Processo nº 402/2016 Data: 19.01.2017
(Autos de recurso penal)
Assuntos : Crime de “fuga à responsabilidade”.
Pena de multa.
Taxa diária.
SUMÁRIO
1. A “pena de multa” não deve ser encarada de ânimo leve pelos condenados, pois que (também) se destina a satisfazer as “finalidades da punição”, não constituindo uma mera despesa – corrente – do condenado ou do seu agregado familiar.
2. Imperativa é pois uma adequada ponderação quanto ao “património do condenado”, porém, como “verdadeira pena”, não pode converter-se em “cómodo negócio”, havendo de constituir algum “sacrifício (económico)” para o condenado, sem que, contudo, se transforme num “rigor injusto” e de impossível cumprimento.
Importa ter em conta que uma pena de multa que, a final, represente um “valor insignificante” (ou simbólico), não tem quaisquer potencialidades para lograr as “finalidades da punição”, (tal com elas estão legalmente previstas no art. 40° do C.P.M.), nem contribuirá para que a comunidade sinta que a ordem jurídica tutela adequadamente os seus interesses, (sendo mesmo caso para dizer que nem mesmo o arguido sentirá que o “crime não compensa”, havendo o risco de vir a considerar até que “vale a pena”, podendo-se repetir, face à suavidade da justiça criminal).
Daí que se devem evitar penas de multa fixadas junto ao seu mínimo, devendo-se reservar estas para arguidos com comprovada “situação económica difícil”.
O relator,
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José Maria Dias Azedo
Processo nº 402/2016
(Autos de recurso penal)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
Relatório
1. A, respondeu, no T.J.B., vindo, a final, a ser condenado pela prática de 1 crime de “fuga à responsabilidade”, p. e p. pelo art. 89° da Lei n.° 3/2007, na pena de multa de 90 dias, à taxa diária de MOP$1.000,00, perfazendo um total de MOP$90.000,00 ou 60 dias de prisão subsidiária, e na pena acessória de inibição de condução por 6 meses; (cfr., fls. 130 a 132-v que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).
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Inconformado, o arguido recorreu.
Motivou para concluir afirmando o que segue:
“I. Veio o Recorrente interpor recurso insurgindo-se contra a decisão que o condenou na pena de 90 dias de multa à taxa diária de MOP$1,000.00 (mil patacas) num total de MOP$90,000.00 (noventa mil patacas) ou 60 dias de prisão subsidiária, no que toca unicamente ao quantum da taxa diária da pena de multa fixada em MOP$1,000.00 (mil patacas), porquanto, a referida taxa diária revela-se excessiva e por isso violadora do conteúdo das normas vertidas, no art. 40°, 45° e 65° do Código Penal.
II. Violação essa, a qual inquina a decisão ora recorrida com o vício de erro de direito previsto no n.° 1 do art. 400° do Código de Processo Penal.
III. Nos termos da Lei, a determinação da pena concreta deve achar-se no âmbito da moldura abstracta prevista para o respectivo tipo de crime, sempre tendo por fórmula base os critérios gerais estabelecidos no n.° 1 do art. 65.° do Código Penal e os critérios especiais constantes do n.° 2, como seja, o grau de ilicitude, modo de execução, gravidade das consequências, intensidade do dolo, fins ou motivos, condições pessoais do agente, conduta anterior e posterior ao facto.
IV. A determinação da medida concreta da pena, neste caso pena de multa, há-de efectuar-se em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, quer a prevenção geral positiva ou de integração (protecção de bens jurídicos), quer a prevenção especial (reintegração do agente na sociedade) – art. 40°, n.° 1 e 45° do CP –, funcionando a culpa como limite máximo que aquela pena não pode ultrapassar (n.° 2 do art. 40° do CP).
V. A determinação da medida de pena prevista no artigo 65.° do CPM é a reflexão do princípio de que a pena não pode ultrapassar a culpa, conjugado com o espírito do artigo 40.°, n.° 2 do CPM, ou seja, quando houver circunstâncias concretas que mostrarem mais favoráveis ao Recorrente, devem as mesmas ser atendidas, e só assim é que se pode reflectir e garantir os bens jurídicos do agente.
VI. In casu, a pena de multa concretamente aplicada ao ora Recorrente, não espelha os princípios supra referidos, não tomando em consideração os princípios da proporcionalidade e adequação que nitidamente se patenteiam em todo o texto legal quer do art. 45° quer dos n.°s 1 e 2 do art. 65°, ambos do Código Penal.
