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Proc. nº 137/2016
Recurso Contencioso
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 19 de Janeiro de 2017
Descritores:
-Interdição de entrada
-Indícios
-Perigo para a segurança e ordem públicas
-Conceito indeterminado
-Princípio da proporcionalidade e adequação

SUMÁRIO:

I. Fortes indícios da prática de crime existem quando, de acordo com os elementos probatórios recolhidos em determinada fase processual, se prevê que o agente terá muito provavelmente que ser condenado numa pena ou medida de segurança. Mas por ser um conceito indeterminado, a intenção do legislador é conferir uma margem de livre apreciação à Administração, no sentido de o densificar com recurso a um juízo de prognose, face às especificidades de cada caso concreto, cuja disciplina escapa à fiscalização judicial, sendo só sindicável em caso de erro grosseiro e manifesto.

II. “Perigo efectivo” e “perigo para a ordem e segurança públicas” constituem também conceitos jurídicos indeterminados, os quais podem ser sujeitos a interpretação jurisdicional, sem que, porém, possam ser sindicados na zona de incerteza e de prognose sobre comportamento futuro das pessoas visadas que eles conferem à actuação administrativa, salvo em caso de manifesto e ostensivo erro grosseiro e tosco.

III. Ao Tribunal não compete dizer se o período de interdição de entrada fixado ao recorrente foi ou não proporcional à gravidade, perigosidade ou censurabilidade dos actos que a determinam, se tal período foi o que o Tribunal teria aplicado se a lei lhe cometesse tal atribuição. Essa é uma avaliação que cabe exclusivamente à Administração. O papel do Tribunal é o de concluir se houve erro manifesto ou total desrazoabilidade no exercício de poderes discricionários, por violação do princípio da proporcionalidade ou outro.

IV. O princípio da proporcionalidade manifestado no nº4, do art. 12º citado não se pode dizer ferido se a actuação administrativa na fixação do período de interdição não se mostra eivada de erro manifesto e intolerável.






Proc. nº 137/2016

Acordam no Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M.

I - Relatório
A, do sexo masculino, titular do BIRPHK n.º XXX, residente no XXX, Hong Kong, -----
Recorre contenciosamente, -----
Do despacho do Ex.mo Secretário para a Segurança, datado de 18 de Novembro de 2015, pelo qual confirmou o recurso hierárquico necessário interposto da decisão do Comandante da CPSP, de 8/09/2015 que interditou o recorrente de entrada na RAEM pelo período de 3 anos.
Na petição inicial, o recorrente formulou as seguintes conclusões:
“ (1) O despacho do Secretário indicou apenas que “concordo com o relatório do Comandante do CPSP de 11 de Novembro de 2015...”, mas o órgão competente nunca notificou o recorrente do relatório supracitado, e o despacho do Secretário também não indicou outro fundamento.
(2) A entidade recorrida não pode fundamentar a sua decisão apenas com um relatório de que nunca foi notificado o recorrente, portanto, o despacho recorrido padeceu do vicio de falta de fundamentação, devendo ser anulado nos termos do art.º 114.º n.º 1 al.s b) e c), art.º 115.º n.ºs 1 e 2 e do art.º 124.º do Código do Procedimento Administrativo, em conjugado com o art.ºs 20.º e 21.º n.º 1 al. c) do Código do Processo Administrativo Contencioso.
(3) Além disso, o recorrente não cometeu nenhum crime em Macau, nomeadamente não ofendeu corpo de outrem em 15 de Julho de 2015, nem constitui perigo à segurança e ordem públicas da Região, portanto, ao recorrente não deve ser aplicada a medida de interdição de entrada em Macau.
(4) O recorrente já prestou declaração em 15 de Julho de 2015 perante o investigador do CPSP, quer os outros suspeitos e a ofendida que foram chamados, no mesmo dia, pelo CPSP para prestarem auxílio à investigação, quer o registo vídeo, provaram que o recorrente não tinha agredido nem ofendido esta ofendida!
(5) Evidentemente, o despacho do Secretário deve ser anulado por padecer do vício de erro nos pressupostos de facto.
(6) Na fase actual, o recorrente ainda não foi condenado pelo Tribunal, nem foi acusado, nem será, de grande possibilidade, acusado, neste caso, a medida de interdição de entrada em Macau deve ser anulada por violar o princípio da presunção de inocência.
