Proc. nº 794/2016
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 19 de Janeiro de 2017
Descritores:
-Acidente de trabalho
-Junta médica
SUMÁRIO:
I. O art. 36º nº7, do DL nº 40/95/M, que prevê uma junta médica formada por 5 médicos, estabelece um mecanismo que serve apenas para ultrapassar as divergências sentidas pelas partes a respeito das matérias previstas no nº1 e 2 ainda na fase pré-contenciosa.
II. Na fase contenciosa, a junta médica deve ser constituída nos termos do art. 72º do CPT.
III. Nenhum obstáculo se pode entrever na circunstância de os médicos não se porem de acordo quanto ao objecto da perícia. Cada um deles, no quadro da sua autonomia técnico-científica, pode fazer avaliações pessoais divergentes, sem que isso ponha em causa a valia da perícia no seu conjunto, cabendo ao juiz fazer a opção pelo juízo que lhe parecer mais conforme a situação real, tendo em atenção os demais elementos existentes nos autos.
Proc. nº 794/2016
Acordam no Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M.
I – Relatório
A, do sexo feminino, portadora do Bilhete de Identidade de Residente de Macau n.º 5xxxxxx(0), residente em Macau no ……, telefone n.º ……, representada oficiosamente pelo Ministério Público, instaurou no TJB (Proc. nº LB-13-0201-LAE) contra---
“B”, com sede na …… ---
Acção para efectivação de direitos resultantes de acidente de trabalho, pedindo que a ré fosse condenada a pagar-lhe:
1. MOP$56.647,00, a título de despesas médicas para tratamento das lesões sofridas no acidente de trabalho do presente processo em falta;
2. MOP$261.321,11 à Autora, a título de indemnização parcial por incapacidade temporária absoluta;
3. Juros vencidos e vincendos contados a partir da data da decisão até ao seu integral pagamento.
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O tribunal “a quo” julgou a acção parcialmente prova e procedente, tendo, em consequência, condenado a ré a pagar à autora a título de despesas médicas a quantia de MOP$ 56.647,00 e juros respectivos desde a data da sentença até integral pagamento.
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Contra essa sentença insurgiu-se a ré seguradora, apresentando recurso jurisdicional em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
“1a O presente recurso é interposto da douta Sentença proferida nos vertentes autos, na parte em que foi a ora Recorrente condenada a pagar à Autora a importância de MOP$56,647.00, e respectivos juros contados desde a publicação da sentença, a título de despesas médicas alegadamente efectuadas devido ao acidente de trabalho em causa nos autos;
2a Relativamente à matéria de facto em causa nos vertentes autos, e após a realização da audiência de julgamento, no que importa à matéria objecto do presente recurso, foi a mesma decidida pelo Mmo. Juiz a quo da seguinte forma: O Autor sofreu o referido acidente enquanto trabalhava e dele resultou contusão nos tecidos moles de ambos os joelhos; Ficou assente que a incapacidade temporária absoluta da Autora é de 90 dias, tal como consta do facto B); A Autora ainda não recebeu as despesas médicas em dívida na quantia de MOP$56,647.00. (3º); A Autora padecia aquando da ocorrência do acidente dos autos, e como hoje em dia ainda padece, de sacrilização da 5ª vértebra lombar. (4º); Não tendo a sacrilização da 5ª vértebra lombar da Autora resultado do acidente dos autos, nem este agravou aquela doença congénita (5º); A sacralização da 5ª vértebra lombar corresponde medicamente ao deslizamento da quinta vértebra lombar sobre o osso sacro posterior, ficando a mencionada vértebra e o sacro fundidos (6º); Sendo tal deformação de natureza congénita, e jamais resultado de qualquer pancada ou esforço decorrente de queda ou acidente (7º);
3ª Conforme decorre da douta sentença proferida nos presentes autos, do requerimento inicial apresentado pela Autora e respectivos documentos comprovativos das despesas médicas, do Auto de Conciliação, e do Relatório Pericial e documentos complementares apresentados pela Junta Médica no Apenso aos Autos principais, e segundo o entendimento da aqui Recorrente, resultam comprovados os seguintes factos: A Autora reclama no seu requerimento inicial apenas as despesas médicas em falta, ou seja, apenas aquelas que não houveram ainda sido pagas pela Ré, conforme se alcança do alegado no art. 7º do seu requerimento inicial, e ainda do Auto de Conciliação de fls. 80 e 80 verso dos autos, onde se consigna que a Seguradora aqui Ré havia já pago à Autora a título de despesas médicas a quantia de MOP$12,133.00;
