Proc. nº 277/2016
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 26 de Janeiro de 2017
Descritores:
-Apreciação da prova
-Livre convicção
SUMÁRIO:
I. Quando a primeira instância forma a sua convicção com base num conjunto de elementos, entre os quais a prova testemunhal produzida, o tribunal “ad quem”, salvo erro grosseiro e visível que logo detecte na análise da prova, não deve interferir nela, sob pena de se transformar a instância de recurso, numa nova instância de prova.
II. É por isso que a decisão de facto só pode ser modificada nos casos previstos no art. 629º do CPC” e que o tribunal de recurso não pode censurar a relevância e a credibilidade que, no quadro da imediação e da livre apreciação das provas, o tribunal recorrido atribuiu ao depoimento de testemunhas a cuja inquirição procedeu.
Proc. nº 277/2016
Acordam no Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M.
I - Relatório
A, casado, empresário comercial, pessoa singular, registada na Conservatória dos Registos Comercial e de Bens Móveis sob o número XXX, portador do BIRPM n.º XXX, emitido pela Direcção dos Serviços de Identificação da RAEM, em 10 de Março de 2005, titular da empresa designada por Engenharia de Construção Civil B (B建築工程), com sede em Macau, na XXX, instaurou no TJB (CV2-13-0061-CAO) acção ordinária contra:
Companhia C (Macau) Limitada (C(澳門)有限公司), sociedade comercial registada na Conservatória dos Registos Comercial e de Bens Móveis sob o número XXX, com sede em Macau, na XXX, ----
Pedindo que fosse julgada procedente por provada a presente acção, e em consequência, a Ré condenada a pagar ao Autor a quantia de MOP2.930.950,79, a título de capital em dívida, acrescida de juros de mora à taxa legal, vencidos desde a citação da presente acção até efectivo e integral pagamento.
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Foi na oportunidade proferida sentença que julgou improcedente a acção e absolveu a ré do pedido.
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Contra essa sentença recorre o autor, em cujas alegações formula as seguintes conclusões:
«I. Impugnação da decisão da matéria de facto do Tribunal a quo
(i) Quanto às despesas com mão-de-obra
1. Em primeiro lugar, o Recorrente impugna a decisão da matéria de facto do Tribunal a quo, ao abrigo do disposto nos artigos 599º e 629º do Código de Processo Civil, considerando que as respostas dadas pelo Tribunal a quo aos quesitos 3º a 8º da base instrutória eram incorrectas;
2. Para facilitar o entendimento do desenvolvimento da situação, o Recorrente pretende citar o facto mencionado no artigo 12º da contestação;
3. O Recorrente pretende levantar uma questão, isto é, a Recorrida devia ter sabido na altura da celebração do contrato que o preço do contrato abrangia os custos de salários e de materiais, mas não na altura da execução do contrato. Então, porque é que o Recorrente exigiu o pagamento dos aludidos custos pela Recorrida? A interpretação desta questão deve ser feita com o auxílio do facto mencionado na alínea L dos Factos Assentes;
4. Refere-se no Item 2.36 da alínea I. dos Factos Assentes: “Em 24/10/2007 referiu B que, ao apresentar o preço, no projecto de estruturas não se assinalaram, com clareza, as paredes não estruturais ou paredes de tijolos, suscitando assim a compensação (trabalhadores do Interior da China)...”;
5. Refere-se no Item 2.36 da alínea J. dos Factos Assentes: “Em 24/10/2007 referiu B que, ao apresentar o preço, no projecto de estruturas não se assinalaram, com clareza, as paredes não estruturais ou paredes de tijolos, solicitando assim a compensação (trabalhadores do Interior da China). B, ao apresentar proposta, não viu bem o projecto, sendo esta a culpa de B e não de C, por isso não merece ser compensada”;
6. Por outras palavras, entende o Recorrente que o preço apresentado à Recorrida não abrangia os salários, nos valores de MOP693.000,00 e MOP175.500,00, solicitados à mesma, embora fosse uma apresentação de preço abrangente dos custos de salários e de materiais, já que o Recorrente pagou os salários supramencionados para contratar trabalhadores com vista à prestação de serviços à Recorrida, serviços esses não foram abrangidos pelo preço apresentado, por conseguinte, o Recorrente exigiu à Recorrida que pagasse os respectivos salários;
7. Referiu a Recorrida no artigo 13º da contestação: “Tendo detectado o erro no pagamento da quantia indicada no artigo 10º desta contestação (MOP693.000,00), na prestação imediatamente seguinte, ou seja, na “Relação geral de pagamento intercalar de obras” da 16a prestação, a Ré irá descontar o aludido valor no preço das obras a pagar ao Autor (vide parte assinalada com marcador fluorescente do ponto 2.36 de fls. 5 do anexo 2)”.
8. Isto é, a Recorrida pagou primeiro ao Recorrente o montante de MOP693.000,00 e, depois, descontou na quantia paga ao Recorrente o montante acima referido, ou seja, a Recorrida nunca pagou o montante de MOP693.000,00 ao Recorrente;
9. A Recorrida nunca pagou a quantia de MOP175.500,00 ao Recorrente;
10. Nos documentos constantes de fls. 428 a 448 dos autos foi mencionado o facto de a Recorrida ter efectuado o pagamento dos salários em nome do Recorrente, não tendo nada a ver com os factos mencionados nos quesitos 3º a 8º da base instrutória;
11. Ora, devem os factos mencionados nos quesitos 3º a 8º da base instrutória ser dados por provados e, em consequência, condena-se a Recorrida a pagar a quantia de MOP868.500,00 (MOP693.000,00 + MOP175.500,00) ao Recorrente, ou condena-se a mesma a pagar a aludida quantia ao Recorrente por enriquecimento sem causa;
12. A Recorrida tinha perfeito conhecimento de que o Recorrente faltava propor parte do preço dos trabalhos, por não ter visto bem o projecto na apresentação da proposta, deste modo, nos termos do art.º 228º do Código Civil, os trabalhos omitidos na proposta devem ser aderidos nos trabalhos mencionados na proposta geral, devendo, portanto, a Recorrida pagar ao Recorrente o preço dos aludidos trabalhos.
