Processo nº 574/2016
(Autos de Recurso Contencioso)
Data: 16 de Fevereiro de 2017
ASSUNTO:
- Prova testemunhal
SUMÁRIO
- Não tendo a Recorrente indicado qualquer prova testemunhal no âmbito do procedimento administrativo quando foi ouvida em audiência prévia, já não pode, em sede do recurso contencioso, fazer tal diligência probatória, uma vez que vigora no procedimento administrativo o princípio da verdade material, que, como corolário, implica que o órgão ou agente deve adequar a sua análise e respectiva decisão aos factos provados no contexto do procedimento.
O Relator,
Proc. nº 574/2016
(Autos de Recurso Contencioso – Reclamação para a Conferência)
Data: 16 de Fevereiro de 2017
Reclamante: A
ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
I. Relatório
A, melhor identificada nos autos, vem reclamar o despacho do Relator de 11/11/2016, pelo qual se determinou a não realização da inquirição das testemunhas arroladas, nos termos e fundamentos seguintes:
“...
1. No seu douto Despacho de fls. 239 e segts. o Meritíssimo Juiz Relator decidiu não realizar a inquirição das testemunhas arroladas com dois fundamentos principais:
a) Primeiro fundamento - "Como a Recorrente nunca indicou qualquer prova testemunhal no âmbito do procedimento administrativo quando foi ouvida em audiência prévia, já não pode, em sede de recurso contencioso, fazer tal diligência probatória" (fls. 239);
b) Segundo fundamento - "A diligência é desnecessária" (fls. 239-v)
2. Entende a ora Reclamante que essa decisão viola o seu direito de defesa, razão pela qual vem Reclamar para a Conferência, requerendo a revogação do douto Despacho proferido.
Sobre o Primeiro Fundamento:
3. O primeiro fundamento para a recusa escora-se no ensinamento do Juiz José Cândido Pinho, citado de fls. 125 do seu "Manual de Formação de Direito Processual Administrativo Contencioso", 2ª edição, que é complementado com cinco acórdãos (igualmente citados no mesmo Manual).
Salvo o devido respeito, a citação feita e o sentido do que aí foi escrito não se aplica ao caso dos autos.
O mesmo se diga em relação à jurisprudência invocada de que se disponibiliza versão em língua portuguesa (dois dos Acórdãos estão apenas disponíveis em língua chinesa, desconhecendo-se o seu teor).
4. As referências feitas no "Manual ... ", para sustentar o primeiro fundamento da decisão, e se não se interpreta mal a leitura feita, têm em vista o procedimento disciplinar, o qual tem uma configuração jurídica, uma metodologia e uma dinâmica totalmente diferentes, e nada coincidentes com aquela que existe nos procedimentos de audiência de interessados.
A distinção a fazer nesses dois tipos de procedimentos é crucial para afastar a argumentação usada no douto Despacho.
5. O momento em que a ora reclamante teve possibilidade de intervir, no decurso do procedimento administrativo que precedeu o presente recurso contencioso, foi na sequência da sua notificação para se pronunciar no âmbito da audiência de interessados, previsto no art. 93° do CPA (também chamada no despacho de que se recorre como audiência prévia).
A audiência de interessados é uma fase processual administrativa que antecede a tomada de decisão final. Para que os interessados possam exercer adequadamente o seu direito, deverão ser notificados para se pronunciarem e ser nomeadamente informados do "sentido provável" da decisão final a proferir no processo administrativo.
É um momento em que não se sabe, com segurança, qual a decisão a tomar e, em abstrato, é possível equacionar a possibilidade de a entidade administrativa poder acolher as razões apresentadas no âmbito da audiência preliminar, e vir a tomar uma decisão diferente daquela que anunciou ter em mente ou, até, no limite, uma decisão de sentido totalmente oposta (ou seja, favorável ao interessado).
Esta fase administrativa visa assegurar um direito de participação consagrado no art. 10° como um dos princípios fundamentais do CPA.