4ª Mais resulta comprovado que, após a resposta dada pela Junta Médica aos quesitos formulados no Apenso A dos Autos principais, e designadamente a resposta dada ao Quesito nº 17, a fls. 48 desse Apenso, e na sequência do esclarecimento prestado pela Junta Médica a fls. 59 desse referido Apenso, os peritos médicos Dr. Lei Kam Chong e Dr. Cheang Lik Hang decidem por maioria que o período de Incapacidade Temporária Absoluta para o trabalho (ITA) é estabelecida em 90 dias, decorrendo desde o dia do acidente de trabalho dos autos, ou seja, 22 de Outubro de 2012, até ao dia 21 de Janeiro de 2013;
5ª No mencionado Relatório pericial de fls. 48 do Apenso A, a Junta Médica considerou que “Em consequência do acidente a Sinistrada não sofreu contusão na sacro-lombar” e “A sinistrada sofreu contusão nos tecidos moles de ambos os joelhos” em resposta aos Quesitos nº 15 e 16;
6ª A fls. 64 e 64 verso do Apenso para fixação da Incapacidade para o Trabalho, o Mmo. Juíz a quo decidiu estabelecer em 90 dias a Incapacidade Temporária Absoluta para o trabalho (ITA) da Autora, tendo em conta a opinião maioritária manifestada pela Junta Médica de fls. 48 e 59 do Apenso, considerada mais objectiva que os resultados do Exame realizado a fls. 62;
7ª Pode-se concluir que a Autora sofreu em consequência do acidente contusão nos tecidos moles de ambos os joelhos, que necessitou de 90 dias para recuperação de tais lesões, sendo a sua Incapacidade Temporária Absoluta para o trabalho (ITA) estabelecida desde 22 de Outubro de 2012, data do acidente de trabalho dos autos, até ao dia 21 de Janeiro de 2013;
8ª Conforme se alcança do teor dos documentos juntos pela Autora no seu requerimento inicial, e designadamente o documento nº 2 e os seguintes, as despesas médicas reclamadas pela Autora respeitam a tratamentos e medicação efectuados desde 28 de Fevereiro de 2013 em diante - cfr. fls. 93 e seguintes dos autos;
9ª Ou seja, os tratamentos médicos efectuados e os medicamentos comprados pela Autora até ao dia 21 de Janeiro de 2013, data do terminus do período de recuperação das contusões nos tecidos moles de ambos os joelhos por ela sofridos em consequência do acidente de trabalho dos autos, haviam sido já integralmente pagos pela Ré, respeitando o montante de despesas médicas de MOP$56,647.00 reclamados pela Autora nos autos ao período posterior a 28 de Fevereiro de 2013, e à recuperação de lesões que não resultaram do acidente dos autos;
10ª Entende a Recorrente que nada há a obstar à matéria de facto constante da douta Sentença recorrida, no sentido em que a forma como foi tal matéria discutida e dada como assente imporia concluir pela absolvição da Ré do pedido formulado pela Autora nos autos;
11ª O que está em causa, e colocada em crise no presente recurso, é a circunstância da douta Sentença a quo ter decidido: (...) 4. Razões de direito (...) 4.3 Âmbito da indemnização e montante (...) Quanto às prestações em espécie, de acordo com os factos já assentes, as despesas médicas devidas resultantes do tratamento das lesões sofridas do acidente de trabalho totalizam MOP$56,647.00. Assim, o Réu tem de pagar a quantia acima mencionada a título de indemnização das despesas médicas. (...) 5. Decisão Em síntese, o Tribunal julga parcialmente procedente, condena o Réu a pagar à Autora a quantia de MOP$56,647.00 a título de despesas médicas, juntamente com o pagamento da taxa de juros legais até ao integral pagamento desde a data da sentença. Em simultâneo, indefere-se o restante pedido;
12ª Os documentos constantes dos autos, designadamente os comprovativos de despesas médicas juntos pela Autora com o seu requerimento inicial, em confronto com a data do termo final do período de Incapacidade Temporária Absoluta para o trabalho (ITA) - 21 de Janeiro de 2013 -, impunham que o douto Tribunal a quo estabelecesse que todas as despesas médicas reclamadas pela Autora nos vertentes autos respeitavam a recuperação de lesões que não foram consideradas consequência do acidente de trabalho dos autos, devendo por isso ser a Ré absolvida do pedido de pagamento de MOP$56,647.00 a título de despesas médicas;
13ª Ao decidir condenar a aqui Recorrente no pagamento dessas referidas despesas médicas, incorreu o douto Tribunal recorrido em vício de erro na apreciação da prova, tendo violado o disposto nos arts. 27º e 28º, nº 1 corpo e alíneas a), b), c) e d) do Decreto-Lei nº 40/95/M, de 14 de Agosto;
14ª Após a reponderação da prova por parte desse Venerando Tribunal da Segunda Instância, deverá ser proferido douto Acórdão que considere que as despesas médicas reclamadas pela Autora, e cujo respectivo montante de MOP$56,647.00 foi arbitrado pelo douto Tribunal a quo, não foram efectuadas em consequência do acidente de trabalho em causa nos vertentes autos, com a consequente absolvição da Recorrente relativamente ao correspectivo pedido de compensação formulados nos autos”.
