Processo nº 939/2016 Data: 19.01.2017
(Autos de recurso penal)
Assuntos : Liberdade condicional.
Pressupostos.
SUMÁRIO
1. A liberdade condicional não é uma “medida de clemência”, constituindo uma medida que faz parte do normal desenvolver da execução da pena de prisão, manifestando-se como uma forma de individualização da pena no fito de ressocialização, pois que serve um objectivo bem definido: o de criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, durante o qual o delinquente possa, equilibradamente, recobrar o sentido de orientação social fatalmente enfraquecido por efeito da reclusão.
2. É de conceder caso a caso, dependendo da análise da personalidade do recluso e de um juízo de prognose fortemente indiciador de que o mesmo vai reinserir-se na sociedade e ter uma vida em sintonia com as regras de convivência normal, devendo também constituir matéria de ponderação, a defesa da ordem jurídica e da paz social.
O relator,
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José Maria Dias Azedo
Processo nº 939/2016
(Autos de recurso penal)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
Relatório
1. B (B), com os restantes sinais dos autos e ora preso no Estabelecimento Prisional de Coloane (E.P.C.), vem recorrer da decisão que lhe negou a concessão de liberdade condicional, motivando para, a final, concluir, imputando à decisão recorrida o vício de violação do disposto no art. 56° do C.P.M.; (cfr., fls. 88 a 105 que como as que adiante se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os legais efeitos).
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Em resposta, pugna o Exmo. Magistrado do Ministério Público no sentido da improcedência do recurso; (cfr., fls. 107 a 108-v).
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Em sede de vista, juntou o Exmo. Representante do Ministério Público douto Parecer, opinando também no sentido da improcedência do recurso; (cfr., fls. 170 a 171).
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Corridos os vistos legais dos Mmos Juízes-Adjuntos, e nada obstando, vieram os autos à conferência.
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Passa-se a decidir.
Fundamentação
Dos factos
2. Flui dos autos a factualidade seguinte (com relevo para a decisão a proferir):
– por Acórdão do T.J.B. de 15.05.2014, foi, B, ora recorrente, condenado como autor da prática em concurso de 1 crime de “tráfico de estupefacientes”, e outro de “consumo ilícito de estupefacientes”, na pena única de 5 anos e 1 mês de prisão;
– o mesmo recorrente, deu entrada no E.P.C. em 11.06.2013, e em 30.10.2016, cumpriu dois terços da referida pena, vindo a expiar totalmente a mesma pena em 11.07.2018;
– em caso de vir a ser libertado, irá viver com a sua família (pais), de quem tem tido visitas, possuindo proposta de emprego.
Do direito
3. Insurge-se o ora recorrente contra a decisão que lhe negou a concessão de liberdade condicional, afirmando, em síntese, que se devia considerar que reunidos estão todos os pressupostos do art. 56° do C.P.M. para que tal libertação antecipada lhe fosse concedida.
Cremos porém que se deve julgar improcedente a pretensão deduzida.
Vejamos.
— Preceitua o citado art. 56° do C.P.M. (que regula os “Pressupostos e duração” da liberdade condicional) que:
“1. O tribunal coloca o condenado a pena de prisão em liberdade condicional quando se encontrarem cumpridos dois terços da pena e no mínimo 6 meses, se:
a) For fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes; e
b) A libertação se revelar compatível com a defesa da ordem jurídica e da paz social.
2. A liberdade condicional tem duração igual ao tempo de prisão que falte cumprir, mas nunca superior a 5 anos.
3. A aplicação da liberdade condicional depende do consentimento do condenado”; (sub. nosso).
Constituem, assim, “pressupostos objectivos” ou “formais”, a condenação em pena de prisão superior a seis (6) meses e o cumprimento de dois terços da pena, num mínimo de (também) seis (6) meses; (cfr. n.° 1).
“In casu”, atenta a pena única que ao recorrente foi fixada, e visto que se encontra ininterruptamente preso desde 11.06.2013, expiados estão já dois terços de tal pena, pelo que preenchidos estão os ditos pressupostos formais.
