--- Decisão Sumária nos termos do art.º 407º, n.º 6 do C.P.P.M. (Lei n.º 9/2013).----------
--- Data: 07/02/2017 --------------------------------------------------------------------------------------
--- Relator: Dr. Dias Azedo.-----------------------------------------------------------------------------
Processo nº 35/2017
(Autos de recurso penal)
(Decisão sumária – art. 407°, n.° 6, al. b) do C.P.P.M.)
Relatório
1. A, arguido com os restantes sinais dos autos, vem recorrer do Acórdão do T.J.B. de 03.11.2016 que, operando o cúmulo jurídico de 3 penas que lhe tinham sido aplicadas nos presentes autos (CR1-15-0061-PCC), e nos Autos de Processo Comum Colectivo n.° CR3-15-0074-PCC – de 2 anos e 6 meses e de 2 anos e 3 meses de prisão, por 2 crimes de “usura com exigência ou aceitação de documentos”, p. e p. pelos art°s 13° e 14° da Lei n.° 8/96/M e art. 219° do C.P.M.; e a terceira, de 1 ano e 6 meses de prisão, pelo crime de “sequestro”, p. e p. pelo art. 152°, n.° 1 do C.P.M. – fixou-lhe a pena única de 4 anos e 9 meses de prisão, alegando, (apenas), que excessiva era tal pena única e pedindo a sua redução para a de 3 anos e 9 meses de prisão; (cfr., fls. 227 a 228 e 266 a 270 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).
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Respondendo, diz o Ministério Público que o recurso não merece provimento, devendo ser rejeitado; (cfr., fls. 281 a 284-v).
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Admitido o recurso, com efeito e modo de subida adequadamente fixados, vieram os autos a este T.S.I. onde, em sede de vista, juntou o Exmo. Magistrado do Ministério Público o seguinte douto Parecer:
“A, devidamente identificado nos autos, recorre do acórdão de 3 de Novembro de 2016, exarado nos autos de processo comum colectivo CR1-15-0061, do 1.° juízo criminal, que procedeu ao cúmulo das penas que lhe foram aplicadas nesse mesmo processo, por decisão transitada em 10 de Dezembro de 2015, com as penas que lhe tinham sido impostas no processo comum colectivo CR3-15-0074, do 3.° juízo criminal, aqui por acórdão transitado em 1 de Dezembro de 2015, estipulando, a final, uma pena de prisão de 4 anos e 9 meses e uma pena acessória de proibição de entrada em casinos pelo prazo de 6 anos.
Nas conclusões da sua alegação, imputa ao acórdão recorrido a violação dos critérios conducentes à determinação da medida da pena, alvitrando terem sido violadas as normas dos artigos 40.° e 65.° do Código Penal, e sugerindo que aquela pena de 4 anos e 9 meses de prisão imposta pelo acórdão recorrido seja reduzida para uma pena de 3 anos e 9 meses de prisão.
Respondeu o Ministério Público, rebatendo integralmente o argumentário do recorrente e defendendo a manutenção do julgado.
Vejamos, não deixando, desde já, de notar que, em sede de conclusões da alegação, o recorrente nenhuma crítica formula quanto à pena acessória, pelo que nos limitaremos a aludir à questão do cúmulo jurídico das penas parcelares de prisão.
A este propósito cabe começar por assinalar que se está perante o cúmulo jurídico de penas de um concurso de crimes de conhecimento superveniente, e, mais que isso, de penas já transitadas em julgado, Donde decorre que, relativamente às penas parcelares que integram o cúmulo, estava o tribunal recorrido impedido de sindicar/alterar a respectiva medida, que, como é sabido, fica salvaguardada pelo caso julgado.
Ora, parecendo que a argumentação do recorrente faz essencialmente apelo a critérios aplicáveis na determinação da medida das penas parcelares primitivas, parece que, com base nesses critérios supostamente não atendidos na realização do cúmulo jurídico, a argumentação estará votada à improcedência.