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Não houve resposta a este recurso.
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Recorreu também a autora da acção, em cujas alegações apresentou as seguintes conclusões:
“1. O presente recurso tem por objecto a decisão proferida no apenso que “fixou a incapacidade temporária absoluta da Autora (sinistrada) A em 90 dias”, o despacho sobre a matéria de facto assente da base instrutória proferido no processo principal, que decidiu que “conforme a decisão a fls. 64 e seu verso do Apenso A, passa a ser C-I) dos factos assentes e o seu teor é o seguinte: “O período de “incapacidade temporária absoluta” da Autora resultante das lesões mencionadas na alínea B) dos factos assentes é de 90 dias” e a decisão proferida na sentença que indeferiu os pedidos invocados pelos recorrente na petição inicial quanto ao “pagamento da quantia de MOP$261.321,11, a título de indemnização parcial por incapacidade temporária absoluta” e “pagamento dos juros vencidos e vincendos contados a partir da data da sentença até ao seu integral pagamento”.
2. Salvo o devido respeito, a recorrente não pode dar a sua concordância com todas as decisões acima referidas.
3. Em primeiro lugar, a junta médica no apenso só foi constituída pelos três médicos: o médico responsável da recorrente, o médico da seguradora e o médico especialista de ortopedia designado pelo Centro Hospitalar Conde de São Januário.
4. Consta de fls. 62 dos autos o parecer médico-legal clínico elaborado pelo médico especialista de medicina legal do Centro Hospitalar Conde de São Januário de Macau, Dr. Wong Wai Kit, onde referiu que o período de “incapacidade temporária absoluta” da recorrente é determinado de acordo com o atestado médico emitido pelo médico responsável
5. Conforme o atestado médico emitido pelo médico responsável da recorrente, revela-se que o período total de incapacidade temporária absoluta da recorrente é de 594 dias, de 23 de Outubro de 2012 a 8 de Junho de 2014.
6. Daí pode-se ver que o médico especialista de medicina legal, Dr. Wong Wai Kit, já elaborou o laudo médico-forense sobre a incapacidade temporária absoluta da recorrente.
7. Ao abrigo do artigo 36.º n.º 7 do Decreto-Lei n.º 40/95/M, caso não se conforme com o laudo médico-forense emitido pelo médico especialista de medicina legal, a lei exige que deva ser formada a junta médica constituída pelos 5 médicos (incluindo um médico legal).
8. No apenso, a junta médica que só foi constituída pelos três médicos violou o artigo 36.º n.º 7 do Decreto-lei n.º 40/95/M.
9. Nestes termos, solicita que os MM.ºs Juízes anulem a decisão proferida no apenso que fixou o período de “incapacidade temporária absoluta” da Autora (sinistrada) A em 90 dias”, e mandem constituir uma junta médica composta pelos 5 médicos nos termos do artigo 36.º n.º 7 do Decreto-Lei n.º 40/95/M, no sentido de realizar uma nova perícia.