(7) Além disso, este despacho do Secretário aplicou erradamente o disposto no art.º 4.º n.º 2 al. 3) da Lei n.º 4/2003, não existe provas de o recorrente ter agredido esta mulher, portanto, não há fortes indícios de que o recorrente tinha cometido crime.
(8) Ademais, -este despacho do Secretário aplicou erradamente os dispostos no art.º 12.º n.º 3 da Lei n.º 6/2004 e no art.º 4.º n.º 2 al. 3) da Lei n.º 4/2003, a acusação do crime de ofensa simples à integridade física de outrem tem por base a relação entre o agente e o lesado, com circunstância leve, pelo que, o legislador apenas qualifica o crime de ofensa simples à integridade física como crime semi-público (nos termos do art.º 137.º n.º 2 do Código Penal), portanto, não se pode deduzir daí que o recorrente constitui perigo à segurança e ordem públicas da Região.
(9) Este despacho do Secretário deve ser anulado por aplicação errada dos dispostos no art.º 4.º da Lei n.º 4/2003 e no art.º 12.º da Lei 6/2004.
(10) O recorrente era comerciante rico, tinha bom comportamento, nunca cometeu crime penal em Macau, nem tinha antecedentes criminais. O recorrente dedicou-se às actividades de comércio entre Macau e Hong Kong, a interdição de entrada do recorrente em Macau vai afectar gravemente o negócio do recorrente.
(11) Nos termos do art.º 12.º n.º 4 da Lei n.º 6/2004, o período de interdição de entrada deve ser proporcional à gravidade, perigosidade ou censurabilidade dos actos que a determinam. Portanto, o despacho do Secretário no sentido de interdição de entrada do recorrente na RAEM pelo período de 3 anos deve ser anulado por violação evidente dos princípios da proporcionalidade e da adequação e por manifesto erro ou irracionalidade absoluta do poder discricionário.
Face ao exposto, solicita-se ao MM.º Juiz que julgue procedente o recurso contencioso e anule o despacho do Secretário para a Segurança de 18 de Novembro de 2015 no sentido de manutenção da interdição de entrada do recorrente em Macau pelo período de 3 anos.».
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Sem concluir, a entidade administrativa recorrida apresentou contestação, sustentando a improcedência do recurso, em termos que aqui damos por reproduzidos para todos os efeitos.
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Nenhuma das partes apresentou alegações facultativas.
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O digno Magistrado do MP emitiu o seguinte parecer:
“Objecto do presente recurso contencioso é o despacho de 18 de Novembro de 2015, da autoria do Exm.º Secretário para a Segurança, que, em sede de recurso hierárquico, confirmou a interdição de entrada do recorrente A na Região Administrativa Especial de Macau pelo período de três anos.
Estava em causa a existência de fortes indícios de que o recorrente, juntamente com outros indivíduos, incorrera no crime de ofensa à integridade física, praticado na pessoa de uma devedora de empréstimo monetário, bem como o perigo que um tal comportamento representava para a segurança e ordem públicas da Região Administrativa Especial de Macau - cf. disposições normativas conjugadas dos artigos 4.º, n.º 2, alínea 3), da Lei 4/2003 e 12.º, n.ºs 2, alínea 1), 3 e 4, da Lei n.º 6/2004.
O recorrente acha que o acto padece de falta de fundamentação e dos vários vícios de violação de lei que lhe imputa na sua petição de recurso - erro nos pressupostos de facto, violação do princípio da presunção de inocência, violação dos artigos 4.º, n.º 2, alínea 3), da lei 4/2003, e 12.º, n.º 3, da Lei 6/2004, e violação do princípio da proporcionalidade -, no que é contraditado pela autoridade recorrida, cuja contestação afirma a legalidade do acto e se bate pela improcedência do recurso.
Vejamos, começando pelo vício de forma.