6. Atendendo ao que se dispõe no CPA sobre a audiência de interessados (por regra escrita, mas que, inclusive, pode ser substituída por uma audiência oral - art. 95°), apuramos que se trata de uma audição antes da tomada da decisão final (art. 93°, n° 1º), que o interessado pode pronunciar-se sobre o que se lhe oferecer (art. 94°, n° 1 e 3), e onde não está prevista a produção de prova testemunhal.
7. É diferente a situação em que o recurso contencioso é interposto de decisão tomada no âmbito de um processo disciplinar.
Com efeito, o processo disciplinar tem em vista averiguar se concretas imputações são verdadeiras e se elas consubstanciam uma infracção disciplinar. O âmbito da "decisão" que determina a instauração do procedimento disciplinar é inequívoca e, por ser "agressora" dos interesses do visado, levá-lo-á a intervir no procedimento (disciplinar), não ao abrigo de um qualquer direito de participação (que também existe) mas de um direito ao contraditório, tendo em vista contrariar indícios prédeterminados.
Para se opor ao propósito de comprovação (ou não) desses indícios, ou para se opor à responsabilidade que lhe é imputada, o interessado pode apresentar provas concretas, nomeadamente testemunhais, tal como previsto na lei.
8. Como se escreve no Ac. do TUI de 02/06/2004 (Proc. 17/2003) - citado pelo Meritíssimo Juiz Relator em abono da sua tese -, "o processo disciplinar (...) está estruturado de forma contraditória com amplas possibilidades de defesa, manifestação do princípio da presunção da inocência, de processo equitativo, etc.
(...) Após a acusação, o arguido pode apresentar defesa escrita em que expõe os factos e as razões da sua defesa, bem como juntar documentos, indicar o rol de testemunhas e requerer outras diligências de prova."
O Acórdão do TUI decidiu tendo em vista esta tipologia de procedimentos dizendo que "não faria sentido que o recurso contencioso fosse uma repetição do processo disciplinar, com uma segunda oportunidade de produção de prova, até com as mesmas testemunhas que podem contradizer do que depuseram, tendo por objecto a matéria da acusação disciplinar."
Ora, como se viu, o caso dos autos é completamente diferente!
9. Não deve ser acolhida, pois, a posição do Meritíssimo Juiz Relator, porque revela uma visão extremamente rígida e redutora dos direitos de defesa dos lesados que decidam recorrer a tribunal para fazerem valer os seus legítimos interesses.
Nem mesmo em abstrato devem os tribunais de Macau aceitar uma interpretação equivalente àquela de que se reclama, a qual não tem consagração expressa na lei.
10. Vejamos de novo o Juiz José Cândido de Pinho:
Importa "saber se no recurso hierárquico pode o recorrente apresentar algum novo elemento de prova que não tenha sido apresentado no procedimento de 1º grau. (...)
A nossa opinião vai antes para uma resposta afirmativa. O que o direito e a justiça querem é que o acto definitivo do procedimento tenha em conta todas as vicissitudes fácticas e jurídicas, para o que se mostra fulcral o direito irrestrito à prova. E quanto a esta matéria da prova, no decurso total do procedimento, não há etapa exclusiva para a sua realização; isto é, o Código de Procedimento Administrativo não diz que a prova só possa ser realizada numa determinada e específica etapa procedimental. Aliás, se o recurso hierárquico não serve apenas para a realização dos direitos e interesses dos particulares (função subjectiva), mas também os interesses públicos envolvidos (função objectiva). Circunstância que a dota de uma natureza mista, mal se compreenderia que o recorrente não pudesse usar de todos os meios legítimos para demonstrar a foça da sua tese" (sublinhado nosso) (ob. citada, pág. 126, que cita igualmente o Prof. Freitas do Amaral informando que esse ilustre professor se pronunciou no mesmo sentido a pág. 312 do seu "Conceito e Natureza do Recurso Hierárquico".)