10. Além disso, solicita que os MM.ºs Juízes provem, conforme o relatório da perícia médica a elaborar pela junta médica composta pelos cinco médicos, o facto constante da base instrutória do processo principal, isto é, se “o período de “incapacidade temporária absoluta” da recorrente é de 594 dias”, e profiram a decisão quanto aos pedidos de pagamento da quantia de MOP$261.321,11 (a título de indemnização pelos 479 dias de incapacidade temporária absoluta) e pagamento dos respectivos juros de mora, invocados pela recorrente.
11. Em segundo lugar, o objecto da perícia médica realizada no apenso não se referiu à questão das lesões nos joelhos, só se referindo à perícia da lesão sacro-lombar.
12. Há divergência de opiniões no relatório da perícia médica elaborado pelos três médicos da junta médica, no qual só o médico responsável da recorrente entendeu que a incapacidade temporária absoluta da recorrente durou entre 22 de Outubro de 2012 e 15 de Junho de 2014 enquanto os outros dois médicos entenderam que a incapacidade temporária absoluta devia cessar em 10 de Janeiro de 2013.
13. Porém, conforme o relatório da perícia médica clínica, não se realizou uma perícia detalhada sobre a questão das lesões nos joelhos da recorrente e só se confirmou no ponto 16.º do objecto da perícia que o referido acidente de trabalho causou à recorrente contusões nos joelhos.
14. A recorrente exerce as funções de chefe de casino, precisando andar incessantemente ou permanecer no casino para fiscalizar e dirigir os trabalhos dos seus subordinados.
15. Pelo que, a questão das lesões nos joelhos basta para afectar a avaliação correcta da “incapacidade temporária absoluta”.
16. Assim sendo, solicita que os MM.ºs Juízes anulem a decisão proferida no apenso que “fixou o período de incapacidade temporária absoluta da Autora (sinistrada) A em 90 dias”, mandem a constituição da junta médica composta pelos cinco médicos e mandem realizar uma perícia quanto à questão das lesões nos joelhos da recorrente, no sentido de fixar o período de “incapacidade temporária absoluta” .
17. Por cautela de patrocínio, caso não se concorde que deva ser constituída a junta médica composta pelos cinco médicos, solicita que os MM.ºs Juízes exijam que a original junta médica composta pelos três médicos realize uma nova perícia detalhada quanto à questão relativa às lesões nos joelhos da recorrente, no sentido de avaliar se o período de “incapacidade temporária absoluta” é de 594 dias.
18. Além disso, solicita que os MM.ºs Juízes provem, conforme o relatório da perícia médica a elaborar pela junta médica, o facto constante da base instrutória do processo principal, isto é, se “o período de “incapacidade temporária absoluta” da recorrente é de 594 dias” e profiram a decisão quanto aos pedidos de pagamento da quantia de MOP$261.32I,11 (a título de indemnização pelos 479 dias de incapacidade temporária absoluta) e pagamento dos respectivos juros de mora, invocados pela recorrente.
Pelos acima expostos, solicita que os MM.º Juízes julguem procedente o recurso e condenem os seguintes:
1. Anulem a decisão proferida no apenso que “fixou o período de incapacidade temporária absoluta da Autora (sinistrada) A em 90 dias”;
2. Exijam que a junta médica composta pelo médico responsável pelo caso da recorrente, Dr. Qin Binshi, pelo médico da seguradora, Dr. Lei Kam Chong, pelo médico especialista de ortopedia do Centro Hospitalar Conde de São Januário, Dr. Cheang Lek Hang, por um médico legal e um médico designado pela Direcção dos Serviços de Saúde realize uma nova perícia no apenso e complemente o objecto da perícia quanto à fixação da incapacidade temporária absoluta resultante das lesões nos joelhos sofridas pela recorrente;
3. Fixem novamente, no apenso, o período de “incapacidade temporária absoluta” da recorrente A conforme o relatório da perícia médica clínica a elaborar pela junta médica composta pelos cinco médicos acima referidos;
4. Provem novamente o facto constante da base instrutória do processo principal, isto é, se o período de “incapacidade temporária absoluta” da recorrente é de 594 dias; e
5. Caso haja eventual alteração da matéria de facto assente, profiram, no processo principal, a decisão quanto aos pedidos de pagamento da quantia de MOP$261.321,11 (a título de indemnização pelos 479 dias de incapacidade temporária absoluta) e pagamento dos respectivos juros de mora, invocados pela recorrente.