Resulta do acto e dos elementos para que remete que o recorrente, integrado num grupo de sete indivíduos, deslocou-se para um casino onde se encontrava a jogar uma senhora que devia 30 milhões de HK dólares a um dos componentes do grupo. Aí, por acção concertada do grupo, arrastaram a senhora, pelos cabelos, para fora da sala, até junto de uma escadaria, onde alguns a agrediram corporalmente, tendo o recorrente ajudado a impedir a ofendida de sair do local onde estava a ser agredida. Mais resulta do acto e dos elementos que ele incorpora que tal actuação, por integrar a prática de um crime de ofensa à integridade física e ser susceptível de fazer perigar a segurança e a ordem pública da RAEM, esteve na base da decretada interdição, nos termos dos artigos 4.º, n.º 2, alínea 3), da Lei 4/2003 e 12.º, n.ºs 2, alínea 1), 3 e 4, da Lei n.º 6/2004. Do que acaba de expor-se ressalta à evidência a situação fáctica que induziu o acto, tal como resulta igualmente claro o quadro normativo a que a Administração recorreu para adoptar a medida de interdição em que se substancia a decisão recorrida. Perante esta constatação, não se crê razoável imputar ao acto o arguido vício de forma. É evidente que um destinatário médio, em face do seu conteúdo, fica a saber as razões de facto e de direito que levaram à aplicação da medida de interdição de entrada. E tanto basta para que o acto se deva ter por suficientemente fundamentado à luz do artigo 115.º do Código do Procedimento Administrativo. Aliás, do teor da sua petição de recurso, resulta claro que o recorrente compreendeu a motivação da decisão, ou seja, a razão que levou a Administração a decidir da forma como decidiu.
A circunstância de porventura não ter sido notificado da totalidade da fundamentação do acto, podendo constituir uma insuficiência da notificação, em nada interfere com o acto e a sua validade, pois é sabido que a notificação não faz parte do acto.
Improcede o vício de falta de fundamentação.
Vem, seguidamente, invocado erro nos pressupostos de facto.
Acha e sustenta o recorrente que, apesar de se encontrar no local, não agrediu a ofendida, o que diz ser confirmado por esta e por outros aí presentes. Daí que o acto, ao afirmar a existência, contra si, de indícios fortes da prática de crime de ofensa à integridade física, laborou em erro sobre os pressupostos de facto.
Não creio que lhe assista razão.
Como a polícia reportou e foi confirmado através de gravação vídeo, o recorrente colaborou na acção de ofensa à integridade física. Não é imperioso que tenha batido directamente na ofendida. Nem era preciso que estivesse no local, podia até ser autor moral. O que importa é que deu o seu assentimento voluntário a colaborar na acção, aliás combinada com antecedência e envolvendo deslocação do grupo para o sítio onde se encontrava a vítima, e, mais que isso, colaborou efectivamente para a consecução da ofensa corporal, ao ajudar a manter a vítima no local para onde fora arrastada, impedindo-a de fugir, enquanto outros a molestavam fisicamente.
Tanto basta para caracterizar uma evidente situação de co-autoria, como ressuma do artigo 25.º do Código Penal.
Improcede também o suscitado erro nos pressupostos de facto.
Depois vem imputado ao acto o vício de violação do princípio da presunção de inocência.
Este princípio, consagrado na Lei Básica, tem especial acuidade em processo penal, em cujo Código também aparece previsto, significando que, até ao trânsito em julgado da sentença condenatória, não devem recair sobre o arguido quaisquer juízos que pressuponham o efectivo cometimento dos factos delituosos, devendo até lá beneficiar da presunção de que é inocente.
Mas um tal princípio não pode ser levado ao ponto de impedir a própria investigação dirigida contra o arguido e a eventual dedução de uma acusação, pois isso seria a negação do próprio processo penal que lhe consagra esse estatuto de presumido inocente.
E se é assim em processo penal, também em sede procedimental administrativa não podem os processos paralisar só porque o administrado beneficia da presunção de inocência. A ponderação, por parte da Administração, no exercício da sua actividade, da integração de conceitos ligados ao cometimento de crimes, como sejam os da existência de indícios ou de fortes indícios, em nada belisca a presunção de inocência dos arguidos. Tanto mais que é o próprio legislador quem, no âmbito do seu poder de conformação, comete à Administração essa incumbência de integração de conceitos, indispensável à actividade administrativa.
Improcede igualmente a invocada violação do princípio da presunção de inocência.
Em seguida, o recorrente imputa ao acto mais um vício de violação de lei, este consubstanciado na errada aplicação das normas dos artigos 4.º, n.º 2, alínea 3), da Lei 4/2003, e 12.º, n.º 3, da Lei 6/2004.
