Processo nº 744/2016
(Autos de recurso penal)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
Relatório
1. Por sentença proferida pela Mma Juiz do T.J.B. nos Autos de Processo Comum Singular n.° CR2-16-0207-PCS, decidiu-se condenar A, com os restantes sinais dos autos, como autora da prática de 1 crime de “desobediência qualificada”, p. e p. pelo art. 14°, n.° 1 da Lei n.° 2/93/M, alterada e republicada pela Lei n.° 16/2008, e art. 312°, n.° 2 do C.P.M., na pena de 3 meses de prisão, suspensa na sua execução por 1 ano, na condição de, no prazo de 30 dias, pagar MOP$1.000,00 à R.A.E.M.; (cfr., fls. 105 a 110-v que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).
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Inconformada, veio a arguida recorrer, imputando à sentença recorrida os vícios de “erro notório na apreciação da prova”, “violação do princípio in dubio pro reo” e “errada aplicação de direito”, pedindo a sua absolvição; (cfr., fls. 116 a 124).
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Respondendo, diz o Ministério Público que o recurso não merece provimento; (cfr., fls. 126 a 131-v).
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Neste T.S.I., juntou o Ilustre Procurador Adjunto o seguinte douto Parecer:
“Na Motivação de fls.116 a 124 dos autos, a recorrente assacou, à douta sentença sob sindicância, o erro notário na apreciação de prova e o erro de direito, arrogando que «c、上訴人不能認同 “嫌犯A作為「澳門家庭團聚聯合會」之代表” 及 “帶領” 之事實認定», «K、在證據不足或不充分之情況下,尚未能認定掛上橫幅是與上訴人有關», «q、上訴人並非早有安排並為著一特定目的而聚集,其聚集之原因是基於行政當局要求在立法會門外等候進入立法會旁聽會議» e «r、上訴人的行為並不應被視為集會或示威,因此亦沒有必要作出第2/93/M法律第5條所指之預告».
Antes de mais, subscrevemos inteiramente as criteriosas explanações da ilustre Colega na Resposta (cfr. fls.126 a 131v. dos autos).
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No que respeite ao «erro notório na apreciação de prova» previsto na c) do n.°2 do art.400° do CPP, é pacífica e consolidada, no actual ordenamento jurídico de Macau, a seguinte jurisprudência (cfr. a título meramente exemplificativo, Acórdãos do Venerando TUI nos Processo n.°17/2000, n.°16/2003, n.°46/2008, n.°22/2009, n.°52/2010, n.°29/2013 e n.°4/2014):
O erro notário na apreciação da prova existe quando se dão como provados factos incompatíveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou ou não provou, ou que se retirou de um facto tido como provado uma conclusão logicamente inaceitável. O erro existe também quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada ou as legis artis. Tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores, ou seja, quando o homem de formação média facilmente dele se dá conta.
No caso sub judice, é verdade que não há prova directa que possa demonstrar a prévia combinação das centenas pessoas ou a convocação prévia pela recorrente dessas pessoas para o encontro/agrupamento que teve lugar na porta principal do Edifício da A.L. e à tarde de 12/08/2015, e nem prova imediata da liderança assumida pela recorrente.
Porém, importa tomar em conta que «本案中,首先,約至少50至200多人,共同相約於2015年8月12日下午,即行政長官前往立法會列席答問大會的時刻,到立法會旁聽的行為,顯示出參與者是刻意挑選該特定時刻前往立法會,彼此之間存在著一種約定特定人數、時間及地點聚集的默契和意願,而該事實的發生並非一種簡單和偶然邂逅。» e «其次,各參與人之間存在著一定聚集的共識,因為倘若如上訴人所言,各參與人只是純粹為了旁聽立法會,為何會有至少50人於同一時間到達立法會正門外,而非各自個別到達並獨自進場?一眾參與者同時相約立法會門外等候的行為,意味著這並非一項單純因被拒絕旁聽的偶然匯集。»
De outro lado, repare-se que na douta sentença recorrida, a MMa Juiz a quo apontou que ao depor como testemunhas, os dois agentes da PSP tinham asseverado «當時證人接觸發起人,即嫌犯A,嫌犯表示想進入立法會,有訴求表達,……,但嫌犯及其他人士卻轉去堵塞立法會側門口聚集,並拉起橫額……», «由於嫌犯是發起人,因此便拘捕了嫌犯» e «嫌犯是主要人物,是嫌犯叫其他人士 “我們入去啦!”»