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6. Por cautela de patrocínio e como pedido subsidiário, caso não concordem que deve ser constituída novamente a junta médica composta pelos cinco médicos, exijam que a original junta médica composta pelos três médicos realize, no apenso, uma nova perícia quanto à questão relativa à fixação do período de “incapacidade temporária absoluta” resultante das lesões nos joelhos sofridas pela recorrente;
7. Fixem novamente, no apenso, o período de “incapacidade temporária absoluta” da recorrente A conforme o relatório da perícia médica clínica novamente elaborado pela junta médica composta pelos três médicos acima referidos;
8. Provem novamente o facto constante da base instrutória do processo principal, isto é, se o período de “incapacidade temporária absoluta” da recorrente A é de 594 dias; e
9. Caso haja eventual alteração da matéria de facto assente, profiram, no processo principal, a decisão quanto aos pedidos de pagamento da quantia de MOP$261.321,11 (a título de indemnização pelos 479 dias de incapacidade temporária absoluta) e pagamento dos respectivos juros de mora, invocados pela recorrente.”
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A ré respondeu ao recurso nos seguintes termos conclusivos:
“1.ª A recorrente vem impugnar a decisão [mal atingida no apenso para a fixação da incapacidade e no processo principal para a efectivação de direitos resultantes de acidentes de trabalho porque discorda com o período de Incapacidade Temporária Absoluta (ITA) fixado.
2.ª A recorrente aponta às decisões recorridas uma falha procedimental, por um lado, e uma falha técnica, por outro.
3.ª A recorrente defende que foi desrespeitada a norma ínsita no art. 36.º, n.º 7 do Decreto-Lei n.º 40/95/M aquando da composição da junta médica no apenso para a fixação da incapacidade, norma que não tem aplicação no processo laboral.
4.ª O CPT prevê especificamente uma tramitação para os casos em que as partes discordam com o exame médico realizado na fase conciliatória do processo, tramitação prevista nos arts. 71.º e ss.
5.ª Ajunta médica que realizou o exame foi constituída nos termos do art. 72.º do CPT, a única norma processual com aplicação no que respeita ao modo da sua constituição.
6.ª Discorda também a recorrente do período de incapacidade temporária absoluta fixado pelos peritos médico-legais, pois entende que terão sido negligenciadas as lesões por si sofridas nos joelhos no exame realizado pela junta médica.
7.ª O período de incapacidade temporária absoluta foi fixado, evidentemente, tendo em consideração as lesões sofridas pela recorrente nos joelhos.
8.ª Atentando na resposta aos quesitos a fls. 48 do apenso para a fixação da incapacidade, efectivamente na resposta ao quesito 16.º reitera-se a existência de contusões em ambos os joelhos - o que, de resto, era facto não controvertido - e na resposta ao quesito 17.º dois dos peritos concluem que as lesões nos joelhos se encontravam totalmente recuperadas (no mínimo) a 10 de Janeiro de 2013.
9.ª Daí que tenham esclarecido a fls. 59 que o período de ITA era (no máximo) de 90 dias apenas, pois que nenhuma lesão se verificou nos joelhos e na bacia após esta data.
10.ª A junta médica deu evidentemente mais atenção à questão sacrolombar porque esta era alvo de divergências entre recorrida e recorrente e consequentemente mereceu mais aprofundada dissecação, até porque se tratava de questão complexa.
11.ª A questão da lesão nos joelhos nunca foi alvo de contenção no presente processo laboral, tendo sido desde início aceite pela ora recorrida.
12.ª O Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo justificou plenamente na sua decisão final a fls. 64 do apenso o ter aderido à opinião dominante dos pareceres médico-legais de fls. 48 e 59 do apenso, entendendo que esta era muito mais objectiva do que o exame médico elaborado anteriormente a fls. 62 do processo principal.
13.ª Ressalvado o devido respeito, a recorrente não logra apresentar argumento válido que imponha uma conclusão diversa no que concerne à incapacidade temporária absoluta fixada pelo Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo.
TERMOS EM QUE, contando com o muito douto suprimento de Vossas Excelências, deve ser negado provimento ao recurso interposto pela recorrente».
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Cumpre decidir.
