Processo nº 900/2016
(Autos de Recurso Civil e Laboral)
Data: 26 de Janeiro de 2017
ASSUNTO:
- Patente
- Concessão parcial
SUMÁRIO:
- Não é possível para a Direcção dos Serviços de Economia (DSE), por sua iniciativa própria, eliminar as reivindicações não reunidas as exigências legais e conceder o registo da patente relativamente às que satisfazem, já que o legislador do actual Regime Jurídico da Propriedade Industrial (RJPI) retirou, de forma intencional, esta possibilidade por considerar a DSE não possuir capacidade técnica para o efeito.
O Relator
Ho Wai Neng
Processo nº 900/2016
(Autos de Recurso Civil e Laboral)
Data: 26 de Janeiro de 2017
Recorrente: Direcção dos Serviços de Economia
Recorrida: A, Inc.
ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
I – Relatório
Por sentença de 08/07/2016, julgou-se parcialmente procedente o recurso interposto pela A, Inc. e revogou-se o despacho da Direcção dos Serviços de Economia (DSE) que recusou o pedido de patente de Invenção nº I/252, determinando a concessão do registo da patente em relação às revindicações 1-3 e 6-8.
Dessa decisão vem recorrer a Recorrente Direcção dos Serviços de Economia, alegando, em sede de conclusão, o seguinte:
A. Na atribuição de patentes não pode haver uma "interpretação extensiva" da concessão parcial prevista no artigo 97° do RJPI, tendo presente o artigo 65° do diploma revogado, o D.L. 16/95 de 24 de Janeiro.
B. Nos termos do artigo 97° do RJPI, a DSE, está limitada, a sua competência prende-se com eliminação de desenhos, frases do resumo ou da descrição ou alterar o título ou epígrafe da invenção, está excluído do âmbito desta norma as reivindicações, o legislador pretendeu que a DSE procedesse a modificação de natureza não -substantiva, mas excluiu as de natureza substantiva, as alterações feitas pela DSE tem de ser publicadas no BORAEM.
C. Por força do Acordo celebrado entre a RAEM /DSE e a Direcção Nacional da Propriedade Industrial (DNPI) da RPC, foi esta entidade designada, para proceder ao exame substantial da patente de invenção, cuja protecção seja pedida para Macau
D. Os relatórios de exame de invenção incidem, sobre a parte do pedido de patente relacionada com o objecto principal das reivindicações.
E. O pedido de registo da patente I/252 preenchia o requisito da unidade consagrado no artigo 80° trata-se assim de uma só invenção que existe como um todo, assim todas as reivindicações independentes e subsidiárias devem preencher os requisitos de patenteabilidade.
F. Ao requerente foi dada oportunidade de proceder às modificações necessárias para a concessão da patente, subsequente ao primeiro relatório de exame, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 89° do RJPI .
G. Foi emitido o segundo relatório conclusivo, segundo o qual as reivindicações 4-5, 9-14 não preenchem o requisito da actividade inventiva.
H. Como a Invenção é um todo constituído pelo conjunto das reivindicações independentes (e as acessórias), e todas elas, têm que satisfazer os três requisitos de patenteabilidade (artigos 65, 66, e 67 do RJPI) para puderem formar uma invenção o que é sinónimo de dizer que o conjunto das reivindicações têm de respeitar o princípio da unidade da invenção de forma a ser concedida a protecção requerida (artigos 60° e 61° do RJPI) , o que não aconteceu pois as reivindicações 4-5, 9-14 não preenchiam os três requisitos de patenteabilidade (cumulativos), razão pela qual, foi recusado o pedido de registo da patente de Invenção I/252.
I. Se a não patenteabilidade for manifesta, nos termos do relatório de exame, o pedido de patente é recusada nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 9.° conjugado com o artigo 98° do RJPI.
J. A concessão parcial, está directamente ligada à concessão da patente e reporta-se a modificações formais, as reivindicações estão excluídas por força do artigo 97° do RJPI, da concessão parcial.
K. A declaração de nulidade ou anulabilidade só podem resultar de decisão judicial, conforme do artigo 49° do RJPI;
L. Não pode neste processo ser invocado ao artigo 119º porque, além da falta de legitimidade do Requerente não é este o meio processual adequado.
M. Com efeito, a citada disposição legal, prevê que podem ser declaradas nulas ou anuladas total ou parcialmente uma ou mais reivindicações de uma patente já concedida, ora, o que se discute nestes autos é precisamente, a concessão ou recusa desse direito.
N. A anulação total ou parcial de reivindicações, esta directamente ligada à patente que foi concedida, na maioria dos casos, com preterição de direitos de terceiros.