Nesse sentido, alega que não há nenhuma prova de que tenha agredido corporalmente a ofendida, ao que acresce que, sendo o crime em causa semi-público, a lei deixa na mão do ofendido o desencadear do procedimento, o que demonstra que o cometimento de um tal crime não coloca em perigo a segurança e a ordem públicas de Região.
Também nesta matéria se crê que a razão não está do lado do recorrente. Como já se referiu, os indícios disponíveis, que o acto valorou como fortes - sendo certo que nessa tarefa não se detecta que haja incorrido em qualquer, erro - apontam para uma comparticipação do recorrente na acção de agressão corporal infligida à ofendida. Para além disso, a circunstância de poder estar em causa uma acção que configura um crime semipúblico - classificação cujos efeitos se circunscrevem à questão da procedibilidade do procedimento criminal - não constitui indicador legal de menosprezo do desvalor da acção, nem lhe retira a carga de perigo para a segurança ou a ordem públicas que lhe possa estar associada. Tenha-se presente que a lei confere relevância administrativa à mera preparação de acto criminalmente ilícito, enquanto fundamento para a interdição de entrada, ainda que esse acto não seja porventura criminalmente punível, como melhor resulta das disposições dos artigos 4.º, n.º 2, alínea 3), da Lei 4/2003, 12.º, n.ºs 2, alínea 1), e 3, da Lei n.º 6/2004, e 20.º do Código Penal.
Improcede também este invocado vício de violação de lei.
Passemos, por fim, à alegada ofensa do princípio da proporcionalidade. Este princípio, que é um corolário do princípio da justiça, obriga a que as decisões administrativas que colidam com direitos e interesses dos particulares apenas possam afectar as posições destes na justa medida da necessidade reclamada pelos objectivos a prosseguir.
Subjacente à estatuição do acto está o perigo, para a segurança e ordem pública da Região Administrativa Especial de Macau, representado pela possibilidade de cometimento de novos factos ilícitos. À ordem de interdição o recorrente contrapõe o seu interesse em manter as actividades de comércio entre Macau e Hong Kong, a que diz dedicar-se, e que, por esse facto, sairão gravemente afectadas.
O que importa, como se viu, é que as decisões administrativas que possam afectar direitos e interesses dos particulares apenas o façam na justa medida da necessidade reclamada pelos objectivos a prosseguir, isto é, na estrita medida imposta pelo interesse público. Pois bem, constata-se que, no confronto dos interesses do recorrente - de normal entrada e permanência na RAEM - com o interesse público de salvaguarda dos valores inerentes à segurança e ordem pública, o despacho recorrido atribuiu supremacia ao interesse público, o que se compreende e é aceitável, face ao potencial de ameaça latente que a sua conduta, enquadrada numa acção de cobrança ilegal, pode representar para a segurança e ordem pública da Região Administrativa Especial de Macau. E esta primazia conferida ao interesse público tem que aceitar-se porquanto, sendo o acto proferido no exercício de um poder discricionário, não padece de erro, muito menos ostensivo ou grosseiro, que caucione uma interferência do tribunal relativamente ao sentido do exercício desse poder.
Improcede, também, a invocada ofensa do princípio da proporcionalidade.
Nesta conformidade, e salvo melhor juízo, deve ser negado provimento ao recurso.».
*
Cumpre decidir.
***
II – Pressupostos processuais
O tribunal é competente em razão na matéria e hierarquia.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas.
Não há outras excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento de mérito.
***
III - Os Factos
Damos por assente a seguinte factualidade:
1 – No dia 8 de Setembro de 2015, o Comandante do CPSP proferiu o seguinte despacho:
“Assunto: Medida de interdição de entrada na RAEM
De acordo com os resultados da investigação feita pela Polícia Judiciária, A, do sexo masculino, nascido a 4 de Julho de 1969, portador do BIRHK n.º XXX tinha praticado crime em Macau, quanto aos seus pormenores são os seguintes:
A ofendida, mais cedo contraiu junto de um indivíduo de Macau, do sexo masculino, um empréstimo no valor de HK30.000.000,00, mas não conseguiu reembolsar tal montante, depois, no dia 15 de Julho de 2015, quando a ofendida estava a jogar no casino de Sands Cotai Central, de repente, A e os seis parceiros dele puxaram o cabelo da ofendida até ao elevador e lhe deram socos e pontapés, causando-lhe vários ferimentos em seu corpo. Finalmente A e os seis parceiros dele foram interceptados pelos seguranças e entregues à Polícia Judiciária para tratamento. Embora A tenha negado que tivesse agredido a ofendida, segundo as imagens filmadas pelo sistema de vigilância no local, verificou-se nelas que na altura em que os seus parceiros agrediam a ofendida, A, com seu corpo impediu a ofendida de abandonar o local. Após feita investigação pela Polícia Judiciária, há fortes indícios de que A praticou crime de ofensa à integridade física simples p. e p. pelo art.º 137.º, n.º l do Código Penal de Macau e, o caso foi remetido ao Ministério Público.
