Processo n.º 992/2015
(Recurso Contencioso)
Data: 19/Janeiro/2017
Assuntos:
- Fundamento para suspensão do procedimento relativo à emissão da licença de construção de um prédio
SUMÁRIO :
É legal a suspensão de um procedimento atinente à emissão do alvará de construção de uma obra, mesmo após uma primeira aprovação do projecto, mas ainda antes da emissão do título, se está a correr em tribunal uma acção, registada na Conservatória, onde se discute a titularidade do direito de propriedade sobre uma das parcelas onde se pretende a edificação de um prédio.
O Relator,
João A. G. Gil de Oliveira
Processo n.º 992/2015
(Recurso Contencioso)
Data : 19 de Janeiro de 2017
Recorrentes: - A
- B
Entidade Recorrida: Secretário para os Transportes e Obras Públicas
ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
I - RELATÓRIO
1. A e B, recorrentes nos autos supra epigrafados e neles mais bem identificados, vêm impugnar acto do Exmo Senhor Secretário para os Transportes e Obras Públicas, 15 de Novembro de 2012, exarado na Informação n.º 45/DJUDEP/2012, datada de 10 de Setembro de 2012 (Doc. n.º 1, junto com a p.i. de 4 de Janeiro de 2013, fls. 34 e ss.) em que se apresenta como CONTRA-INTERESSADA, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 39.° do CPAC, C, também ela mais bem identificada nos autos,concluindo em síntese conclusiva:
I.ª - O acto recorrido, na medida em que confirma o acto objecto de recurso hierárquico necessário e adopta os fundamentos constantes da Informação em que foi exarado, padece, entre o mais, do vício de violação de violação de lei por erro de interpretação e aplicação da norma do artigo 33.°/1 do CPA;
2.ª - A emissão da licença de obra, tal como configurada no RGCU, não é susceptível de se considerar prejudicada por litígio relativo ao direito de propriedade relativo a parcela do terreno onde os Recorrentes pretendem construir a obra aprovada;
3.ª - A emissão de licença de obra não é susceptível de modificar as posições jurídicoprivadas que os privados se arroguem sobre a referida parcela de terreno;
4.ª - As questões de direito privado deverão ser resolvidas de acordo com os meios próprios previstos na lei, inclusivamente com recurso à tutela cautelar, e não no âmbito do exercício dos poderes administrativos relativos à gestão urbanística dos solos;
5.ª - A contra-interessada e o seu falecido desistiram da providência cautelar não especificada, requerida no TJB, em 4 de Abril de 2006, em que solicitaram que os Recorrentes «fossem proibidos de proceder a quaisquer alterações materiais (nomeadamente obras) no prédio» e ainda que a DSSOPT fosse notificada «para não realizar qualquer acto administrativo com vista ao licenciamento de obras no prédio identificado»;
6.ª - A lei não confere à DSSOPT e à entidade recorrida, principalmente mais de 6 anos volvidos sobre a decisão de desistência da referida providência, a faculdade de se substituírem à contra-interessada e seu falecido marido na defesa das suas alegadas posições jurídicas subjectivas privadas;
7.ª - o acto recorrido, ao confirmar a decisão de suspensão do procedimento, ficou a padecer, pelo motivo referido, do vício de violação de lei por inexistência da alegada relação de prejudicialidade;
8.ª - Sem conceder, o acto recorrido enferma ainda do vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de facto e de direito, no que respeita à norma do artigo 33.°/1 do CPA;
9.ª - A Administração está vinculada a agir de acordo com lei, na prossecução do interesse público e no respeito dos direitos e interesses legalmente protegidos dos administrados, e de acordo com o princípio da justiça;
10.ª - Tendo tomado conhecimento do referido conflito, pelo menos em Abril de 2006, caso entendesse que o conhecimento das questões suscitadas dependia da resolução da questão prejudicial, a DSSOPT tinha o dever de suspender o procedimento nessa altura e não mais de 6 anos depois de aprovar definitivamente o projecto de obra e de conhecer tal conflito;
11.ª - No caso dos autos, não se verificam os pressupostos de que a lei faz depender a validade de uma decisão de suspensão de um procedimento administrativo;
12.ª - No momento em que o despacho confirmado declarou a suspensão do procedimento, há muito que a decisão final do procedimento havia já sido tomada;
13.ª - Na apreciação dos projectos, a DSSOPT tem de considerar, nomeadamente, as características exteriores do edifício, mormente a sua altura, a sua inserção no ambiente urbano, a sua conformidade com planos de urbanização e respectivos regulamentos e outros instrumentos de disciplina urbanística;
14.ª - Com a aprovação do projecto de obra, a DSSOPT reconheceu que a obra em apreço se conformava com todos os aspectos e critérios que a lei estabelece para a sua aprovação e que a mesma estava em condições de ser executada, sendo nisto em que se traduz o conteúdo típico, a dimensão constitutiva do acto administrativo de aprovação do projecto de obra;
15.ª - Os despachos de aprovação dos projectos de obra praticados, consubstanciam, in casu, verdadeiros actos administrativos, perfeitos e válidos;
16.ª - A fase constitutiva do procedimento autorizativo da construção da obra ficou concluída com a prolação do último desses despachos, tal como a decisão recorrida reconhece;
17.ª - No nosso sistema, a autorização de construção emerge directa e exclusivamente da decisão final de aprovação do projecto de obra, sendo este o acto que confere ao interessado a faculdade de construir;
18.ª - O acto que autoriza a emissão da licença de obra é um acto complementar e instrumental e integrativo da eficácia da decisão que aprovou o projecto de obra;
19.ª - A DSSOPT está vinculada à emissão dessa licença, o que só não sucederá nos casos de extemporaneidade na apresentação do pedido de emissão de tal licença e o que se justifica apenas em função do efeito da caducidade da aprovação do projecto de obra;
20.ª - A licença de obra, no nosso sistema, não é mais do que o documento ou título que patenteia ou evidencia o direito de construir, constituído na esfera jurídica do particular através do acto de aprovação do projecto de obra, e cuja emissão a lei impõe observadas as exigências concretamente definidas nesta;
21.ª - Com a emissão da licença, o legislador visa apenas e tão-só garantir que a execução da obra tenha lugar logo após a aprovação do respectivo projecto, a identificação dos responsáveis pela direcção e execução da mesma e ainda o pagamento da taxa devida, sendo que a lei admite mesmo o início da execução da obra sem prévia emissão da licença, nos casos em que não tenha sido determinado o cálculo da taxa nem emitida esta;
22.ª - Admitir que a Administração pudesse, nesta fase, suspender a emissão da licença com fundamento na prejudicialidade da questão relativa à propriedade do terreno, seria violar claramente o sentido que o legislador quis atribuir às normas relativas à emissão da licença de obra e afectar o direito de construir emergente da decisão de aprovação do projecto, e em consequência, o direito de propriedade, uma vez que, conferida a faculdade de construir, a mesma passa a integrar o conteúdo daquele direito;
23.ª - O acto susceptível de ser prejudicado com a decisão da questão relativa à titularidade do direito de propriedade sobre o terreno era o acto de aprovação do projecto de obra e não a emissão da licença;
24.ª - Não é verdade que a DSSOPT tenha decidido submeter a concessão da licença de obra à verificação da condição suspensiva da decisão judicial favorável aos Recorrentes, o que existiu foi, quando muito, uma informação prestada aos Requerentes, o que se confirma pelo texto do respectivo ofício, pela inexistência de acto autorizativo com eficácia dependente da alegada condição, como pela própria ctividade desenvolvida posteriormente pela DSSOPT;
25.ª- Se existisse a alegada condição suspensiva, revelava-se totalmente inútil a prática do acto que veio declarar a suspensão do procedimento e que foi confirmado pelo despacho recorrido;
26.ª- A norma do artigo 38.ºd do RGCU não é susceptível de constituir a base normativa da decisão de suspender o procedimento e de fazer depender a emissão da licença de obra da sentença judicial favorável aos ora Recorrente;
27.ª- Nos termos do RGCU, "licenciamento" e "licença de obra" são realidades distintas, tendo a licença de obra apenas o sentido restrito de título que representa ou documenta o direito de construir emergente da aprovação do projecto de obra;
28.ª - Sem conceder, seria sempre de exigir que se estivesse perante uma situação de desrespeito por quaisquer normas legais ou regulamentar, o que não se verifica;
29.ª - Os Recorrentes cumpriram a exigência do artigo 38.º-d do RGCU, quando alegaram no requerimento em que solicitaram a aprovação do projecto a sua qualidade de proprietários das parcelas dos dois terrenos e quando, através de certidões prediais, provaram que as mesmas se encontravam registadas em seus nomes, apesar de, relativamente a uma deles, se comprovar também a existência de acção judicial em que se disputa o respectivo direito de propriedade;
30.ª - O acto recorrido encontra-se eivado do vício de violação de lei por erro de interpretação e aplicação das normas dos artigos 19.°/1 e 38.º-d do RGCU;
31.ª - O acto recorrido viola também o princípio da justiça, na medida em que o acto objecto de recurso hierárquico, sem fundamento válido que o sustente, visa apenas justificar a não emissão de licença de obra, solicitada oportunamente e reiterada por inúmeras vezes, sem qualquer decisão, durante mais de 6 anos, esquecendo os direitos e interesses legalmente protegidos dos Recorrentes relativos o pedido de licenciamento de obra formulado por aqueles em 31 de Dezembro de 2004.
32.ª - O acto recorrido viola ainda o princípio da proporcionalidade, na medida em que adopta a solução mais onerosa para os direitos dos Recorrentes, sendo a mesma não necessária em vista do interesse público que a Administração tem de prosseguir e da tutela das posições jurídico-privadas a que os privados podem obter pelos meios adequados, principalmente quando em causa esatá apenas o direito de propriedade relativamente a uma das duas parcelas de terreno onde os Recorrentes pretendem edificar o edifício aprovado;
33.ª - O despacho recorrido violou, nomeadamente, as normas dos artigos 33.°/1 do CPA, 19/1, 25.° e 38.º-d e 42.° do RGCU e os princípios da justiça e da proporcionalidade, consagrados respectivamente nos artigos 4.°, 5.°/2 e 7.° do daquele primeiro diploma.
VI - Do pedido
TERMOS EM QUE, contando com o douto suprimento de Vossas Excelências, deve ser dado provimento ao presente recurso e, a final, anulando o acto recorrido, tendo por fundamento, nomeadamente, as ilegalidades invocadas.
E, cumulativamente, ao abrigo do artigo 24.°/1-a do C.P.A.C., uma vez anulada a deliberação recorrida, condenando a entidade recorrida a ordenar à DSSOPT a determinação do cálculo da taxa devida e a emitir a licença de obra respectiva, uma vez que as normas dos artigos 42.° e ss. do RGCU têm conteúdo vinculado.
2. O Exmo Senhor Secretário para os Transportes e Obras Públicas da Região Administrativa Especial de Macau, entidade recorrida nos autos à margem identificados, tendo sido notificado do recurso contencioso de anulação interposto por A e B, vem apresentar a sua contestação, o que faz, concluindo:
1. - O acto de suspensão do procedimento de licenciamento n.º 751/2004/L não sofre de qualquer forma de invalidade;
2. - A suspensão do procedimento é a única opção que a Administração pode praticar sem prejudicar direitos de terceiros;
3. - Ao suspender o procedimento a Administração não praticou qualquer acto incluído nas atribuições dos tribunais judiciais;
4 - Desde 21 de Dezembro de 2006 os requerentes tinham conhecimento de que o pedido de emissão de licença só seria apreciado após a decisão judicial que viesse a recair sobre o direito de propriedade sobre o terreno.
