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Processo n.º 787/2016
(Recurso Cível)

Relator: João Gil de Oliveira
Data : 26/Janeiro/2017


ASSUNTOS:

- Marcas; caducidade da marca por não uso
- Uso sério da marca
- Concorrência desleal no direito marcário
- Publicidade e uso marcário
    
    
    SUMÁRIO :
1. Não constitui motivo justificativo para o não uso de uma determinada marca registada a favor da interessada uma alegada indefinição e a pendência judicial de diversos processo sobre a titularidade de dois caracteres que integram aquela marca registada, na certeza de que o registo obtido a seu favor legitimaria o uso da marca no seu todo, o que não se confunde com dois caracteres, ainda que integrantes daquela marca tida no seu todo.

2. Também a publicitação da marca em jornais de Hong Kong não preenche os requisitos de que se deve revestir um uso sério, se essa actividade publicitária não passa disso, ao longo de anos, e não se concretiza em qualquer actividade de oferta dos produtos anunciados ao público consumidor no ordenamento da RAEM.
            
             O Relator,
            João A. G. Gil de Oliveira


Processo n.º 787/2016
(Recurso Civil)
Data : 26/Janeiro/2017

Recorrente : A Limited

Recorrida : B Limitada

    ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
    I - RELATÓRIO
    1. A Limited, recorrente nos autos à margem identificados, inconformada com a sentença proferida nos autos, vem apresentar as suas alegações, concluindo como se segue:
    i) O Tribunal a quo considerou que o não uso da marca constituiu uma decisão voluntária da Recorrente, dado nada impedia a Recorrente de utilizar a marca.
    ii) Tal conclusão não está correcta, não se coadunando com a realidade dos factos que levaram ao não uso da marca pela Recorrente.
    iii) Abre-se uma excepção para uma marca que não seja utilizada durante 3 anos seguidos, qual seja que o não uso derive da existência de justo motivo, conforme parte final do art. 232 º do RJPI.
    iv) A jurisprudência e doutrina mais avalizada ou autorizada, considera que o justo motivo para o não uso constituem motivos que se reportem a "obstáculos que tenham uma relação directa com o não uso dessa marca e que tornem impossível ou pouco razoável o seu uso, igualmente que sejam independentes da vontade do titular" - Cfr. Couto Gonçalves in Manual de Direito Industrial, 4ª Ed., p.316 e Ac. Do TJ de 14.06.2007, aí citado.
    v) O Tribunal a quo entendeu que "a conclusão da Recorrente, de que suspendeu o início da sua actividade em Macau sob a marca “XX香港地HONG KONG DAY” por estar a disputar a questão da titularidade dos caracteres “XX” com a parte contrária, constitui uma decisão voluntária da titular do registo, uma estratégia comercial que decidiu adoptar, dado que essa disputa legal não a impedia de utilizar a marca".
    vi) Porém, a Recorrente viu-se forçada a suspender o início da sua actividade em Macau sob a marca “XX” devido a obstáculos colocados pela Parte Contrária que surgiram após o registo desta marca em seu nome e que com ela se relacionam directamente.
    vii) Como resulta do registo da marca que se juntou como Doc. 3 nos autos de primeira instância, a Recorrente solicitou o registo da marca em causa em 17-06-2010 e o mesmo foi-lhe concedido em 25-10-2010.
    viii) Entretanto, a Parte Contrária deu início a uma série de processos administrativos e judiciais onde se discute a titularidade dos caracteres “XX” incluídos na marca em apreço e que, por conseguinte, conduziram ao adiamento do início da utilização da marca em Macau pela Recorrente.
    ix) Desde o início do processo de registo da marca da Recorrente em Macau, que a questão da titularidade dos caracteres “XX”, que Integram a marca Impugnada e constituem a sua parte preponderante, está a ser discutida nas instâncias administrativas e judiciais, na Direcção dos Serviços de Economia e nos Tribunais de Base e de Segunda Instância de Macau.
    x) O que significa que desde a entrada da acção judicial supra referida, intentada pela Parte Contrária em 3-05-2011, que as partes se encontramsuspensas de decisões administrativas e judiciais que determinem quem pode, legitimamente, usar e registar em Macaumarcas que incluam os caracteres “XX”
    xi) Por conseguinte, a pendência dos referidos litígios judiciais e administrativos, constitui obstáculo com uma relação directa, ao não uso da marca e que torna impossível ou pouco razoável o seu uso e igualmente independente da vontade da Recorrente.
    xii) De acordo com a sábia doutrina de Américo Silva Carvalho, deve ser considerado justo impedimento o motivo que não tenha permitido o uso da marca a "uma pessoa normal, diligente e devidamente informada e cuidadosa no cumprimento das obrigações que impendem sobre ela." (destaque nosso)
    xiii) No mesmo sentido, decidiu o Tribunal de Justiça da União Europeia, em acórdão de 14 de Junho de 2007, no Processo C-246/05 (Armin Hãupl v. Lidl Stiftung & Co. KG), que estabeleceu que também pode ser considerado como justo motivo para a não utilização séria de uma marca "os obstáculos (. . .) que tornem impossível ou pouco razoável o seu uso, e que sejam independentes da vontade do titular da referida marca." (destaque nosso)
    xiv) Por sua vez, Luís Couto Gonçalves e António Campinas consideram que a apreciação da aplicação prática deste critério deverá ser feita de modo casuística ("Código da Propriedade Industrial Anotado", António Campinas e Luís Couto Gonçalves, Almedina, 2015, 2ª Edição Revista e Actualizada, p. 462), isto é, cada caso deverá ser tratado de modo singular.
    xv) Consideração que deverá ser tida em conta no presente caso.
    xvi) A decisão de não usar a marca provém de um acto voluntário da Recorrente, mas esta não se absteve de usar a marca apenas porque simplesmente não quis ou não lhe apeteceu!
    xvii) Seria muito pouco prudente que a Recorrente usasse a marca impugnada em Macau correndo sério risco de vir a ser responsabilizada pela infração de direitos reivindicados pela Parte Contrária sobre o sinal “XX”.
    xviii) Sendo de relevar que, como no caso concreto se está perante registo de marca (já concedido), a Recorrente não estaria sequer abrangida pela protecção provisória para efeitos de indemnização consagrada no Art. 7º do RJPI.
    xix) A Recorrente agiu também motivada pelo respeito ao Princípio da Boa-fé, o qual estipula, em termos gerais, regras de conduta tendo em conta as legítimas expectativas de terceiros.
    xx) Não se afigura justo que a Parte Contrária se possa aproveitar da falta de uso da marca, sendo parte nos litígios pendentes entre as partes e assim vir a apropriar-se dela. Certamente, a aceitar-se esta hipótese, descarateriza-se o regime jurídico da propriedade industrial - parece-nos que este sim é um jogo especulativo dos direitos industriais!