De resto, constata-se que o tribunal deu cumprimento às exigências do artigo 71.°, n.°s 1 e 2, observáveis por força do artigo 72.° do Código Penal. Assim, após ter enunciado e considerado na sua globalidade todos os tipos de ilícito cometidos, as datas em que ocorreram, as respectivas penas parcelares, as datas do trânsito das decisões, os limites, mínimo e máximo da pena conjunta, bem como os elementos relativos à condição e personalidade do recorrente, teve o tribunal por adequado fixar em 4 anos e 9 meses o cúmulo jurídico das três penas de prisão anteriormente aplicadas. Pois bem, a pena conjunta teria que se situar entre o limite mínimo de 2 anos e 6 meses (maior das penas anteriormente aplicadas) e o limite máximo de 6 anos e 3 meses (soma das penas anteriormente determinadas), tal como o tribunal explicitou e bem resulta do artigo 71.°, n.° 2, do Código Penal. Perante esta moldura, tendo presente os factos criminosos, o que eles representam na sua globalidade e o que eles projectam na trajectória da personalidade do recorrente, crê-se que não há censura a dirigir à medida da pena fixada no acórdão recorrido. Tenha-se presente que o recorrente começa, em 29 de Abril de 2014, por praticar um crime de exigência ou aceitação de documentos. E, volvidos cerca de quatro meses, entre 9 e 12 de Setembro de 2014, pratica um outro crime de exigência aceitação de documentos, desta vez em concurso com um crime de sequestro. Dos factos integrantes destes ilícitos é possível descortinar uma certa escalada de agravamento da personalidade, do recorrente, o que é, aliás, característico das vivências marginais ligadas à agiotagem.
Ante o que fica sucintamente exposto, crê-se que a pena encontrada se adequa aos critérios do artigo 71.° do Código Penal, pelo que o acórdão não merece censura, razão por que o nosso parecer vai no sentido do não provimento do recurso”; (cfr., fls. 322 a 323).
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Em sede de exame preliminar constatou-se da manifesta improcedência do presente recurso, e, nesta conformidade, atento o estatuído no art. 407°, n.° 6, al. b) e 410°, n.° 1 do C.P.P.M., (redacção dada pela Lei n.° 9/2013, aplicável aos presentes autos nos termos do seu art. 6°, n.° 1 e 2, al. 2), passa-se a decidir.
Fundamentação
2. Como resulta do que se deixou relatado, insurge-se o arguido contra o Acórdão do T.J.B. de 03.11.2016 que o condenou numa pena única de 4 anos e 9 meses de prisão, batendo-se pela sua redução para a de 3 anos e 9 meses de prisão.
E, como (igualmente) se deixou adiantado, evidente é a (manifesta) improcedência da pretensão apresentada, sendo de se subscrever, na íntegra, o teor da Resposta e douto Parecer do Ministério Público que, de forma clara e cabal, explicita a falta de razão do ora recorrente.
Seja como for, não se deixa de dizer o que segue.
Como é sabido, a determinação de uma “pena criminal” implica a ponderação da “matéria de facto dada como provada” e a (adequada) aplicação de vários preceitos legais.
Desde logo, (e no que a estes diz respeito), importa ponderar no estatuído no art. 40° do C.P.M. onde se prescreve que:
“1. A aplicação de penas e medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.
2. A pena não pode ultrapassar em caso algum a medida da culpa.
3. A medida de segurança só pode ser aplicada se for proporcionada à gravidade do facto e à perigosidade do agente”.
Por sua vez, imprescindível é atentar no art. 65° do mesmo C.P.M., (onde se fixam os “critérios para a determinação da pena”), e em relação ao qual temos repetidamente considerado que “na determinação da medida da pena, adoptou o Código Penal de Macau a “Teoria da margem da liberdade”, segundo a qual, a pena concreta é fixada entre um limite mínimo e um limite máximo, determinados em função da culpa, intervindo os outros fins das penas dentro destes limites”; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 29.09.2016, Proc. n.° 628/2016, de 07.12.2016, Proc. n.° 177/2016 e de 12.01.2017, Proc. n° 498/2016).
No caso, e em causa estando uma “pena única” resultante de um “cúmulo jurídico”, haverá também que atentar no estatuído no art. 71° do aludido Código, que dispõe que:
“1. Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles, é condenado numa única pena, sendo na determinação da pena considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.
2. A pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 30 anos tratando-se de pena de prisão e 600 dias tratando-se de pena de multa, e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes.
3. Se as penas concretamente aplicadas aos crimes em concurso forem umas de prisão e outras de multa, é aplicável uma única pena de prisão, de acordo com os critérios estabelecidos nos números anteriores, considerando-se as de multa convertidas em prisão pelo tempo correspondente reduzido a dois terços.
4. As penas acessórias e as medidas de segurança são sempre aplicadas ao agente, ainda que previstas por uma só das leis aplicáveis”; (sub. nosso).
Abordando idêntica questão à ora em apreciação, e tendo em consideração o teor do n.° 1 do transcrito art. 71°, teve já este T.S.I. oportunidade de afirmar que:
“Na determinação da pena única resultante do cúmulo jurídico são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.