(ii) Quanto ao valor da venda dos desperdícios de ferro
13. Em segundo lugar, o Recorrente volta a impugnar a decisão da matéria de facto do Tribunal a quo, ao abrigo do disposto nos artigos 599º e 629º do Código de Processo Civil, considerando que as respostas dadas pelo Tribunal a quo aos quesitos 9º, 12º e 14º da base instrutória eram incorrectas;
14. De antemão, o acordo da venda de desperdícios de ferro indicado no artigo 34º da petição inicial (vide artigo 50º dos autos (sic)) foi assinado em 3 de Maio de 2007, enquanto o contrato de obras foi celebrado entre o Recorrente e a Recorrida em 28 de Novembro de 2007;
15. Daí se vislumbra que caso não houvesse consentimento antecipado da Recorrida, como era possível que o Recorrente celebrasse o contrato de compra e venda de desperdícios de ferro com a empresa de aquisição de sucata, bem como chegasse a acordo para fixar o preço da venda de sucata em MOP1.800,00 por tonelada;
16. Além disso, disse a Recorrida no artigo 42º da contestação: “Na “Relação geral de pagamento intercalar de obras” da 15ª prestação (vide ponto 2.38 de fls. 4 do anexo 1), a Ré tinha calculado o preço da venda de sucata com o valor de MOP1.800,00 por tonelada”;
17. Refere-se no Item 2.38 da alínea I. dos Factos Assentes: “Desconto do valor resultante da venda de sucata por Seng Son (sic); peso global: 227,57t, PM decide descontar o valor resultante da venda de sucata por B consoante o preço unitário de sucata comprada por B: 227,57t x 1.800...”;
18. Na execução das obras, a Recorrida e o Recorrente conferiram a conta relativa aos desperdícios de ferro com base no preço de MOP1.800,00 por tonelada. Daí se vislumbra que a Recorrida concordou tacitamente com o preço de MOP1.800,00 por tonelada fixado na venda dos desperdícios de ferro;
19. Ademais, a entrada e saída do terreno de construção do Edf. “A Praia” depende do consentimento da Recorrida, portanto, se a Recorrida não concordasse com a venda dos desperdícios de ferro pelo preço de MOP1.800,00 por tonelada, basicamente, o Recorrente não poderia vender os desperdícios de ferro em causa nem transportá-los para fora do terreno de construção;
20. Embora a Recorrida tenha referido na contestação que o aludido preço era de carácter provisório, e entendido que os desperdícios de ferro deviam ser vendidos pelo preço de mercado, ou seja, MOP2.982,72 por tonelada, conforme a experiência da vida quotidiana, se, tal como referido pela Recorrida, os desperdícios de ferro só forem vendidos e o seu preço só for determinado após a conclusão das obras, isto será efectivamente impossível;
21. Deve saber-se que na execução duma obra produz-se evidentemente desperdícios de ferro, portanto, se os mesmos não forem imediatamente vendidos, não haverá espaço suficiente para a sua colocação; e, por cima, a Recorrida adoptou várias medidas de recompensa, com vista a incentivar o Recorrente a apressar a sua parte nas obras;
22. Podemos imaginar como era o decurso do surgimento dos desperdícios de ferro, desde logo, podia aparecer 1 tonelada e depois 10 toneladas de desperdícios de ferro. Ora, a colocação de 10 toneladas de sucata no terreno de construção iria ocupar um espaço não reduzido do terreno em causa; a colocação de 100 toneladas de sucata no terreno de construção iria causar paralisação da execução de obras, como por exemplo, iria obstacular a entrada de outros materiais no terreno de construção e incomodar os demais processos de trabalho; e, já para não falar da circunstância da colocação de 227 toneladas de sucata no terreno de construção;
23. Assim sendo, é razoável acordar, logo na iniciação de obras, sobre a forma de tratamento dos desperdícios de ferro, enquanto o ponto de vista da Recorrida que defende o tratamento dos desperdícios de ferro após a conclusão de obras, desrespeitou à lógica objectiva da execução de obras, sendo, portanto, insustentável;
24. Pois, em 3 de Maio de 2007, o Recorrente fixou o preço da venda de desperdícios de ferro em MOP1.800,00 por tonelada, bem como conferiu a respectiva conta com a Recorrida durante o período de execução de obras;
25. A Recorrida nunca se opôs ao aludido preço, mas sim, apenas revelou a sua discordância na conclusão e liquidação das obras, sendo esta uma violação manifesta do princípio da boa fé;
26. Aliás, o Tribunal a quo, por um lado, considerou não provado o acordo da venda de sucata pelo preço de MOP1.800,00 por tonelada, mas deu por provado o facto mencionado no quesito 13º da base instrutória: “o Autor efectuou a venda da sucata pelo preço acordado anteriormente, e por isso apenas obteve para si a quantia de MOP409.626,00”;
27. No qual, a expressão “acordado anteriormente” deve referir-se ao acordo entre o Recorrente e a Recorrida quanto ao tratamento de sucata, pelo que se deve considerar provados os factos relativos ao aludido acordo, caso contrário, suscita-se a contradição entre a matéria de facto dada como provada (facto supracitado) e a dada como não provada (factos mencionados nos quesitos 9º, 12º e 14º da base instrutória);
28. Pelos factos acima expostos, conclui-se que os factos mencionados nos quesitos 9º, 12º e 14º da base instrutória devem ser dados como provados;
29. Assim sendo, o desconto de MOP678.777,59 efectuado pela Recorrida na quantia a pagar ao Recorrente é um desconto indevido, devendo, portanto, a Recorrida pagar ao Recorrente a respectiva diferença, no valor de MOP269.151,59 (MOP678.777,59 - MOP409,626,00);
II. Erro na aplicação do Direito face à aplicação de multas
30. De facto, refere-se na alínea M) (III) (1) dos factos assentes: “Todas as varas de ferro são fornecidas pela Ré, enquanto o Autor necessita de reduzir, tanto quanto possível, o consumo de materiais. Se a Ré descobrir o desperdício de materiais provocado pelo Autor, esta terá direito de descontar na quantia a pagar ao Autor o valor dos custos de materiais desperdiçados como compensação.”, daí se revela a possibilidade de aplicação de multas pela Recorrida;
31. Todavia, refere-se na alínea M) (III) (2) (i) dos factos assentes: “O Autor necessita de garantir o consumo de ferro até 3%. Por outras palavras, a Ré só precisa de adquirir mais 3% da quantidade de ferro exigida pelo projecto aprovado...”, daí se vislumbra que o Recorrente tem a obrigação de reduzir, tanto quanto possível, o consumo de materiais, com proporção até 3%;