O. O que se estipula no artigo 119º, não é a concessão parcial de uma patente, é anulação de uma ou mais reivindicação da patente, permanecendo a mesma em vigor relativamente às restantes, sempre que subsistir matéria para uma patente independente.
P. Nos termos do relatório, as reivindicações 4-5, 9-14 da Invenção satisfazem dos três, dois requisitos: isto é são novas e susceptíveis de aplicação industrial, mas não tem actividade inventiva.
Q. A reivindicação não pode ser parcialmente concedida porque as reivindicações não estão incluídas no artigo 97°.
R. Acresce que neste processo, salvo o devido respeito, o Mmo Juíz do Tribunal recorrido, não pode declarar a nulidade ou anulabilidade parcial de reivindicações de uma patente que não existe e requer um processo especial
S. Fica, assim preterida a interpretação elaborada pelo Mmo Juiz segundo o qua1:"(...) Na verdade negar esta possibilidade relevaria de um contra senso sistemático, uma vez que seria incompreensível a possibilidade de se obter uma nulidade ou anulabilidade parcial de reivindicações de uma patente nos termos do artigo 119.° do RJPI, e depois de todas serem concedidas, e impossibilitar a concessão parcial das reivindicações de uma patente no âmbito do respectivo processo de concessão."
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A Recorrida A, Inc. respondeu à motivação do recurso acima em referência nos termos constante a fls. 181 a 193 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, pugnando pela improcedência do recurso.
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Foram colhidos os vistos legais.
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II – Factos
Vêm provados os seguintes factos pelo Tribunal a quo:
- Em 16 de Dezembro de 2005, a Recorrida (sociedade requerente) A, Inc. apresentou à DSE o pedido de registo de patente da invenção n.º I/252, sob o título “3,5-disubstituted e 3,5,7-trisubstituted-3H-oxazolo e 3H-thiazolo[4,5-d]pyrimidin-2-one compounds e seus derivados”.
- Aprovado o exame formal, os elementos do referido pedido de registo foram publicados no “Boletim Oficial da RAEM” n.º 36, II Série, de 06 de Setembro de 2006.
- Em 21 de Novembro de 2012, a Recorrida pediu à DSE para realização de exame substancial.
- Em 18 de Dezembro de 2012, a DSE remeteu à Direcção Nacional da Propriedade Intelectual através do ofício n.º 61247/DPI, os documentos relativos ao presente pedido de registo, para servirem de referência para a DNPI elaborar o relatório de pesquisa internacional e o parecer sobre o exame.
- A DNPI emitiu, em 11 de Abril de 2013, o relatório de pesquisa internacional e a notificação do seu parecer sobre o exame do presente pedido de registo, segundo a qual, o tal pedido não reúne os requisitos de patenteabilidade.
- Em resposta à dita notificação do parecer sobre o exame, a Recorrida apresentou à DSE, em 23 de Julho de 2013, suas alegações e o novo pedido com modificações.
- Em 13 de Agosto de 2013, a DSE transmitiu à DNPI, através do ofício n.º 60894/DPI, as ditas alegações e o novo pedido com modificações que recebeu, para servirem de referência à elaboração de notificação do parecer sobre o novo exame.
- A Recorrida veio a ser informada pela DSE, através do ofício n.º 60134/DPI, de que a DNPI lhe tinha emitido, em 05 de Dezembro de 2013, a notificação do parecer sobre o novo exame do presente pedido, segunda a qual, quanto ao presente pedido de registo, as reivindicações 1-14 reúnem o requisito de novidade e susceptibilidade de aplicação industrial, as reivindicações 1-3, 6-8 reúnem o requisito de criatividade, só que às reivindicações 4-5, 9-14 falta o requisito de criatividade.
- A DSE considerou a notificação do parecer sobre o novo exame como parecer conclusivo, dando como assente que as reivindicações 4-5, 9-14 do presente pedido de registo não possuem característica de “actividade inventiva” prevista no artigo 66.º do Regime Jurídico da Propriedade Industrial, e que, em consequência, o pedido de registo não satisfaz os requisitos substanciais de patenteabilidade previstos no artigo 61.º do mesmo regime, pelo que veio a recusar o presente pedido de registo com base nos artigos 98.º e 9.º, n.º 1, alínea a), do dito regime, e publicar a decisão de recusa no “Boletim Oficial da RAEM” n.º 3, II Série, de 15 de Janeiro de 2014.
- A DNPI afirma no parecer sobre o exame emitida em 11 de Abril de 2013 que “o D2 (ou seja, WO9951608A1) é considerado como estado da técnica mais aproximado às reivindicações primitivas 8-14 (entre as quais, as reivindicações primitivas 9-10 correspondem às reivindicações 4-5 recusadas). Os técnicos desta área, com base no teor divulgado em D2, em conjugação com as informações divulgadas em D6, e com os conhecimentos gerais ao seu alcance na área técnica, podem facilmente pensar em melhoria da estrutura das composições divulgadas em D2, ou seja, podendo inequivocamente adquirir a solução técnica das reivindicações 8-14.”