    xxi) No caso sub judice não pode entender-se que a Recorrente visa "reservar" o seu lugar à custa de um registo que não usou simplesmente por que não quis! É preciso perceber que a Recorrente não usou a marca de forma plena (note-se que a Recorrente fez uso da marca em jornais com circulação em Macau), devido à existência de motivos justificativos, provocados pela Parte Contrária, que tornaram pouco razoável o uso normal da marca.
    xxii) O pedido de declaração de caducidade em nome da Parte Contrária, nas circunstâncias transcritas, subverte o próprio sistema de protecção de marcas.
    xxiii) A pendência dos processos mencionados, nos quais a Parte Contrária é parte, constitui obstáculo ao exercício, em pleno, da actividade da Recorrente e são o único motivo (exterior à Recorrente) que a leva a que não use ab initio a marca impugnada na sua actividade comercial em Macau - notando-se, no entanto, que ela é usada em Hong Kong, território onde está sediada e onde é proprietária de vários e famosos estabelecimentos.
    xxiv) Motivo este que não é imputável à Recorrente, visto que decorre da existência de uma intensa disputa de direitos de propriedade industrial entre as partes não só em Macau, mas também em Hong Kong e Zhuhai.
    xxv) Em situações como esta, o período de tempo necessário para a conclusão e a resolução dos processos pendentes não deve beneficiar nenhuma das partes e não deve relevar para a contagem do prazo de 3 anos para o cancelamento do registo da marca, previsto no art. 231º aI. b) do nº 1 do RJPI.
    xxvi) Não se pode olvidar que a principal beneficiária da declaração da caducidade do registo de marca em preço é a Parte Contrária. Por conseguinte, o pedido de declaração de caducidade pela Parte Contrária deve ser entendido como o resultado da intenção contrária aos usos honestos do comércio, visando apropriar-se de uma marca reconhecida não só em Hong Kong como em Macau, pois é utilizada em produtos acessíveis aos seus residentes, causando no consumidor a sensação de que se trata de produtos e serviços da Recorrente em Macau, confundindo-o quanto à sua proveniência.
    xxvii) Não obstante o Princípio da Territorialidade (que estipula que o uso da marca tenha de ocorrer no âmbito territorial onde o registo lhe confere protecção), não se deve negligenciar a proximidade territorial entre as duas regiões o que, juntamente com a notoriedade das marcas da Recorrente em Hong Kong, leva a que o consumidor de Macau julgue que os produtos da Parte Contrária pertencem à Recorrente.
    xxviii) Especialmente porque os produtos de pastelaria da marca Maxim's da Recorrente são vendidos ao público em embalagens que apresentam, todas elas, as marcas Maxim's e “XX”, e porque, de acordo com a douta jurisprudência deste Tribunal, o conceito de consumidor de Macau não se deve restringir aos residentes de Macau, devendo igualmente abranger os turistas oriundos, nomeadamente, de Taiwan, de Hong Kong e do interior da China.
    xxix) Acresce que, por tudo o vertido, nos processos pendentes, é a Parte Contrária que age de má-fé desde o início, ao utilizar marcas várias que pertencem à Recorrente e que a Parte Contrária abusivamente começou a utilizar e cujo registo veio a requerer em Macau.
    xxx) No pedido de caducidade apresentado à DSE, a Parte Contrária refere que pretende usar a marca em apreço para identificar os mesmos serviços, mas não possui interesse legítimo para o fazer …
    xxxi) Como os produtos da Parte Contrária são produzidos em Macau, suscita-se a questão de esta marca, ao ser por si utilizada, ser enganosa quanto à origem dos produtos (o que não é aplicável a Recorrente, pois esta é uma empresa de Hong Kong e muito conhecida dos residentes de Macau), pois o público consumidor poderá julgar que tais produtos pertencem à Recorrente, considerando a sua forte presença em Hong Kong.
    xxxii) Do que se conclui que o presente pedido de declaração de caducidade não é mais do que o único meio que a Parte Contrária encontrou para obter registo da marca em Macau, assim obstaculizando ao exercício da actividade da Recorrente neste território, pois à mesma não assiste interesse legítimo para requerer a caducidade do registo da marca em apreço.
    xxxiii) É por demais evidente que a Parte Contrária recorre a todos os meios para impedir que a Recorrente prossiga com a sua actividade em Macau, deixando antever que age com manifesta má-fé e em concorrência desleal.
    xxxiv) Sem prescindir e caso não se entenda que o motivo alegado para a não utilização da marca é atendível, requer-se ao Tribunal que seja tido em consideração para efeitos de uso da marca, como mais acima se mencionou, que a Recorrente tem publicitado os seus produtos e serviços em jornais de Hong Kong (de que são exemplo os jornais Headline Daily, Weekend Weekly e Metro Pop, juntos como Doc. 4 no processo administrativo) aos quais os residentes de Macau têm acesso.
    DO PEDIDO
    Nestes termos e contando com o douto suprimento de Vossas Excelências, Venerandos Juízes, requer-se, muito respeitosamente, que seja considerado procedente o presente recurso e, em consequência, a sentença recorrida ser revogada, substituindo-se por outra que revogue a declaração de caducidade da DSE, sendo substituído por outro que declare validade da marca objecto do presente recurso.
    2. A parte contrária B有限公司, romanizado como B IAO HAN CONG SI, em Português B, LIMITADA, contra-alega, em síntese:
    A parte contrária, B, LIMITADA, com sede em Macau, sita na Rua XXX, foi constituída em 23 de Outubro de 1992, sob a forma de sociedade por quotas, com um capital social de MOP$300.000,00, tendo como objecto social a fabricação e venda a retalho ou grosso de bolos, biscoitos, pães e o comércio geral de importação e exportação.
    Ao contrário da recorrente que nunca desenvolveu, por si, qualquer actividade comercial ou industrial em Macau, a parte contrária é uma empresa de Macau.
    A origem e reputação da parte contrária é fruto de uma história de sucesso com mais de 41 anos, em Macau.
    Nestes anos de intensa actividade a parte contrária foi abrindo diversas empresas comerciais em Macau sob o nome "B餅店", em chinês, "B", em Português e "B Cake Shop", em Inglês.
    Seguindo esta estratégia de expansão, a parte contrária abriu, ainda, pastelarias e restaurantes no sul da R.P. da China.
    Todos os estabelecimentos existentes estão em conformidade com a natureza do respectivo modelo, sujeito ao controlo de qualidade, requisitos de imagem e serviço pensado e desenvolvido pela recorrida de onde emana a sua reputação e bom nome e com vista a preservar essa mesma reputação e bom nome.
    A parte contrária obteve e detém o direito exclusivo à utilização da firma: "B餅店有限公司", em Português "B, LIMITADA", em Inglês "B LIMITED" em Macau
    A parte contrária é também, titular do registo de Nome ou Insígnia de estabelecimento n.º E/000131, "XX", com validade até 08/01/2020. (cfr. Doc. 31)
    