De acordo com os factos objectivos e as circunstâncias do crime supracitado, a entrada do mesmo nesta região constitui perigo a segurança e ordem pública da RAEM. Para defender os interesses públicos da RAEM e cumprir as funções específicas do CPSP, no uso das competências ora subdelegada pelo Secretário para a Segurança, o signatário decidiu a recusar a entrada do indivíduo em causa na RAEM pelo período de 3 anos (desde 17 de Julho de 2015), nos termos do art.º 4.º, n.º 2, al. 3) da Lei n.º 4/2003 e do art.º 12.º, n.º 2, al. 1) e n.ºs 3 e 4 da Lei n.º 6/2004.
Desta decisão cabe recurso hierárquico necessário para o Secretário para a Segurança. Notifica-se o interessado de que deve cumprir a medida ora aplicada, sob pena de ser sujeito à pena de prisão prevista no art.º 21.0 da Lei n.º 6/2004.
CPSP, aos 8 de Setembro de 2015.
O Comandante do CPSP,
Ass.) XXX
Superintendente Geral».
2 – Deste despacho o recorrente interpôs recurso hierárquico (fls. 23-27 do p.a. e fls. 41-50 do apenso “traduções”).
3 – Foi, então, lavrada a seguinte informação pelo Comandante Substituto da PSP:
“Assunto: Recurso hierárquico. Medida de interdição de entrada. Recorrente: A
1. O recorrente, visitante da RAE de Hong Kong, titular do HKIC nº XXX, vem impugnar o despacho através do qual lhe foi interditada a entrada na RAEM, pelo período de três anos, invocando, em síntese, o seguinte:
2. Que, no jantar que teve com uns amigos na referida noite, ouviu que um indivíduo devia dinheiro a um deles, e que essa pessoa nesse momento encontrava-se a jogar no Casino Sands - Cotai, e acabou por acompanhar esses amigos que para lá se dirigiram para confrontar B;
3. Que, apenas ficou de lado, afastado, a presenciar os factos e não participou em qualquer acção ou agrediu a ofendida, e que se forem analisadas as câmaras de vigilância tal se verá; que, os outros intervenientes nada disseram da participação do recorrente nos factos; que, deve ser atendido o princípio da presunção da inocência, urna vez que não existe ainda qualquer decisão judicial;
4. Que, a Lei nº 4/2003, exige a presença de fortes indícios, e não existem provas concludentes que o recorrente tenha praticado os actos referidos; que, o ilícito indiciado não é grave e o processo acabará por ser arquivado; que, dos autos não se descortina que o recorrente constitua perigo para a segurança da RAEM; que, o recorrente é comerciante e uma pessoa honesta e tem o cadastro limpo; que vem a Macau para negócios e lazer, e a medida viola o princípio da proporcionalidade pois o crime não é grave e o recorrente não constitui perigo para a segurança da Região,
5. pedindo, pelos fundamentos descritos, que o acto recorrido seja revogado.
6. O procedimento para aplicação da presente medida, baseou-se nos factos participados pela Polícia Judiciária, através do ofício n? 1753/NDI/2015, de 16 de Julho, que são os seguintes:
7. Que, no passado dia 15 de Julho de 2015, cerca das 23.00 horas, a ofendida estava a jogar no Casino Sands - Cotai, quando subitamente foi agarrada por um grupo de sete indivíduos (um deles o recorrente) e arrastada pelos cabelos para fora da sala e, junto a umas escadas rolantes, começaram a agredí-la em várias partes do corpo, enquanto o recorrente e C, ajudavam a fechar o espaço onde a ofendida estava a levar agressões, bloquando com o corpo qualquer hipótese de fuga.
8. Conforme refere a comunicação da Polícia Judiciária, a conduta do recorrente na comparticipação da prática do indiciado crime, está claramente provada pelas imagens recolhidas por essa polícia das câmaras de vigilância.