Na consideração dos factos, ou melhor, do conjunto dos factos que integram os crimes em concurso, está ínsita uma avaliação da gravidade da ilicitude global, que deve ter em conta as conexões e o tipo de conexão entre os factos em concurso.
Por sua vez, na consideração da personalidade - que se manifesta na totalidade dos factos - devem ser avaliados e determinados os termos em que a personalidade se projecta nos factos e é por estes revelada, ou seja, importa aferir se os factos traduzem uma tendência desvaliosa, uma tendência para a prática do crime ou de certos crimes, ou antes, se reconduzem apenas a uma pluriocasionalidade que não tem razão na personalidade do agente”; (cfr., v.g., os Acs. deste T.S.I. de 11.10.2012, Proc. n.° 703/2012, de 14.11.2013, Proc. n.° 695/2013 e de 03.04.2014, Proc. n.° 178/2014).
Atento ao que até aqui se deixou exposto, (e que é de manter), e certo sendo que, in casu, em causa está uma moldura penal com um “limite mínimo de 2 anos e 6 meses” e um “limite máximo de 6 anos e 3 meses”, evidente se nos apresenta que nenhuma censura merece a pena única de 4 anos e 9 meses de prisão fixada.
De facto, esta pena única, (situando-se a “meio” da dita moldura), não se mostra excessiva ou inflaccionada já que, em nossa opinião, reflecte, correctamente, a forte necessidade de prevenção criminal especial que, no caso, se impõe, atentos os tipos e natureza dos crimes, suas circunstâncias, nomeadamente, temporais, e modus operandi.
Como bem se nota no transcrito Parecer do Ministério Público e que vale a pena aqui repetir, tenha-se pois em conta que “(…) o recorrente começa, em 29 de Abril de 2014, por praticar um crime de exigência ou aceitação de documentos. E, volvidos cerca de quatro meses, entre 9 e 12 de Setembro de 2014, pratica um outro crime de exigência aceitação de documentos, desta vez em concurso com um crime de sequestro. (…)”, claro ficando que é detentor de uma “personalidade com dificuldades” quanto ao respeito das normas de convivência social, não olhando a meios para atingir os fins a que se propõe.
Por sua vez, (e não se deve olvidar também que), em 29.07.2016, foi ainda julgado em processo sumário (CR4-16-0141-PSM), no qual foi condenado pela prática de 1 (outro) crime de “violação de proibição de reentrada”, p. e p. pelo art. 21° da Lei n.° 6/2004, na pena de 4 meses de prisão; (cfr., fls. 256 a 260).
Ora, como temos repetidamente considerado:
“I - Também em matéria de pena o recurso mantém o arquétipo de remédio jurídico, pelo que o tribunal de recurso deve intervir na pena (alterando-a) apenas e só quando detectar incorrecções ou distorções no processo de determinação da sanção.
II - Por isso, o recurso não visa nem pretende eliminar alguma margem de apreciação livre reconhecida ao tribunal de 1ª instância nesse âmbito.
III - Revelando-se, pela sentença, a selecção dos elementos factuais elegíveis, a identificação das normas aplicáveis, o cumprimento dos passos a seguir no iter aplicativo e a ponderação devida dos critérios legalmente atendíveis, justifica-se a confirmação da pena proferida”; (cfr., o Ac. da Rel. de Évora de 22.04.2014, Proc. n.° 291/13, in “www.dgsi.pt”, aqui citado como mera referência, e Decisão Sumária do ora relator de 15.09.2016, Proc. n.° 485/2016, de 14.10.2016, Proc n.° 695/2016 e de 04.01.2017, Proc. n.° 887/2016, ponderando-se ver também o Ac. deste T.S.I. de 24.11.2016, Proc. n.° 817/2016 onde se, decidiu que: “Não havendo injustiça notória na medida da pena achada pelo Tribunal a quo ao arguido recorrente, é de respeitar a respectiva decisão judicial ora recorrida”).
Nesta conformidade, à vista está a solução.
Decisão
3. Em face do exposto, decide-se rejeitar o recurso.
Pagará o recorrente a taxa de justiça que se fixa em 3 UCs, e como sanção pela rejeição do recurso o equivalente a 3 UCs; (cfr., art. 410°, n.° 3 do C.P.P.M.).
Honorários ao Exmo. Defensor no montante de MOP$1.800,00.
Registe e notifique.
Nada vindo de novo, e após trânsito, devolvam-se os autos ao T.J.B. com as baixas e averbamentos necessários.
Macau, aos 7 de Fevereiro de 2017
José Maria Dias Azedo
Proc. 35/2017 Pág. 12
Proc. 35/2017 Pág. 13