Processo nº 49/2017 Data: 09.02.2017
(Autos de recurso penal)
Assuntos : Liberdade condicional.
Pressupostos.
SUMÁRIO
1. A liberdade condicional não é uma “medida de clemência”, constituindo uma medida que faz parte do normal desenvolver da execução da pena de prisão, manifestando-se como uma forma de individualização da pena no fito de ressocialização, pois que serve um objectivo bem definido: o de criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, durante o qual o delinquente possa, equilibradamente, recobrar o sentido de orientação social fatalmente enfraquecido por efeito da reclusão.
2. É de conceder caso a caso, dependendo da análise da personalidade do recluso e de um juízo de prognose fortemente indiciador de que o mesmo vai reinserir-se na sociedade e ter uma vida em sintonia com as regras de convivência normal, devendo também constituir matéria de ponderação, a defesa da ordem jurídica e da paz social.
O relator,
José Maria Dias Azedo
Processo nº 49/2017
(Autos de recurso penal)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
Relatório
1. A (A), com os restantes sinais dos autos e ora preso no Estabelecimento Prisional de Coloane (E.P.C.), vem recorrer da decisão que lhe negou a concessão de liberdade condicional, motivando para, a final, concluir, imputando à decisão recorrida o vício de violação do disposto no art. 56° do C.P.M.; (cfr., fls. 68 a 74 que como as que adiante se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os legais efeitos).
*
Em resposta, pugna o Exmo. Magistrado do Ministério Público no sentido da improcedência do recurso; (cfr., fls. 76 a 77).
*
Em sede de vista, juntou o Exmo. Representante do Ministério Público douto Parecer opinando também no sentido da improcedência do recurso; (cfr., fls. 116 a 117-v).
*
Corridos os vistos legais dos Mmos Juízes-Adjuntos, e nada obstando, vieram os autos à conferência.
*
Passa-se a decidir.
Fundamentação
Dos factos
2. Flui dos autos a factualidade seguinte (com relevo para a decisão a proferir):
– por Acórdão do T.J.B. de 07.10.2016, foi, A, ora recorrente, condenado na pena única de 2 anos de prisão, pela prática, em concurso real, de 2 crimes de “furto qualificado”;
– o mesmo recorrente, deu entrada no E.P.C. em 01.08.2015, e em 30.11.2016, cumpriu dois terços da referida pena, vindo a expiar totalmente a mesma pena em 30.07.2017;
– se lhe vier a ser concedida a liberdade condicional, irá viver com os seus pais em FUJIEN, R.P.C., de onde é natural, tencionando a explorar um negócio de “cabeleireiro”.
Do direito
3. Insurge-se o ora recorrente contra a decisão que lhe negou a concessão de liberdade condicional, afirmando, em síntese, que se devia considerar que reunidos estão todos os pressupostos do art. 56° do C.P.M. para que tal libertação antecipada lhe fosse concedida.
Cremos porém que se deve julgar manifestamente improcedente a pretensão deduzida.
Vejamos.
— Preceitua o citado art. 56° do C.P.M. (que regula os “Pressupostos e duração” da liberdade condicional) que:
“1. O tribunal coloca o condenado a pena de prisão em liberdade condicional quando se encontrarem cumpridos dois terços da pena e no mínimo 6 meses, se:
a) For fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes; e
b) A libertação se revelar compatível com a defesa da ordem jurídica e da paz social.
2. A liberdade condicional tem duração igual ao tempo de prisão que falte cumprir, mas nunca superior a 5 anos.
3. A aplicação da liberdade condicional depende do consentimento do condenado”; (sub. nosso).
Constituem, assim, “pressupostos objectivos” ou “formais”, a condenação em pena de prisão superior a seis (6) meses e o cumprimento de dois terços da pena, num mínimo de (também) seis (6) meses; (cfr. n.° 1).
“In casu”, atenta a pena única que ao recorrente foi fixada, e visto que se encontra ininterruptamente preso desde 01.08.2015, expiados estão já dois terços de tal pena, pelo que preenchidos estão os ditos pressupostos formais.