    A parte contrária é titular, em Macau, das marcas:
    - N/04609 “XX ” para a classe 30 (Café, chá, cacau, açúcar, tapioca, sagu, farinhas e preparações feitas de cereais, pão, pastelaria e confeitaria.) desde 25/09/2000;
    
    - N/005273 "XX " para a classe 30, (Farinha e produtos cereais, pães, bolos de lua, pasteis e confeitos) desde 29/09/2000;
    - N/010646 "XX" para a classe 30, desde 05/03/2003;
    - N/55239 "XX" para a classe 30.ª, (Café, café artificial, substituto de café; chá, folhas de chá e produtos afins; cacau, pó de cacau e produtos afins; preparado de sopa; bolos lunares; pão; biscoitos; alimentos de bolos; petiscos; bolachas; bolachas de água e sal; bolos chineses e bolos ocidentais; bolinhos recheados cozidos a vapor (dumplings); flocos de amêndoa; chocolate; pão-vara; panquecas; sobremesas; pudins; produtos de pastelaria e de confeitaria; macarrão; esparguete e outras massas; farinhas e preparados à base de cereais; mel; melaço; levedura; fermento em pó; sal; açúcar; vinagre; mostarda; pimenta; especiarias; molho de rábano; molhos (condimentos); molhos de salada; molho de tomate; caril; gelo; arroz; tapioca; sagu.); desde 24/06/2011;
    - N/63140 - XX , para a classe 43.ª, (Fornecimento de comidas e bebidas; restaurantes "self-service": restaurantes e snack bares de "fast food"; serviços de restaurante, café e bar; cafeterias, cantinas; serviços de catering; salas de chá; serviços de restaurante que oferece produtos de panificação e pratos cozinhados), desde 27/02/2013.
    - N/70491 XX, para a a classe 32.ª, (啤酒,礦泉水和汽水以及其他不含酒精的飲料;等滲飲料;檸檬水;水果飲料及果汁;蕃茄汁;蔬菜汁(飲料);飲料用糖漿;飲料用製劑(以茶,咖啡或可可,牛奶飲料為主的飲料及乳製飲料除外);汽水飲料用錠劑及粉;調配飲料用精油;製烈酒用製劑),desde 30/12/2013.
    - N/70490 "XX" para a classe 29.ª, com registo válido desde 14/04/2014.
    Ora, as marcas da parte contrária são constituídas pelo elemento dominante da sua denominação social e firma: “XX”.
    A parte contrária promove activamente a divulgação da sua marca através de anúncios em revistas e jornais em Macau, sendo um nome reconhecido em Macau pelo design das suas pastelarias e a qualidade dos seus produtos.
    Em virtude do seu uso permanente e extensivo por parte da parte contrária a sua marca “XX” é conhecida em Macau, exclusivamente ligada aos serviços da parte contrária, o que faz com que o público em geral e os consumidores, associem directa e automaticamente esta marca aos seus serviços e a mais nenhuma outra sociedade.
    O sucesso e reputação do nome “XX”, advém, acima de tudo, da qualidade reconhecida dos produtos e serviços da parte contrária.
    Mas também das actividades de beneficência e participação cívica na sociedade de Macau.
    33.º
    Assim, o nome e a Marca XX é reconhecida pela generalidade da comunidade em Macau, como designando as actividades da parte contrária.
    Pelo que, os consumidores de Macau, só podem associar o nome e MarcaXXaos produtos de Pastelaria da parte contrária.
    Razões que levaram os Tribunais de Macau, no CV3-11-0038-CAO, primeiro, e no T51 n.º 261/2012, depois, que confirmou a decisão, a cancelarem a marca da recorrente N/49886, na classe 30: “XX香港地”.
    O mesmo se passando quando a DSE reconheceu que não ficou provado o uso sério da utilização da marcas registadas N/35747 e N/35751 por parte da recorrente durante três anos consecutivos desde o registo das marcas em 28/4/2009,
    Decidindo declarar a caducidade parcial das referidas marcas da recorrente.
    O facto da recorrente nunca ter desenvolvido nenhuma actividade comercial em Macau,
    Nem ter comercializado nenhum produto ou serviço, em Macau, sob as marcas N/49888, N/49883 e N/49881,
    45.º
    Nem nunca promoveu os seus produtos em Macau com as marcas N/49888, N/49883 e N/49881,
    Levaram a parte contrária a requerer à DSE o pedido de declaração de caducidade, por não uso, dessas marcas da recorrente.
    A recorrente ao usurpar e usar ilegitimamente o bom nome e reputação alheias, nomeadamente da parte contrária, e dessa forma criando confusão dos consumidores com o objectivo de associar a recorrente à reputação e prestígio do nome e marcas e produtos da parte contrária, é claramente atentatório da moral pública e/ou dos bons costumes prevalentes na sociedade de Macau.
    Temos pois, uma situação de concorrência desleal criada pela usurpação que fez do nome e marcas da parte contrária por parte da recorrente.
    Por outro lado a parte contrária dedicou considerável esforço e meios económicos em desenvolver e criar a usa própria imagem de marca e a sua própria clientela, e em associá-lo ao seu próprio nome e às suas actividades comerciais e filantrópicas, em Macau.
    Pelo que é flagrante a existência de concorrência desleal por parte da Recorrente que nunca desenvolveu qualquer actividade promocional das suas marcas em Macau e que pretende agora tirar vantagem do sucesso da Marca “XX” em Macau para aproveitar a reputação empresarial da parte contrária.
    Nestes termos,
    Com o Mui Douto suprimento de Vossas Ex.ªs, deve o presente recurso ser julgado improcedente, por não provado, confirmando-se a decisão do Tribunal a quo que declara a caducidade da Marca N/49883.
    3. Foram colhidos os vistos legais.
    