11. Não deve proceder, portanto, este primeiro fundamento e deve ser determinado que a Recorrente pode fazer prova testemunhal nos presentes autos
Sobre o Segundo Fundamento:
12. Para o caso de não bastar, o Meritíssimo Juiz veio considerar que a produção de prova é desnecessária, dizendo que os factos essenciais estão vertidos nos pontos 5 a 50 da petição inicial e que nenhuma das testemunhas arroladas está indicada para os factos constantes nessa parte do articulado; excepção feita ao Eng. Lau Siu Io, mas que o facto não é controvertido porque nunca foi questionado pela Entidade Recorrida.
13. Salvo o devido respeito, não é possível concordar com esta posição, a qual assenta num pressuposto incorrecto: na perspectiva da reclamante: os factos essenciais vão muito para além dos que estão referidos nos artigos 5° a 50° da petição inicial!
14. Na verdade, o presente recurso fundamenta-se na violação de vários princípios, a saber: princípio da igualdade, da justiça e da imparcialidade, da boa fé e da decisão.
Como parece ser evidente, só se pode invocar a violação desses princípios (ou de quaisquer outros) indicando factos concretos que o comprovem. De outro modo seria teoria pura e o tribunal indeferiria liminarmente a petição.
Exemplo concreto: só se pode provar a violação do princípio da igualdade se se confrontar o caso concreto recorrido com outros que tenham ocorrido, que sejam comparáveis.
15. Ora bem: a Recorrente trouxe ao processo factos abundantes que permitem provar o que afirmou e a esmagadora maioria deles só pode ser provada através de testemunhas. Só as testemunhas que foram os intervenientes directos nesses procedimentos poderão explicar e motivar as razões das desigualdades criadas. Todas as testemunhas apresentadas podem justamente esclarecer o Tribunal sobre os fundamentos do recurso. Ao contrário é extremamente redutor, na perspectiva da Reclamante, limitar a matéria de facto à cronologia do próprio processo o qual, na verdade, está sustado nos documentos e papeis que o compõem e que, nos termos do art. 55° do CPAC, foi enviado ao Tribunal.
16. A Recorrente não desconhece que, nos termos do art. 63° do CPAC, o juiz tem a faculdade de dispensar a produção de prova sempre que considere estar em condições de conhecer do mérito do recurso.
Mas é preciso um especial cuidado na prerrogativa estabelecida na lei e avaliação a fazer para a recusar, uma vez que a selecção da matéria de facto deve ser feita segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito (Art. 430 do CPC), não sendo curial que exista uma predeterminação para um resultado de acordo com a tendência jurisprudencial que se tem vindo a formar no TSI sobre a questão dos terrenos.
17. Assim, também com estes argumentos não deve proceder, o segundo fundamento e deve ser determinado que a Recorrente pode fazer prova testemunhal nos presentes autos.
CONCLUSÓES:
a) Na audiência de interessados ainda não há conhecimento de uma decisão final, susceptível de ser contenciosamente recorrida, a qual poderá ser alterada de acordo com os interesses dos particulares.
b) Não há nessa fase lugar à produção de prova testemunhal, limitando-se o interessado a exercer o seu direito de participação no processo de tomada de decisões administrativas que o afectem.
c) "O Código de Procedimento Administrativo não diz que a prova só possa ser realizada numa determinada e específica etapa procedimental".
d) Deve ser admitida, pois, a produção de prova no âmbito do presente recurso contencioso.
Por outro lado,
e) É certo que o juiz tem a faculdade de dispensar a produção de prova sempre que considere estar em condições de conhecer do mérito do recurso, nos termos do art. 63° do CPAC.
f) A Recorrente arguiu a nulidade do acto da Entidade Recorrida invocando a violação dos princípios da igualdade, da justiça e da imparcialidade, da boa fé e da decisão, tendo apresentado um conjunto alargados de factos susceptíveis de o provar.
g) Ora, o juiz tem também o dever de fazer a selecção da matéria de facto segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito (Art. 430 do CPC), pelo que não pode limitar a factologia dos autos à cronologia do processo administrativo, mas devendo integrar na prova a produzir todos aqueles que se relacionem com os fundamentos invocados.