Nestes termos e nos melhores de direito, com o Douto suprimento de Vossa Excelência, deve o presente recurso ser considerado improcedente, mantendo-se o acórdão recorrido, nos seus precisos termos.
3. C, contra-interessada, veio apresentar a sua CONTESTAÇÃO, dizendo, a final, nas suas linhas-força:
Sucede que o acto recorrido não passa de uma mera confirmação de um acto administrativo há muito tempo praticado, e do qual os recorrentes foram notificados e dele decidiram não reagir,
Os recorrentes vieram solicitar por mais cinco vezes a emissão da licença de obra, a qual já estava suspensa por decisão anterior.
O acto cuja anulação se reclama nos presentes autos e que consubstanciou na decisão de suspensão do procedimento administrativo até ao trânsito em julgado da acção judicial onde se discute a titularidade do prédio em questão não passa de um acto meramente confirmativo daqueloutro acto administrativo praticado em 21 de Dezembro de 2006.
Os próprios Recorrentes reconhecem expressamente que a decisão recorrida é um acto meramente confirmativo do acto praticado em 21 de Dezembro de 2006, tai como resulta do art. 69º da petição inicial na parte onde se diz “ … facto expressamente referido em Oficio da DSSOPT, de 21/12/2006, e só agora, mais de 6 (seis) anos e meio depois, com base nesse mesa litigio, veio a entidade recorrida confirmar a decisão de suspensão do procedimento de licenciamento ora em apreço.” (destacado nosso), confissão que desde já se aceita especificada mente nos termos do disposto no art. 489º, n.º 2 e 80º do Código de Processo Civil aplicável ex vi art. 1º do CPAC.
Não se tratando por isso de um acto executório, à luz do disposto no art. 137º, n.º 1, al. a) do CPA.
O acto recorrido não é impugnável, o que deverá levar à rejeição do presente recurso de anulação nos termos do art. 469, n.º 2, al. c) do CPAC.
Sem conceder,
A providência cautelar e a sua desistência por parte da contra-interessada a que se alude no art. 65º da petição inicial em nada releva para o caso, nem fez precludir qualquer direito da Contra-interessada sobre o prédio em questão, dado que está pendente desde o ano de 2004 no 3º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Base a acção de usucapião referida no art. 6º deste articulado e onde se discute precisamente a questão da titularidade do prédio em questão, acção essa que desde então se encontra registada na Conservatória do Registo Predial.
Essa acção judicial veio no passado dia 19 de Fevereiro de 2016 a culminar com a sentença (ainda não transitada em julgado) que a julgou procedente e, em consequência, declarou que a ora Contra-interessada e o seu marido (substituído pelos seus herdeiros) adquiriram por usucapião a propriedade do prédio onde os Recorrentes pretendem iniciar obras de construção, ordenando-se o cancelamento dos registos efectuados a favor dos Recorrentes.
É inequívoca a existência de uma causa prejudicial que vincula a Administração a decidir como decidiu, isto é, a não emitir qualquer licença de obra enquanto não estiver definitivamente decidida a questão de saber quem é o proprietário.
Em face do litígio judicial pendente nos tribunais da RAEM, conceder a licença de obra aos Recorrentes seria dar uma autorização para construção em terreno alheio,
Ao conceder a emissão da licença de obra estando pendente aquela acção judicial, estaria a administração a praticar um acto nulo, ao abrigo do disposto no art. 122º, n.º 2, al. c) e d) do CPA.
Ao emitir a licença de obra sem que os Recorrentes tivessem comprovado, no âmbito do procedimento administrativo, a sua qualidade de proprietários do terreno em questão, estaria a DSSOPT a violar o disposto na alínea d) do art. 38.º e art. 19º do RGCU, sendo por demais consabido que a Administração deve actuar em obediência à lei e ao direito, devendo sujeitar toda a sua actividade a cumprimento do princípio da legalidade.
A tramitação do processo de licenciamento está prevista nos Capítulos II e III do RGCU, onde se engloba a aprovação de projectos - arts. 19º a 41º - e a concessão de licença de obras - arts. 42º a 46º.
A emissão de licença de obra é assim um acto administrativo que está plenamente integrado no procedimento administrativo de licenciamento, entendendo-se como licença o acto administrativo primário, de iniciativa particular e de carácter permissivo, e através da qual é atribuído a um particular o direito de exercer uma actividade privada relativamente proibida por lei.
O entendimento dos recorrentes de que aprovados os projectos de obra a Administração está vinculada a emitir a licença de obra, mesmo sabendo que os interessados podem não ser os proprietários do terreno em causa é completamente errado.
Os recorrentes invocam a violação do princípio da justiça e da proporcionalidade, alegando que a decisão adopta a solução mais onerosa para os seus direitos, mas não fundamentam nem justificam qualquer prejuízo para os seus interesses, incumbindo-lhes esse ónus.
Em suma, não se verifica qualquer ilegalidade do acto recorrido.
Por um lado, porque se trata de um acto meramente confirmativo de um outro acto administrativo definitivo e executório praticado em 2006,
E por outro lado, porque o acto recorrido não viola o disposto no art. 33º, n.º 1 do CPA, art. nem os arts. 19º, n.º 1 e 38º, al. d) do RGCU, nem há qualquer violação de lei por erro nos pressupostos de facto e de direito, nem tão pouco do princípio da justiça e proporcionalidade,
Pelo que o recurso contencioso deverá ser julgado improcedente.
4. A e B vêm responder, em síntese:
I - DA EXCEPÇÃO DE IRRECORRIBILIDADE DO ACTO RECORRIDO
Sustenta a contra-interessa que o "acto confirmado" é o acto administrativo constante do despacho do subdirector de 6 de Dezembro de 2006;
O conteúdo integral de tal ofício é o seguinte:
"No uso das competências delegadas pelo despacho n.º 6/SOTDIR/2000, publicado (…), e em referência ao assunto em epígrafe, informamos V. Exa. de que por meu despacho de 06.12.2006 deverás justificar a situação actuaç sobre a menção na certidão entregue, a inscrição provisória por natureza do caso de acção no Tribunal pelos autores C e marido D.
Mais informamos de que o pedido de emissão de licença só poderá ser apreciado após o parecer que vier a ser emitido pelo Tribunal Judicial de Base" (sic)
Ressalvado o devido respeito por entendimento contrário, afigura-se aos ora Respondentes que tal ofício não comunica qualquer acto administrativo, como pretende a contrainteressada (cfr. artigo 22.° da Contestação), pelo menos não comunica um acto administrativo susceptível de poder ser considerado como" acto confirmado" do acto recorrido;
Na verdade, afigura-se aos Recorrentes que, contrariamente ao que repetidamente afirma a contra-interessada (dr. artigos 18.°, 30.°, 35.°, 54.°, 56.°, 68.°, 71.° 72.° e 79.° da douta Contestação), o referido despacho não chega a consubstanciar uma decisão, para efeitos de se poder estar perante um princípio de acto administrativo;
Num primeiro momento, traduz-se claramente numa solicitação de esclarecimentos aos interessados sobre uma dada situação registral e, num segundo momento, num esclarecimento, prestado pelo órgão aí em causa, ainda que de forma não muito feliz, sobre o momento em que considera ser apreciar o pedido de emissão de licença;
Portanto, em qualquer dos casos, actos de natureza instrumental ou ancilar e não actos que visem por si mesmos definir uma situação jurídica;
Razão por que se tem de concluir pela inexistência de qualquer acto administrativo;
O que é bem comprovado pelo próprio comportamento procedimental da Administração, adoptado na sequência de tal despacho.
II – DOCUMENTOS JUNTOS E EVENTUAIS OUTROS CONTRAINTERESSADOS
Através da sentença junta com o requerimento da contra-interessada, de 18 de Abril de 2016, verifica-se que os autores na acção a que a mesma sentença respeita são C, a ora contra-interessada, e D, entretanto falecido, substituído nessa acção pela contra-interessada e ainda por E, F, G, H, I E J (cfr. relatório da sentença);
Tal substituição ocorreu no âmbito do incidente de habilitação que teve lugar na acção a que a douta sentença se reporta;
Os Recorrentes identificaram como contra-interessada no recurso contencioso dos presentes autos o cônjuge viúva C e a dúvida que se poderá suscitar, face a tal douta sentença, e que agora à cautela se formula, é a de saber se os referidos substitutos do A naquela acção, entretanto falecido, se devem também intervir nos presentes autos como contra-interessados para assegurar a legitimidade passiva; ~
Com a ressalva do devido respeito devido por opinião contrária, afigurar-se aos ora Recorrentes que não, isto é: que a legitimidade passiva nos presentes autos se encontra adequadamente assegurada com a intervenção apenas da ora contra-interessada;
Ora, estabelece o artigo 39º do CPAC que os contra-interessados são "as pessoas a quem o provimento do recurso possa directamente prejudicar";
Com base na letra deste preceito poderia afirmar-se que todos os herdeiros de D se devem considerar contra-interessados para efeitos de tal preceito;
No entanto e antes de mais, importa não perder de vista que só em concreto se poderá aquilatar se é obrigatória ou não a intervenção de certas pessoas como contrainteressados;
Ora, afigura-se aos Recorrentes que a situação em concreto nos presentes autos é paradigmática no sentido de não terem de ser citados todos os herdeiros de D.;
Desde logo, verifica-se que as pessoas supra referidas passaram a ocupar a posição do A, D, em virtude de incidente de habilitação por morte deste, no âmbito da acção cível a que se reporta a sentença ora junta aos autos;
Tal incidente, como é consabido, visa a substituição de uma parte, falecida na pendência da causa, por aquele que lhe deve suceder na situação jurídica litigiosa, com vista ao prosseguimento dos termos da demanda;
Face a tal circunstancialismo e com base em argumentos de igualdade ou maioria de razão, extraídos, mormente, das normas dos artigos 1913.°/1/ 1916.°/1, 1917.° e 1926. °/1 do Código Civil, afigura-se aos Recorrentes que a intervenção da contra-interessada, herdeira do A naquela acção cível, é suficiente para garantir a legitimidade passiva nos presentes autos, não sendo necessária a intervenção dos que ocuparam a posição daquele na referida acção;
Tal como parece ser essa também a posição perfilhada pela própria contrainteressada, a qual, conhecendo como ninguém a situação relativa à morte do seu cônjuge, não teria deixado, seguramente, de arguir a respectiva excepção, tal como fez com a excepção deduzida, caso entendesse ser necessária a intervenção necessária de todos.
5. C, contra-interessada, veio apresentar as suas ALEGAÇÕES FACULTATIVAS, concluindo:
I. No dia 1 de Março de 2004 a Contra-interessada, juntamente com o seu falecido marido, intentou, na qualidade de Autora, acção de usucapião sobre o prédio objecto de litígio, no 3º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Base, sob o n.º CV3-04-0006-CAO contra, entre outros, os ora Requerentes.
II. A 30 de Dezembro de 2004 os recorrentes requereram emissão de Licença da Obra (T-6767).
III. A Contra-interessada solicitou por várias ocasiões à DSSOPT que fosse emitida licença de obra, muito embora tivessem conhecimento da pendência da acção de usucapião.
IV. A 15 de Novembro de 2006 a Contra-interessada e o seu falecido marido vieram novamente expor à DSSOPT (T-7568) os factos atinentes à acção judicial de usucapião.
V. A 2l de Dezembro de 2006, na sequência do pedido feito a 15 de Outubro de 2006, os Recorrentes foram notificados por Oficio com a Ref.ª 19866/DURDEP/2006 do Despacho do Substituto do Director a informar que o pedido de emissão de licença de obras só poderia ser apreciado após o parecer que viesse a ser emitido pelo Tribunal Judicial de Base.