32. Cujas consequências são descritas na alínea M) (III) (2) (ii) dos factos assentes: “Se a taxa do consumo efectivo dos materiais de ferro for superior à prevista, o Autor terá de sustentar integralmente os custos de aquisição e transporte dos materiais de ferro excessivos (que não fazem parte dos 3%)...”, sendo esta a consequência do desperdício de materiais de ferro (fora dos 3%) assumida pelo Recorrente;
33. Pelo contrário, segundo a alínea M) (III) (2) (iii) dos factos assentes: “Se a taxa do consumo efectivo for inferior à prevista, o Autor e a Ré poderão beneficiar-se equitativamente da poupança dos materiais de ferro...”, sendo esta a consequência da poupança dos materiais de ferro (dentro dos 3%) assumida pelo Recorrente, na qual não existe qualquer sanção;
34. O Tribunal a quo deu por provado o seguinte facto mencionado no quesito 28º da base instrutória: “no fim das obras apurou-se que havia 177,90 toneladas de aço encomendado mas não utilizado o que correspondia a cerca de 0,828%”;
35. Daí se vê que o Recorrente apenas desperdiçou cerca de 0,828% de materiais de ferro nesta obra, tendo cumprido a obrigação de garantia de consumo de ferro até 3%, mencionada na alínea M) (III) (2) (i) dos factos assentes, cujas consequências estão estipuladas na alínea M) (III) (2) (iii) dos factos assentes;
36. Portanto, não se verifica precisamente a possibilidade de aplicação de multas ao Recorrente pela Recorrida com fundamento no desperdício de materiais de ferro causado pelo Recorrente, já que não existe o pressuposto de facto em causa;
37. Pelo contrário, a Recorrida só pode aplicar multa ao Recorrente com fundamento no desperdício de materiais de ferro causado pelo mesmo nesta obra quando o referido desperdício for superior a 3%, uma vez que ela tinha já o pressuposto de aplicação de multas;
38. Da experiência da vida quotidiana se averigua que, numa obra, não é possível haver uma previsão justa da quantidade de todos os materiais. A cláusula contratual referida na alínea M) (III) (1) dos factos assentes serve principalmente para evitar a estimativa exagerada da quantia de ferro a usar, feita pelo Recorrente, que possa causar desperdício e prejuízos à Recorrida;
39. Na cláusula mencionada na alínea M) (III) (2) (i) dos factos assentes fixou-se a proporção razoável em 3%, a par disso, no caso vertente, apurou-se que o Recorrente apenas tinha desperdiçado cerca de 0,828% de materiais de ferro nesta obra, sendo uma proporção inferior a 3%;
40. Por outro lado, a Recorrida referiu no artigo 71º da contestação que concordava incluir as 177,90 toneladas de materiais de ferro (0.828% de materiais de ferro) na quantidade de aço e ferro poupada, bem como, nos termos da cláusula contratual descrita na alínea M) (III) (2) (iii) dos factos assentes, iria beneficiar-se equitativamente da poupança dos materiais de ferro com o Recorrente, porém, ao mesmo tempo, esta aplicou multa ao Recorrente, ao abrigo da cláusula contratual estipulada na alínea M) (III) (1) dos factos assentes, verificando-se assim a contradição manifesta e a inexistência de boa fé;
41. Tendo atendido meramente ao facto mencionado na alínea M) (III) (1) dos factos assentes, em conjugação com o facto de o Recorrente apenas ter desperdiçado cerca de 0,828% de materiais de ferro nesta obra, o Tribunal a quo concluiu que não se verificava irregularidade no acto de aplicação de multas ao Recorrente pela Recorrida. Todavia, o Tribunal a quo não atendeu manifestamente ao facto mencionado na alínea M) (III) (2) dos factos assentes e, em consequência, cometeu erro na aplicação do Direito ao facto em causa;
42. Nesta conformidade, o desconto de MOP324.337,20 efectuado, a título de multa, pela Recorrida na quantia a pagar ao Recorrente é um desconto indevido, devendo, portanto, a Recorrida restituir ao Recorrente o montante em causa.
Nestes termos e pela douta opinião dos Venerandos Juízes, deve conceder-se provimento ao presente recurso e revogar-se a sentença recorrida, e em consequência:
1. Devem os factos mencionados nos quesitos 3º a 8º da base instrutória ser dados por provados, condenando-se a Recorrida a pagar a quantia de MOP868.500,00 (MOP693.000,00 + MOP175.500,00) ao Recorrente, ou condenando-se a mesma a pagar a aludida quantia ao Recorrente por enriquecimento sem causa;
2. Devem os factos mencionados nos quesitos 9º, 12º e 14º da base instrutória ser dados por provados, condenando-se a Recorrida a pagar ao Recorrente a respectiva diferença, no valor de MOP269.151,59 (MOP678.777,59 - MOP409.626,00); e
3. Deve o desconto de MOP324.337,20 efectuado, a título de multa, pela Recorrida na quantia a pagar ao Autor ser declarado como um desconto indevido, condenando-se a Recorrida a restituir ao Recorrente o montante em causa.»
*
Contra-alegou a ré defendendo o improvimento do recurso em termos que aqui damos por integralmente reproduzidos.
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Cumpre decidir.
***
II – Os Factos
A sentença deu por provada a seguinte factualidade:
“Da Matéria de Facto Assente:
O Autor é um empresário comercial, pessoa singular, registada na Conservatória dos Registos Comercial e de Bens Móveis sob o n.º XXX e é titular da empresa designada por Engenharia de Construção Civil B (B建築工程) com sede na XXX, Macau. (fls. 15 a 18) (alínea A) dos factos assentes)
A empresa do Autor dedica-se com carácter habitual e escopo lucrativo à prestação de serviços de trabalho com maquinaria e instrumentos de fixação de aço (alínea B) dos factos assentes).
A Ré é uma sociedade comercial, denominada COMPANHIA C (MACAU) LIMITADA, registada na Conservatória dos Registos Comercial e de Bens Móveis sob o n.º XXX, com sede na XXX, Macau, tendo como actividade o comércio por grosso de máquinas e aparelhos eléctricos, aparelhos de rádio e televisão; fornecimento de materiais de construção civil e obra de construção de edifício; fornecimento e obra de instalação, de reparação e de manutenção de equipamentos electromecânicos de edifício e dos demais projectos, e fornecimento, obra de instalação, de reparação e de manutenção, e importação e exportação de escadas rolantes e elevadores; venda a retalho, e obra de instalação, de reparação e de manutenção dos sistemas ou equipamentos de áudio, de audiovisual, de segurança, de televisão do circuito fechado, de satélite, de telefone, de comunicação, de computador, de radiocomunicações, de escritório, entre outros (fls. 19 a 31) (alínea C) dos factos assentes).