    II - FACTOS
    Vêm provados os factos seguintes:
     1. A marca da Recorrente “XX香港地HONG KONG DAY” foi registada em Macau, a 25 de Outubro de 2010, sob o N/49883, para serviços da classe 43,
    "Fornecimentos e preparação de comida para consumo fora de terceiros; restaurante, café e serviços de fornecimento de refeições.".
    2. Em 12.05.2015, a B requereu a declaração de caducidade da marca N/49883.
    3. O pedido de declaração de caducidade foi publicado no Boletim Oficial n.º 24, II Série de 17.06.2015, tendo a recorrente respondido a tal pedido.
    4. Por despacho datado de 27 de Novembro de 2015, publicado no Boletim Oficial n.º 50, II Série de 16.12.2015 foi deferido o pedido de declaração de caducidade da marca.
    5. A Recorrente não utilizou em Macau a marca nominativa N/49883, para serviços da classe 43.
    6. A recorrente e a parte contrária disputam a titularidade dos caracteres “XX”que integram a marca impugnada na Direcção dos Serviços de Economia e nos Tribunais de Base e de Segunda Instância de Macau.
    
    III – FUNDAMENTOS
    1. O objecto do presente recurso passa fundamentalmente por saber se houve ou não justo motivo para o não uso da marca em Macau;
    se há concorrência desleal por banda recorrente;
    Se será de considerar como uso da marca a actividade publicitária empreendida em Hog Kong.
    