Todavia, e como é sabido, tal “circunstancialismo” não basta, já que não sendo a liberdade condicional uma medida de concessão automática, impõe-se para a sua concessão, a verificação cumulativa de outros pressupostos de natureza “material”: os previstos nas alíneas a) e b) do n.° 1 do referido art. 56°.
Com efeito, importa ter em conta que a liberdade condicional não é uma “medida de clemência”, constituindo uma medida que faz parte do normal desenvolver da execução da pena de prisão, manifestando-se como uma forma de individualização da pena no fito de ressocialização, pois que serve um objectivo bem definido: o de criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, durante o qual o delinquente possa, equilibradamente, recobrar o sentido de orientação social fatalmente enfraquecido por efeito da reclusão; (cfr., v.g., J. L. Morais Rocha e A. C. Sá Gomes in “Entre a Reclusão e a Liberdade – Estudos Penitenciários”, Vol. I, em concreto, “Algumas notas sobre o direito penitenciário”, IV cap., pág. 41 e segs.).
Na esteira do repetidamente decidido nesta Instância, a liberdade condicional “é de conceder caso a caso, dependendo da análise da personalidade do recluso e de um juízo de prognose fortemente indiciador de que o mesmo vai reinserir-se na sociedade e ter uma vida em sintonia com as regras de convivência normal, devendo também constituir óbviamente matéria de ponderação, a defesa da ordem jurídica e da paz social”; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 07.12.2016, Proc. n.° 873/2016, de 13.12.2016, Proc. n.° 919/2016 e de 05.01.2017, Proc. n.° 962/2016).
Assim, detenhamo-nos na apreciação de tais pressupostos de natureza material.
Ponderando na factualidade atrás retratada, poder-se-á dizer que é fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes, mostrando-se a pretendida liberdade condicional compatível com a defesa da ordem jurídica e paz social?
Mostra-se-nos que de sentido negativo deve ser a resposta.
No caso dos autos, os crimes de “furto” pelo ora recorrente cometidos, ocorreram encontrando-se o mesmo em situação de “visitante”, agindo em conluio com outros participantes, em conformidade com um plano traçado antes de viram a Macau, (portanto, vindo a Macau, para tal fim), notando-se ainda que é um tipo de “furto” – por “carteirista em transportes públicos” – que dada a sua frequência, tem causado algum alarme público, fortes sendo assim as necessidades de prevenção geral a tornar evidente que não se pode acolher a pretensão em questão.
Como – bem – se nota no douto Parecer do Exmo. Magistrado do Ministério Público, “A frequência com que cidadãos do exterior vêm cometendo ilícitos contra a propriedade, utilizando o tipo de actuação posto em prática pelo recorrente, numa região com área territorial muito limitada como é Macau, onde a economia é dominada pelo jogo e pelo turismo, que se desenvolvem num espaço concentrado e de permanente actividade, tem necessariamente impacto e consequências perniciosas para a confiança indispensável ao bom funcionamento do modelo económico de Macau. Neste contexto, a libertação condicional do condenado pode colocar em causa as finalidades de prevenção positiva que devem ser salvaguardadas na concessão da liberdade condicional”.
Assim, em face das expostas considerações, e verificados não estando os pressupostos do art. 56°, n.° 1 do C.P.M., há que decidir em conformidade.
Decisão
4. Nos termos e fundamentos expostos, em conferência, acordam negar provimento ao recurso.
Custas pelo recorrente, com taxa de justiça que se fixa em 4 UCs.
Honorários ao Exmo. Defensor no montante de MOP$1.800,00.
Registe e notifique.
Nada vindo de novo, e após trânsito, remetam-se os autos ao T.J.B. com as baixas e averbamentos necessários.
Macau, aos 9 de Fevereiro de 2017
José Maria Dias Azedo
Chan Kuong Seng
Tam Hio Wa
Proc. 49/2017 Pág. 12
Proc. 49/2017 Pág. 11