E no exercício da sua actividade comercial, a empresa do ora A. prestou à R., a pedido expresso desta, no exercício da sua actividade, trabalhos de maquinaria e fixação de ferro e estruturas nos Edifícios “A Praia”, no terreno PSI da Doca do Lamau, em Macau, nos termos e pelos valores que constam do contrato celebrado em 28/11/2007, cuja cópia parcial consta de fls. 33 e 34 o que se dá por integralmente reproduzido (alínea D) dos factos assentes).
De acordo com o referido contrato, a empresa do Autor ficou responsável pela fixação da cobertura do projecto residencial “A Praia”, em Macau, sito no Lote PSI da Doca do Lamau, em Macau (alínea E) dos factos assentes).
O preço geral da obra foi fixado em MOP11.482.130,08 (Onze milhões, quatrocentas e oitenta e duas mil, cento e trinta patacas e oito avos) (alínea F) dos factos assentes).
Entretanto, durante a execução da obra, foram feitos vários trabalhos adicionais e utilizados mais materiais do que tinha sido previsto por ambas as partes, tendo o valor final ascendido o montante total de MOP17.224.706,20 (Dezassete milhões, duzentas e vinte e quatro mil, setecentas e seis patacas e vinte avos) (alínea G) dos factos assentes).
Pelo contrário, a Ré aprovou o aumento do preço para o montante de MOP17.224.706,20 (Dezassete milhões, duzentas e vinte e quatro mil, setecentas e seis patacas e vinte avos) e a alteração do prazo previsto para a entrega da obra decorrente das alterações do projecto por si solicitadas (alínea H) dos factos assentes).
A Ré, em 2008, emite uma factura cujo teor parcial ora se transcreve, relativamente aos pontos em discussão (fls. 36 a 39) (alínea I) dos factos assentes):
Contrato n.º: SUB-009/2007 Macau
Nota de abonos n.º: CMA101003-15
Data: 7-Aug-08
Item
Particulars
Responsa- bilidade
Unidade
Quant. requerida
Preço unit requerido
Quant. anterior
Quant. actual
Quant. aprovada
Preço unitário pago temporari- amente
Import. (MOP)
Cost Code
2.36
Em 24/10/2007 referiu B que, ao apresentar o preço, no projecto de estruturas não se assinalaram, com clareza, as paredes não estruturais ou paredes de tijolos, suscitando assim a compensação (trabalhado res do Interior da China) (Draft:SVAF/CMA101/18a)
CCCL
Trabalho
1.764,00
500,00
1.224,00
500,00
*409
2.37
Pintura e corte de ferro no molde de alumínio pendentes, nos blocos 1 a 4 com 9 trabalhos por cada piso
(draft:SVAF no: SVAF/CMA/101/37)
CCCL
Trabalho
585,00
500,00
500,00
*409
2.38
Desconto do valor resultante da venda de sucata por Seng Son (sic) Peso global: 227,57t
PM decide descontar o valor de B consoante o preço unitário de sucata comprada por B
Valor: 227,57t x $1.800/t = MOP409.626,00
CCCL
Unidade
1,00
1,00
(864.766, 00)
(864.7 66,00)
*409
2.39
Bónus de fixação de ferro em Cycle em 4 dias (atribuído temporariamente) Draft SVAF/CMA100
CCCL
Piso
154,00
8.800,00
120
8.800,00
1.056.000,00
*220
Em 2012, a Ré já emitiu a seguinte factura, cujo teor parcial ora se transcreve (fls. 40 a 43):
Contrato n.º: SUB-009/2007 Macau
Nota de abonos n.º: CMA101003-F
Data: June 2012
Item
Particulars
Responsa- bilidade
Unidade
Quant. requerida
Preço unit requerido
Quant. anterior
Quant. actual
Quant. aprovada
Preço unitário pago temporari- amente
Import. (MOP)
Cost Code
2.36
Em 24/10/2007 referiu B que, ao apresentar o preço, no projecto de estruturas não se assinalaram, com clareza, as paredes não estruturais ou paredes de tijolos, suscitando assim a compensação (trabalhado res do Interior da China)
B, ao apresentar proposta, não viu bem o projecto, sendo esta a culpa de B e não de C, por isso não merece ser compensada.
CCCL
Trabalho
1.602,00
500,00
500,00
*409
2.37
Pintura e corte de ferro no molde de alumínio pendentes, nos blocos 1 a 4 com 9 trabalhos por cada piso, incluindo corte e dobragem de vara de aço, conforme o contrato, e sendo compensado o projecto x abrangido pelo contrato.
CCCL
Trabalho
585,00
500,00
500,00
*409
2.38
Desconto:
valor resultante da venda de sucata por B
Peso global: 227,57t
Valor:227,57t x$2.982,72/t* = MOP678.771,59
*(a média do preço unitário de compra de ferro é de $5.965,43/t; e o preço de compra de sucata é geralmente a metade do preço das matérias-primas = MOP$2.982,72)
CCCL
Unidade
1,00
(409.626,00)
1,00
1,00
(678.777,59)
(678.777,59)
*409
2.39
Bónus de fixação de ferro em Cycle em 4 dias.
Está especificado na cláusula A1/3.3 do contrato que é necessário concluir o trabalho de fixação de ferro dum piso no prazo de 4 dias, pelo que a conclusão do trabalho de fixação de ferro dum piso no prazo de 4 dias é a responsabilidade contratual de B.
CCCL
Piso
116,00
8.800,00
82,00
(3,00)
79,00
8.800,00
695.200,00
*220
2.43
Prémio de poupança de materiais, alínea (iii) do (3) da página 19 do contrato (a quantidade de materiais poupados é de 647,53t, cada parte fica com a metade do beneficio global, (da quantidade dos materiais adquiridos foram deduzidas as 177,9t de materiais comprados para B)).
C
Tonelada
323,77
5.965,43
1.931.397,44
*409
2.43
A quantidade de ferro foi encomenda da por B, pelo que B deve assumir o prejuízo de C pelo ferro adquirido a mais.
B
Unidade
1,00
(324.337,20)
(324.447,20) (sic)
*409
Quanto ao ponto em discussão 2.38 do contrato, uma vez que o Autor e a Ré apresentavam registos diferentes de quantidade de ferro utilizado, as partes resolveram chamar a intervenção de um terceiro, e aceitaram o valor apurado pela “Empresa Consultora Rick” de 21.478,00 toneladas como quantidade de ferro utilizada. (fls. 44 a 49) (alínea K) dos factos assentes).