    2. Atentemos nos fundamentos da decisão que confirmou a posição da DSE, no sentido da declaração de caducidade do registo da marca em causa por não uso.
    “Questões a decidir:
    1) se se verificou um justo motivo para a recorrente não ter usado a marca em questão no Território;
    2) se, ao pedir a declaração de caducidade da marca, a parte contrária actuou de má fé e em concorrência desleal com a recorrente.
*
    A recorrente impugna a decisão administrativa que deferiu o pedido da parte contrária de declarar caduca a marca registada a seu favor sob o N/49883, para serviços da classe 43.
    Para tanto defende que a falta de utilização, durante 3 anos consecutivos, da marca em objecto do presente recurso, tem na sua base um justo motivo, ou seja, o facto de a titularidade dos caracteres “XX” que integram a marca impugnada e constituem a sua parte preponderante, está a ser discutida nas instâncias administrativas e judiciais, na Direcção dos Serviços de Economia e nos Tribunais de Base e de Segunda Instância de Macau, circunstâncias que tomava impossível ou pouco razoável o seu uso.
    Analisemos a lei.
    A espécie de direito de propriedade industrial que aqui está em apreciação é o título de marcas, tendo este como objecto o sinal ou conjuntos de sinais susceptíveis de representação gráfica ( ... ) que sejam adequados a distinguir os produtos ou serviços de uma empresa dos de outras empresas (cfr. artigo 197.° do RJPI).
    O artigo 201.° b) do RJPI atribui o direito ao registo de marca aos comerciantes, para assinalar os produtos do seu comércio; registo esse que, uma vez efectuado, será válido por sete anos, renovável por iguais períodos, nos termos do artigo 218.° do mesmo diploma legal.
    Nenhuma questão se coloca quanto à forma do pedido de declaração de caducidade, tendo sido observado o disposto no artigo 52.° do RJPI sendo que, no caso, estamos perante uma causa específica de caducidade do registo de marca.
    Note-se que, segundo preceitua o artigo 223.° do RJPI, a utilização da marca é facultativa, sem prejuízo das disposições legais relativas à caducidade do direito à marca.
    Com efeito, o RJPI prevê, no artigo 231.°, os casos em que o registo de marca caduca, sendo certo que, para o que o nosso caso interessa, importa analisar tão somente a situação prevista na alínea b) do n.º 1, ou seja, a caducidade que opera pela falta de utilização séria durante 3 anos consecutivos, salvo justo motivo, uma vez que foi este o único fundamento jurídico invocado pela DSE - DPI para deferir o pedido de caducidade do registo da marca do recorrente.
    Por sua vez, o artigo 232.°, n.º 1, alíneas a) a c), do RJPI considera utilização séria da marca:
    a) A utilização da marca tal como está registada ou que dela não difira senão em elementos que não alterem o seu carácter distintivo, nos termos do presente diploma, feita pelo titular do registo ou por seu licenciado devidamente inscrito;
    b) A utilização da marca, tal como definida na alínea anterior, para produtos ou serviços destinados apenas a exportação;
    c) A utilização da marca por um terceiro, desde que sob o controlo do titular e para efeitos da manutenção do registo.
    Sendo que, de acordo com o n.° 5 do citado preceito legal, cumprirá ao titular do registo ou a seu licenciado, se o houver, provar a utilização da marca, sem o que esta se presume não utilizada.
    Como refere Luís Couto Gonçalves o uso, que tem vindo a perder importância enquanto modo de aquisição do direito de marca, readquire relevância noutro tipo de situações das quais sobressaem a manutenção do direito de marca (…) evitando-se desse modo que os registos de marcas sejam ocupados por "cimiteri e fantasmi di marchi".
    Os direitos industriais não servem para jogos especulativos, para meras reservas de lugar, mas têm contrapartida no desempenho de uma função socialmente útil.
    Para evitar essas situações, a lei de Macau impõe um uso sério da marca, sancionando a não utilização durante três anos consecutivos, caso em que o seu titular fica sujeito à caducidade do respectivo registo, salvo se tiver um justo motivo para esse não uso.
    Regressando ao caso dos autos, e estando assente que a recorrente nunca utilizou a marca em Macau, facto que a própria confessa, importa tão-somente averiguar se o facto de a titularidade dos caracteres “XX”, que integram a marca, estar a ser discutida na Direcção dos Serviços de Economia e nos Tribunais de Base e de Segunda Instância de Macau, constitui justo motivo para o seu não uso.
    Ora, a este propósito, e como a recorrente bem salienta nas suas conclusões, o conceito de justo motivo para o não uso tende a ser interpretado restritivamente pela jurisprudência e doutrina considerando-se, como tal, aquele motivo que se reporte a "obstáculos que tenham uma relação directa com o não uso dessa marca e que tornem impossível ou pouco razoável o seu uso, igualmente que sejam independentes da vontade do titular".
    Américo Silva Carvalho anota que haverá justo motivo do não uso da marca se estivermos em face de uma razão que não tenha permitido, a uma pessoa normal, diligente e devidamente informada e cuidadosa no cumprimento das obrigações que impendem sobre ela, efectuar essa utilização.
    A conclusão da recorrente, de que suspendeu o início da sua actividade em Macau sob a marca “XX香港地HONG KONG DAY” por estar a disputar a questão da titularidade dos caracteres “XX” com a parte contrária, constitui uma decisão voluntária da titular do registo, uma estratégia comercial que decidiu adoptar, dado que essa disputa legal não a impedia de utilizar a marca. A concessão do respectivo registo concedia à requerente vários direitos - que o artigo 219.° do RJPI consagra - pelo que o uso da marca em Macau seria um passo lógico e coerente com esse registo, não o contrário. A argumentação da recorrente - de que actuou com a preocupação de não se colocar numa situação de eventual violação de alegados direitos de terceiro - não tem, salvo o respeito devido por melhor opinião, razão de ser.
    Anota-se, ainda, que a pendência desses processos judiciais e administrativos, sobre a titularidade da marca, não constituiu qualquer obstáculo à utilização, quer pela recorrente, quer pela parte contrária, de outras marcas compostas pelos mesmos caracteres chineses “XX”, pelo que, ressalvando sempre melhor juízo, tratou-se de uma circunstância que não se enquadra no conceito subjectivo de justo motivo.
    Em face desta conclusão, importa apenas avaliar se o comportamento da sociedade B contraria os ditames da boa-fé ou configura actos de concorrência desleal com a recorrente.
    Ora, a argumentação da recorrente também não poderá proceder neste ponto, dado que o pedido de caducidade era, em face dos factos dados como assentes e alegados pela própria impugnante, obviamente do interesse da parte contrária, interesse esse que a lei lhe garante - cfr. artigo 231.°, n.º 5 do RJPI. Insere-se nesse cenário de litígio em que as duas sociedades se colocaram.
    Como já tivemos oportunidade de consignar, em decisão proferida em anterior recurso que opôs a recorrente e a recorrida, estamos na presença de dois operadores económicos, um a actuar fundamentalmente em Macau e o outro em Hong Kong, que disputam a titularidade da expressão "XX" e a sua correspondente transliteração, ao nível do direito de marcas, encontrando-se as duas sociedades numa situação que os nossos tribunais superiores já qualificaram como de "reciprocidade" no direito de propriedade industrial do Território.
Em face dos factos apurados no âmbito deste recurso, julgamos que o comportamento da recorrida não consubstancia nem é susceptível de consubstanciar qualquer acto de concorrência desleal, traduzindo-se o seu comportamento num mero acto de gestão que é coerente com toda a actividade marcária que tem vindo a desenvolver, e que lhe tem sido permitido desenvolver, na RAEM.”
    3. Somos a sufragar o doutamente decidido, tal como como transcrito.
    Não obstante, não nos exiremos a dizer algo mais.
    3.1. Sobre o não uso, o art. 231º do RJPI dispõe que o registo de marca caduca pela falta de utilização séria durante três anos consecutivos, salvo justo motivo (al. b)).
    O art. 232º do diploma exemplifica alguns casos que podem ser subsumidos ao conceito de “utilização séria”.
No caso, depois de, num primeiro momento a ora recorrente titubear sobre o assentamento do facto, relativo ao não uso, não deixa de reconhecer que não fez uso, de facto, de tal marca, na RAEM.