9. Pelo que perante os resultados das investigações desta corporação policial e os elementos probatórios na sua posse, considera o órgão recorrido que não procedem as invocações de que o recorrente não interveio nos factos e que ficou de lado a assistir ao desenrolar dos acontecimentos, e que tal se pode verificar pelas imagens das câmaras, ou da relevância que invoca de os outros intervenientes em declarações não terem incluído o recorrente na prática do crime.
10. Considerou-se, assim, ser necessário iniciar procedimento para aplicação de urna medida de interdição de entrada para defesa da ordem e segurança públicas, por um período julgado adequado e proporcional aos fins da medida, e pelo receio de que continuando a ser autorizada a permanência do recorrente na Região, este volte a cometer actos semelhantes e a pôr de novo em risco os bens jurídicos referidos.
11. Pelo exposto, considera-se que o despacho através do qual foi aplicada a medida de interdição de entrada ao recorrente, não sofre de qualquer vício que possa levar à sua anulabilidade, não devendo por isso ser concedido provimento ao presente recurso.
12. Por outro lado, pelo que acima se referiu, e pelas circunstâncias que rodearam a prática do ilícito, além da medida se encontrar em execução, considera-se igualmente que não deve ser concedida a suspensão da eficácia do acto recorrido, porque tal causa grave prejuízo ao interesse público.
13. À superior consideração de V. Exa..
CPSP, aos 11 de Novembro de 2015.
O Comandante Subst.,
XXX
Superintendente”
4 – O Secretário para a Segurança lavrou o seguinte despacho (a.a.):
“Concordo com o relatório elaborado pelo Comandante do CPSP em 11 de Novembro de 2015, dado que há fortes indícios de o interessado ter praticado, conjuntamente com outras pessoas, o crime de ofensa simples à integridade física, prejudicando a ordem e segurança públicas.
Portanto, decido, nos termos do artigo 161.º n.º 1 do Código do Procedimento Administrativo, manter o despacho recorrido.
O Secretário para a Segurança
XXX
18 de Novembro de 2015”
***
IV – Decidindo
1 - Os vícios invocados pelo recorrente foram os seguintes:
- Vício de forma por falta de fundamentação;
- Erro sobre os pressupostos de facto;
- Vício de violação de lei, por desrespeito ao disposto no art. 29º, nº2 e 43º da Lei Básica (o recorrente chamou-lhe “Violação do princípio da presunção de inocência”);
- Vício de violação de lei (violação do art. 4º, nº 2, al. 3), da Lei nº 4/2003 e 12º, nº3, da Lei nº 6/2004);
- Violação dos princípios da proporcionalidade e da adequação.
*
2 – Do vício de forma por falta de fundamentação
Na óptica do recorrente, o acto em apreço afronta o dever de fundamentação tal como ele está prescrito no art. 114º, nº1, als. b) e c), 115º, nºs 1 e 2 e 124º do CPA, conjugado com os arts. 20º e 21º, nº1, al. c), do CPAC.
Não tem razão. Efectivamente, o acto em apreço, ao concordar com o relatório elaborado pelo Comandante do CPSP de 11/11/2015, fez seu o conteúdo deste. Ou seja, através de um processo de remissão (ad remissionem), louvou-se na posição e fundamentos expostos na referida “Informação” acima transcrita. O que significa que respeitou o dever de fundamentação, tal como lho impõem os preceitos que o próprio recorrente invocou, nomeadamente o disposto no art. 115º, nº1 (v.g., Ac. TSI, de 11/09/2014, Proc. nº 206/2013).
E assim, quando o acto apela à existência de indícios da prática de um crime, está a extrair uma conclusão possível a partir dos elementos constantes do referido relatório policial.
Não acolhemos, pois, que esteja insuficientemente fundamentado.
Afirma o recorrente que o teor do relatório, que faz parte integrante do acto, não lhe foi notificado.
Só que isso não significa que o acto não esteja fundamentado. A fundamentação é intrínseca ao acto, enquanto a notificação é extrínseca ao acto e a ele é posterior. Acto e notificação são, pois, coisas diferentes.
Portanto, o facto de parte da fundamentação não ter sido comunicada não significa que à decisão administrativa falte o seu conteúdo fundamentativo.
Improcede, pois, o vício.