O valor apurado de quantidade de sucata é de 227,57 toneladas (alínea L) dos factos assentes).
Nos termos do acordo celebrado entre o Autor e a Ré, artigo 3º, que se dá como inteiramente reproduzido para todos os efeitos legais, refere-se que (alínea M) dos factos assentes):
(III) Descrição de materiais:
(1) Todas as varas de ferro são fornecidas pela Ré, enquanto o Autor necessita de reduzir, tanto quanto possível, o consumo de materiais. Se a Ré descobrir o desperdício de materiais provocado pelo Autor, esta terá direito de descontar na quantia a pagar ao Autor o valor do custo de materiais desperdiçados como compensação.
(2) Cálculo do consumo dos materiais de ferro
(i) O Autor necessita de garantir o consumo de ferro até 3%. Por outras palavras, a Ré só precisa de adquirir mais 3% da quantidade de ferro exigida pelo projecto aprovado. Os materiais de ferro fornecidos pela Ré são designadamente ferro grande (com o diâmetro superior a 12mm): com 12m de comprimento; e ferro pequeno (com diâmetro igualou inferior a 12mm): com comprimento indeterminado. Além dos supracitados materiais de ferro, a Ré não fornece materiais de ferro com comprimento diferente ao acima referido. Se, visando à poupança dos materiais ou à facilitação da execução de obras, o Autor precisar dos materiais de ferro de outro comprimento, como por exemplo: A) Ferro grande com comprimento superior a 12m; B) Ferro pequeno com comprimento até 12m (calculado com MOP*/t), e se o consumo efectivo desses materiais não for superior a 3%, o Autor e a Ré terão de sustentar particularmente a metade dos custos adicionais de aquisição e transporte dos aludidos materiais de ferro com comprimento especial, mas, se o consumo efectivo de materiais for superior a 3%, o Autor terá de sustentar integralmente os custos de aquisição e transporte dos referidos materiais de ferro que não fazem parte dos 3% do consumo.
Tais custos adicionais são calculados com HKD*/t (a quantidade total dos materiais de ferro que não faz parte dos 3% do consumo x HKD*/t), salvo se o projecto exigir ferro grande com comprimento superior a 12m. O poder de decisão sobre aquisição dos materiais de ferro com comprimento especial pertence à Ré e não pode ser embargado pelo Autor. Assim sendo, os suportes de ferro provisórios, os furos do topo de ferro, os bancos de ferro superficiais, as molas para divisão de paredes e supporting chair são realizados pelo Autor cujos custos de salários e de materiais são sustentados pelo mesmo, enquanto a Ré se responsabiliza pelo fornecimento dos desperdícios de ferro ao Autor para a execução das obras. Tal acordo não afecta o cálculo do consumo dos materiais de ferro feito entre o Autor e a Ré, já que os materiais de ferro em apreço não são contados como materiais de ferro a usar. Ademais, se o responsável do lugar de obras de construção da Ré considerar que há necessidade de executar as obras em diferentes fases, e, em consequência, suscita a necessidade das peças de ligação de ferro (fan chong wai ou hao chou wai), a Ré irá contar essas peças de ligação de ferro como materiais de ferro a usar, para efeitos do futuro cálculo dos custos de consumo e de salários, mesmo que essas peças não sejam exigidas no projecto aprovado. Isto é, a Ré irá adquirir os materiais de ferro exigidos no projecto aprovado, as peças de ligação de ferro supramencionadas e mais 3% da quantidade total dos materiais de ferro para serem fornecidos ao empreiteiro, com vista a executar as respectivas obras.
(ii) Caso a taxa do consumo for superior a 3%
Se a taxa do consumo efectivo dos materiais de ferro for superior à prevista, o Autor terá de sustentar integralmente os custos de aquisição e transporte dos materiais de ferro excessivos (que não fazem parte dos 3%), cuja fórmula do cálculo é HKD*/t (tanto para ferro de alta tensão como para ferro de superfície lisa). A parte dos custos assumida pelo Autor é calculada com HKD*/1.
(iii) Caso a taxa do consumo for inferior a 3%
Se a taxa do consumo efectivo for inferior à prevista, o Autor e a Ré poderão beneficiar-se equitativamente da poupança dos materiais de ferro, cuja fórmula do cálculo dos custos de aquisição e transporte dos referidos materiais é HKD*/t (tanto para ferro de alta tensão ou de superfície lisa). O benefício do Autor é calculado com HKD*/t.
(iv) Os preços unitários aplicados nas alíneas (i), (ii) e (iii) supra não são, em caso algum, tanto na subida como na descida do preço dos custos de aquisição e transporte dos materiais de ferro, ajustados, a par disso, os descontos ou prémios são calculados em função dos aludidos preços unitários, sem ajustamento adicional pela Ré.
E nos termos da alínea 3.6 do contrato, nas cláusulas complementares, Anexo A1: O Autor concorda que o preço global abrange a quantia do consumo de materiais que não exceda a 3%. Se, após a conclusão das obras, se verificar uma taxa de consumo de materiais superior a 3%, o Autor terá de pagar à Ré todos os custos dos materiais adicionais como indemnização, cuja fórmula do cálculo de indemnização é a média dos custos de aquisição e transporte de materiais multiplica pelo peso dos materiais de ferro excessivos. (alínea N) dos factos assentes)
E nos termos da alínea 3.7 do contrato: Se o consumo de varas de aço e de materiais de ferro não for superior a 3%, todos os desperdícios de ferro serão pertencentes à Ré. Se o consumo de materiais de ferro for superior a 3%, a Ré poderá obter, no máximo, os desperdícios de ferro com o peso = peso global das varas de aço a usar x 3% do peso global de sucata, enquanto a remanescente sucata será pertencente ao Autor, como por exemplo: se o peso global das varas de aço a usar for 10000t, a Ré poderá obter, no máximo, 300t dos desperdícios de ferro = 10000t x 3%, enquanto o Autor ficará com a remanescente da sucata = peso global da sucata - 300t. A venda de todos os desperdícios de ferro deve ser organizada pela Ré mediante notificação feita pelo Autor. (alínea O) dos factos assentes)
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Da Base Instrutória:
Aquando da execução dos trabalhos, a R. não levantou qualquer reserva quanto à qualidade do trabalho prestado e quanto ao preço estabelecido, no âmbito dos trabalhos adicionais prestados (resposta ao quesito da 1º da base instrutória).
O Autor terminou os trabalhos (resposta ao quesito da 2º da base instrutória).