Por tudo o exposto,
Deve o douto despacho recorrido ser revogado e substituído por outro que permita a produção da prova testemunhal indicada nos autos.
...”.
*
Devidamente notificada, a Entidade Recorrida pronunciou-se nos termos constantes a fls. 262 a 263 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, pugnando pela improcedência da reclamação.
*
O Ministério Público é de parecer da improcedência da reclamação.
*
II. Fundamentação
O despacho reclamado tem o seguinte teor:
“Pretende o Recorrente produzir a prova testemunhal com vista a provar determinados factos por si alegados na petição inicial.
Ora, como a Recorrente nunca indicou qualquer prova testemunhal no âmbito do procedimento administrativo quando foi ouvida em audiência prévia, já não pode, em sede do recurso contencioso, fazer tal diligência probatória.
Pois, “vigora no procedimento administrativo o princípio da verdade material, que, como corolário, implica que o órgão ou agente deve adequar a sua análise e respectiva decisão aos factos provados no contexto do procedimento.
Nesta conformidade, não deve ser possível fazer no recurso contencioso a prova de factos a respeito dos quais o recorrente tenha podido fazer prova no procedimento”1.
No mesmo sentido, vejam-se ainda o acórdão do TUI, de 2/06/2004, Proc. nº 17/2003, bem como os acórdãos do TSI, de 25/10/2012, Proc. nº 23/2012, de 28/04/2016, Proc. nº 402/2014, de 05/05/2016, Proc. nº 29/2015 e de 19/05/2016, Proc. nº 780/2015.
Por outro lado, ainda que entendesse que a Recorrente poderia fazer prova testemunhal nos presentes autos, tal diligência é desnecessária.
Vejamos.
Segundo a própria Recorrente, os factos essenciais do presente recurso contencioso estão descritos nos pontos 5 a 50 da petição inicial (v. al. a) da conclusão da petição inicial).
No entanto, nenhuma testemunha arrolada, com excepção da testemunha Eng. Lau Siu Io, visa depor sobre algum facto constante dos pontos 5 a 50 da petição inicial.
Em relação à testemunha Eng. Lau Siu Io, esta, sim, é indicada para depor, entre os outros, o facto constante do ponto 9 da petição inicial, o qual diz respeito à situação de crise económica entre o período de 1994 a 2004, facto esse que nunca foi posto em causa pela Entidade Recorrida, pois resulta de forma clara do acto recorrido que a Entidade Recorrida ponderou este facto na sua decisão, entendendo o mesmo não constituir causa da exclusão da culpa da Recorrente na falta de aproveitamento do terreno dentro do prazo estipulado.
Ora, esta ponderação da Entidade Recorrida está correcta ou não já constitui uma questão de direito, insusceptível da prova testemunhal.
Em relação a outros factos que pretende provar com a prova testemunhal, a saber:
96.
Esta lei é manifestamente feita à medida da ora recorrente, bem como dos restantes concessionários que foram identificados no âmbito do Despacho 07/SOPT/2010, de 3 de Março de 2010, do Secretário para as Obras Públicas e Transportes.
97.
A estratégia utilizada para evitar discutir a culpa, a responsabilidade e a V séria negllgênda da Administração - máxime da DSSOPT - numa grande maioria dos processos de concessão, foi a de construir uma lei em que a caducidade sanção era transformada em caducidade preclusão, assente numa decisão meramente declarativa.
120.
Das decisões tomadas após-2010, é paradigmático o caso de um terreno com 15.823 m2 sito na Taipa, na Estrada Governador Albano de Oliveira, titulado pelo Despacho 173/SATOP/97 (1º exemplo, cfr. Doc. 9).
121.