    3.2. Como se assinalou no Proc. nº 39/2014, de 22/5/2014, deste Tribunal, em situação algo próxima da que aqui se discute,
    «O conceito “utilização séria” é composto de dois vocábulos: “utilização” e “séria”. Isto significa que o qualificativo “séria” só faz sentido quando apendiculado ao substantivo que pretende qualificar. A discussão em torno do conceito carece, portanto, e em primeiro lugar de uma situação de facto que revele uma utilização da marca (elemento a montante do conceito) e só depois se indagará se ela é séria (elemento a jusante). E a utilização deve ser feita “através de actos concretos, reiterados e públicos, manifestados no âmbito do mercado de produtos ou serviços e da finalidade distintiva e um uso meramente simbólico, esporádico ou em quantidades irrelevantes não parece preencher o referido requisito de uso efectivo, muito menos uma abstenção de uso1”.
Evidentemente, se o titular de uma marca não fizer dela qualquer utilização, então o problema acaba por ser muito mais grave e nem sequer precisa de apuramento sobre os elementos que possam densificar a seriedade.»
     É também o que sucede aqui.
3.3. Procura a recorrente justificar o não uso da dita marca - “XX香港地HONG KONG DAY” - que se encontrava registada a seu favor com o facto de se encontrarem pendentes nos tribunais de Macau diversas acções em que se discutia a “titularidade” ou o direito sobre o uso de dois caracteres que integram a marca em causa, quais sejam “XX”.
    … Repete à exaustão que não terá usado a marca não apenas porque simplesmente não quis ou não lhe apeteceu, mas sim porque seria muito pouco prudente que usasse a marca impugnada em Macau, correndo sério risco de vir a ser responsabilizada pela infracção de direitos reivindicados pela parte contrária sobre o sinal “XX”, sendo de atender que, como no caso concreto se está perante registo de marca (já concedido), a recorrente não estaria sequer abrangida pela protecção provisória para efeitos de indemnização consagrada no Art. 7 º do RJPI.
    … Mais terá agido também motivada pelo respeito ao Princípio da Boa-fé, o qual estipula, em termos gerais, regras de conduta tendo em conta as legítimas expectativas de terceiros.
    … Agindo de boa-fé e com a intenção de não se colocar numa situação de eventual violação de alegados direitos de terceiro, a recorrente não utilizou a marca “XX香港地HONG KONG DAY”, até a questão da titularidade das marcas que incluem os caracteres “XX”estar definitivamente decidida e a seriedade com que encara as suas marcas e o uso que lhes pretende dar está patente na defesa que delas faz contra utilizações abusivas ou ilegais por parte de terceiros.
    3.4. Não tem razão nesta sua alegação.
    Os caracteres em disputa não se reconduzem à marca referida e que se encontra registada a seu favor.
    Para além de que esses dois caracteres não se identificam com a marca registada e não usada pela recorrente.
    Para além de que a recorrente não tinha de temer o uso da marca em referência, para mais se alega que até usou prioritariamente esses caracteres, fundamento que lhe vai servir para esgrimir com uma aventada concorrência desleal por parte da ora recorrida.
    Para além de que os receios que invoca sempre se esfumariam com a possibilidade do recurso aos meios judiciais competentes – como tem acontecido em tantos outros litígios – quando uma parte se sente lesada pelo uso de uma marca por parte de terceiro.
    Para além de que não se compreende o argumento invocado, se não se deixa de constatar que a outra parte (a ora recorrida, a B) tem registadas e continua a usar muitas marcas onde se incluem aqueles dois caracteres. Ora, s, ainda por cima a coberto do registo.
     A pendência dos processos mencionados, nos quais a recorrida é parte, constitui obstáculo ao exercício, em pleno, da actividade da recorrente, no que respeita à marca que logrou aqui registar, tanto mais que, como diz, ela é usada em Hong Kong, território onde está sediada e onde é proprietária de vários e famosos estabelecimentos.
    Não se vê, pois, que este não uso não deixe de ser imputável à recorrente, apesar da existência de uma intensa disputa de direitos de propriedade industrial entre as partes.
    Para melhor compreensão do que pretendemos dizer imagine-se um outra direito que se extinguisse pelo não uso, um direito de servidão por exemplo. Não se compreende facilmente que o titular do direito da serventia invocasse que a não usou, de todo, por anos e anos consecutivos, apenas porque travava litígio com o dono do prédio serviente ou confinante sobre o alcance e âmbito de um troço dessa serventia.
    Na verdade, uma coisa é travar litígio; outra, o exercício do direito, objecto do litígio.
Nesta conformidade, por estas e pelas razões aduzidas na douta sentença recorrida, falece esta primeira linha argumentativa.
4. No que à concorrência desleal respeita também não se afigura que tenha alguma razão.
4.1. As razões que invoca, sobre uma prioridade de utilização, não são bastantes para integrarem o conceito.
A prioridade de utilização não basta, sem mais, para permitir o uso de uma dada marca, sendo, por norma, necessário que se efectue o registo, salvaguardando situações de excepcional notoriedade e fama que, no caso parecem não se comprovar.
4.2. Como escrevemos já2 “O acto de concorrência desleal é o acto de disputa de clientela que é contrário às normas e usos honestos da actividade económica, designadamente o que seja idóneo a criar confusão entre produtos ou serviços de diferentes agentes económicos e o que configure aproveitamento da reputação empresarial de outrem (cfr. arts. 158º, 159º e 165º do Código Comercial). É comum na doutrina a indicação de 5 tipos de actos de concorrência desleal: actos de confusão, actos de descrédito, actos de apropriação, actos de desorganização e actos de concorrência parasitária. Porém é suficiente para qualificar um acto de concorrência desleal a cláusula geral inserta no art. 158º do Código Comercial: contrariedade objectiva às normas e usos honestos da actividade económica, normas e usos que a doutrina vem reportando aos que são ditados pela consciência ética de um comerciante médio12 e pelo princípio da prestação.
    A técnica legislativa utilizada, recorrendo a uma cláusula geral e a exemplos, obriga o intérprete aplicador a procurar subsumir sempre os actos em apreciação à “cláusula geral”, mesmo que sejam também subsumíveis aos exemplos previstos. Isto quer dizer, por exemplo, que nem todo o acto susceptível de causar confusão ou aproveitamento de reputação alheia é automaticamente considerado objectivamente contrário às normas e usos honestos da actividade económica. Para ser considerado desleal o acto de concorrência, a confusão e o aproveitamento de reputação alheia têm de exceder os limites impostos por aquelas normas e usos. O exercício da concorrência é, por natureza agressivo. Visa vencer os concorrentes. Não se trata de cortesia. A vida comercial respeitadora das normas e usos honestos da actividade económica não é apenas a que é angélica. A agressividade é conatural à concorrência comercial. Imprescindível para que não seja desleal é que se contenha dentro dos limites ditados pelas regras pertinentes.
    “A ideia motriz da concorrência é a de que as prestações dos vários operadores económicos se devem defrontar no mercado com o mínimo de constrangimentos, para que vença o melhor. Fala-se da concorrência pelo mérito. Se a vitória for devida a outros factores, a concorrência é falseada. A este critério se chama o princípio da prestação”. A concorrência decide-se pelas prestações em presença do consumidor. Sendo a concorrência que se deseja uma concorrência de prestações, a empresa tem de vencer pela superioridade das suas prestações.
    O exercício da concorrência visa aumentar a clientela própria e/ou reduzir a clientela alheia. Este exercício deve, nos termos da lei, ser livre e leal (arts. 153º e segs. do Código Comercial). As marcas de comércio são instrumentos de concorrência porque visam atrair a clientela e só podem ser utilizadas pelo seu titular e por quem este autorizar, excluindo todos os demais da sua fruição.”
4.3. Deste bosquejo se vê que a concorrência desleal pressupõe um conjunto de requisitos, por vezes de alguma complexidade, requisitos esses que, no caso, para além da referida prioridade não vêm minimamente alegados.
Trata-se, contudo de argumento reversível, isto é, também a parte contrária dirá, como diz, face à sua implantação e início de actividade no ordenamento interno, que quem faz concorrência desleal é a recorrente.
No entanto, é por falta de integração fáctica dos respectivos pressupostos que se tem por não demonstrada a invocada concorrência desleal da ora recorrida.
    5. Também não tem razão a recorrente quanto a pretender que uma actividade publicitária levada em cabo a Hong Kong tenha a virtualidade de densificação do conceito atinente ao “uso sério da marca”
    5.1. Também como já se disse nesta instância3 “ Na verdade, acções publicitárias desse tipo não servem para caracterizar a utilização da marca em Macau. É em Macau que o uso da marca deve ser feito! (…) Portanto, como pode aceitar-se que tenha feito em Macau o uso da marca de Macau?! Não, não fez.
E por outro lado, o que impediria a recorrente de usar a marca em Macau? Sinceramente, não vemos como houvesse algum obstáculo representativo de algum “justo motivo” que a recorrente pudesse invocar. Realmente, nunca o deferimento de outras marcas com igual ou idêntica designação (incluindo em chinês) poderiam constituir desimpedimento à dificuldade muito menos à impossibilidade do uso da marca que aqui estudamos. Não pode haver relação entre elas! Repetimos: o uso de uma nunca poderia depender da concessão de outras!
O que inspira a recorrente nesta alegação impeditiva do uso da marca (que pretende seja considerada “justo motivo”) deve-se a razões de mera estratégia comercial, fundada num aparecimento conjunto ou simultâneo de uma marca igual (mesmo que nuns casos, com a sua romanização) para produtos e serviços de natureza diversa. Ora, isso, como diz e bem a entidade recorrida, é uma questão de ordem subjectiva que nada tem a ver com a objectividade que é própria do uso marcário.
O uso da marca é obrigatório. E no preenchimento do conceito uso sério deve estar presente a ideia de uso efectivo e real através de actos concretos, reiterados e públicos manifestados no mercado4 de modo estável ou não esporádico e em quantidades significativas ou não irrisórias que não revelem uma utilização meramente simbólica.5
Por outro lado, só constitui motivo justo para o não uso aquele motivo que não tenha permitido a uma pessoa normal, diligente e devidamente informada e cuidadosa cumprir as obrigações que impendem sobre ela6. Existe justo motivo quando o não uso não provém da vontade do titular do registo, nem lhe é imputável a título de mera culpa. Dito de outra forma, o justo motivo para o não uso da marca depende da ocorrência de circunstâncias independentes da vontade do titular, como são os casos de força maior (guerras, catástrofes naturais, etc.), ou de medidas de autoridades públicas proibindo a produção ou a comercialização dos respectivos produtos7. O uso meramente publicitário, a não ser em casos que precedam a comercialização efectiva, não se integra no conceito.”8