Ponderando todo isto, e chamando à colação as sensatas doutrinas e jurisprudência citadas pela ilustre colega na referida Resposta, não podemos deixar de opinar que o aludido encontro/agrupamento constitui a reunião e manifestação regulamentadas pela Lei n.°2/93/M, na redacção dada pela Lei n.°16/2008, e não se verifica in casu nem o erro notório na apreciação de prova, nem o erro de direito.
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No vertente caso, a recorrente foi condenada em praticar, na autoria e na forma consumada, um crime de desobediência qualificada p.p. pelo n.°1 do art.14° da Lei n.°2/93/M em conjugação com o disposto no n.°2 do art.312° do Código Penal de Macau.
Durante a audiência de julgamento, a recorrente declarou: «警長有向嫌犯作出告誡,表示彼等聚集在立法會外的行為,並違反第2/93/M號法律第5條 “預告” 的規定,要求嫌犯及其餘在場聚集的人士立即離開,否則按第2/93/M號法律第14條的規定,將構成「加重違令罪」,但嫌犯很想進入立法會旁聽,故大聲喊叫說 “如果3點也不讓進去,就沖入去吧!” 由於嫌犯真的很想進入立法會旁聽,故即使知道有關警方的告誡,也沒有離開現場,在場的人士也沒有離開現場,其後在被告誡後約10多分鐘後被警方拘捕。»
Ora, mesmo que a advertência e a ordem de expulsão supra referida padecessem do erro de direito e fossem anuláveis, tal ordem de expulsão produziria os devidos efeitos jurídicos (art.117°, n.°2, do CPA), vinculando assim a recorrente que deveria agir em obediência à mesma ordem. O que torna inquestionável que a recorrente cometeu o crime de desobediência qualificada, por não acatar a legítima ordem da autoridade competente.
Em esteira da prudente jurisprudência do Alto TUI no sentido de que «Os vícios referidos nas várias alíneas do n.°2 do art.°400.° do Código de Processo Penal, mesmo verificados, devem ser decisivos e pertinentes para a decisão do caso concreto, caso contrário serão irrelevantes e não implicarão as consequências legais.» (Acórdão emanado no Processo n.°23/2016), temos por certo que é irrelevante a eventual existência do erro notório na apreciação de prova no que respeito aos pontos «c、上訴人不能認同 “嫌犯A作為「澳門家庭團聚聯合會」之代表” 及 “帶領” 之事實認定» e «K、在證據不足或不充分之情況下,尚未能認定掛上橫幅是與上訴人有關».
Por todo o expendido acima, propendemos pela improcedência do presente recurso”; (cfr., fls. 142 a 143-v).
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Cumpre decidir.
Fundamentação
Dos factos
2. Estão provados os factos como tal elencados na sentença recorrida a fls. 106 a 106-v, e que aqui se dão como integralmente reproduzidos, (não havendo factos por provar).
Do direito
3. Vem a arguida recorrer da sentença que a condenou como autora da prática de 1 crime de “desobediência qualificada”, p. e p. pelo art. 14°, n.° 1 da Lei n.° 2/93/M, alterada e republicada pela Lei n.° 16/2008, e art. 312°, n.° 2 do C.P.M., na pena de 3 meses de prisão, suspensa na sua execução por 1 ano, na condição de, no prazo de 30 dias, pagar MOP$1.000,00 à R.A.E.M..
Considera que a dita sentença padece de “erro notório na apreciação da prova”, “violação do princípio in dubio pro reo” e de “erro na aplicação do direito”, pedindo a sua absolvição.