VI. A 15 de Novembro de 2012, o Secretário para os Transportes e Obras Públicas rejeitou o recurso interposto pelos recorrentes, do despacho de 4 de Junho de 2012 da Subdirectora da DSSOPT através de despacho exarado na informação 45/DJUDEP/2012.
VII. Os recorrentes interpuseram Recurso Contencioso do Despacho do Secretário para os Transportes e Obras Públicas de dia 15 de Novembro de 2012.
VIII. A licença da obra de construção do Processo nº 751/2004/L, cuja suspensão foi objecto do presente recurso contencioso} não passa de uma mera confirmação de um acto administrativo já praticado pela Administração e do qual os Recorrentes não se manifestaram.
IX. A decisão da DSSOPT datada de 21 de Dezembro de 2006, a tomar posição sobre o pedido de licença de obra requerido pelos Recorrentes, foi uma decisão efectiva, i.e. a de que inexistindo decisão judicial que pusesse um fim ao conflito sobre a propriedade do prédio em questão, o pedido de emissão de licença de obra manter-se-ia suspenso.
X. A referida decisão foi clara, definitiva e executória e, como tal, susceptível de lesar os interesses dos recorrentes} configurando dessa forma um verdadeiro acto administrativo.
XI. Esta decisão foi dada a conhecer aos Recorrentes.
XII. Confrontados com a referida decisão executória, de 21 de Dezembro de 2006, decidiram os Recorrentes não impugnar, optando ao invés por solicitar reiteradamente o mesmo pedido, anteriormente objecto de decisão, como se da sua repetição nova decisão sobre o mesmo conteúdo fosse possível.
XIII. Nos termos do disposto no art. 31.º do CPAC "O recurso é rejeitado com fundamento na natureza meramente confirmativa do acto recorrido quando o acto confirmado tenha sido objecto de notificoção ao recorrente, de publicoção imposta por lei ou de impugnação administrativa ou contenciosa interposta por aquele" (destacado nosso)
XIV. Pelo que, o acto recorrido é irrecorrível!
XV. Foi proferida sentença judicial no âmbito da referida acção de usucapião, no dia 19 de Fevereiro de 2016, que a julgou procedente a favor da Contra-interesada e seu falecido marido.
XVI. A Contra-interessada e seu falecido marido adquiriram por usucapião a propriedade do prédio onde os Recorrentes pretendem iniciar obras.
XVII. Face à decisão judicial no âmbito do processo supra mencionado é inequívoco que existe efectivamente uma causa prejudicial à emissão de licença de obra!
XVIII. Não se pode exigir que a DSSOPT tivesse tomado outra decisão que não a de suspender o processo de licenciamento já que decisão contrária implicaria permitir construção em terreno alheio.
XIX. Se a DSSOPT tivesse optado por não suspender o procedimento de licenciamento, estaria a praticar um acto administrativo cujo objecto seria impossível.
XX. Permitir a emissão de uma licença de obra sem que a titularidade do direito de propriedade sobre prédio onde se pretende efectuar obras esteja devidamente determinada, traduz-se numa clara violação dos art 19º, n.º 1 e 38.°, alínea d) do RGCU e, consequentemente, um acto nulo, nos termos do disposto no art. 122º, n.º 2, alíneas c) e d) do CPA.
XXI. Face a uma. questão prejudicial, a DSSOPT ficou constituída no dever jurídico de suspender o procedimento até decisão definitiva do tribunal (art. 33º, n.º l do CPA).
XXII. A licença de obras é um verdadeiro acto administrativo primário, de iniciativa particular e de caracter permissivo, através do qual é atribuído o direito de exercer uma actividade privada.
XXIII. A emissão da licença consubstancia um acto de controlo preventivo da administração, que faz parte integrante de todo o procedimento administrativo de licenciamento de obra.
XXIV. Se a licença de obra fosse uma mera continuação do projecto de obra, seria desnecessário exigir ao interessado o requerimento de licença, uma vez que esta seria conferida de forma automática e não careceria de requerimento para ser concedida.
XXV. A aprovação do projecto de obra é apenas a primeira fase do que é o procedimento de licenciamento no seu todo.
XXVI. Finda a aprovação do projecto de obra há formalidades a serem cumpridas pelos requerentes de licença que, não cumpridas, podem culminar no embargo de obra (art. 42.º e 52.° do RGCU).
XXVII. A licença de obra é um acto administrativo preventivo da administração, nessa medida estando sujeito a condição ao abrigo do disposto no art. 111º do CPA.
XXVIII. Não assiste razão aos Recorrentes quando afirmam que o preceituado no art. 38º, alínea d) do RGCU, no respeitante aos fundamentos de indeferimento de licenciamento, não se destina a regular a emissão da licença de obra por razoes de inserção sistemática no diploma, uma vez que decorre claramente da letra da lei o contrário.
XXIX. Os recorrentes não conseguiram especificar ou sequer fazer prova, muito embora lhes coubesse esse ónus, dos direitos de que são titulares e que foram lesados pela decisão da DSSOPT.
XXX. A Administração não violou o princípio da justiça e da proporcionalidade ao decidir suspender a emissão de licença de obra.
XXXI. A decisão recorrida não merece qualquer censura.
Nestes termos e nos melhores de Direito,
Deverá o presente recurso contencioso ser julgado improcedente, por não provado, mantendo-se o acto recorrido nos seus precisos termos.
6. O Digno Magistrado do MP oferece o seguinte douto parecer:
Vem o presente recurso contencioso dirigido contra o acto de 15 de Novembro de 2012, da autoria do Exm.º Secretário para os Transportes e Obras Públicas, que rejeitou o recurso hierárquico interposto do despacho de 04 de Junho de 2012, do Director dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes, que ordenara a suspensão do procedimento de licenciamento de obras, que tramitava pela Direcção de Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes (DSSOPT) sob o n.º 751/2004/L.
Os recorrentes imputam ao acto os vários vícios de violação de lei que desenvolvem na sua petição de recurso, e que se reconduzem à errada interpretação e aplicação dos artigos 33.°, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo, 19.°, n.º 1, e 38.°, alínea d), do Regulamento Geral da Construção Urbana (RGCU) constante do Decreto-Lei 79/85/M, de 21 de Agosto, bem como à violação dos princípios da justiça e da proporcionalidade1.
Autoridade recorrida e contra-interessada refutam o argumentário dos recorrentes, pronunciando-se pela legalidade do acto e pela sua manutenção na ordem jurídica.
Debrucemo-nos sobre os vícios invocados, seguindo a ordem adoptada pelos recorrentes.
Começam estes por afirmar que o acto violou o disposto no artigo 33.°, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo.
Dispõe o referido normativo que, quando a decisão final a tomar no procedimento depender da decisão de uma questão para a qual sejam competentes os tribunais ou outro órgão administrativo, deve suspender-se o procedimento até ser decidida essa questão. No caso em apreço, quando impulsionaram o licenciamento, os recorrentes apresentaram-se perante a DSSOPT como proprietários do terreno onde ia ser erigida a edificação. Porém, no desenvolvimento do procedimento, apurou-se que havia controvérsia quanto à propriedade do terreno. Ao ponto de estar pendente em tribunal a pertinente acção judicial para dirimir o conflito e sentenciar quem era o proprietário. Estava caracterizada, cremos, uma situação de prejudicialidade que respaldava o recurso à suspensão prevista naquele inciso legal.
Os recorrentes insurgem-se contra a suspensão decretada com base no aludido artigo 33.°, n.° 1, porquanto acham que o procedimento já tinha atingido o seu objectivo final e já tinha sido tomada a decisão final de licenciamento, pelo que não havia lugar à aplicação do referido artigo 33.°, n.º 1, que está talhado para acudir a situações que precedem a tomada de decisão final no procedimento.
Crê-se que não têm razão. Os recorrentes atribuem à aprovação dos projectos o efeito de licenciamento. E uma vez que já tinha havido aprovação dos projectos, concluem que a obra já estava licenciada, no sentido de que já fora proferido o acto de licenciamento, apenas faltando obter a licença, no sentido de título ou alvará que habilita à execução das obras.
Não é essa a leitura que fazemos do regime de licenciamento constante do RGCU, embora se conceda que o legislador poderia ter sido mais claro. Em vários passos do diploma legal há aflorações que apontam para a não coincidência entre licenciamento e aprovação dos projectos. A própria exposição de motivos que precede o articulado do DL 79/85/M contém alusões à aprovação de projectos e ao licenciamento de obras como etapas diversas e realidades diferentes do, procedimento de licenciamento, tal como se constatados parágrafos 4.° e 5.° desse exórdio. E essa diferenciação resulta também clara de alguns normativos do diploma, tais como os artigos 1.º e 38.º. É certo que, como já se disse, poderia o legislador ter sido mais claro na delimitação entre as etapas de aprovação docs) projecto(s) e do licenciamento, até porque se afigura que, a partir do capítulo IV do diploma, o termo licença passa a ser empregue com uma abrangência que aparenta aludir, quer ao acto de licenciamento, quer ao título ou alvará que permite dar execução às obras, o que também não ajuda a uma clarividente compartimentação das etapas do processo de licenciamento de obras.
Como quer que seja, não se vê razão ponderosa para tomar a aprovação do projecto, ou dos projectos, pelo acto final de licenciamento, que esse ocorre, a nosso ver, com a concessão da licença, tendo aqui o vocábulo licença a conotação ou o sentido de licenciamento.
Quando foi suspenso o procedimento não havia ainda sido adoptada uma decisão final (licenciamento) no procedimento, pelo que nada impedia, verificados que estavam os demais requisitos, que a Administração determinasse, como sucedeu, a suspensão do procedimento. É certo que a Admini stração podia ter recorrido à suspensão formal do procedimento em momento anterior, logo que soube da pendência da acção cível. Todavia, nessa altura, entendeu por bem alertar os recorrentes para a circunstância de não poder ser concedida a licença enquanto não se mostrasse decidida a questão pendente nos tribunais sobre a propriedade do local da obra. Só que, indiferentes a este alerta, os recorrentes continuaram a pedir reiteradamente a emissão da licença, o que pode, porventura, ter pesado na necessidade de prolação do despacho de suspensão agora em escrutínio. Porém, o timing da ordem de suspensão do procedimento em nada contende com a validade do respectivo acto.
Improcede, pois, a invocada violação do artigo 33.°, n.° 1, do Código do Procedimento Administrativo.
Seguidamente, os recorrentes invocam a violação dos artigos 38.°, alínea d), e 19.°, n.º 1, do RGCU.
O referido artigo 38.° elenca os casos em que a DSSOPT poderá indeferir os pedidos de licenciamente … contando-se entre eles o desrespeito por quaisquer normas legais ou regulamentares previsto na respectiva alínea d).
Por sua vez, o artigo 19.º, n.º 1, do RGCU, estatui que a aprovação do projecto será solicitada em requerimento dirigido ao Director da D.S.S.O.P. T., do qual constará o nome ou denominação e o domicílio do requerente, a indicação da qualidade de proprietário, locatário ou mandatário, bem como o local da edificação projectada e ainda os números de polícia ou letras se os houver.