5.2. Em termos de direito comparado, na EU, como assinalou o Advogado-Geral, Dámaso Ruiz-Jarabo Colomer, nas Conclusões apresentadas em 2 de Julho de 2002, em delimitação do conceito e em termos de direito Comparado, onde integra a actividade publicitária a par da actividade de exploração 9 “ (…) O conceito de marca e as funções próprias deste tipo de propriedade industrial impõem também um uso público e externo, para o exterior. É necessário que, através da sua exploração, a marca esteja presente no mercado próprio dos produtos ou dos serviços que representa. Portanto, pode falar-se de um uso sério se se vendem os produtos ou se prestam os serviços, mas também quando se utiliza a marca com fins publicitários para introduzir tais produtos ou serviços no mercado.
(…) Em resumo, só se pode falar de um «uso sério» quando a marca, tal como foi registada, é utilizada, publicamente e com relevância exterior, para se obter um lugar no mercado para os produtos ou os serviços que representa.
    No entanto, não basta que as referidas condições concorram, sendo também necessário que, como indiquei, o uso da marca esteja «apto» a cumprir os objectivos que o ordenamento jurídico atribui a esta modalidade de propriedade industrial. Linhas atrás indiquei que não se pode qualificar de «uso sério» aquele que o titular faz com o único propósito de evitar a caducidade. Abandonando essa dimensão subjectiva, posso acrescentar que também não é «suficiente» a exploração do distintivo que, sem perseguir tal meta, não está «minimamente apto» a satisfazer as funções que o ordenamento jurídico lhe atribui.”
5.3. Estamos em condições de concluir no sentido de que, se, por um lado, como já se afirmou, a actividade publicitária é um elemento que pode ilustrar a utilização séria da marca, não a esgota.
A actividade publicitária só faz sentido se inserida e correspondente ao desenvolvimento de uma actividade económica, traduzida numa prestação de bens e serviços, num determinado ordenamento jurídico-económico. Se se pode até compreender que uma actividade publicitária pode preceder a implementação do negócio, não se concebe facilmente que essa actividade publicitária se perpetue no tempo, sem concretização daquilo que se anuncia.
5.4. Tal como em termos de Jurisprudência Comparada também já se decidiu:
“Para concluir pelo «uso sério» da marca registada exige-se a demonstração da introdução dos produtos diferenciados pela marca no mercado, de forma a que o consumidor possa estabelecer uma conexão entre os produtos e a marca e, para além disso, que esses atos tenham regularidade/continuidade e que, em função da dimensão da empresa, da natureza do artigo e dos seus potenciais consumidores, o volume das transações tenha uma determinada expressão numérica; O que é essencial é saber se a utilização é efetiva, contínua, estável e suficiente para manter ou criar uma quota de mercado para os produtos e serviços abrangidos pela marca e se essa utilização contribui para a presença comercialmente relevante dos produtos e serviços nesse mercado. O uso estritamente simbólico, interno, privado, experimental, preparatório, meramente publicitário e esporádico não permite considerar verificado o «uso sério» da marca registada. Para concluir pelo «uso sério» da marca registada exige-se a demonstração da introdução dos produtos diferenciados pela marca no mercado, de forma a que o consumidor possa estabelecer uma conexão entre os produtos e a marca e, para além disso, que esses atos tenham regularidade/continuidade e que, em função da dimensão da empresa, da natureza do artigo e dos seus potenciais consumidores, o volume das transações tenha uma determinada expressão numérica; O que é essencial é saber se a utilização é efetiva, contínua, estável e suficiente para manter ou criar uma quota de mercado para os produtos e serviços abrangidos pela marca e se essa utilização contribui para a presença comercialmente relevante dos produtos e serviços nesse mercado. O uso estritamente simbólico, interno, privado, experimental, preparatório, meramente publicitário e esporádico não permite considerar verificado o «uso sério» da marca registada.“10
5.5. Não deixamos ainda de aduzir um argumento adjuvante às considerações expendidas.
Por um lado, a recorrente diz que não usou a marca referida perante uma indefinição judicial sobre a pertença e titularidade de dois dos caracteres que a compõem; mas, por outro lado, já vem dizer que usou a marca em actividade publicitária. Então, usou ou não usou? E se sim, já não serve aí a argumentação aduzida, pretensamente justificativa do não uso, como fosse uma posição de prudência e de cautela de forma a aguardar pela definição em curso?
Não se compreende esta aparente contradição entre as posições defendidas.
    5. Assim se conclui que
    não constitui motivo justificativo para o não uso de uma determinada marca registada a favor da interessada uma alegada indefinição e a pendência judicial de diversos processo sobre a titularidade de dois caracteres que integram aquela marca registada, na certeza de que o registo obtido a seu favor legitimaria o uso da marca no seu todo, o que não se confunde com dois caracteres ainda que integrantes daquela marca tida no seu todo.
Também a publicitação da marca em jornais de Hong Kong não preenche os requisitos de que se deve revestir um uso sério, se essa actividade publicitária não passa disso, ao longo de anos, e não se concretiza em qualquer actividade de oferta dos produtos anunciados ao público consumidor no ordenamento da RAEM.
Pelo que, nos termos e fundamentos expostos o recurso não deixará de improceder.
    