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III – Fundamentação
O presente recurso consiste em saber, face ao actual Regime Jurídico da Propriedade Industrial (RJPI) da RAEM, se é possível para a DSE, por sua iniciativa própria, eliminar as reivindicações não reunidas as exigências legais e conceder o registo da patente relativamente às que satisfazem.
O Tribunal a quo decidiu no sentido afirmativo nos seguintes termos:
“...Já relativamente á concessão parcial pretendida, com excepção das reivindicações 4-5, 9-14, não encontramos escolho que seja a mesma deferida.
Certo que a lei actualmente não tem a mesma redacção que tinha a anterior.
Esta referia expressamente no nº1 do artº65 do D.L. 16/95, publicado no BO nº36, I série, de 4 de Setembro de 1995, que, “Tratando-se apenas de delimitar a matéria protegida, eliminar reivindicações desenhos, frases do resumo ou da descrição ou ….”, acrescentado o nº3 que “a concessão parcial devera ser proferida de forma que a parte recusa não exceda os limites das observações constantes do relatório do exame.” Aquela refere no nº1 do artº97 (RJPI) que, “Tratando-se apenas de eliminar desenhos, frases do resumo ou da descrição ou alterar o título ou epígrafe da invenção, de harmonia com a notificação, a DSE pode proceder a tais modificações e promover a publicação do correspondente aviso se o requerente não se opuser expressamente, no prazo de 1 mês a contar da referida notificação”
Resulta disto, pois, que a diferença relevante da actual lei em relação a anterior se prende ao facto de não se fazer menção ao trecho que dispunha “Tratando-se apenas de delimitar a matéria protegida, eliminar reivindicações (…)”
Não obstante esta diferença, parece inequívoco que, quer na lei anterior, quer na actual, não resulta alinhado como fundamento de recusa o facto de algumas reivindicações não cumprirem todos os requisitos legais. Acresce que é o próprio RJPI, no seu artº98, e por referência ao artº9º nº1 al.a), a referir de forma sugestiva de que a recusa apenas terá lugar se a não patenteabilidade for manifesta.
Podemos desta sorte concluir que, da conjugação destes preceitos, no confronto também do artº119º do mesmo diploma, nos termos do qual podem ser declaradas nulas ou anuladas uma ou mais reivindicações (nº1), continuando a patente em vigor na parte remanescente (nº2), que é viável a concessão parcial da patente em relação a apenas alguma ou algumas reivindicações.
Na verdade negar esta possibilidade relevaria de um contra senso sistemático, uma vez que seria incompreensível a possibilidade de se obter uma nulidade ou anulabilidade parcial de reivindicações de uma patente nos temos do artº119 do RJPI, e depois de todas terem sido concedidas, e impossibilitar a concessão parcial das reivindicações de uma patente no âmbito do respectivo processo de concessão.
Nesta perspectiva cremos dever ser efectuada uma interpretação extensiva do artº97º do RJPI e por forma a que se contemple no seu espírito a possibilidade de concessão parcial de apenas algumas reivindicações da patente pedida.
IV.
Em face do exposto improcede o pedido principal, procedendo o pedido subsidiário e, em consequência, determina-se que a DSE conceda o registo da patente em relação às reivindicações 1-3, 6-8…”.
Para a DSE, ora Recorrente, tal concessão parcial é inviável por entender que:
- não é possível efectuar uma interpretação extensiva do artº 97º do RJPI na medida em que o legislador pretendeu que a DSE apenas procedesse modificações de natureza não substantiva, excluindo as de natureza substantiva onde se incluem as reivindicações;
- é necessário que todas as reivindicações satisfazem os três requisitos de patenteabilidade (cfr. artºs 65º, 66º e 67º do RJPI) para em conjunto constituírem a invenção; e
- o artº 119º do RJPI não pode servir como fundamento legal da concessão parcial da patente por ser uma norma que diz respeito à nulidade ou anulabilidade parcial da patente.
Quid iuris?
Como é sabido, o Código da Propriedade Industrial - CPI, aprovado pelo DL nº 16/95, extensivo a Macau através da publicação no BO nº 36, I Série, de 04/09/1995, foi sucedido pelo actual RJPI.
Comparando os dois regimes, verifica-se que o actual RJPI na matéria respeitante à concessão parcial da patente tem a redacção diferente do anterior.