*
3 – Do vício de erro sobre os pressupostos de facto
Entende o recorrente que a interdição não deveria ter sido aplicada por não ter cometido qualquer crime, nomeadamente o de ofensas corporais, nem colocado em perigo a ordem e segurança públicas.
Ora bem. Geralmente, quem invoca o vício em referência deve provar os factos respectivos (v.g., Acs. TSI, de 6/12/2012, Proc. nº 645/2012; 11/09/2014, Proc. nº 206/2013). O recorrente limita-se a rejeitar a prática de qualquer crime. Contudo acaba por reconhecer e aceitar ter intervindo, juntamente com o seu amigo, na acção que este desencadeou contra a vítima, a quem tinha emprestado cerca de 30 milhões de patacas.
Ora, da mesma maneira que “ladrão não é apenas quem rouba, mas aquele que fica à porta a vigiar”, assim também o crime de ofensa à integridade física não foi apenas cometido pelo amigo, se o aqui recorrente estava com ele impedindo a vítima de fugir, permitindo que o agressor continuasse a actividade criminosa. Ou seja, tudo inculca que, além da autoria material que pesa sobre o seu amigo, sobre o recorrente parece indiciariamente pesar uma co-autoria ou cumplicidade na prática dos factos. Aliás, é mesmo o próprio recorrente que confessa parte dos factos, o que mais dá corpo à tese da verificação dos indícios da prática do crime.
Improcede, pois, o vício em apreço.
*
4 – Do 1º vício de violação de lei
Considera o recorrente que o acto sindicado ofende o disposto no art. 29º, nº2 e 43º da Lei Básica, na medida em que viola o princípio da presunção de inocência.
Nós compreendemos a tese do recorrente e já houve situações, inclusive, em que este mesmo TSI preferiu esperar pela sentença do tribunal criminal a fim de se obter uma sentença condenatória (ou absolutória) para só então fazer o exercício intelectual de subsunção dos factos à fattispecie da norma que prevê a interdição. Mas os casos não são todos iguais, sendo de sublinhar que só em casos pontuais se mostra indispensável uma tal moratória.
É que como também já foi dito por este mesmo TSI (Ac. 29/09/2016, Proc. nº 813/2013): “…para a aplicação da medida não era necessário que cada um dos referidos indivíduos viesse a ser punido criminalmente, já que “Não se torna necessário que os factos demonstrem inequivocamente o cometimento de um crime definitivamente julgado, bastando a existência dos referidos indícios para que a norma do art. 4º, nº2, al. 3), da Lei nº 4/2003 se possa aplicar, “ex vi” art. 12º, nº3, da Lei nº 6/2004” (cit. Ac. do TSI, Proc. nº 94/2015).
Com efeito, “Ao contrário do que sucede com a alínea 2), do nº2, do art. 4º da Lei 4/2003, em que se torna necessário um crime “julgado”, na alínea 3), desse número basta a existência de meros indícios de um crime “praticado”.” (Ac. TSI, de 18/04/2013, Proc. nº 647/2012).
Neste sentido, a aplicação da medida, não colide com o aludido princípio de presunção de inocência.” (Ac. TSI, de 12/05/2016, Proc. nº 267/2014)”.
Em suma, os elementos dos autos e do procedimento administrativo apenso são de molde a fazer pensar que os indícios invocados pelo acto são suficientes para a densificação do conceito de perigo para a ordem e segurança públicas ou, se se quiser, não parece que seja absurdo, insustentável, grosseiro e manifesto o erro na avaliação que a Administração fez deste caso.
Improcede, pois, o vício.
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5 – Do 2º vício de violação de lei
Está desta vez suscitada pelo recorrente a violação do art. 4º, nº2, al. 3), da Lei nº 4/2003 e 12º, nº3, da Lei nº 6/2004.
Ora, como já foi dito, “A medida de interdição fundada na existência de fortes indícios de o indivíduo ter praticado ou de se preparar para a prática de quaisquer crimes está condicionada pela existência de perigo efectivo para a segurança ou ordem públicas da RAEM. - A questão de “fortes indícios” da prática de crime é um conceito indeterminado que não deixa ao órgão qualquer liberdade de apreciação acerca da conveniência e da oportunidade de exercer o poder, nem sobre o modo desse exercício e o conteúdo do acto, nem lhe permite que escolha uma das várias atitudes ou soluções, pois o que está em causa é a mera interpretação de uma norma jurídica, não havendo intenção da lei de conceder à Administração qualquer margem de livre apreciação, daí que é judicialmente revisível. Tem-se entendido haver fortes indícios da prática de crime quando, de acordo com os elementos probatórios recolhidos em determinada fase processual, se prevê que o agente terá muito provavelmente que ser condenado numa pena ou medida de segurança. - Saber se há “perigo efectivo para a segurança ou ordem públicas” tal como se refere no nº 3 do artigo 12º da Lei nº 6/2004, está em causa também um conceito indeterminado.