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II – Os Factos
A sentença deu por provada a seguinte factualidade:
- A Autora é empregada da “C”, exercendo as funções de chefe de casino, auferindo mensalmente um salário base de MOP$24.550,00. (A)
- Em 22 de Outubro de 2012, pelas 02h45, a Autora estava a trabalhar no casino do Hotel C conforme as indicações e a ordem da empregadora. Ao passar pelo acesso para trabalhadores situado no 25.º andar do casino do referido hotel por necessidade de trabalho, a Autora que estava a usar o telemóvel caiu no chão por descuido, o que lhe causou equimoses nos joelhos e na perna direita e entorse na região lombar. Logo a seguir, a Autora dirigiu-se ao Hospital Kiang Wu para receber tratamento. (B)
- O acidente ocorrido no trabalho acima referido causou à Autora contusões nos tecidos moles dos joelhos. (C)
- O período de “incapacidade temporária absoluta” da Autora resultante das lesões mencionadas na alínea B) dos factos assentes é de 90 dias (C-1).
- A C já comprou o seguro do acidente de trabalho para seus trabalhadores, incluindo a Autora, com o n.º de apólice 61056368EC (fls. 23 dos autos, o conteúdo e as cláusulas da apólice dão-se aqui por integralmente reproduzido). (D)
- A Autora já recebeu antecipadamente o quantum indemnizatório correspondente aos 115 dias de incapacidade temporária absoluta. (E)
- A Autora ainda não recebeu as despesas médicas para tratamento de lesões decorrentes do acidente de trabalho deste processo em falta, no montante de MOP$56.647,00. (3.º)
- A Autora padecia aquando da ocorrência do acidente dos autos, e como hoje em dia ainda padece, de sacrilização da 5.ª vértebra lombar. (4.º)
- Não tendo a sacrilização da 5.ª vértebra lombar da Autora resultado do acidente dos autos, nem este agravou aquela doença congénita. (5.º)
- A sacrilização da 5.ª vértebra lombar corresponde medicamente ao deslizamento da quinta vértebra lombar sobre o osso sacro posterior, ficando a mencionada vértebra e o sacro fundidos. (6.º)
- Sendo sempre tal deformação de natureza congénita, e jamais resultado de qualquer pancada ou esforço decorrente de queda ou acidente. (7.º)
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III – O Direito
1º Recurso: Do recurso da ré
1 - O pedido da autora, como já se viu no relatório do presente aresto, era no sentido de que a ré fosse condenada a pagar-lhe o valor de MOP$ 56.647,00 a título das despesas médicas que suportou em consequência do acidente laboral que dizia ter sofrido no seu local de trabalho (“C”).
Pretendia também ser indemnizada da quantia de MOP$ 261.321,11 a título de incapacidade temporária absoluta, correspondente a 479 dias (eram alegadamente 594, mas disse ter já recebido a indemnização correspondente a 115 dias).
O tribunal de 1ª instância apenas concedeu procedência ao pedido referente às despesas médicas, não já ao segundo. Isto, porque o período de incapacidade temporária absoluta, dado como provado, não foi de 594 dias, mas sim e apenas de 90 dias. Porém, como a autora já recebeu antecipadamente a indemnização equivalente a 115 dias, entendeu nada mais ter a receber.
A ré entende, porém, que os elementos dos autos não permitiriam aquela condenação, invocando vício-erro na apreciação da prova, com o que estaria violado o disposto nos arts. 27º e 28º, nº1, corpo, e alíneas a), b), c) e d) do DL nº 40/95/M de 14 de Agosto.
Em sua opinião, aquelas despesas não foram efectuadas em consequência do acidente de trabalho em causa nos autos.
Vejamos.
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2 – O raciocínio da ré recorrente é este:
A autora, por causa do acidente, sofreu contusão nos tecidos moles de ambos os joelhos e para a recuperação das lesões, em consequência da sua incapacidade temporária absoluta (ITA), necessitou de 90 dias, compreendidos entre 22/10/2012 e 21/01/2013.
Ora, as despesas médicas, conforme documentos juntos pela própria autora, respeitam a tratamentos e medicação efectuados após 28/02/2013.
Logo, elas não podem ser tidas como o valor do dano resultante do acidente e, por isso, não podem servir de base de cálculo à indemnização peticionada.
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2.1 - Uma nota inicial, em forma interrogativa, se nos é permitido o espanto: Uma contusão nos tecidos moles dos joelhos – esse foi o dano resultante da queda por descuido da autora, quando caminhava falando ao telemóvel - implicou um tão grande dispêndio de dinheiro em despesas médicas (MOP$ 56.647,00)?! E foi precisa uma recuperação de 90 dias?!