Como já se referiu, a DSSOPT tomou conhecimento, durante o procedimento, que havia controvérsia quanto à propriedade do terreno para o qual fora requerido o licenciamento, razão por que estava pendente em tribunal a pertinente acção judicial para dirimir o conflito e sentenciar quem era o proprietário. Também já se disse que os requerentes se apresentaram, no procedimento, com a qualidade de proprietários do prédio (terreno) para o qual requereram o licenciamento de construção. Pois bem, como resulta do invocado artigo 19.º, n.º 1, do RGCU, e também do seu n.º 2, que agora aqui se convoca, o requerente de um licenciamento de construção tem que demonstrar, perante a Administração, a sua legitimidade para o efeito. Se no decurso do procedimento surgem dúvidas ponderosas, como sucedeu, sobre essa alegada legitimidade, tem a Administração que esclarecer essas dúvidas, ou aguardar que se mostrem esclarecidas no foro próprio, sem o que não poderá deferir o requerido licenciamento, conforme decorre dos mencionados normativos dos artigos 38.º e 19.º do RGCU. Tendo a Administração sustentado através destes normativos a impossibilidade de licenciar a construção até que fosse conhecido o desfecho da acção pendente em tribunal c, em consequência, esclarecida a propriedade e a legitimidade para requerer o licenciamento, não se vislumbra como pode validamcnte assacar-se ao acto recorrido a violação dos normativos em questão.
Nenhuma ofensa se detecta a tais normativos, pelo que improcede também a sua invocada violação.
Resta aludir aos arguidos vícios de violação de lei por desrespeito dos princípios da justiça e da proporcíonalidade.
Na base da sustentação da violação do princípio da justiça, os recorrentes alegam que o acto - acto de suspensão do procedimento - não tem fundamento válido, para, a partir daí, concluírem que ele visa apenas obstaculizar à emissão da licença de obra, em detrimento dos seu direitos e interesses legalmente protegidos. Já vimos que a suspensão do procedimento, determinada pela necessidade de resolução de uma questão prejudicial, revelava-se pertinente e estava plenamente justificada do ponto de vista legal. Assente que está em premissa frontalmente contrária, a conclusão de que o acto visou evitar a emissão da licença, postergando os direitos e interesses dos recorrentes, é meramente especulativa, pelo que nenhuma afronta ao princípio da justiça se detecta no acto escrutinado.
Para caracterizar a invocada violação do princípio da proporcionalidade, os recorrentes argumentam que a Administração se interessou na resolução de uma questão privada - a do direito de propriedade enveredando pela solução da suspensão do procedimento, que se mostra a mais onerosa para os direitos dos recorrentes e é desnecessária para a prossecução do interesse público. Valem aqui, mutatis mutandis, as considerações que alinhámos a propósito da alegada violação do princípio da justiça. A suspensão do procedimento impunha-se e era conforme aos ditames legais, pelo que carece de fundamento a invocação da desnecessidade de aguardar o desfecho do litígio sobre a propriedade e os eventuais prejuízos que a demora possa ter acarretado aos recorrentes, não se vislumbrando também qualquer atropelo ao princípio da proporcionalidade.
Improcede, pois, também a violação de lei por ofensa dos princípios da justiça e da proporcionalidade.
Termos em que se emite parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.
II - PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
1. Este Tribunal é o competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
2. O processo é o próprio e não há nulidades.
3. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária.
4. Da legitimidade
4.1. Dos contra interessados
Somos a subscrever a douta posição seguinte do MP:
“Na sequência da junção do doc. de fls. 165 e seguintes, onde a contra-interessada C dá a conhecer a sentença proferida na acção ordinária CV3-04-0006-CAO, de cujo teor resulta ter havido uma habilitação de sucessores, vieram os recorrentes equacionar a (des)necessidade de intervenção, como contra-interessados, dos habilitados no âmbito daquela acção CV3-04-0006-CAO, propendendo para a não obrigatoriedade dessa intervenção com os argumentos que melhor resultam da peça de fls. 182 e seguintes.
Também se nos afigura não deverem os referidos habilitados ser chamados ao presente processo como contra-interessados.
O artigo 39.° do Código de Processo Administrativo Contencioso confere legitimidade para intervir, como contra-interessados, no recurso contencioso, àqueles a quem o provimento do recurso possa directamente prejudicar. Esta possibilidade de prejuízo directo não pode deixar de ser aferida com base na real posição jurídica que a pessoa ocupa relativamente à relação jurídico-administrativa visada pelo acto administrativo objecto de sindicância. No caso em apreço está em causa a suspensão de um procedimento de licenciamento de obras em prédio cuja propriedade é reivindicada pelos recorrentes e pela contra-interessada. A intervenção dos habilitados na acção cível, à qual subjaz o escopo de assegurar a legitimidade processual e a abrangência do caso julgado, não os coloca ipso facto na posição de contraparte na referida relação jurídico-administrativa. Mesmo que se trate de herdeiros, essa condição e os direitos inerentes não os catapultam ao estatuto de "proprietários" do prédio a que se reporta o procedimento administrativo, pois só a partilha produz o efeito de considerar cada um dos herdeiros como sucessor único dos bens que lhe forem atribuídos - artigo 1959.° do Código Civil.
Daí que, nesta fase, em que tão pouco está esclarecida a qualidade dos habilitados ou a pendência de inventário, e sendo seguro que não houve lugar à partilha do bem por óbito de D, seja dificil configurar um prejuízo directo, para eles, habilitados, em resultado do provimento do recurso. O artigo 39.º do Código de Processo Administrativo Contencioso não pode ter por fito chamar ao recurso contencioso quaisquer hipotéticos ou futuros interessados, tais como herdeiros, promitentes compradores, credores hipotecários, etc., relativamente aos quais não é possível configurar actualmente a hipótese de um prejuízo directo.
Em suma, não se crê que os habilitados na acção CV3-04-0006-CAO devam ser chamados ao recurso contencioso como contra-interessados.”
De todo o modo, é questão que se mostra ultrapassada, porque decidida, com a prolação do despacho de fls 203, despacho que não foi impugnado.
4.2. Assim se verifica que as partes são dotadas de legitimidade “ad causam”.
5. Da recorribilidade do acto
Ainda aqui nos apoiamos no douto parecer do MP:
“Na sua contestação, veio a contra-interessada suscitar a questão da recorribilidade do acto. Diz que o acto impugnado é irrecorrível, porquanto é meramente confirmativo do acto de 6 de Dezembro de 2006, da autoria da Directora Substituta da DSSOPT. Sobre a matéria já responderam os recorrentes, pronunciando-se pela improcedência da excepção, conforme fls. 182 e ss.
Acompanhamos, neste aspecto, a posição dos recorrentes.
Mesmo dando de barato que o acto de 06.12.2006 goza de prerrogativas de estatuição autoritária, visando a produção de efeitos externos, no sentido de acto administrativo potencialmente lesivo - o que parece algo duvidoso - sempre faltaria, entre os dois actos, a indispensável identidade de objecto e decisão. Na verdade, o acto recorrido estatui sobre a suspensão do procedimento de licenciamento, determinando a suspensão do processo administrativo, até resolução, no foro próprio, de uma questão tida por prejudicial; o acto de 6.12.2006 tinha alertado os recorrentes para a circunstância de não poder ser emitida a licença de obra até que se mostrasse decidida a questão prejudicial. Pois bem, trata-se de coisas diferentes. Através do acto recorrido, foi determinada a paragem do processo administrativo, que poderá prosseguir, ou não, conhecida a resolução da questão prejudicial. Ou seja, o processo administrativo parou e não lhe será dado andamento, nem será adoptada a resolução final de licenciamento ou não, antes de ser conhecido o resultado da questão pendente nos juízos cíveis do Tribunal Judicial de Base. Pelo acto de 6.12.2006 apenas foi dito ou alertado que, no termo do procedimento de licenciamento, não seria passado o título para efectuar as obras, ou seja, a licença de obras, enquanto não estivesse resolvida a questão prejudicial. São, como sinteticamente tentámos explicar, realidades diversas, a que falta identidade de objecto e de decisão.
Termos em que haverá que concluir que o acto impugnado não é meramente confirmativo do acto de 06.12.2006, o que conduz à improcedência da suscitada excepção, sendo esse o sentido do meu parecer.”
6. Não há outras excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito.
III - FACTOS
Com pertinência, têm-se por assentes os factos seguintes:
1. Em 15 de Novembro de 2012, o Senhor Secretário para os Transportes e Obras Públicas, na Informação com o n.º 45/DJUDEP/2012, de 10 de Setembro de 2012, exarou despacho de concordância com proposta formulada pelo Director dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes, em consonância com a Informação infra, confirmando a decisão de suspensão do procedimento de licenciamento de obra de construção objecto do recurso hierárquico (cfr. Doc. n.º 1).
2. O acto impugnado consubstanciado no despacho que determinou a suspensão do procedimento, louvou-se na seguinte informação:
“Assunto : Apreciação do recurso hierárquico necessário interposto contra o despacho do director da DSSOPT que recaiu sobre a Informação n.º 20/DJUDEP/2012m de 1 de Junho, que determinou a suspensão do procedimento de licenciamento n.º 751/2004/L.
Informação n.º : 45/DJUDEP/2012
Data : 10/09/2012
1. Em cumprimento do despacho da Chefe do DJUDEP, de 23 de Agosto de 2012, cumpre informar.
2. Vêm, A e B, requerentes no procedimento de licenciamento n.º 751/2004/L interpor recurso hierárquico necessário do despacho do director desta DSSOPT que suspende o referido procedimento.
3. Nos termos do art. 59.° do RGCU e dos art. 145.° e 147.º do Código do Procedimento Administrativo (CPA), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 57/99/M, de 11 de Março, o recurso é o próprio, tempestivo e os recorrentes são partes legítimas pois são os requerentes no procedimento de licenciamento e, por conseguinte, se consideram lesados pelo acto administrativo praticado pelo director da DSSOPT.
Os factos:
4. O recurso hierárquico em apreço está relacionado com o processo n.º 751/2004/L, relativo ao licenciamento de uma obra de construção num terreno de propriedade perfeita, descrito sob os n.º … e … na Conservatória do Registo Predial.
5. Entre os anos de 2004 e 2006 foram aprovados o anteprojecto (projecto de arquitectura) e projecto de obra de construção (projectos de especialidade), tendo em 13 de Outubro de 2010 sido pedida, pela primeira vez, a licença de obra.
6. Através do ofício n.º 19866/DURDEP/2006, de 21 de Dezembro de 2006, foram os requerentes informados de que enquanto não houvesse decisão judicial sobre a propriedade do terreno, reclamada por C e D, os quais interpuseram acção especial de posse judicial avulsa junto do Tribunal Judicial de Base.
7. Assim, embora tenha sido solicitada por diversas vezes a emissão da referida licença de obras, a mesma não foi emitida.
8. Todos os projectos foram aprovados dentro dos prazos legais estabelecidos cumprindo o previsto no art. 40.° do D.L. n.º 79/85/M, de 21 de Agosto, pelo que foram validamente aprovados.
9. Em 1 de Março de 2007, foi produzida a Informação n.º 12/DJUDEP/2007 na qual se propôs a declaração de suspensão do procedimento de licenciamento até ao trânsito em julgado da decisão judicial sobre a propriedade do terreno, bem como o indeferimento do pedido de emissão de licença de obra.
10. Sobre esta informação não veio a recair despacho superior.
11. De acordo com o despacho do Director dos Serviços de 19 de Janeiro de 2007 que recaiu sobre a Informação do DURDEP, de 6/12/2006, foi solicitado parecer ao IC por se situar o edifício na zona de protecção classificada de acordo com o despacho CE n.º 202/2006, tendo o referido parecer aconselhado que a altura do edifício fosse rebaixada de 98,4 mNMM, para 58,7 mNMM.
12. O projecto de arquitectura cumpre a linha de 76.º, ou seja,.cumpre o cálculo das áreas de sombra.
13. No DJUDEP foram produzidas entretanto a Informação n.º 17/DJUDEP/2011, de 26 de Abril e a Informação n.º 31/DJUDEP/2011 de 21 de Junho.