    IV - DECISÃO
    Pelas apontadas razões, acordam em negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida.
    Custas pela recorrente.
Macau, 26 de Janeiro de 2017,
João A. G. Gil de Oliveira
Ho Wai Neng
José Cândido de Pinho

1 - Acs. TSI, de 28/10/2004, Proc. nº 204/2004 e de 10/06/2004, Proc. nº 17/2004.

2 - Ac.do TSI, de 29/6/2015, Proc. n.º 289/2015
3 - Supra-citado Proc. n.º 39/2014
4 - Luis M. Couto Gonçalves, Direito de Marcas, Almedina, 2000, pág. 176, 177.; Américo da Silva Carvalho, Direito de Marcas, Coimbra Editora, 2004, pág. 530.

5 -Jorge Manuel Coutinho de Abreu, Curso de Direito Comercial, Vol. I, 4ª ed., pág. 393.
6 - Américo da Silva Carvalho, ob. cit., pág. 533.
7 - Jorge Manuel Coutinho de Abreu, ob. cit., pág. 394.
8 - Couto Gonçalves, Manual de Direito Industrial: Patentes, Marcas e Concorrência Desleal, pág. 321 e 322.
9 - Na acepção do artigo 12.°, n.° 1, da Primeira Directiva 89/104/CEE do Conselho Europeu.; na linha da jurisprudência comunitária merece também destaque o Acórdão do TJUE de 11.5.2006, C-416704.
10 - Ac. da RL, de 24/2/2015, Proc. n.º 639/11.9TYLSB.L1-7
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787/2016 34/34