Quanto à questão do período da ITA, parece não haver lugar a dúvidas, face ao teor do relatório de exame da junta médica de fls. 59 do apenso A e à decisão de fls. 64 e verso do mesmo apenso. Nada tem este TSI a censurar quanto ao facto assente, pois assim o apurou e decidiu a instância recorrida dentro da sua livre convicção, alicerçada principalmente no referido relatório médico.
Quanto à primeira questão, o tribunal de julgamento da matéria de facto suportou-se nos documentos juntos aos autos a fls. 24, 25, 27 a 31, 33 a 37, 38, 39 a 43, bem como nos demais indicados na respectiva fundamentação (fls. 257 e verso).
Ora, analisando esses documentos, verdade que muitos deles correspondem a datas bem posteriores a 21/01/2013.
Dessa constatação retira a recorrente seguradora que eles não devem ser levados em conta, uma vez que não podem dizer respeito ao tratamento das lesões sofridos em consequência do acidente, dado o termo da ITA.
Não tem razão.
Em primeiro lugar, cremos que a recorrente não terá deixado de reparar que os documentos em causa referem expressamente “Contusion of knee and lower leg”. Ou seja, são recibos alusivos ao dano corporal a que respeita às alíneas B) e C) da matéria assente.
Em segundo lugar, o facto de serem posteriores ao termo aceite pelo tribunal da incapacidade temporária absoluta (fls. 64 do apenso A) não significa que aquelas despesas não se tenham verificado por causa do acidente (art. 557º do CC). Repare-se, aliás, que o termo da ITA não significa que, podendo a lesada ir desde logo trabalhar, esteja logo completamente curada, uma vez que inexiste nos autos nenhum elemento que a declare nessa data clinicamente curada.
Note-se, por outro lado, que aqueles actos médicos e exames complementares realizados no hospital Kiang Wu, por exemplo, mesmo posteriores a 21/01/2013 se achavam conformes ao processo de apuramento dos danos e da incapacidade consequente sob acompanhamento e orientação do médico nomeado pelo MP, conforme bem se pode constatar de fls. 54 e 62 dos autos, o primeiro datado de 21/11/2013, o segundo de 27/02/2014 (fls. 58-60 e 61-63 do apenso traduções).
Portanto, não podemos acolher a ideia de que não foram despesas necessárias ao tratamento, só porque o tribunal reportou a ITA a 21/01/2013. É até por isso que a Lei (ver arts. 46º, al. a) também fala em Incapacidade Temporária Parcial (ITP), que em Macau, não se sabe porquê, não é hábito determinar.
Enfim, não concordamos que se tenha valorado deficientemente a prova, nem, nesse sentido, violado as disposições citadas pela recorrente.
Esta fundamentação será suficiente; no entanto, pode ser complementada com o teor dos exames médicos cuja tradução foi pedida.
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2º Recurso – Recurso da autora
3 – Pretende a autora impugnar:
i). A decisão que fixou a incapacidade temporária absoluta da autora em 90 dias; Em seu entender deveria ter sido fixada em 594 dias.
ii). A decisão sobre a matéria de facto assente da base instrutória, a qual “conforme a decisão de fls. 64 e seu verso do Apenso A, passa a ser C-1 dos factos assentes e o seu teor é o seguinte: “O período de incapacidade temporária absoluta da Autora resultante das lesões mencionadas na alínea B) dos factos assentes é de 90 dias”;
iii). A decisão proferida na sentença que indeferiu os pedidos quanto ao pagamento da quantia de MOP$ 262.321,11 a título de incapacidade temporária absoluta, e juros vencidos e vincendos respectivos.
Para todo este tríplice objecto de recurso a autora recorrente acaba por fazer desaguar fundamentos comuns, e que são dois:
- Ilegalidade da constituição da junta médica;
- O objecto da perícia não se refere às lesões nos joelhos;
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3.1 – Quanto ao primeiro fundamento:
Considera a recorrente que o relatório médico elaborado pelo médico especialista do Centro Hospitalar Conde S. Januário (fls. 62 dos autos) aponta para uma incapacidade temporária absoluta de 594 dias ao remeter para o atestado médico emitido pelo médico responsável. Em sua óptica, a junta médica constituída nos autos não observa o disposto no art. 36º do DL nº 40/95/M.