VII. Uma vez que, tendo ficado provado que o Arguido ora Recorrente aufere um rendimento mensal cerca de MOP$65,000.00 (sessenta e cinco mil patacas) e tem a seu cargo os pais, mulher e uma filha, não deveria ao Arguido ter sido fixada a taxa diária de MOP$1,000 (mil patacas) para os 90 dias de multa que lhe foram aplicados num total de MOP$90,000 (noventa mil patacas).
VIII. Tal quantum diário revela-se muito além, e por isso desajustado, da capacidade económica que o Arguido deixou demonstrada nos presentes autos.
IX. Conforme se pode facilmente concluir, auferindo um salário mensal de cerca de MOP$65,000.00 e tendo que sustentar os seus pais mulher e uma filha, é de todo impossível o Arguido poder pagar uma multa que representa quase um salário e meio daquilo que aufere por mês.
X. A imposição de tal pagamento, não só se revela completamente desproporcional á actual situação financeira do Arguido, como também representa a constituição de uma obrigação de cumprimento impossível.
XI. Daí dizer-se que tal imposição se revela totalmente violadora da ratio legis estabelecida no n.° 2 do art. 45° do Código Penal, a qual, à semelhança daquilo que acontece na norma vertida na alínea a) do n.° 1 do art. 706° do Código de processo Civil, visa proteger o direito à sustentabilidade económica mínima a que cada cidadão tem direito, designadamente, para que o mesmo face à imposição do cumprimento de uma determinada obrigação pecuniária não seja colocado numa situação de precariedade económica e quiça até de sobrevivência.
XII. Encontra-se por isso a decisão recorrida eivada do vício de erro de direito previsto no n.° 1 do art. 400° do Código de Processo Penal, o que determina a revogação da decisão ora recorrida na parte em que fixa o quantum diário da multa aplicada ao Arguido no valor de MOP$1.000.00 (mil patacas) e a sua consequentemente substituição por outra decisão que venha fixar um quantum diário mais baixo à pena de multa de 90 dias então aplicada, a qual esteja de acordo com a actual e real situação financeira do Arguido que por sua vez deverá ter por referência o salário mensal de MOP$65,000.00 e, bem assim, o facto de o Arguido ter que prover ao seu próprio sustento e bem assim ter que contribuir no sustento dos seus pais, mulher e filha, dos quais é o único suporte financeiro”; (cfr., fls. 139 a 146).
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Respondendo, diz o Ministério Público que o recurso não merece provimento; (cfr., fls. 148 a 150).
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Admitido o recurso e remetidos os autos a este T.S.I., deu-se observância ao estatuído no art. 406° do C.P.P.M..
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Em sede de vista, juntou o Ilustre Procurador Adjunto o seguinte douto Parecer:
“1. Do recurso da sentença condenatória
Na Motivação de fls.139 a 146 dos autos, o ora recorrente assacou à douta sentença a violação do disposto no n.°2 do art.45° do Código Penal, argumentando que «Se é certo que relativamente à escolha da pena de 90 dias de multa nenhum reparo nos merece a decisão recorrida» e «O mesmo já não se pode dizer relativamente à fixação do quantum diário da referida multa no valor de MOP$1.000,00 (mil patacas)».
Antes de mais, subscrevemos as criteriosas explanações da ilustre colega na douta Resposta (cfr. fls.148 a 149v. dos autos), aí se encontra a cabal e acertada impugnação dos argumentos do recorrente.
Com efeito, o recorrente cometeu dolosamente o crime de fuga à responsabilidade, e não se descortina in casu nenhuma circunstância atenuante, pelo contrário, a sua conduta mostra altamente censurável, em virtude de que «而且,嫌犯在教育局門口被截,該地點距離案發地點一大段距離,根本上,面對着如此猛烈的碰撞〔由碰撞後車輛的損毀(見第5頁)可以推測到碰撞的程度〕,第一嫌犯無可能不知道碰撞發生,第二當發現兩受害人倒地時,就應該立即停車,嫌犯卻選擇離開,而且一路上如果要停車,在政府綜合大樓可以,八角亭巴士站也可以,而嫌犯卻選擇一路駕駛,這一路上嫌犯心想的是什麼?意圖是非常明顯的。»
De outro lado, tomando em linha de conta o facto provado de que o recorrente aufere o rendimento mensal cerca de $65,000.00 patacas, a quantia diária (da multa) fixada em $1,000.00 patacas pela MMa Juiz a quo na douta sentença recorrida não é pesada nem desequilibrada.
Dado que ele poderá, querendo, solicitar o pagamento em prestação da multa aplicada na totalidade $90,000.00 patacas, afigura-se-nos que a sobredita quantia diária não chegará a pôr em causa a sustentação de si próprio e dos seus familiares.
O que implica a improcedência deste recurso.