14. A primeira das informações supra-referidas propôs a suspensão do procedimento de licenciamento e a segunda é complementar da primeira.
15. Posteriormente vieram os ora recorrentes pronunciar-se em sede de audiência prévia em 11 de Outubro de 2011, sendo que o contributo por estes prestado não foi passível de alterar a decisão, tendo por despacho do director dos serviços, de 4 de Junho de 2012 sido decidido proceder à suspensão do procedimento.
16. Os recorrentes tomaram conhecimento da referida decisão em 31 de Julho de 2012 e interpuseram recurso hierárquico necessário em 23 de Agosto de 2012
O Direito
17. Alegam os recorrentes que se verifica uma dilação de seis anos entre o momento em que a DSSOPT teve conhecimento da disputa relativamente ao direito de propriedade sobre o terreno e só agora vir a ser declarada a suspensão do procedimento de licenciamento, o que em seu entender demonstra a falta de legalidade e bondade da decisão, mas não lhes assiste qualquer razão.
18. De facto, em 21 de Dezembro de 2006 os ora recorrentes foram informados, através do ofício n.º 19866/DURDEP/2006, de que o pedido de emissão de licença de obras só poderia ser apreciado após o parecer que viesse a ser emitido pelo Tribunal Judicial de Base.
19. A decisão em conformidade encontra-se plasmada na Informação DURDLC/Construção.
20. Foi pois expressamente transmitido aos recorrentes que o pedido de emissão de licença só seria apreciado após a decisão judicial, que não foi até à data proferida.
21. Neste caso a concessão da licença requer sempre um despacho expresso, posterior a decisão judicial que venha eventualmente a ser favorável aos recorrentes e que a essa decisão fará menção.
22. Se é certo que logo após tomar conhecimento do facto que constitui a questão prejudicial a DSSOPT podia ter efectuado a referida suspensão do procedimento, a verdade é que submeteu esta licença à verificação de uma condição suspensiva, qual seja a de uma prévia decisão judicial favorável aos recorrentes.
23. Donde, neste caso, a autorização de construção não emerge exclusiva e directamente da decisão final de aprovação dos projectos, pois que a licença só poderá ser emitida caso obtenha vencimento a posição quanto à titularidade do prédio defendida pelos recorrentes.
24. Assim, contrariamente ao pretendido pelos recorrentes, no caso em apreço a autorização de construção não emerge exclusiva e directamente da decisão final de aprovação dos projectos.
25. O pedido de licença poderá vir a ser indeferido, com fundamento na alínea d) do art. 38.° do ROCU, caso os recorrentes não consigam demonstrar a alegada qualidade de proprietários, como exigido pelo n.º 1 do art. 19°, do ROCU.
26. É consabido que o procedimento de licenciamento termina com a emissão da licença e esta destina-se a permitir o respectivo início da obra que deverá dar-se nos 15 dias subsequentes à emissão, sob pena de se dar a sua caducidade.
27. Serve isto por dizer que a licença de obra não é um objectivo em si mesma. O objectivo é sim a construção da obra licenciada.
28. Ora o que se pretende com a presente suspensão evitar é justamente que venha a ser erigida uma edificação sem estar claramente definido o direito de propriedade sobre o terreno em que a mesma há-de ser implantada.
29. O facto de a Administração não ter declarado suspenso o procedimento anteriormente não retira à questão a prejudicialidade, como parecem querer os recorrentes, nem justifica a emissão da licença, permitindo a edificação de uma construção num prédio sobre o qual a questão da propriedade não é líquida e está a ser dirimida judicialmente.
30. De igual modo a suspensão do procedimento não impede o cumprimento de formalidades que não estejam directamente dependentes da solução da questão prejudicial. Donde, o facto de terem sido aprovados os projectos não é impeditivo da suspensão, como pretendem os recorrentes, porquanto as decisões sobre a aprovação dos projectos não estão directamente dependentes da resolução da questão prejudicial que é a decisão sobre a titularidade da propriedade do prédio.
31. Certo é que a decisão final sobre o licenciamento da obra encontra-se condicionada à emissão de uma decisão judicial favorável aos recorrentes, porquanto o procedimento pode e deve ser suspenso.
32. Contrariamente ao alegado pelos recorrentes, o procedimento de licenciamento da obra não ficou concluído em 23/08/2006, com o despacho que aprovou o projecto de obra.
33. Tal procedimento só ficará concluído com a efectiva emissão da licença, precedida de decisão judicial que lhes seja favorável, tal como foram os recorrentes informados.
34. Igualmente não assiste razão aos recorrentes quando afirmam que a norma do art. 38º do RGCU não é susceptível de constituir a base normativa da decisão recorrida, porquanto a mesma norma expressamente fundamenta o indeferimento dos pedidos de licenciamento, que justamente terminam com a emissão da respectiva licença.
35. Donde, contrariamente ao alegado pelos recorrentes, o despacho recorrido não viola o art. 33.º n.º 1 do CPA, como igualmente não viola os artigos 38.º d) nem o art. 42.º deste diploma. Quanto à alegada violação do art. 25.º do RGCU, cremos estar perante um lapsus calami.
36. Pelo exposto, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 161.º do CPA, é de confirmar o acto recorrido (suspensão do procedimento de licenciamento de construção com O n.º 751/2004/L), pelo facto do mesmo não ter por fundamento a ilegalidade ou a inconveniência do acto administrativo impugnado.
37. Se for este o entendimento superior, deve a DSSOPT, por força das competências delegadas pelo n.º 1 da Ordem Executiva n.º 124/2009, publicada no Boletim Oficial da RAEM, Número Extraordinário, I Série, de 20 de Dezembro, remeter o processo ao Secretário para Obras Públicas e Transportes para os devidos efeitos.
38. Notifique-se o recorrente do conteúdo do despacho do Secretário para Obras Públicas e Transportes relativo ao presente recurso hierárquico.”
3. Em 6 de Outubro de 2004, a Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes (doravante, DSSOPT) emitiu a Planta de Alinhamento Oficial n.º 2004 A042, que veio a instruir o procedimento de licenciamento dos autos, na qual foi aposto um carimbo com os seguintes dizeres: «Este edifício insere-se na zona sujeita ao Plano da Praia Grande».
4. Em 31 de Dezembro de 2004 (T. 6767), os ora recorrentes apresentaram, na DSSOPT, o pedido de licenciamento da obra, incluindo o respectivo projecto de arquitectura.
5.Tal projecto incidia sobre um terreno constituído por duas parcelas de terreno cuja propriedade se mostrava inscrita a favor dos recorrentes.
6. Numa dessas parcelas, encontrava-se inicialmente edificado um prédio de dois andares que os recorrentes tiveram de demolir por ordem da DSSOPT por ameaçar ruir (cfr. Doc. n.º 1, fls. 1 a 3, junto com o requerimento de 27 de Maio de 2013, fls. 91 e ss dos autos);
7. Em 15 de Março de 2005, por Ofício n.º 3155/DURDEP/2005, os recorrentes foram notificados do despacho do Exmo. Director, de 1/3/2005, que aprovou o projecto de arquitectura, condicionado a introdução de algumas rectificações.
8. Em 13 de Setembro de 2005 (T. 5681), foram apresentadas as rectificações exigidas ao projecto de arquitectura e foram apresentados para aprovação os projectos de especialidade.
9. Em 11 de Novembro de 2005 (T. 6879), para prova do direito de propriedade do terreno, os recorrentes juntaram ao processo certidões prediais, através das quais se comprova a existência de registo de acção judicial intentada tendo por objecto o terreno em apreço no projecto de obra.
10. Na mesma data, em 11 de Novembro de 2005, a DSSOPT, a pedido dos recorrentes, emitiu certidão para efeitos de registo provisório das fracções autónomas projectadas.
11. Em 5 de Dezembro de 2005, através do Ofício com ReP n.º 16696/DURDEP/2005, os recorrentes foram notificados do despacho do Exmo. Subdirector, de 30/11/2005, que aprovou o projecto de obra de construção, condicionado ao cumprimento de determinadas exigências de natureza técnica e de pormenor.
12. Em 25 de Janeiro de 2006, 22 de Março de 2006 e 8 de Junho de 2006 (TT. 972, 2282 e 3952), os recorrentes apresentaram as rectificações que haviam sido indicadas.
13. Em 4 de Abril de 2006, C e o seu falecido marido D requereram junto do Tribunal Judicial de Base a concessão de providência cautelar não especificada, solicitando, entre o mais, no que respeita a uma das parcelas supra referidas, que os ora recorrentes «fossem proibidos de proceder a quaisquer alterações materiais (nomeadamente obras) no prédio» em referência no procedimento de licenciamento e ainda que a DSSOPT fosse notificada «para não realizar qualquer acto administrativo com vista ao licenciamento de obras no prédio identificado».
14. Em Abril de 2006, a DSSOPT tomou conhecimento destas pretensões de C e D (cfr. Doc. n.º 2, fls. 1 a 14, junto com o requerimento de 27 de Maio de 2013, fls. 91 e ss. dos autos).
15. Em 23 de Junho de 2006, C e D desistiram da providência requerida, tendo o Tribunal Judicial de Base homologado a referida desistência e consequentemente absolvido os ora Recorrentes dos pedidos formulados (cfr. Doc. n.º 2, junto com o requerimento de 21 de Fevereiro de 2013).
16. A DSSOPT foi informada do trânsito em julgado da decisão judicial que homologou aquela desistência e que absolveu os ora recorrentes dos pedidos contra si formulados por C e D.
17. Em 20 de Agosto de 2006, foram emitidos pela DSSOPT e entregues aos recorrentes os projectos de obra carimbados (cfr. Doc. n.º 3, fls. 1 a 5, junto com o requerimento de 27 de Maio de 2013, fls. 91 e ss. dos autos)
18. Em 30 de Agosto de 2006, através do Ofício com a Ref.ª n.º 14342/DURDEP/2006, os recorrentes foram notificados do despacho do Exmo. Director dos DSSOPT, de 23/8/2006, que aprovou as rectificações apresentadas e estabelecendo novas condicionantes de natureza técnica e de pormenor.
19. Em 12 de Outubro de 2006 (T. 6798), foram apresentadas as rectificações indicadas no despacho de aprovação anterior.
20. Em 13 de Outubro de 2006 (T. 6869), os requerentes solicitaram à DSSOPT a emissão de licença de obra (1.ª vez).
21. Em 21 de Dezembro de 2006, por Ofício com a Ref.ª 19866/DURDEP/2006, os recorrentes foram notificados do despacho subscrito por substituto do Exmo. Director, de 6/12/2006, convocando-os a esclarecerem a existência de acção judicial intentada por C e marido D, tendo por objecto o terreno em causa no procedimento de licenciamento e que se encontrava registada na Conservatória do Registo Civil, informando os requerentes do seguinte: «o pedido de emissão de licença de obras só poderá ser apreciado após o parecer que vier a ser emitido pelo Tribunal Judicial de Base».
22. Em 9 de Janeiro de 2007 (T. 294), os Recorrentes voltaram a solicitar à DSSOPT a emissão da licença de obra (2.ª vez);
23. Na Informação do DURDLC/Construção é formulada a proposta de aprovação das rectificações introduzidas no projecto de obra, com o condicionamento de se cumprir o indicado em determinados pareceres técnicos e propõe-se ainda autorizar a emissão de licença de obra;
24. Nessa Informação, o Exmo. Subdirector, em 19 de Janeiro de 2007, profere o seguinte despacho: «Concordo com o proposto. À consideração superior».