Todavia, e como é sabido, tal “circunstancialismo” não basta, já que não sendo a liberdade condicional uma medida de concessão automática, impõe-se para a sua concessão, a verificação cumulativa de outros pressupostos de natureza “material”: os previstos nas alíneas a) e b) do n.° 1 do referido art. 56°.
Com efeito, importa ter em conta que a liberdade condicional não é uma “medida de clemência”, constituindo uma medida que faz parte do normal desenvolver da execução da pena de prisão, manifestando-se como uma forma de individualização da pena no fito de ressocialização, pois que serve um objectivo bem definido: o de criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, durante o qual o delinquente possa, equilibradamente, recobrar o sentido de orientação social fatalmente enfraquecido por efeito da reclusão; (cfr., v.g., J. L. Morais Rocha e A. C. Sá Gomes in “Entre a Reclusão e a Liberdade – Estudos Penitenciários”, Vol. I, em concreto, “Algumas notas sobre o direito penitenciário”, IV cap., pág. 41 e segs.).
Na esteira do repetidamente decidido nesta Instância, a liberdade condicional “é de conceder caso a caso, dependendo da análise da personalidade do recluso e de um juízo de prognose fortemente indiciador de que o mesmo vai reinserir-se na sociedade e ter uma vida em sintonia com as regras de convivência normal, devendo também constituir óbviamente matéria de ponderação, a defesa da ordem jurídica e da paz social”; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 24.11.2016, Proc. n.° 798/2016, de 07.12.2016, Proc. n.° 873/2016 e de 13.12.2016, Proc. n.° 919/2016).
Assim, detenhamo-nos na apreciação de tais pressupostos de natureza material.
Ponderando na factualidade atrás retratada, poder-se-á dizer que é fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes, mostrando-se a pretendida liberdade condicional compatível com a defesa da ordem jurídica e paz social?
Cremos que de sentido positivo deve ser a resposta.
De facto, o recluso ora recorrente, era primário antes de condenação que agora cumpre, demonstra arrependimento pela sua conduta, reconhecendo o seu desvalor – aliás, cometeu o crime com pouco mais de 20 anos de idade – tem desenvolvido um comportamento prisional pelo Director do E.P.C. considerado adequado, tendo também vontade e apoio da família (que o visita) para levar uma “vida nova” e possuindo perspectivas de emprego.
Por sua vez, (e sem esquecer a natureza dos crimes cometidos), ponderando na pena aplicada, no período de pena expiado, e no que falta cumprir, não se olvidando que em causa está um crime de “tráfico”, mas que, no caso, grande não era a quantidade de estupefaciente, o que também levou o Tribunal a fixar uma pena de 5 anos de prisão por tal crime, e tendo-se também em conta que viável é o referido “juízo de prognose favorável”, crê-se que se deve atender à pretensão em questão, desde que ao recorrente se fixem certas obrigações que terá que observar – durante o período que se mantiver em liberdade condicional sob pena da revogação da medida agora em questão – e que são a junção aos autos de documento comprovativo da sua ocupação profissional no prazo de 1 mês após a sua libertação, a não frequência das salas de jogo, a sua apresentação mensal na P.S.P., com início no dia seguinte ao da sua liberação, devendo, também, cumprir o programa que lhe vier a ser traçado pelo Departamento de Reinserção Social.
Assim, em face das expostas considerações, e verificados se mostrando de considerar os pressupostos do art. 56°, n.° 1 do C.P.M., há que revogar a decisão recorrida, concedendo-se a liberdade condicional ao ora recorrente nos exactos termos consignados.
Decisão
4. Nos termos e fundamentos expostos, em conferência, acordam conceder provimento ao recurso.
Passem-se os competentes mandados de soltura.
Sem custas.
Honorários ao Exmo. Defensor Oficioso no montante de MOP$1.800,00.
Envie-se cópia à P.S.P. e ao D.R.S..
Macau, aos 19 de Janeiro de 2017
(Relator)
José Maria Dias Azedo
(Primeiro Juiz-Adjunto)
Chan Kuong Seng
(Segunda Juiz-Adjunta)
Tam Hio Wa
Proc. 939/2016 Pág. 12
Proc. 939/2016 Pág. 11