(…)”; (cfr., fls. 197 a 198).
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Cumpre decidir; (certo sendo que em sede de exame preliminar se deu solução ao recurso de fls. 166 a 179 dos autos).
Fundamentação
Dos factos
2. Estão provados e não provados os factos como tal elencados no Acórdão recorrido a fls. 130-v, e que aqui se dão como integralmente reproduzidos.
Do direito
3. Vem o arguido recorrer da sentença que o condenou como autor da prática de 1 crime de “fuga à responsabilidade”, p. e p. pelo art. 89° da Lei n.° 3/2007, na pena de multa de 90 dias, à taxa diária de MOP$1.000,00, perfazendo um total de MOP$90.000,00 ou 60 dias de prisão subsidiária, e na pena acessória de inibição de condução por 6 meses.
Diz, apenas, (e em síntese) que a “taxa diária revela-se excessiva e por isso violadora do conteúdo das normas vertidas, no art. 40°, 45° e 65° do Código Penal”.
Outra questão não colocando e nenhuma outra havendo de conhecimento oficioso, vejamos.
Nos termos do art. 89° da Lei n.° 3/2007:
“Quem intervier num acidente e tentar, fora dos meios legais ao seu alcance, furtar-se à responsabilidade civil ou criminal em que eventualmente tenha incorrido é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias”.
Importa, por sua vez, ter também em conta o estatuído no art. 45° do C.P.M., que prescreve que:
“1. A pena de multa é fixada em dias, de acordo com os critérios estabelecidos nos n.os 1 e 2 do artigo 65.º, tendo, em regra, o limite mínimo de 10 dias e o máximo de 360.
2. Cada dia de multa corresponde a uma quantia entre 50 e 10 000 patacas, que o tribunal fixa em função da situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos pessoais.
3. Sempre que a situação económica e financeira do condenado o justificar, o tribunal pode autorizar o pagamento da multa dentro de um prazo que não exceda 1 ano, ou permitir o pagamento em prestações, não podendo a última delas ir além dos 2 anos subsequentes à data do trânsito em julgado da condenação; dentro dos limites referidos e quando motivos supervenientes o justificarem, os prazos de pagamento inicialmente estabelecidos podem ser alterados.
4. A falta de pagamento de uma das prestações importa o vencimento das restantes”.
Perante isto, que dizer do quantum da “pena de multa” fixada?
Pois bem, temos como adequado o entendimento segundo o qual a “pena de multa” não deve ser encarada de ânimo leve pelos condenados, pois que (também) se destina a satisfazer as “finalidades da punição”, não constituindo uma mera despesa – corrente – do condenado ou do seu agregado familiar; (nesse sentido, cfr., v.g., o Ac. da Rel. do Porto de 01.06.2016, Proc. n.° 1187/08, in “www.dgsi.pt”).
Imperativa é pois uma adequada ponderação quanto ao “património do condenado”, porém, como “verdadeira pena”, não pode converter-se em “cómodo negócio”, havendo de constituir algum “sacrifício (económico)” para o condenado, sem que, contudo, se transforme num “rigor injusto” e de impossível cumprimento.
Importa ter em conta que uma pena de multa que, a final, represente um “valor insignificante” (ou simbólico), não tem quaisquer potencialidades para lograr as “finalidades da punição”, (tal com elas estão legalmente previstas no art. 40° do C.P.M.), nem contribuirá para que a comunidade sinta que a ordem jurídica tutela adequadamente os seus interesses, (sendo mesmo caso para dizer que nem mesmo o arguido sentirá que o “crime não compensa”, havendo o risco de vir a considerar até que “vale a pena”, podendo-se repetir, face à suavidade da justiça criminal).
Daí que se devem evitar penas de multa fixadas junto ao seu mínimo, devendo-se reservar estas para arguidos com comprovada “situação económica difícil”.
Nesta conformidade, ponderando no estatuído no n.° 2 do transcrito art. 45°, e tendo em conta que provado está que o arguido ora recorrente aufere mensalmente um vencimento de MOP$65.000,00 e que tem a seu cargo os pais, sua esposa e uma filha, cremos porém que se pode proceder a uma atenuação da taxa diária fixada pelo T.J.B., considerando-se justa e adequada a taxa de MOP$600,00 por dia, perfazendo assim uma multa global de MOP$54.000,00, (mantendo-se, no restante, o decidido).
Decisão
4. Em face do exposto, em conferência, acordam conceder provimento ao recurso.
Sem custas.
Macau, aos 19 de Janeiro de 2017
José Maria Dias Azedo
Chan Kuong Seng
Tam Hio Wa
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Proc. 402/2016 Pág. 15