Nesse processo, que a DSSOPT classificou de "muito grave", não tinha havido qualquer iniciativa registada por parte do concessionário, que nunca apresentou qualquer projecto, nunca apresentou na DSSOPT qualquer fundamento ou justificação para a falta de aproveitamento, e que só pagou o prémio do contrato depois de ter sido notificado para se pronunciar sobre a intenção da Administração de considerar a caducidade do contrato.
122.
Nesse processo é ainda conhecido que o concessionário se justificou unicamente com os efeitos prolongados que a crise económica e financeira de 1997 e 1998 teve em toda a Ásia e que reconhecidamente se abateu em sobre a RAEM.
123.
A este 1º exemplo foram atribuídas (vejam-se os critérios enunciados na Informação 095/DSODEP/2010) duas classificações "muito grave" 1) falta de pagamento do prémio; 2) não apresentação do projecto de aproveitamento do terreno) e uma classificação de "grave" (por não ter apresentado requerimento de prorrogação de prazo, ou seja, "nem sequer apresentou junto da DSSOPT qualquer fundamento ou justificação para a falta de aproveitamento".)
124.
Só depois de interpelada, em Março de 2010, veio a concessionária do 1° exemplo justificar o não aproveitamento do terreno com a crise financeira asiática; a designada gripe das aves; a crise financeira global de 2007 e a falta de mão-de-obra, tendo só nessa altura efectuado o pagamento do prémio e requerido autorização para alterar a finalidade do terreno em questão de hotel de 5 estrelas para habitação de luxo.
125.
O SOPT concordou com a proposta de declaração de caducidade.
126.
No entanto, através do Parecer 256/CCP/GCE/2011, de 25 de Maio, o Assessor do Gabinete do Chefe do Executivo emitiu Parecer jurídico sobre a informação apresentada pela DSSOPT, do seguinte teor:
"- Visto que em Março de 2010 a Administração procedeu ao relaxe do prémio e dos juros de mora que, em resposta, a concessionária pagou integralmente os respectivos montantes, fazendo isto sem dúvida que a concessionária tivesse a esperança de que a Administração lhe iria solicitar cumprir o contrato uma vez que o contrato era ainda válido (não tinha ainda sido rescindido).
- A Administração nunca respondeu expressamente aos vários pedidos feitos pela concessionária, designadamente o pedido de Setembro de 1998. Devido à complexidade e especificidade do processo e ao facto de existiram partes que não podem ser imputadas à concessionária, assim tendo em consideração o princípio da boa-fé estipulado no artigo 8° do "Código do Procedimento Administrativo", aprovado pelo Decreto-Lei n° 57/99/M, de 11 de Outubro e o princípio da desburocratização e da eficiência estipulado no artigo 12° do mesmo Código, o autor do parecer propõe superiormente que não seja autorizado o desencadeamento do processo de declaração da caducidade de concessão, dando-se continuidade ao cumprimento do contrato."
(sublinhado nosso - cfr. ponto 20 do Parecer 98/2011 da Comissão de Terras inserido no Doc. 9).
127.
Aquele Parecer mereceu a concordância do Chefe do Executivo.
128.
Mais concretamente, o Despacho do Chefe do Executivo aposto no Parecer do seu Assessor jurídico foi o seguinte:
"Visto.
Concordo com o Parecer do Assessor Cheang e envie-se o mesmo ao Secretário Lau para efeitos de acompanhamento.
Assinatura
26.05.2011"
como se mostra pela cópia simples que se junta - Doc.10, protestando-se juntar a respectiva cópia certificada.
129.
É de realçar, por ser muito importante, que a decisão do Chefe do Executivo favorecendo a Sociedade Hoteleira Macau-Taipa Resort Limitada, é tomada contra o Parecer da DSSOPT, e
130.
contra a proposta do Secretário para os Transportes para as Obras Públicas (veja-se pontos 18 e 19 do Parecer 12/2015 da Comissão de Terras - Doc.9).
131.
Porque tal aconteceu e perante essa decisão, a DSSOPT, acriticamente, mudando de opinião e sem qualquer outra razão justificativa superveniente, propôs a concessão de um novo e último prazo de aproveitamento de 42 meses contados a partir da comunicação da decisão e a aplicação de uma multa.