–– Vejamos, começando pelas primeiras duas assacadas maleitas.
Repetidamente temos considerado que o mesmo apenas existe “quando se dão como provados factos incompatíveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou, ou que se retirou de um facto tido como provado uma conclusão logicamente inaceitável. O erro existe também quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada, as regras de experiência ou as legis artis. Tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores”.
De facto, “É na audiência de julgamento que se produzem e avaliam todas as provas (cfr. artº 336º do C.P.P.M.), e é do seu conjunto, no uso dos seus poderes de livre apreciação da prova conjugados com as regras da experiência (cfr. artº 114º do mesmo código), que os julgadores adquirem a convicção sobre os factos objecto do processo.
Assim, sendo que o erro notório na apreciação da prova nada tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto do Tribunal e aquela que entende adequada o Recorrente, irrelevante é, em sede de recurso, alegar-se como fundamento do dito vício, que devia o Tribunal ter dado relevância a determinado meio probatório para formar a sua convicção e assim dar como assente determinados factos, visto que, desta forma, mais não se faz do que pôr em causa a regra da livre convicção do Tribunal”; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 22.09.2016, Proc. n.° 562/2016, de 29.09.2016, Proc. n.° 465/2016 e de 03.11.2016, Proc. n.° 759/2016).
Como também já tivemos oportunidade de afirmar:
“Erro” é toda a ignorância ou falsa representação de uma realidade. Daí que já não seja “erro” aquele que possa traduzir-se numa “leitura possível, aceitável ou razoável, da prova produzida”.
Sempre que a convicção do Tribunal recorrido se mostre ser uma convicção razoavelmente possível e explicável pelas regras da experiência comum, deve a mesma ser acolhida e respeitada pelo Tribunal de recurso.
O princípio da livre apreciação da prova, significa, basicamente, uma ausência de critérios legais que pré-determinam ou hierarquizam o valor dos diversos meios de apreciação da prova, pressupondo o apelo às “regras de experiência” que funcionam como argumentos que ajudam a explicar o caso particular com base no que é “normal” acontecer.
Não basta uma “dúvida pessoal” ou uma mera “possibilidade ou probabilidade” para se poder dizer que incorreu o Tribunal no vício de erro notório na apreciação da prova; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 16.06.2016, Proc. n.° 254/2016, de 22.09.2016, Proc. n.° 528/2016 e de 29.09.2016, Proc. n.° 630/2016).
Por sua vez, e no que ao princípio in dubio pro reo diz respeito, temos considerado que “o princípio “in dubio pro reo” identifica-se com o da “presunção da inocência do arguido” e impõe que o julgador valore sempre, em favor dele, um “non liquet”.
Perante uma situação de dúvida sobre a realidade dos factos constitutivos do crime imputado ao arguido, deve o Tribunal, em harmonia com o princípio “in dubio pro reo”, decidir pela sua absolvição”; (cfr., v.g. o recente Ac. deste T.S.I. de 28.04.2016, Proc. n.° 239/2016, de 02.06.2016, Proc. n.° 1062/2015 e de 22.09.2016, Proc. n.° 528/2016).
Como ensina F. Dias, segundo o princípio “in dubio pro reo”, «a persistência de dúvida razoável após a produção da prova tem de actuar em sentido favorável ao arguido e, por conseguinte, conduzir à consequência imposta no caso de se ter logrado a prova completa da circunstância favorável ao arguido»; (in “Direito Processual Penal”, pág. 215).
Conexionando-se com a matéria de facto, este princípio actua em todas as vertentes fácticas relevantes, quer elas se refiram aos elementos típicos do facto criminalmente ilícito – tipo incriminador, nas duas facetas em que se desdobra: tipo objectivo e tipo subjectivo – quer elas digam respeito aos elementos negativos do tipo, ou causas de justificação, ou ainda, segundo uma terminologia mais actualizada, tipos justificadores, quer ainda a circunstâncias relevantes para a determinação da pena.