A Ré considera que o preço da venda dos desperdícios de ferro no âmbito da obra realizada nos Edifícios “A Praia”, no terreno PSI da Doca do Lamau, em Macau, deveria corresponder ao preço de mercado no montante da venda (resposta ao quesito da 10º da base instrutória).
Na perspectiva da Ré sabendo que o preço de mercado aquando da venda da sucata era de MOP2.982,72 por tonelada e que restou cerca de 227,57 toneladas então o valor total pela venda da sucata seria de MOP678.777,59, e o qual foi descontado do crédito por parte do Autor relativamente à Ré (resposta ao quesito da 11º da base instrutória).
O Autor efectuou a venda da sucata pelo preço acordado anteriormente, e por isso apenas obteve para si a quantia de MOP409.626,00 (resposta ao quesito da 13º da base instrutória).
Quanto ao ponto em discussão 2.39 do contrato, a meio do projecto, em virtude de atrasos na obra e com forma de incentivar o Autor a apressar a sua parte nas obras, a Ré acordou verbalmente com o Autor que, caso a sua equipa terminasse dada (sic) andar num período de 4 dias cada, teria direito a um bónus de MOP8.800,00 por cada andar do projecto acabado no período indicado (resposta ao quesito da 15º da base instrutória).
A Ré aprovou o pagamento referente a 79 andares acabados no tempo previsto, o que perfaz a quantia de MOP695.200,00 (resposta ao quesito da 17º da base instrutória).
Até à presente data, a Ré efectuou o pagamento de MOP695.200,00 referente a 79 andares (resposta ao quesito da 18º da base instrutória).
Conforme as al. M, N e O) dos factos assentes, o ferro fornecido pela Ré deve ser objecto de um consumo mínimo adequado pelo Autor (resposta ao quesito da 19º da base instrutória).
O que consta da alínea M) (III) (2) (ii) dos factos assentes (resposta ao quesito da 20º da base instrutória).
Quando (sic) ao ponto em discussão 2.43-2, foi acordada a possibilidade de aplicação de uma penalização, por parte da Ré ao Autor, caso se apurasse que o Autor fez uma estimativa exagerada da quantia de ferro a usar (e em consequência originado a compra exagerada de ferro por parte da Ré) (resposta ao quesito da 25º da base instrutória).
O que consta da alínea M) (III) (2) (iii) dos factos assentes (resposta ao quesito da 26º da base instrutória).
Não foi estipulado qualquer montante quanto à referida penalização (resposta ao quesito da 27º da base instrutória).
No fim das obras apurou-se que havia 177,90 toneladas de aço encomendado mas não utilizado o que correspondia a cerca de 0,828% (resposta ao quesito da 28º da base instrutória).
A Ré alega que comprou 21.652,92 toneladas de aço e que o total de aço usado na obra, de acordo com o relatório da empresa de consultadoria contactada por ambas as partes, foi de 21.478,00 toneladas (resposta ao quesito da 29º da base instrutória).
A Ré considera o valor de HKD7.700,00 como preço de compra a ter em conta para a aplicação da penalização ao Autor (resposta ao quesito da 31º da base instrutória).
Nem todo o aço foi comprado por este valor de HKD7.700,00 (resposta ao quesito da 32º da base instrutória).
Foi aplicada pela Ré a multa no valor de MOP324.337,20 e que foi descontado no valor em dívida ao Autor (resposta ao quesito da 33º da base instrutória).
Apesar de interpelada, por diversas vezes, para pagar os valores reclamados na presente acção, a Ré não os pagou (resposta ao quesito da 34º da base instrutória).
Para a determinação da quantidade de ferro e aço utilizada nas obras de construção, através da empresa referida na alínea K) dos factos assentes, o Autor e a Ré concordaram as despesas respectivas seriam repartidas em partes iguais (resposta ao quesito da 35º da base instrutória).
As despesas acima referidas foram de HKD286.452,84 (resposta ao quesito da 36º da base instrutória).
As despesas supracitadas correspondem a MOP295.046,43 e foram totalmente pagas pela Ré (resposta ao quesito da 37º da base instrutória).
O Autor, até agora, ainda não pagou o valor supracitado (resposta ao quesito da 38º da base instrutória).
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III – O Direito
1 – Da impugnação da matéria de facto
1.1 – Em primeiro lugar o recorrente ataca a matéria de facto resultante das respostas negativas (“não provado”) dadas aos artigos 3 a 8 da Base instrutória.
Vejamos.
Nestes artigos da base instrutória estavam em causa as despesas com a mão de obra nos trabalhos de maquinaria e fixação de ferro e estruturas prestados pelo autor à ré.
A matéria dos quesitos era a seguinte:
3.
Quanto ao ponto em discussão 2.36 do contrato, a relação quantidade/custo de mão de obra acordada pelas partes para este projecto era de 1764 trabalhadores a cada um dos quais seria atribuído um pagamento diário de MOP500,OO, num total de MOP882.000,OO?
4.
A Ré apenas aprovou o pagamento de 1386 trabalhadores a um custo diário de MOP500,00, no montante total de MOP693.000,00?
5.
Até à presente data, a Ré ainda não procedeu ao pagamento pelo menos do montante que tinha sido aprovado anteriormente de MOP693.000,00?
6.
Quanto ao ponto em discussão 2.37 do contrato, ainda no que se refere à mão de obra, tinha sido acordado no contrato a contratação de 585 trabalhadores a cada um dos quais seria atribuído um pagamento diário de MOP500,00 num total de MOP292.500,00?
7.
A Ré acabou por aprovar apenas o pagamento de 351 trabalhadores ao custo diário de MOP500,00 cada, num montante total de MOP$175.500,00?
8.
Até à presente data, a Ré ainda não procedeu ao pagamento pelo menos do montante que tinha sido aprovado anteriormente de MOP175.500,00?
Como se pode ver, os quesitos 3º e 4º reportavam-se à mesma situação essencial de facto, mas ilustrada por diferentes pontos de vista, consoante a perspectiva do autor ou da ré (não temos, por isso, a certeza de ter sido observado adequadamente o ónus de prova). Nenhum ficou provado.
Quanto ao 5º discutia-se se a ré ainda devia ao autor a quantia ali referida. Foi dado por não provado.
Nos 6º e 7º estava em discussão outra divergência entre A e R a propósito do ponto 2.37 do contrato e para o qual também não houve acordo a respeito do número de trabalhadores necessários para o cumprimento da obrigação do autor. Mas também esta questão não foi dada por provada, tal como igualmente se não provou a matéria do quesito 7º, onde se perguntava se a ré teria procedido ao pagamento dessa parte da obra mesmo de acordo com o numero de trabalhadores que ela defendia ser suficiente.