132.
Na sequência da nova tramitação, a Comissão de Terras emitiu o seu Parecer 98/2011, de 3 de Novembro de 2011, com dois votos de vencido, passando a concordar com a proposta da DSSOPT.
133.
Em Agosto de 2014, a concessionária veio pedir a prorrogação do novo e último prazo por mais, 18 meses.
134.
A Comissão de Terras emitiu o Parecer 12/2015, de 22 de Janeiro de 2015, concordando com a nova prorrogação do prazo para aproveitamento do terreno até Dezembro de 2016 e a aplicação de multa.
135.
Está, pois, demonstrado, que a concessionária deste 1º exemplo, foi tratada de forma privilegiada, em relação à Recorrente, numa ostensiva violação do princípio da igualdade plasmado no artigo 25º da Lei Básica e no artigo 5º do CPA.
136.
De facto, à concessionária do 1º exemplo foi concedido um novo e último prazo de aproveitamento de 42 meses prorrogado, posteriormente, por mais 18 meses, que terminará em Dezembro de 2016.
137.
Ora, os fundamentos aduzidos pelo Assessor Jurídico do Chefe do Executivo, e aceites por este, para não ser declarada a caducidade do contrato, aplicam-se por inteiro à situação da Recorrente, tendo em conta o percurso "histórico-causal" que levou ao incumprimento do prazo de aproveitamento do terreno por parte da Recorrente.
140.
Aliás, vem a propósito invocar aqui declarações do actual Secretário para os Transportes e Obras Públicas quanto à falta de assumpção de responsabilidade da Administração que é grave e já vem de longe, segundo a notícia do jornal Hoje Macau de 28.04.2015 - Doc. 11.
141.
Se tivesse sido efectuada uma análise casuística e pormenorizada e comparada a final a situação da Recorrente com a situação do exemplo acima e infra descritos, a Administração teria de concluir, necessariamente, que se justificava a concessão de um novo e último prazo para a Recorrente aproveitar o terreno.
142.
Segundo exemplo: contrato de concessão a favor da Companhia de Investimento Jockey, Limitada, titulado pelo Despacho 13/SATOP/98, que aprovou a concessão de um terreno, na Ilha da Taipa, com a área de 8 124 m2, para a construção de um edifício, de 5 pisos, destinado a habitação e estacionamento, e que devia ter sido aproveitado até 10 de Setembro de 2000 (doravante "2° exemplo" - cfr. Doc. 12)
143.
O terreno fazia parte de um outro terreno concedido à Companhia de Corridas de Cavalos de Macau, SARL e que foi alterado por escritura de 6 de Julho de 1990, sendo que em 1995 teve início um processo negociai que culminou com a concessão do terreno titulado pelo Despacho 13/SATOP/98.
144.
Ou seja, a Companhia Jockey Club obteve o terreno como se de uma nova concessão se tratasse passando o prazo de concessão a contar de 1998 e não de 1990.
145.
A este 2° exemplo foi atribuída uma classificação de "muito grave", porque não apresentou o projecto de aproveitamento do terreno; e uma classificação de "grave", porque decorreu o prazo de aproveitamento sem apresentação do requerimento de prorrogação de prazo (cfr. ponto 15 do Parecer 100/211 da Comissão de Terras - Doc.12)
146.
Tal como no 1º exemplo, só depois de interpelada, em Março de 2010, é que a concessionária do 2º exemplo foi justificar o não aproveitamento do terreno com os mesmos argumentos apresentados para o 1º exemplo: a crise financeira asiática; a designada gripe das aves; a crise financeira global de 2007 e a falta de mão-de-obra.
147.