Porém, importa atentar que o referido o princípio (“in dubio pro reo”), só actua em caso de dúvida (insanável, razoável e motivável), definida esta como “um estado psicológico de incerteza dependente do inexacto conhecimento da realidade objectiva ou subjectiva”; (cfr., Perris, “Dubbio, Nuovo Digesto Italiano”, apud, Giuseppe Sabatini “In Dubio Pro Reo”, Novissimo Digesto Italiano, vol. VIII, págs. 611-615) .
Por isso, para a sua violação exige-se a comprovação de que o juiz tenha ficado na dúvida sobre factos relevantes, e, nesse estado de dúvida, tenha decidido contra o arguido; (neste sentido, cfr. v.g., o Ac. do S.T.J. de 29.04.2003, Proc. n.° 3566/03, in “www.dgsi.pt”).
Daí também que, para fundamentar essa dúvida e impor a absolvição, não baste que tenha havido versões dispares ou mesmo contraditórias, sendo antes necessário que, perante a prova produzida, reste no espírito do julgador – e não no do arguido ou recorrente – alguma dúvida sobre os factos que constituem o pressuposto da decisão, dúvida que, como se referiu, há-de ser “razoável” e “insanável”; (cfr., os Acs. deste T.S.I. de 25.02.2016, Proc. n.° 94/2016 e de 17.03.2016, Proc. n.° 101/2016).
Aqui chegados, e explicitados que cremos ter ficado o sentido e alcance do “erro notório na apreciação da prova” e do “princípio in dubio pro reo”, cabe dizer que não vislumbramos como, onde ou que que termos tenha o Tribunal a quo incorrido no assacado “erro” ou na imputada violação do aludido “princípio”.
Com efeito, e como de uma mera leitura à decisão recorrida se constata que o Tribunal a quo apreciou a prova em conformidade com o “princípio da livre apreciação da prova”, (cfr., art. 114° do C.P.P.M.), não tendo desrespeitado nenhuma regra sobre o valor da prova tarifada, regra de experiência ou legis artis, apresentando-se a decisão (da matéria de facto) clara e de acordo com a lógica das coisas – aliás, como da sua fundamentação, e sem esforço, se alcança – limitando-se a arguida a insistir na sua versão, negando os factos que foram dados como provados, o que, como é óbvio, não colhe.
Como temos afirmado, não basta negar os factos em audiência de julgamento dados como provados para se obter provimento quanto a um imputado vício de “erro notório na apreciação da prova”.
No caso dos autos, para a sua convicção, serviu-se o Tribunal dos documentos juntos aos autos, de onde se destacam as fotografias de fls. 7 a 13, (no caso, bastante explícitas quanto factualidade dada como provada), assim como das declarações da arguida e do depoimento de 5 testemunhas, nenhuma censura ou reparo merecendo a sua decisão.
Por sua vez, e agora em relação ao “princípio in dubio pro reo”, evidente se nos apresenta também que não foi o mesmo (minimamente) desrespeitado, já que da decisão recorrida não se descortina que em momento algum tenha estado o Tribunal a quo com dúvidas, e que, mesmo assim, tenha decidido “contra” a arguida.
De facto, não é por existiram versões diferentes (ou opostas) que o Tribunal está impedido de julgar e decidir a matéria de facto de acordo com a sua (livre) convicção, optando por (qualquer) uma delas, (ou até dando como provados segmentos de ambas as versões), nenhum “erro” ou violação ao referido princípio ocorrendo por assim suceder.
Assim, e visto que nenhuma censura merece a “decisão da matéria de facto”, improcede o recurso na parte em questão.
–– Quanto ao “erro na aplicação de direito”.
Vejamos.
Como se deixou relatado, foi a arguida condenada pela prática de 1 crime de “desobediência qualificada”, p. e p. pelo art. 14°, n.° 1 da Lei n.° 2/93/M, (alterada e republicada pela Lei n.° 16/2008), e art. 312°, n.° 2 do C.P.M..