Ora bem. O recorrente defende que o preço da obra englobava os custos dos salários dos seus trabalhadores e o preço dos materiais, circunstância que a ré deveria ter considerado na altura da celebração do contrato.
Ou seja, o que o recorrente patenteia é uma divergência acerca do valor da mão de obra, alegadamente em débito por parte da Ré.
Mas, esta forma de impugnar, merece a observação seguinte:
- Se ela pretende abranger alguma prova testemunhal, não está de acordo com o dispõe o artigo 599º do CPC, pois que não indicou quais os meios probatórios constantes do processo que teriam imposto uma diferente decisão sobre a matéria de facto em apreço (nº1, al. b)), nem indicou as passagens da gravação da prova testemunhal onde se funda e da quais pudesse obter-se o apoio à sua tese (nº 2)).
- Se apenas pretende pôr em causa a forma como a respectiva matéria foi dada por provada a partir dos documentos em causa, então somos forçados a dizer que a posição da resposta dada a estes artigos da BI foi explicada com suficiente razoabilidade e sustentabilidade, não só no acórdão que procede ao julgamento da matéria de facto (fls. 593-597), como também na resposta de fls. 601 à reclamação apresentada pelo autor a fls. 598.
Ora, quando a primeira instância forma a sua convicção com base num conjunto de elementos, entre os quais a prova testemunhal produzida, o tribunal “ad quem”, salvo erro grosseiro e visível que logo detecte na análise da prova, não deve interferir nela, sob pena de se transformar a instância de recurso, numa nova instância de prova. É por isso que a decisão de facto só pode ser modificada nos casos previstos no art. 629º do CPC” e que o tribunal de recurso não pode censurar a relevância e a credibilidade que, no quadro da imediação e da livre apreciação das provas, o tribunal recorrido atribuiu ao depoimento de testemunhas a cuja inquirição procedeu.
Acontece que a convicção dos senhores julgadores da 1ª instância, a partir de elementos documentais constantes dos autos e das testemunhas ouvidas, não nos merece censura por nada haver com forte pendor que seja capaz de a abalar.
Ou seja, não há elementos seguros que permitam dar cobertura à tese do autor, pelo que nesta parte o recurso não merece provimento.
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1.2 – Impugna também o recorrente a matéria de facto relativamente ao valor da venda dos desperdícios de ferro.
Está em causa desta vez a matéria dos arts. 9º, 12º e 14º da BI, que tinham a seguinte redacção:
9
Quanto ao ponto em discussão 2.38 do contrato, o Autor previamente, já havia assinado um acordo nos termos do qual se tinha estipulado o preço fixo de MOP1.800,00 por tonelada para a venda dos desperdícios de ferro no âmbito da obra realizada nos Edifícios "A Praia", no terreno PSI da Doca do Lamau, em Macau, independentemente da oscilação do preço de mercado de modo a garantir o preço mínimo garantido e evitar prejuízos?
12
Não obstante ter o Autor assinado um acordo com a Ré nesse sentido, as partes durante o decorrer das obras acordaram que seria então mais justo, como forma de compensação para o Autor que a sucata fosse vendida ao preço de MOP1.800,00 por tonelada?
14
Até à presente data, a Ré ainda não compensou o Autor o montante de MOP 269.151,59, como diferença do valor descontado de MOP 678.777,59 ao Autor e do valor realmente apurado por este?
Toda esta matéria foi dada por não provada. Todavia, o autor/recorrente insiste que o preço acordado tinha sido MOP 1800,00 por tonelada.
Todavia, nos autos nada permite dar cobertura a esta tese do recorrente.
Em 1º lugar, o pretenso acordo particular documentado no art. 34º da p.i. (doc. nº 9) – onde estaria estabelecido o preço de 1800 patacas por tonelada de sucata - não foi celebrado entre as partes dos presentes autos, conforme resulta do documento de fls. 50 dos autos. Portanto, tal acordo não podia vincular a ré.
Depois, não teria havido maneira de comprovar através de prova testemunhal o conteúdo desse “acordo”. Se esse acordo não foi celebrado com a ré/recorrida, não se pode ver na resposta ao art. 13º da BI nenhuma contradição. Na verdade, o preço “anteriormente acordado” ali referido não podia, obviamente, comprometer a ré, se ao acordo era estranha.
Por outro lado, o facto de o material de sucata sair do local sem a oposição da ré não significa necessariamente que ela estivesse a par do preço da sucata vendida, nem muito menos que lhe tivesse dado anuência. Estamos, portanto, perante meros elementos laterais ou acessórios de onde o recorrente pretende extrair efeitos de presunção, mas que não têm essa força probatória. Ou seja, não pode o tribunal extrair daí alguma presunção judicial (art. 344º, do CC).
Nem sequer a resposta afirmativa ao quesito 13º1 serve os propósitos do recorrente. Quando nele se utiliza a expressão “preço acordado anteriormente” não se está seguramente, pelo menos inquestionavelmente, a referir-se a um acordo com a ré/recorrida, pois esse acordo em lado nenhum foi convencionado expressamente. Entende este tribunal que a referência ao acordo só pode reportar-se à matéria do art. 9º da BI, onde consta um acordo, sim, mas estabelecido entre o autor e um terceiro que se propunha adquirir o material ferro sobrante por aquele preço de 1800,00 patacas por cada tonelada, conforme o doc. de fls. 50 dos autos.
Por outro lado, e quanto à matéria do art. 12º da BI não achou o tribunal recorrido que A. e Ré tivessem aceitado, como forma de compensação justa do primeiro, aquele mesmo valor de 1800,00 por tonelada de sucata.
É certo que a ré, na contestação (art. 42º), chegou a dizer que no pagamento intercalar e provisório calculou o preço da venda da sucata com o valor de MOP 1.800,00 a tonelada, e tal até está em sintonia com o teor da “factura” que ela mesma emitiu e que faz parte do teor da alínea I dos Factos Assentes quando o documento remete para esse mesmo preço por tonelada como sendo o preço da sucata vendida a B (ponto 2.38). Contudo, dessa factura e desse artigo 42º não resulta automaticamente uma confissão, até por a respectiva matéria ter sido expressamente impugnada na contestação (por exemplo, ver art. 38º e 39º da contestação). Daí que se não pudesse dar por aceite a respectiva factualidade. Quer dizer, o facto de existir esse documento (factura) não significa que, no final da obra e no momento do cumprimento obrigacional por parte da ré, esta tivesse aceitado o referido valor de MOP 1.800,00 a tonelada.