Ora, o art. 36º, nº7, do DL nº 40/95/M – que prevê uma junta médica formada por 5 médicos – estabelece um mecanismo que serve apenas para ultrapassar as divergências sentidas pelas partes a respeito das matérias previstas no nº1 e 2. E tal não foi o que aconteceu aqui.
O que se passou foi que as partes não concordaram com a ITA atribuída pelo médico assistente da autora na fase conciliatória estabelecida no art. 71º e sgs. do CPT.
E sempre que isso não acontece, e tal como resulta do art. 72º do CPT, a junta médica deve ser realizada por um trio de peritos médicos. E tal foi observado, precisamente (fls. 48 e 59 do apenso A).
Ou seja, o objectivo e pressuposto da junta médica aludida no nº4, e obviamente do nº7 (que constitui um prolongamento procedimental da junta a que respeita o nº4) é diferente do que está patente no art. 71º, nº2 e 72º do CPT.
Significa isto que não podemos dar por procedente o argumento da ilegalidade da constituição da referida junta.
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3.2 – Quanto ao segundo fundamento, respeitante ao número de dias da ITA, perguntava-se no artigo 2º da Base Instrutória se: “O período total de “incapacidade temporária absoluta” da Autora resultante das lesões mencionadas na alínea B) dos factos assentes e no ponto 1º da base instrutória é de 594 dias, de 23 de Outubro de 2012 a 8 de Junho de 2014”
No acórdão proferido sobre a matéria de facto (fls. 257 dos autos e 17-18) ficou assente, porém, que:
“Conforme a decisão de fls. 64 e verso do Apenso A, passa a ser C-1 dos factos assentes e o seu teor é o seguinte: «O período de incapacidade temporária absoluta da Autora resultante das lesões mencionadas na alínea B) dos factos assentes é de 90 dias»”.
A recorrente, depois de achar que esta perícia (a resultante da junta médica realizada) não alcançou um resultado por unanimidade (dois dos médicos consideraram que a incapacidade deveria cessar em 10/01/2013, enquanto o terceiro defendia que o período de incapacidade temporária absoluta deveria ser de 594 dias, ou seja de 22/10/2012 até 15/06/2014), acabou por defender também que a junta deveria ter centrado a sua atenção mais nos joelhos da recorrente, para desse modo se fazer uma avaliação correcta da sua ITA.
Ora bem. Devemos dizer que quanto ao resultado maioritário, nenhum obstáculo se pode entrever na circunstância de os médicos não se porem de acordo quanto ao objecto da perícia. Cada um deles, no quadro da sua autonomia técnico-científica, pode fazer avaliações pessoais divergentes, sem que isso ponha em causa a valia da perícia no seu conjunto, cabendo ao juiz fazer a opção pelo juízo que lhe parecer mais conforme a situação real, tendo em atenção os demais elementos existentes nos autos.
Nada mais, pois, a observar quanto a este aspecto.
E sendo assim, também não podemos reprovar o modo como a matéria do art. 2º da BI transitou para a alínea C-1 dos factos assentes.
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3.3 - Relativamente à especificação do objecto da perícia, que a recorrente pretende agora fosse mais centrada na lesão no joelho, não vemos qualquer razão para julgar insuficiente a matéria do exame realizado pela junta médica.
Os pontos de facto constantes de fls. 31 e vº do apenso A eram mais do que suficientes para um exame concludente e esclarecedor sobre as lesões do joelho da recorrente e o período da respectiva incapacidade temporária absoluta. Razão pela qual a respectiva matéria, após a realização do exame pela junta, foi levada à “especificação” da matéria assente, sem qualquer mácula, na sequência, aliás, da decisão de fls. 64 do apenso A.
E a respostas à matéria concernente ao joelho (ponto 16 do questionário só?) são bastantes para os senhores peritos (dois) concluírem que as lesões no joelho demandaram uma ITA de 90 dias, período que foi sufragado pelo tribunal.
Dito isto, não procede o recurso da autora.
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IV – Decidindo
Face ao exposto, acordam em negar provimento aos recursos.
Custas de cada recurso por cada uma das recorrentes.
TSI, 19 de Janeiro de 2017
Jose Candido de Pinho
Tong Hio Fong
Lai Kin Hong
794/2016 15