E, assim sucedeu porque – em síntese – provado ficou que:
- na parte da tarde do dia 12.08.2015, a arguida, como representante de uma denominada “MACAU FEDERATION OF FAMILY REUNION”, (澳門家庭團聚聯合會), deslocou-se, acompanhada de um grupo de pelo menos 50 pessoas para o Edifício da Assembleia Legislativa de Macau, onde tentaram entrar;
- em virtude da agitação entretando criada, e após terem sido impedidos de entrar no Edifício da Assembleia Legislativa por agentes da P.S.P., recusaram-se a abandonar o local, permanecendo junto à porta, não obstante várias vezes avisados (advertidos) pelos agentes da P.S.P. que se deviam ir embora, que a sua conduta era “ilegal”, por se tratar de uma (realização de uma) “reunião/manifestação” sem aviso prévio, e assim proibida e punida por Lei; (cfr., art. 5° e 14° da Lei n.° 2/93/M e art. 312° do C.P.M.).
Diz porém a arguida que o que sucedeu não se tratou de uma “reunião ou manifestação”, que nada tinha a ver com a presença do grupo de outras pessoas que também lá estavam, que apenas queria ir assistir os trabalhos da Assembleia Legislativa agendados para a tarde daquele dia, alegando assim que não cometeu o crime que lhe era imputado e que incorreu o Tribunal a quo em errada aplicação dos art°s 5° e 14° da Lei n.° 2/93/M e art. 312° do C.P.M..
Ora, como se apresenta claro, também aqui se terá de julgar improcedente o recurso, (pois que não tem a arguida razão, limitando-se – como bem se vê – a contrariar a factualidade dada provada).
Com efeito, evidente é que a matéria de facto dada como provada foi correctamente qualificada como “reunião/manifestação”, e adequadamente enquadrada na previsão legal dos art°s 5° e 14° da Lei n.° 2/93/M, (por se tratar de uma “reunião/manifestação sem aviso prévio”, e assim, punível nos termos do art. 312° do C.P.M.).
Como se afirmou no douto Acórdão do Vdo T.U.I. de 30.07.2014, Proc. n.° 95/2014, dúvidas não há que “o direito de reunião e de manifestação é um dos direitos fundamentais consagrados no art.º 27.º da Lei Básica da RAEM para os residentes de Macau, que se encontra também garantido na Lei n.º 2/93/M, cujo n.º 1 prevê expressamente que todos os residentes de Macau têm o direito de se reunir, pacificamente e sem armas, em lugares públicos, abertos ao público ou particulares, sem necessidade de qualquer autorização e gozam ainda do direito de manifestação”.
No mesmo douto Acórdão consignou-se também que “Quanto à definição geral de reunião, entende-se que em termos gerais, podemos dizer que a reunião (para efeitos da liberdade de reunião) consiste na concentração de pessoas num determinado local, ligadas por um fim comum de troca de ideias, debate e formação colectiva de opinião. Por outras palavras, reunião é um ajuntamento (geralmente intencional e organizado), sem carácter permanente, de pessoas que ouvem discursos e/ou debatem ideias, com vista à defesa de ideias ou de outros interesses comuns e à formação de opiniões colectivas. E a reunião faz-se para expor e discutir ideias, sendo certo que, para se poder falar de reunião, o fim comum terá de ser considerado e o fim (elemento teleológico) da reunião está intimamente ligado ao carácter instrumental que caracteriza esta liberdade.
Por outro lado, para haver uma reunião em sentido constitucional não basta que algumas pessoas se encontrem juntas. A reunião exige, desde logo, consciência e vontade colectiva de reunião, pelo que se distingue do simples e fortuito encontro (na rua, no cinema, numa exposição, etc.); por outro lado, a reunião supõe uma ligação intrínseca, um laço comum entre os participantes, pelo que se distingue do simples ajuntamento ou concentração ocasionais (v.g., afluxo de pessoas por motivo de um acidente, de numa alteração na via pública, etc.); finalmente, a reunião supõe um escopo autónomo e próprio, pelo que se distingue do simples trabalho em grupo ou da actuação em conjunto para realizar outro objectivo (grupo excursionista, etc.); finalmente, a reunião supõe a sua duração temporária sem permanência institucional, o que se distingue de associação”.