25. Ainda nessa Informação, o Exmo. Director, com a mesma data de 19 de Janeiro de 2007, exara o seguinte despacho: «Consulte-se o Instituto Cultural. O Edf./ local localizável em zona de tampão» (sublinhado nosso).
26. Informação do Instituto Cultural de Macau, com a Ref.ª n.º DPC/89/00416, de 2/3/2007, onde se dá conta de que o local para onde se pretende a referir obra está localizado em zona de protecção e onde se propõe que a DSSOPT entre em contacto com os ora recorrentes, com vista a proceder-se ao abaixamento do edifício, com altura máxima de 100,8 metros, para a cota altimétrica de 58.7 m, apesar de se reconhecer que os prédios contíguos ao terreno, de um e de outro lado do mesmo, terem 101 me 95.8 m.
27. Em 13 de Junho de 2007 (T. 4120), os recorrentes solicitaram novamente (3.ª vez) à DSSOPT a emissão da licença de obra.
28. Em 13 de Agosto de 2007, os recorrentes, voltaram (4.ª vez) a requerer a emissão de licença.
29. Na Informação com a Ref.ª n.º 14578/DPV/2008, de 13/12/2008, reconhecendo a validade da Planta de Alinhamento Oficial, emitida em 6/10/2004, apesar de a mesma ter sido emitida há 4 anos, sugerem-se dois cenários possíveis para a resolução do problema: 1.°) Autorização de construção da obra, tal como está no projecto aprovado, o que não deixará de suscitar contestação social; 2.°) Forçar o rebaixamento do prédio, o que irá provavelmente suscitar grandes prejuízos para os interessados e que a Administração não poderá deixar de indemnizar;
30. A informação com a Ref.ª n.º 12/DJUDEP/2007, de 1 de Março de 2007, propõe a suspensão do procedimento de licenciamento.
31. Sobre tal informação não recaiu qualquer despacho, nem a mesma foi notificada aos ora recorrentes.
32. Em 13 de Agosto de 2008, os recorrentes voltam a requerer (5.ª vez) a emissão de licença de obra.
33. A Informação com. Ref.ª n.º 1553/DURDEP/2009, de 25 de Março de 2009, reconhece que os ora recorrentes cumpriram sempre o disposto no artigo 40.° do D.L. n.º 79/85/M e onde se considera também que a imposição do rebaixamento da altura do prédio poderá implicar a necessidade do pagamento de indemnização aos recorrentes.
34. A Informação com a Ref.ª n.º 12/DJUUDEP/2011, de 26 de Abril de 2011, constatando que a Informação com a Ref.ª n.º 12/DJUDEP/2007, de 1 de Março de 2007, não mereceu qualquer despacho superior, volta a propor a suspensão do procedimento de licenciamento.
35. Em 25 de Fevereiro de 2011 (T. 2807), os recorrentes, alegando grandes prejuízos decorrentes do enorme atraso não início da execução da obra, voltam, mais uma vez, (6.ª vez), a solicitar a emissão de licença de obra.
36. Em 16 de Setembro 2011, os recorrentes, através do Ofício com Ref.ª n.º 100/DJUDEP/2011, foram notificados para se pronunciarem sobre o seguinte projecto de decisão:
«Decorre neste Serviço o procedimento de licenciamento referenciado em epígrafe, verificando-se que desde 1997 corre acção de posse judicial, com o n.º CV-04-00006, no Tribunal Judicial de Base, porquanto sobre o prédio objecto de licenciamento se verifica um conflito de natureza privada relativo à propriedade do mesmo.
Assim, existindo um litígio referente à titularidade do direito de propriedade sobre o prédio, cuja decisão é da competência dos Tribunais, nos termos do art. 33.° do CPA, a Administração suspenderá o procedimento de licenciamento em curso até que seja proferida decisão, com trânsito em julgado, sobre a questão controvertida.
Informa-se igualmente que, tendo a Planta de Alinhamento Oficial a validade de um ano, nos termos do disposto no n.º 3 do art. 33.° do RGCU, caso a questão da propriedade do terreno venha ser decidida a favor dos requerentes do licenciamento, deverá ser emitida uma nova PAO, a qual terá de respeitar as novas cotas altimétricas entretanto definidas para o local e fixadas na planta anexa ao Despacho n.º 83/2008, do Chefe do Executivo, publicado no BO n.º 15, de 16 de Abril de 2008»
37. Em 6 de Outubro de 2011, os recorrentes apresentaram as suas alegações de audiência de interessados, manifestando as razões por que entendiam que tais decisões eram ilegais.
38. No despacho do Director dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes, de 4 de Julho de 2012, lançado na Informação n.º 20/DJUDEP/2012, datada de 1 de Junho de 2012, foi exarado o seguinte:
«Concordo. // Com o fundamento indicado na conclusão, suspende-se o procedimento de licenciamento da construção até à decisão judicial transitada em julgado do litígio sobre a titularidade da propriedade do terreno».
Sendo que na conclusão da referida Informação se afirmava o seguinte:
«Tendo em atenção o acima exposto poderá ser superiormente decidido suspender o procedimento até à decisão judicial transitada em julgado do litígio sobre a titularidade da propriedade do terreno com fundamento no facto da emissão da licença de construção estar dependente da resolução de uma questão prejudicial».
39. Não conformando com tal decisão, os ora Recorrentes interpuseram recurso hierárquico necessário e solicitaram a revogação desse despacho (cfr. Doc. n.º 2, junto com a p.i. de 4 de Janeiro de 2013, fls. 38 e ss.).
IV - FUNDAMENTOS
1. Está em causa o acto do Exmo Senhor Secretário para os Transportes e Obras Públicas que manteve a dita “decisão de suspensão do procedimento relativo ao licenciamento” da construção com o n.º 751/2004/L, rejeitando o recurso hierárquico interposto do despacho de 04 de Junho de 2012.
Afigura-se aos ora recorrentes padecer o acto recorrido do vício de violação por erro de interpretação e aplicação da norma do artigo 33.º/1 do CPA, ao considerar-se a existência de uma relação de prejudicialidade entre a decisão de emissão de licença de obra e o litígio jurídico-privado objecto de acção judicial que se encontra pendente nos tribunais.
Imputam ao acto outros vícios de violação de lei que se traduzem na afronta ao disposto nos artigos 19.°, n.º 1, e 38.°, alínea d), do Regulamento Geral da Construção Urbana (RGCU) constante do Decreto-Lei 79/85/M, de 21 de Agosto.
Invocam ainda a violação dos princípios da justiça e da proporcionalidade.
Vem ainda invocada, na parte final das conclusões da petição de recurso, a violação dos artigos 42.º e 25.º e 25º do RGCU.
2. Qual a razão da decisão tomada e que ora se mostra impugnada?
A motivação colhe-se da fundamentação do acto acima transcrita, não sendo difícil situá-la, no essencial no ponto 28 da Informação sobre que recaiu a decisão recorrida, onde se afirma que “o se pretende com a presente suspensão é evitar justamente que venha a ser erigida uma edificação sem estar claramente definido o direito de propriedade sobre o terreno em que a mesma há-de ser implantada”.
Esta passagem é muito importante porque nos vai ajudar a dilucidar o alcance do exacto sentido do que se pretende com aquilo a que se chama a “suspensão do procedimento do licenciamento”.
Não se acompanha a posição dos recorrentes, enquanto dizem que não é de aceitar a interpretação da Administração, como causa avançada para a suspensão do procedimento, principalmente quando se verifica que a DSSOPT teve mais de 6 anos para suspender o procedimento e não o fez, deixando que o mesmo se arrastasse até ao momento culminante em que estava vinculada a emitir a licença de obra.
Afigura-se aos recorrentes que a emissão de licença de obra, principalmente nos termos em que esta é entendida no nosso RGCU, não é susceptível de se considerar prejudicada pelo litígio relativo ao direito de propriedade suscitado na referida acção judicial, mas não têm razão quanto a este aspecto.
O que dizer?
Não se compreende facilmente que a Administração dê por findo um procedimento de licenciamento e passe a licença de construção sobre uma obra a implementar em local onde se discute a propriedade ou os direitos e seu alcance e âmbito relativamente ao prédio em causa.
Como não se concebe que, no limite, se autorize o não proprietário a edificar num prédio pertencente a outrem. Esta asserção é também válida se a questão se não coloca com esta crueza, bastando uma dúvida sobre a delimitação, confrontações, áreas, âmbito, extensão e natureza do direito real reclamado.
Como está bem de ver, mesmo em termos puramente técnicos, o apuramento da questão real subjacente ao pedido não deixará de condicionar a apreciação e ajustamento do que foi formulado em termos de viabilidade, possibilidade, acatamento das regras regulamentares e urbanísticas.
Não se põe em causa que a competência da DSSOPT se circunscreva à gestão urbanística dos solos, definindo a capacidade construtiva dos mesmos e que a emissão de licença de obra não é susceptível de modificar as posições jurídico-privadas que terceiros, como a contra-interessada, bem como os herdeiros que ela representa, se arroguem sobre parcela do terreno onde os recorrentes pretendem erigir o prédio autorizado construir.
É verdade, como já afirmado na jurisprudência comparada, que “O mero licenciamento de uma construção particular não tem qualquer repercussão na definição da propriedade do terreno em que a construção se implanta, nem tem repercussão directa nas relações desse prédio com o prédio confinante, designadamente nas relações que entre eles se estabelecem enquanto prédio dominante e prédio serviente”2
Mas não restam dúvidas que, não obstante essa competência e atribuições aquela definição da propriedade pode e não deixa muitas vezes de condicionar a actuação daquele organismo.
Como se pode permitir o arranque de um determinado projecto, implantar uma obra, avaliar dos alinhamentos e das áreas, se estas, seja na sua titularidade, seja no seu âmbito se mostram em discussão nos tribunais?
Se é verdade que não é pelo facto da emissão dessa licença que os recorrentes vão passar a ser considerados, relativamente à contra-interessada, titulares do direito de propriedade sobre o terreno onde pretendem edificar o mencionado prédio, também não é menos verdade que a definição prévia do direito condiciona ou pode condicionar ou impedir até a emissão da licença a sua concretização, correndo-se o risco de se autorizar a construção a quem não tenha legitimidade, porque não tem o direito para tal.
A este propósito a doutrina não deixa de considerar que a discussão da propriedade de um terreno pode ser causa suspensiva do procedimento até à dilucidação dessa questão.
De facto, a incerteza sobre a titularidade do direito invocado constitui um exemplo típico de questão prejudicial.3
3. Se as questões de direito privado poderão ser ser resolvidas de acordo com os meios normais, podendo os terceiros lesados recorrer, nomeadamente, a providências cautelares tendo em vista assegurar a efectividade dos seus direitos, essa proposição é válida para aquelas situações em que que não há um dissídio prévio ao licenciamenteo ou até à emissão da licença de obras; se este existe e é previamente conhecido deverá constituir um entrave ou protelamento se condicionante da aprovação da obra ou da emissão do alvará.
Esta constatação serve de argumento aos recorrentes para dizerem que a contra-interessada, conjuntamente com o seu falecido marido, desistiu da providência cautelar não especificada, requerida no TJB em 4 de Abril de 2006, em que solicitava, entre o mais, que os ora recorrentes «fossem proibidos de proceder a quaisquer alterações materiais (nomeadamente obras) no prédio» em referência no procedimento de licenciamento e ainda que a DSSOPT fosse notificada «para não realizar qualquer acto administrativo com vista ao licenciamento de obras no prédio identificado», desistência essa oportunamente homologada, não podendo a DSSOPT e a entidade recorrida, mais de 6 anos depois de tal decisão de desistência da referida providência, virem substituir-se aos referidos particulares na defesa das suas posições jurídicas.
