os nºs 1 e 2 do rés-do-chão que integram as partes comuns de um prédio urbano destinado a indústria sito na Avenida de xxxxxx, nºs xxx, xxx, xxx, e Istmo de xxxxxx, nºs xxx, xxx, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº xxxxx, a fls. 157 do livro B45;
3. Condenar a Autora a reconhecer o direito de compropriedade dos Réus e Habilitados;
4. Condenar a Autora a restituir os lugares de estacionamento aos Réus e Habilitados;
5. Declarar que a posse da Autora sobre os citados lugares de estacionamento de má fé a partir de 4 de Fevereiro de 2012;
6. Condenar a Autora a pagar à 2ª Ré, E, Lda., os frutos na posse do lugar de estacionamento nº 2 produzidos a partir de 4 de Fevereiro de 2012 até à restituição deste lugar de estacionamento à 2ª Ré, cujo valor é liquidado em execução da presente sentença;
7. Absolver a Autora dos restantes pedidos reconvencionais formulados pela 2ª Ré.
   Custas da acção pela Autora e custas da reconvenção pela Autora e 2ª Ré, na proporção de 80% para a Autora e 20% para a 2ª Ré.
   Registe e Notifique...”.
Trata-se dum entendimento que aponta para a boa solução do caso e que está em conformidade com o regime jurídico vigente, com o qual concordamos na sua íntegra.
Nesta conformidade e nos termos do nº 5 do artº 631º do CPCM, nega provimento ao recurso com os fundamentos invocados na decisão recorrida.
*
IV – Decisão
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em negar provimento ao recurso interposto, confirmando a sentença recorrida.
*
Custas pela Autora.
Notifique e registe.
*
RAEM, aos 19 de Janeiro de 2017.
Ho Wai Neng
José Cândido de Pinho
Tong Hio Fong



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780/2016