Porém, e como sem esforço se mostra de concluir, o “direito de reunião e manifestação” não é absoluto, (ilimitado), passível de ser exercido de qualquer forma ou modo e em qualquer momento e local.
Seria o caos (total) e ninguém se entendia…
Não se dúvida que, como “direito fundamental” que é, deve a sua restrição estar sujeita ao princípio da proibição do excesso, devendo a sua limitação ser necessária, exigível e proporcional, sem que se ponha em causa o seu conteúdo essencial.
De facto, e como é sabido, as restrições a qualquer direito fundamental apenas são válidas quanto tenham a menor amplitude possível e se reduzam ao estritamente necessário para tutela doutros interesses jurídicos de suficiente relevo.
Daí que tanto o seu “exercício” como as suas “restrições” estejam (e tenham que ser) regulamentadas, nelas se inserindo (v.g.) as restrições “espaciais”, (lugares públicos), “temporais”, (certas horas do dia), assim como a necessidade e prazos de “aviso prévio”, de forma a permitir que as autoridades competentes possam, (nomeadamente, em virtude da sua natureza, número de participantes, hora e local projectado, etc…), ponderar e adoptar, atempadamente, as medidas consideradas pertinentes, com vista a assegurar a ordem pública e segurança, até mesmo, das pessoas que vão participar na reunião/manifestação em questão.
Nos termos do art. 5° da Lei n.° 2/96/M (alterada e republicada pela Lei n.° 16/2008):
“1. As pessoas ou entidades que pretendam realizar reuniões ou manifestações com utilização da via pública, de lugares públicos ou abertos ao público devem avisar, por escrito, o presidente do conselho de administração do Instituto para os Assuntos Cívicos e Municipais, com a antecedência mínima de 3 dias úteis e a máxima de 15.
2. Quando as reuniões ou manifestações tenham carácter político ou laboral a antecedência mínima prevista no número anterior é reduzida para dois dias úteis.
3. O aviso deve indicar o objecto ou fim da reunião ou manifestação pretendida e o dia, hora, local ou trajecto previstos para a sua realização.
4. O aviso deve ser assinado por três dos promotores devidamente identificados pelo nome, profissão e morada ou, tratando-se de associações, pelas respectivas direcções.
5. A entidade que receber o aviso deve passar recibo comprovativo desse facto”.
E, prescreve o art. 14° da mesma Lei que:
“1. Quem realizar reuniões ou manifestações contrariando o disposto neste diploma incorre na pena prevista para o crime de desobediência qualificada.
2. As autoridades que, fora do condicionalismo legal, impeçam ou tentem impedir o livre exercício do direito de reunião ou manifestação incorrem na pena prevista no artigo 347.º do Código Penal e ficam sujeitas a procedimento disciplinar.
3. Os contramanifestantes que interfiram nas reuniões ou manifestações, impedindo o seu livre exercício, incorrem na pena prevista para o crime de coacção”; (sub. nosso).
Claro estando que o que ocorreu foi uma reunião/manifestação em lugar público sem “aviso prévio” – e visto até que fez a P.S.P. oportuna advertência quanto à relevância criminal desta conduta – evidente é que verificados estão todos os elementos do crime de “desobediência”, pelo qual foi a recorrente punida.
Tudo visto, resta decidir.
Decisão
4. Nos termos e fundamentos expostos, em conferência, acordam negar provimento ao recurso.
Custas pela recorrente, com taxa de justiça que se fixa em 5 UCs.
Registe e notifique.
Nada vindo de novo, e após trânsito, remetam-se os autos ao T.J.B. com as baixas e averbamentos necessários.
Macau, aos 26 de Janeiro de 2017
José Maria Dias Azedo
Chan Kuong Seng
Tam Hio Wa
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