Esquecem, no entanto, que se desistiram da providência, tal não significa que tenha havido desistência do pedido formulado na acção, onde a sua pretensão continua em aberto, com registo na Conservatória respectiva.
Não sabemos das razões de tal desistência, não se podendo retirar da mesma as consequências pretendidas, pelo que o litígio, quanto ao direito incidente sobre o descrito prédio, permanece de pé.
4. Mesmo que venha a entender-se que essa prejudicialidade existe, afirmam os recorrentes, o acto recorrido, na medida em que incorpora os fundamentos constantes da Informação sobre que recaiu, sempre padeceria do vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de facto e de direito, no que respeita à norma do artigo 33.º/1 do CPA.
Isto, porque dos factos alegados resulta claramente que a DSSOPT teve conhecimento, pelo menos em Abril de 2006, antes da aprovacão do projecto de obra, da disputa relativamente ao direito de propriedade de uma parcela do terreno objecto do processo de obra, facto expressamente referido em ofício da DSSOPT, de 21/12/2006, e só agora, mais de 6 (seis) anos e meio volvidos, com base nesse mesmo litígio, veio a entidade recorrida confirmar a decisão de suspensão do procedimento de licenciamento ora em apreço.
Daí retiram uma situação de ilegalidade da decisão que declara agora a suspensão do procedimento pois, tendo tomado conhecimento do referido conflito, pelo menos em Abril de 2006, tinha o Director dos DSSOPT, por força do princípio da legalidade, concretamente, por exigência da norma do artigo 33.º do CPA, o dever de suspender o procedimento do caso ora em apreço, caso entendesse que o conhecimento das questões suscitadas dependia da resolução da questão prejudicial.
Com todo o respeito, mas ainda aqui não lhes assiste razão.
Não é pelo facto de o procedimento dever ter sido suspenso num momento anterior que tal implica que o não possa ser agora. A ilegalidade ou inércia na ilegalidade ou irregularidade não pode sanar o vício que se mantenha. Salvas as regras prescricionais ou as que resultem de lei, o decurso do tempo não sana os vícios procedimentais, ou seja, não é por se não ter suspendido o procedimento há 6 anos, que, mantendo-se as razões suspensivas, não se pode agora suspendê-lo.
Diferente será a questão de se considerar que foi proferida já uma decisão final de licenciamento e, por isso, não poder agora suspender-se um procedimento que se mostra findo. Mas essa é outra questão e a ela voltaremos no número seguinte.
5. Avançam os recorrentes com um outro argumento que é a impossibilidade de suspender um procedimento que se mostra findo, na medida em que, em 2006 já se encontravam aprovados o anteprojecto e o projecto de obra de construção e que, em 13 de Outubro de 2006, foi pedida, pela primeira vez, a emissão da respectiva licença de obra – como diz, o projecto de obra ficou aprovado com os despachos de 3/1/2005, que aprovou o projecto de arquitectura, de 30/11/2005 e de 23/8/2006, que aprovaram o processo de obra, correspondendo este último ao despacho final, mencionado no artigo 40.°/2 do Decreto-Lei n.º 79/85/M, de 17 de Agosto, dado que incide, globalmente, sobre os projectos apresentados e não, parcelarmente, sobre cada um dos projectos - , pelo que com os despachos de aprovação referidos, a DSSOPT veio afirmar que a obra aqui em apreço se conformava com todos os aspectos e critérios que a lei estabelece para a sua aprovação e que, por isso mesmo, a obra, porque legal, estará em condições de ser executada.
No fundo, o que sustentam é que o projecto já estava aprovado, o procedimento referente ao licenciamento já teria chegado ao fim, pelo que a emissão da licença de obras seria apenas uma decorrência dos actos praticados anteriormente, tanto assim, que não deixam os recorrentes de cumular também o pedido de condenação na emissão da respectiva licença.
Razão por que se lhes afigura não ser de aceitar as afirmações constantes dos pontos dos pontos 32 e 33 da Informação sobre que recaiu o despacho recorrido de que o procedimento ora em apreço apenas ficará concluído com a efectiva emissão da licença de obra.
Este ponto reveste alguma sensibilidade, tanto mais que temos presente o que foi subscrito por parte do presente Colectivo no acórdão prolatada nesta Instância, no âmbito do presente processo, em 15/Maio/2014.
Na verdade, a autorização de construção emerge exclusiva e directamente da decisão final de aprovação dos projectos, sendo, pois, este o acto que confere ao interessado a faculdade de construir, o que significa que o procedimento de licenciamento de obra ficou concluído com esse acto, sendo ele o acto constitutivo de direitos.
Há que apreciar agora esta questão.
De acordo com a lei, após a aprovação do projecto de obra, o interessado deverá requerer a respectiva licença de obras (cfr. artigo 42.°/1 do RGCU).
Será o acto que autoriza a emissão desta licença um mero acto complementar e meramente integrativo da eficácia da decisão que aprovou o projecto de obra?
Estará a Administração vinculada à sua prática nos termos apertados dos artigos 42.° e ss. do RGCU, o que só não sucederá nos casos de extemporaneidade na apresentação do pedido de emissão de tal licença e que apenas decorre da caducidade da aprovação do projecto de obra (cfr. artigos 42.° e 40.°/2 do RGCU)?
Pensamos que a entidade respectiva não está impedida, até ao momento da emissão da licença, de aferir da conformidade do obra com todos os requisitos, nomeadamente os da legitimidade substantiva advinda do direito do interessado. Se a conformação com os regulamentos técnicos, arquitectónicos, de segurança, paisagísticos ao longo do procedimento se vão estabilizando, tal não impede que esses ou outros requisitos não sejam ponderados no momento da emissão da licença se eles puserem em causa valores e e interesses que devem ser acautelados. Basta imaginar que por erro grosseiro fora aprovado um projecto, cuja levantamento levaria à ruína do prédio; não se compreenderia que, não obstante uma aprovação anterior, detectado a tempo esse erro, se insistisse numa licença de obra baseada em erro ruinoso.
A emissão da licença (no prazo máximo de 180 dias nos termos do artigo 40.°/2 do RGCU), apresentadas as declarações de assunção de responsabilidade pela direcção e pela execução da obra, respectivamente pelo técnico e pelo construtor, e, se for o caso, junta a licença de tapumes, traduz-se num dever para a DSSOPT, no prazo de 15 dias a contar daquele pedido, ao cálculo da taxa devida e à emissão da respectiva licença de obra, notificando o requerente para proceder ao seu levantamento (cfr. artigo 42.° do RGCU), se, entretanto, a tal nada obstar que deva ser ponderado ou reponderado.
Não se pode assim afirmar que a emissão da licença de obra, para o legislador, vise apenas e tão só garantir a execução da obra logo após, imediatamente a aprovação do respectivo projecto, até porque a identificação dos responsáveis pela direcção e execução da mesma e ainda o pagamento da taxa devida pode muito bem estar dependente de um apuramento que se realiza em sede judicial. Poder-se-á dizer que se enceta aí, nessa fase, depois do procedimento relativo ao licenciamento da obra, um sub-procedimento atinente à emissão do alvará.
Nem se diga que há qualquer contradição entre a aprovação do projecto e o procedimento de suspensão de emissão do alvará, pois se entende tratar-se de fases distintas e de momentos diferentes, podendo esta suspensão posterior conduzir a uma revogação de aprovação do projecto ou a uma confirmação do mesmo, tudo dependendo de diligências e démarches que se imponham desenvolver. Podemos dizer, de certa forma, que a fase do procedimento relativo à emissão do alvará pressupõe determinada tramitação, a prática de determinados actos, vindo a constituir o alvará o título que é condição da execução da obra e que não deixará de poder ser suspensa se tal se impuser, não apenas por condições expressamente previstas na lei, como outra/s que substantivamente se imponham e abalem até o circunstancialismo que conduziu a uma aprovação do projecto.
Terá sido apenas a consideração de uma primeira fase do procedimento do licenciamento que se levou em conta na decisão a que já aludimos, decisão anteriormente proferida nos autos, sem que se levasse em devida linha de conta os interesses da contra-interessada, agora mais evidenciados com a sua intervenção no processo.
6. Também por a lei admitir mesmo o início da execução da obra sem prévia emissão da licença, nos casos em que não tenha sido determinado o cálculo da taxa nem emitida esta (cfr. artigo 43.°/2 do RGCU) não se retira argumento que sustente a tese da inevitabilidade da passagem da licença de obras, nem se vendo, aliás, razão para que o acto de aprovação do licenciamento não possa até ser revogado.
Ora, se se conclui no sentido de que a licença de obras possa não ser emitida por reponderação dos diferentes pressupostos, se pode até ser revogado o licenciamento, por que razão não pode ser esse sub-procedimento suspenso?
O acto susceptível de ser prejudicado com decisão da questão relativa à titularidade do direito de propriedade sobre o terreno será o acto de licenciamento no seu todo, que não se reconduz à mera aprovação do projecto de obra, mas sim o acto que confere o direito de construção nele se integrando o acto de emissão de licença.
Se podemos aceitar que a licença é o documento que titula o direito a construir, enquanto não for passada, todos os pressupostos da sua emissão estarão em aberto.
Aliás, sobre a diferença entre o acto de licenciamento e a emissão de licença do alvará de construção, pode ver-se bem a sua diferença em douto acórdão extraído da jurisprudência comparada,4 em que foi relator o Mmo 2º Adjunto que integra este Colectivo, aí se dizendo que “O acto de licenciamento manifesta-se como o acto administrativo que confere o direito de edificar. O alvará de licença de construção é o documento que titula esse direito e externa a eficácia da sua concessão. Recorre-se do acto de licenciamento, não do alvará.”
É neste contexto que se deve entender o envio do ofício com a Ref.ª 19866/DURDEP/2006, através do qual os recorrentes foram notificados do despacho subscrito por substituto do Exmo. Director, de 6/12/2006, convocando-os a esclarecerem a existência de acção judicial intentada por C e seu marido D, tendo por objecto o terreno em causa no procedimento de licenciamento e que se encontrava registada na Conservatória do Registo Civil, informando ainda os requerentes que «o pedido de emissão de licença de obras só poderá ser apreciado após o parecer que vier a ser emitido pelo Tribunal Judicial de Base».
7. O esclarecimento sobre a existência de acção judicial intentada por C e marido D, tendo por objecto o terreno em causa, sendo a existência da acção e o seu registo um facto devidamente comprovado, demonstra que a Administração precisava de ver a situação jurídica real subjacente à titularidade do prédio devidamente esclarecida.
Perde, assim, algum sentido a integração desse facto - a inquirição sobre o estado do processo cível - como condição necessária determinante da suspensão do procedimento relativo ao alvará, sendo claro que tal facto – a existência da acção – pode constituir ou não causa de suspensão da emissão de licença. O facto de se indagar do estado e conteúdo de uma acção real não implica necessariamente a suspensão do procedimento de licenciamento de uma obra, bastando pensar numa questão que em nada contenda com a obra, como por exemplo a existência de uma servidão na ponta de um jardim onde nada vai ser edificado. Se nada influi ou altera os pressupostos que estiveram na base da aprovação do projecto e se preenchem os requisitos relativos à emissão da licença, não deve haver de facto razão para não emitir o alvará. Já não assim quando tal não acontecer.