Face a todo o exposto, a matéria dos arts. 9º e 12º, bem como consequentemente a do 14º não podia ser dada por provada.
Improcede, pois, o recurso também nesta parte.
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2 – Do alegado erro na aplicação do direito quanto à aplicação de multas
Falta apurar a última questão suscitada no recurso. Tem ela que ver com a matéria da alínea M) dos factos assentes: III (1); III (2) (i); III (2) (ii) e III (2) (iii) do anexo ao contrato (ponto 2.43), a qual mais uma vez se prende com os consumos e desperdícios do material ferroso utilizado na obra pelo autor (cfr. fls. 144 dos autos).
A divergência reside na circunstância de a ré da acção ter descontado ao autor o valor de MOP$ 324.337,00 a título de multa, nos termos da referida cláusula III (1).
Ora, em boa verdade, a ré não podia aplicar a multa, por três razões:
Em primeiro lugar, a referida cláusula não confere a favor da ré nenhum poder de multar o autor, mas simplesmente um poder de descontar nos pagamentos ao autor, a título de compensação, o valor do ferro desperdiçado por ele, na medida em que não tenha sido capaz de reduzir “tanto quanto possível” o consumo de materiais.
Em segundo lugar, a cláusula em apreço não estabelece nenhuma medida a partir da qual se deva considerar excessivo o consumo de materiais e que legitimasse a ré à aplicação da compensação.
Em terceiro lugar, como essa cláusula era inexpressiva e genérica, a sua densificação teria que ser suportada pelo teor das restantes três cláusulas referentes ao “consumo efectivo”.
Ora, essas cláusulas III (2) (i); III (2) (ii) e III (2) (iii) dizem o seguinte (ver ainda alínea M):
- III (2) (i):
1ª parte - A Ré tinha o encargo de permitir e garantir o consumo até mais 3% do que o previsto no projecto aprovado.
2ª parte - Se o autor não ultrapassasse esses 3% no consumo efectivo, ambas as partes suportariam o custo respectivo em partes iguais no tocante à aquisição e transporte dos materiais.
3ª parte - Se o autor ultrapassasse 3% no consumo efectivo, seria ele a suportar o respectivo custo de aquisição e transporte acima da referida percentagem.
- III (2) (ii):
- Se o autor ultrapassasse a taxa de 3% no consumo efectivo em relação ao previsto, o autor suportaria integralmente o custo de aquisição e transporte do material de ferro na parte excedente a 3% (nesta parte existe equiparação de convenção com o que estava estabelecido em III (2) (i), na 3ª parte).
- III (2) (iii):
- Se o autor fizesse um consumo efectivo inferior à prevista em 3%, tanto ele, como a ré beneficiariam dessa poupança em partes iguais.
Ora, para fazer sentido a conjugação destas cláusulas seria preciso, antes de mais, saber qual o consumo abstractamente previsto ou projectado a partir do qual se apuraria um consumo superior (excesso no gasto) ou um consumo inferior (poupança no gasto), tendo por base os referidos 3%.
Mas para que a ré pudesse demonstrar que o autor gastou mais ferro/aço do que o previsto, cabia-lhe o ónus de provar qual era o limite dos gastos, ou seja, cumpria-lhe provar qual era o consumo previsto ou projectado por ser matéria exceptiva. E a Ré nada alegou a esse respeito.
Por outro lado, e como não havia essa fasquia (não alegada, pelo menos), o melhor exercício que se podia fazer era conjugar essa cláusula com as restantes acima citadas. E então logo se apuraria que, dentro dos 3% de consumo a mais, ambas as partes suportariam os respectivos custos de aquisição e transporte e que só no caso de ser ultrapassado essa taxa de consumo é que se poderia considerar excessivo, o que faria com que fosse o autor a suportar sozinho o excesso (no valor que fosse além de 3%). Isto quer dizer que o espírito contratual das partes firmado na convenção era o de que seria razoável um consumo de até 3% superior ao esperado.
Contudo, e à falta de um dado que exiba o limite “previsto” ou “projectado”, só pode o tribunal servir-se da resposta aos arts. 29º e 35º da BI e do teor da alínea K) da matéria assente. O que significa que, tendo em atenção que o consumo real ou efectivo na obra foi de 21.478,00 toneladas de ferro, e atendendo ainda ao facto de a ré ter adquirido 21.652,92, o material ferroso sobrante foi de 174 toneladas (art. 29º da BI).
E mesmo que se tenha ainda em consideração que no final da obra sobraram 177,90 toneladas (art. 28º da BI) - há aqui um desencontro de tonelagem entre a resposta ao art. 28º e 29º da BI) - mesmo assim a aquisição (desnecessária) não ultrapassou o 1% (concretamente 0,828%).
De tudo isto se tem que concluir, prudentemente e com sensatez, que não se pode dizer que o autor não foi comedido e adequado no uso e consumo do ferro. Portanto, não era possível aplicar a referida compensação referida na III (1), que se cifrou no valor de MOP$ 324.337,00, conforme resposta ao art. 33º da BI.
Aliás, por não haver limite máximo estabelecido (não alegado, com referência ao consumo previsto ou projectado) como se pode dizer que aquele material ferroso sobrante não foi material poupado por força do esforço de economia do autor?!2
É, aliás, a própria ré que no art. 71º da sua contestação aceitou que as referidas 177,90 toneladas fossem consideradas como quantidade de aço “poupada”. Sendo poupada, como podia a mesma ré fazer a compensação no equivalente valor, como se fosse gasto a mais?
Nesta parte procede, pois, o recurso.
***
IV – Decidindo
Face ao exposto, acordam em conceder parcial provimento ao recurso e em consequência:
i) - Revoga-se na parte correspondente a sentença recorrida e condena-se a ré a pagar ao autor a quantia de MOP$ 324.337,00, acrescida de juros desde a citação até integral pagamento.
ii) - Confirma-se e mantém-se a sentença recorrida na parte restante.
Custas pelas partes na proporção do decaimento.
TSI, 26 de Janeiro de 2017
José Cândido de Pinho
Tong Hio Fong
Lai Kin Hong
1 “O autor efectuou a venda da sucata pelo preço acordado anteriormente, e por isso apenas obteve para si a quantia de MOP 409.626,00”
2 Sempre ouvimos dizer que no ferro não se deve poupar, como forma de garantir a segurança futura de pessoas e bens, mas isso agora não está a ser discutido
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