Não obstante, por este conter uma grande indeterminação, a intenção do legislador é conferir uma margem de livre apreciação à Administração, ou seja, são-lhe conferidos poderes de interpretar aqueles conceitos não densificados com recurso a um juízo de prognose, face às especificidades de cada caso concreto, cuja disciplina escapa à fiscalização judicial, sendo só sindicável em caso de erro grosseiro e manifesto” (Ac. TSI, de 22/10/2015, Proc. nº 267/2014).
No mesmo sentido de que “perigo efectivo” e “perigo para a ordem e segurança públicas” constituem conceitos jurídicos indeterminados, os quais podem ser sujeitos a sindicância e interpretação jurisdicional, salvo na zona de incerteza e de prognose que eles encerrem sobre o comportamento futuro das pessoas visadas que eles conferem à actuação administrativa, salvo em caso de manifesto e ostensivo erro grosseiro e tosco (neste sentido, v.g., Ac. do TUI, de 19/11/2014, Proc. nº 28/2014; Ac. TSI, de 18/10/2012, Proc. nº 127/2012; 22/10/2015, Proc. nº 267/2014; de 7/04/2016, Proc. nº 530/2014 e de 22/09/2016, Proc. nº 1043/2015).
Em suma, além de o processo e o procedimento administrativo apenso apontarem para a verificação de fortes indícios, por outro lado não encontramos erro manifesto e grosseiro na análise da factualidade apurada pelas entidades que intervieram nele.
Neste sentido, não se pode dar por procedente o vício.
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6 – Da violação dos princípios da proporcionalidade e da adequação
Sobre esta matéria, mais uma vez somos obrigados a recorrer à jurisprudência da RAEM para, a partir dela, podermos dizer que não parece ser desadequada nem desproporcional.
Com efeito, “Ao Tribunal não compete dizer se o período de interdição de entrada fixado ao recorrente foi ou não proporcional à gravidade, perigosidade ou censurabilidade dos actos que a determinam, se tal período foi o que o Tribunal teria aplicado se a lei lhe cometesse tal atribuição. Essa é uma avaliação que cabe exclusivamente à Administração. O papel do Tribunal é o de concluir se houve erro manifesto ou total desrazoabilidade no exercício de poderes discricionários, por violação do princípio da proporcionalidade ou outro.” (Ac. do TUI, de 19/11/2014, Proc. nº 112/2014).
- “O princípio da proporcionalidade manifestado no nº4, do art. 12º citado não se pode dizer ferido se a actuação administrativa na fixação do período de interdição não se mostra eivada de erro manifesto e intolerável” (citado Ac. TSI, de 18/10/2012; 16/01/2014, Proc. nº 833/2012; de 5/06/2014, Proc. nº 656/2012).
Por tudo isto e por não nos parecer haver erro grosseiro e manifesto na dosimetria do período de proibição de entrada na RAEM ao recorrente, somos a entender que o acto não padece do vício de violação do princípio da proporcionalidade.” (Ac. do TSI, de 22/09/2016, Proc. nº 1043/2015).
Na verdade, este princípio da proporcionalidade, tal como o da razoabilidade e adequação funcionam como limites internos à actividade discricionária, e que apenas permitem uma sindicância ao acto administrativo sindicado, salvo em casos de erro grosseiro, manifesto e intolerável (vg. Ac. do TSI, de 30/06/2016, Proc. nº 886/2015), erro aqui não configurável.
Improcede, pois, o vício.
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V – Decidindo
Face ao exposto, acordam em julgar improcedente o recurso contencioso, mantendo o acto administrativo impugnado.
Custas pelo recorrente, com taxa de justiça em 5 UC.
TSI, 19 de Janeiro de 2017
José Cândido de Pinho
Tong Hio Fong
Lai Kin Hong
Fui presente
Joaquim Teixeira de Sousa




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