Não se percebe bem o que pretendem os recorrentes ao dizerem ter havido uma auto-vinculação a uma condição suspensiva de aprovação do licenciamento, não importando tanto a denominação jurídica ou integração de determinada actuação no âmbito do procedimento, mas sim apurar aquilo que aqui se mostra essencial: apurar a titularidade do direito sobre o prédio cuja construção foi submetida a apreciação. Por outras palavras, não interessa tanto a terminologia usada pela entidade recorrida, ao falar em suspensão do procedimento do licenciamento, havendo que interpretar o alcance e o sentido dessas palavras, reconduzido a intencionalidade dessa expressão a uma suspensão da execução da obra, por não emissão da licença, do título, enquanto não estiver esclarecida a questão da titularidade sobre o prédio, sob pena de se legitimar a construção de coisa sobre prédio alheio.
A Administração entendeu que não devia avançar com o procedimento da emissão do alvará, ainda que numa fase avançada, enquanto a questão não fosse deslindada, situação que, a nosso ver, cabe na previsão do art. 33º/1 do CPA.
Mesmo que, por mero exercício de raciocínio, estivéssemos perante uma decisão que houvesse imposto a referida condição para licenciamento, não assiste razão aos recorrentes para dizerem que não tinha a DSSOPT necessidade de vir declarar a suspensão do procedimento – com o alcance a que acima se aludiu -, tal como o fez, uma vez que essa suspensão já existiria por força da alegada condição suspensiva, isto é, a eficácia do acto não operaria enquanto não fosse emitido o mencionado "parecer" do Tribunal Judicial de Base, na medida em que, por um lado, ainda aí haveria que distinguir entre condição suspensiva do licenciamento, por outro, suspensão do procedimento, sempre importando saber qual o objecto atingido pela condição suspensiva.
Trata-se de actos diferentes, como ficou patente no segmento supra abordado a propósito de uma pretensa irrecorribilidade do acto.
Razão por que não se acolhe a tese que defende uma alegada falta de pressupostos de facto.
8. Quanto à invocação do artigo 38.º - d) do RGCU, como não sendo susceptível de constituir a base normativa desta decisão, porquanto inserida sistematicamente no capítulo relativo à aprovação de projectos (Capítulo III) e não no capítulo relativo à concessão de licenças de obras (Capítulo IV) e quanto ao facto de se pretender ter havido confusão entre "licenciamento" com "licença de obra", fomos já adiantando algo sobre o assunto.
Aceita-se que o "licenciamento" e "licenca de obra" sejam realidades distintas e não confundíveis, sendo a licença de obra o título que representa ou documenta o direito de construir, emergente da aprovação do projecto de obra, mas que não deixa de emanar de um acto praticado no âmbito do procedimento, não resultando de um acto que seja consequência causal, directa, necessária e automática do procedimento anterior.
Acolhe-se aqui a pertinente observação do Digno Magistrado do MP, ao dizer: “Não é essa a leitura que fazemos do regime de licenciamento constante do RGCU, embora se conceda que o legislador poderia ter sido mais claro. Em vários passos do diploma legal há aflorações que apontam para a não coincidência entre licenciamento e aprovação dos projectos. A própria exposição de motivos que precede o articulado do DL 79/85/M contém alusões à aprovação de projectos e ao licenciamento de obras como etapas diversas e realidades diferentes do, procedimento de licenciamento, tal como se constatados parágrafos 4.° e 5.° desse exórdio. E essa diferenciação resulta também clara de alguns normativos do diploma, tais como os artigos 1.º e 38.º. É certo que, como já se disse, poderia o legislador ter sido mais claro na delimitação entre as etapas de aprovação docs) projecto(s) e do licenciamento, até porque se afigura que, a partir do capítulo IV do diploma, o termo licença passa a ser empregue com uma abrangência que aparenta aludir, quer ao acto de licenciamento, quer ao título ou alvará que permite dar execução às obras, o que também não ajuda a uma clarividente compartimentação das etapas do processo de licenciamento de obras.”
Sobre esta matéria já acima nos pronunciámos e não deixamos de concluir no sentido de que até ao momento da emissão do título que é a licença de obras, a entidade responsável está sempre em tempo de apreciar ou rever todos os pressupostos, técnicos, regulamentares, jurídicos, sociais que possam pôr em causa o início da construção ou sobrestar na decisão para deles poder apreciar. Assim se repondera, explicita e complementa quanto se decidiu anteriormente nesta sede.
Dispõe o art. 38ºdo RGCU: “A DSSOPT poderá indeferir os pedidos de licenciamento ou de aprovação de projecto com qualquer dos seguintes fundamentos: a) Inconformidade com planos de urbanização e respectivo regulamento, bem como com os alinhamentos e outros instrumentos de disciplina urbanística; b) Falta de arruamentos e redes públicas de água e saneamento salvo quando o requerente se proponha suprir as deficiências existentes pela forma aprovada pelas entidades competentes; c) Falta de licença de loteamento quando exigível ou inconformidade com o condicionamento da mesma licença em áreas que a ela estejam sujeitas; d) Desrespeito por quaisquer normas legais ou regulamentares; e) Trabalhos susceptíveis de manifestamente afectarem valores do património arquitectónico, histórico, cultural ou paisagístico; f) Alterações em construções ou elementos naturais classificados como valores a preservar, quando delas possam resultar prejuízo para esses valores. g) Falta de entrega do regulamento do condomínio, nos termos previstos no n.º 6 do artigo 19.º; h) Desconformidade do regulamento do condomínio com o disposto na Lei n.º 6/99/M, de 17 de Dezembro.”
Não se mostra relevante este argumento relativo à falta de integração da previsão da al. d), porquanto, para além de a conformidade e respeito pelos direitos privados dos interessados no seu relacionamento com a Administração, poder dar corpo ao preenchimento da previsão típica, o que se observa é que não estamos perante um qualquer indeferimento, por um lado, como, por outro, a causa de suspensão foi a pendência da acção para apuramento do direito subjacente ao pedido formulado.
9. Quanto ao citado artigo 19º do RGCU, se algo resulta claro, vai no sentido de que o interessado no licenciamento da obra deve juntar documento comprovativo da situação jurídica do prédio e autorização do proprietário – cfr.n.º 2 ,“ Com o requerimento deverá ser junto documento comprovativo da situação jurídica do terreno, do edifício ou fracção autónoma de edifício nomeadamente título de registo de propriedade, de arrendamento, de aforamento ou de autorização de ocupação a título precário. 3. Quando o pedido seja formulado na qualidade de locatário, juntar-se-á ainda declaração do proprietário autorizando a obra e, se for apresentado por mandatário, será junta procuração (…)”- o que inculca a interpretação feita pela Administração no sentido de que não deixa de ser um factor condicionante da aprovação do licenciamento o apuramento sobre essa situação jurídica
10. Também quanto à pretensa prova do direito dos recorrentes, se as inscrições prediais que foram juntas ao PA conferem uma presunção da titularidade do direito - não nos esqueçamos que se trata de uma mera presunção juris tantum -, também uma outra inscrição predial, qual seja a do registo da acção, faz abalar, ainda que provisoria ou preventivamente essa presunção de titularidade, sendo exactamente esse um dos fins do registo das acções.
11. O disposto nos artigos 42º e 45º do RGCU rege sobre actos e procedimentos que devem anteceder a emissão da licença de obras, nada daí resultando no sentido de poder sustentar a posição defendida pelas recorrentes, pois esses procedimentos e imposições respeitam a requisitos regulamentares atinentes a um momento prévio à emissão da licença e a um momento posterior.
Em relação a este últimos, como ainda bem anota o Digno Magistrado do MP, ter-se-á tratado até de lapso na sua referência, sendo que o que releva é que o que ali se impõe, em qualquer dos citados artigos, respeita tão somente a deveres e imposições que completam o procedimento relativo à fase de emissão da licença de construção, mas que a não esgotam, tal como acima se viu.
Razão por que não se considera o acto recorrido eivado do vício de violação de lei por errada interpretação e aplicação também das normas dos artigos 19.°/1, 38.º/d , 42º e 45º do RGCU.
12. Quanto à pretensa violação dos princípios da justiça e da proporcionalidade.
Dizem os recorrentes que o acto recorrido viola o princípio da justiça, na medida em que o mesmo, sem fundamento válido que o sustente, visa apenas justificar a não emissão de licença de obra, solicitada oportunamente e reiterada por inúmeras vezes, sem qualquer decisão, durante mais de 6 anos, esquecendo os direitos e interesses legalmente protegidos dos recorrentes relativos ao pedido de licenciamento de obra formulado por aqueles em 31 de Dezembro de 2004.
Ao tomarmos posição sobre a legalidade e fundamento da causa invocada para a suspensão do procedimento relativo à fase da emissão de licença, enquanto alvará, cai por terra esta argumentação.
A partir do momento em que suspensão do procedimento passa a estar de acordo com o regime que a prevê, essa suspensão passa a impor-se, não fazendo sentido falar em injustiça quando ela decorre da própria lei. A não ser que a lei se mostrasse iníqua, questão que nem sequer se coloca.
Quanto ao princípio da proporcionalidade, na medida em que, pretensamente, se optou pela solução mais onerosa para os direitos dos recorrentes, a qual se não justificaria do ponto de vista da defesa do interesse público que a Administração deve prosseguir, bem como do ponto de vista da tutela das posições jurídico-privadas, dado que os titulares destas posições poderiam sempre recorrer aos meios próprios com vista à sua defesa, também não lhes assiste razão. Porque não há aqui qualquer variável que possa ser levada em conta em sentido que não as duas alternativas que reciprocamente se excluem: suspender ou não suspender; porque não estamos perante uma decisão de não aprovação do processo de licenciamento, apenas de suspensão da tomada de decisão de emissão de licença que emergirá ou não daquele; porque se bem que o litígio possa respeitar a uma das parcelas, elas fazem parte de um todo sobre o qual incide o projecto; porque não se pova a cindibilidade ou possibilidade de aprovação em relação à parcela sobre a qual não há litígio; porque a invocação da onerosidade em relação ao sacrifício dos interesses jurídico-privados tanto vale para os recorrentes como para quem se lhes opõe, não cabendo à Administração tomar partido em defesa de uns interesses em detrimento de outros.
Nesta conformidade, nos termos e fundamentos expostos, somos a concluir que o acto impugnado não padece dos apontados vícios, pelo que, estando suspenso e bem suspenso o procedimento relativo à emissão da licença, enquanto título habilitante ao início da construção e condição de eficácia do acto, não há lugar ao pedido que juntamente se formula de emissão da aludida licença de construção.
V - DECISÃO
Pelas apontadas razões, acordam em julgar improcedente o presente recurso contencioso.
Custas pelos recorrentes, com 6 UC de taxa de justiça.
Macau, 19 de Janeiro de 2017,
João A. G. Gil de Oliveira
Ho Wai Neng
Fui presente José Cândido de Pinho
Joaquim Teixeira de Sousa
1 Vem ainda invocada, na parte final das conclusões da petição de recurso, a violação dos artigos 42.º e 25.º do RGCU. Porém, além de não virem explicitados os inerentes vícios, o que equivale, nessa parte, à falta de causa de pedir, crê-se até que a invocação dever-se-á a lapso, pelo que nos absteremos de outras abordagens quanto a tais violações.
2 - Ac. STA, de 30/3/2004, Proc. n.º 048418
3 - Mário Esteves de Oliveira, Pedro Costa Gonçalves e J. Pacheco de Amorim, Código do Procedimento Administrativo Comentado de 2.ª edição, 1999, 199 e Lino José Baptista Rodrigues Ribeiro e José Cândido de Pinho Código do Procedimento Administrativo de Macau, Anotado e Comentado, FM/SAFP, 1998, 258.
4 - Ac. do STA, de 17/10/2002, Proc. n.º 48141
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992/2015 56/56