Dispõe o artº 97º do RJPI que:
Artigo 97.º
(Concessão parcial)
1. Tratando-se apenas de eliminar desenhos, frases do resumo ou da descrição ou alterar o título ou epígrafe da invenção, de harmonia com a notificação, a DSE pode proceder a tais modificações e promover a publicação do correspondente aviso se o requerente não se opuser expressamente, no prazo de 1 mês a contar da referida notificação.
2. A publicação do aviso mencionado no número anterior no Boletim Oficial, com a transcrição do resumo, deve conter a indicação das alterações efectuadas.
Enquanto o artº 65º do CPI previa que:
Artigo 65º
(Concessão parcial)
1. Tratando-se apenas de delimitar a matéria protegida, eliminar reivindicações, desenhos, frases do resumo ou da descrição ou alterar o título ou epígrafe do invento, de harmonia com a notificação e se o requerente não proceder voluntariamente a essas modificações, o examinador poderá fazê-las e propor, assim, a concessão da respectiva patente.
2. Quando o examinador propuser a concessão da patente, os avisos respectivos, a publicar no Boletim da Propriedade Industrial, deverão conter a indicação de eventuais alterações da epígrafe, das reivindicações, da descrição ou do resumo.
3. A concessão parcial deverá ser proferida de forma que a parte recusada não exceda os limites das observações constantes do relatório do exame.
A diferença consiste essencialmente no facto de que o texto do nº 1 do artº 97º do RJPI deixou de mencionar a possibilidade de “delimitar a matéria protegida” e “eliminar reivindicações” por parte do examinador.
Para o Tribunal a quo, esta diferença é irrelevante, já que o legislador continua a permitir a concessão parcial da patente, bem como a sua subsistência parcial nos casos da sua nulidade/anulabilidade parcial (cfr. artº 119º, nº 2 do RJPI).
Nesta conformidade, entendeu que não obstante a redacção normativa não ser igual, a intenção legislativa continua a ser a mesma, pelo que fez uma interpretação extensiva do nº 1 do artº 97º do RJPI no sentido de que a DSE podia “eliminar as reivindicações” não reunidas as exigências legais e conceder o registo das que satisfaziam.
Salvo o devido respeito, não podemos sufragar este entendimento.
Entendemos que o legislador do RJPI retirou, de forma intencional, a possibilidade de “delimitar a matéria protegida” e “eliminar reivindicações” por parte da DSE por considerar esta entidade não possuir capacidade técnica para o efeito.
No regime anterior, a entidade que realizava o exame e a que concedia o registo da patente era a mesma – o Instituto Nacional da Propriedade Industrial (cfr. artº 63º do CPI), daí que fazia sentido permitir esta entidade, por iniciativa própria, “delimitar a matéria protegida” e “eliminar reivindicações” para efeito da concessão parcial.
O que já não acontece no regime actual do RJPI, segundo o qual a DSE tem apenas a competência para conceder o registo da patente, não tendo portanto a competência para realizar o exame (cfr. artº 85º do RJPI).
Trata-se duma opção legislativa que prende-se com a realidade social da RAEM, na medida em que o legislador bem sabe que a DSE não possui capacidade técnica para o efeito.
Cremos por esta razão, foi lhe retirada a possibilidade de “delimitar a matéria protegida” e “eliminar reivindicações” para efeito da concessão parcial da patente.
Repare-se, ainda que a DSE possa, nos termos do nº 1 do artº 97º do RJPI, eliminar desenhos, frases do resumo ou da descrição ou alterar o título ou epígrafe da invenção, esta alteração tem de ser feita em conformidade com a notificação da entidade examinadora, o que evidencia, mais uma vez, o não reconhecimento da capacidade técnica da DSE por parte do legislador.
É certo que o RJPI admite a subsistência parcial da patente já registada nos casos de nulidade/anulabilidade parcial, mas isto não significa que a DSE pode, por iniciativa própria, “delimitar a matéria protegida” e “eliminar reivindicações” para efeitos da concessão parcial.
Não está em causa a possibilidade ou não da concessão parcial do registo da patente, a qual é expressamente admitida no RJPI.
O que está em causa é em que modo a concessão parcial pode e deve ser feita – se a DSE pode ou não, por sua própria iniciativa, “delimitar a matéria protegida” e “eliminar reivindicações” para efeitos da concessão parcial da patente.
A nossa resposta, face ao expendido, não deixa de ser negativa.
Tudo visto, resta decidir.
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IV – Decisão
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em conceder provimento ao recurso interposto, revogando a sentença recorrida e confirmando a decisão da DSE.
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Custas pela Recorrida em ambas as instâncias.
Notifique e registe.
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RAEM, aos 26 de Janeiro de 2017.
Ho Wai Neng
José Cândido de Pinho
Tong Hio Fong
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900/2016