O Assessor do Gabinete do Chefe do Executivo através do Parecer 473/CCP/GCE/2011, de 19 de Agosto de 2011, veio propor que não fosse desencadeado o procedimento da declaração da caducidade da concessão, e se desse um novo prazo de 48 meses à concessionária para cumprir o contrato, com os seguintes fundamentos:
" - Apesar de a concessionária não ter conseguido apresentar provas, mesmo assim, os motivos de incumprimento alegados pela concessionária (designadamente, a síndrome respiratória aguda severa e a crise financeira de 2007) eram factos notórios, imprevisíveis e incontroláveis ainda que o nível de impacto dos mesmos fosse diferente consoante os casos.
- As situações difíceis de exploração naquela altura por parte da concessionária foram demonstradas na informação 17/DAl2011 da Direcção de Inspecção e Coordenação de Jogos relativa à isenção de imposto, anexada ao ofício 0160/GSEF/2011 do Gabinete do Secretário para a Economia e Finanças.
- Apesar disso, é de referir que a concessionária pagou integralmente o prémio no prazo estabelecido.
- Actualmente em Macau existe ainda uma insuficiência de recursos humanos resultante do desenvolvimento muito rápido da economia, pelo que essa situação constitui na altura um impedimento para o cumprimento do prazo de aproveitamento por parte da concessionána.
- Apesar disso, o Governo da RAEM ainda insiste em aplicar o mecanismo de importação de trabalhadores não residentes(...)
- Tendo em consideração os referidos factos objectivos, o incumprimento do contrato no âmbito do aproveitamento do terreno não é imputável plenamente à concessionária.
(sublinhado nosso - cfr. com ponto 20 do Parecer n° 100/2011 da Comissão de Terras - Doc. nº 12).
148.
Mais uma vez se pode verificar, por simples comparação, que os fundamentos utilizados pelo Assessor do Chefe do Executivo para propor que não fosse desencadeado o procedimento da declaração de caducidade da concessão, se podem aplicar à Recorrente, sobretudo o argumento de que "Tendo em consideração os referidos factos objectivos, o incumprimento do contrato no âmbito do aproveitamento do terreno não é imputável plenamente à concessionária."
149.
Aquele Parecer também mereceu a concordância do Chefe do Executivo e a DSSOPT, que por via desse singelo facto mudou de opinião, propôs a concessão de um novo e último prazo de aproveitamento de 48 meses e a aplicação de uma multa.
150.
É de realçar mais uma vez, por ser muito relevante, que a decisão do Chefe do Executivo favorecendo a Companhia de Investimento Jockey, Limitada é tomada de novo contra o Parecer da DSSOPT,
151.
e contra a proposta do Secretário para os Transportes para as Obras Públicas (veja-se pontos 18 e 19 do Parecer 100/201 da Comissão de Terras - Doc.12).
152.
A Comissão de Terras no seu Parecer n° 100/2011, de 3 de Novembro de 2011, concordou com a proposta da DSSOPT que acriticamente propôs a concessão com um novo e último prazo de 48 meses e de uma multa.
164.
É um facto que quando a Concessionária assinou o contrato de concessão se estava no início da chamada crise asiática, e Macau atravessou também uma crise económ ica e financeira sem precedentes entre 1994/2004, a que se veio juntar a recessão mundial provocada pelos acontecimentos do 11 de Setembro nos EUA e a que se juntou em 2003 e 2004 a designada gripe asiática ou síndrome respiratória aguda.
181.
Quanto ao período entre 2004/2009, a explicação fundamentalmente, tem por base as declarações do Governo, prestadas através das LAG, e que apontavam no sentido da alteração do plano urbanístico do aterro de Pac-On (cfr. com as LAG para 2004 até 2008).
182.
Efectivamente, logo em 2003, quando a economia de Macau começava a dar alguns sinais de recuperação e a gerência da recorrente se preparava para propor aos sócios e investidores o prosseguimento do projecto, foi surpreendida com a declaração do Governo, nas LAG para 2004, que estava previsto "Para acompanhar as necessidades de desenvolvimento turística da cidade, proceder-se-á novamente ao Planeamento da Vila da Taipa e da zona do aterro de Pac On ".
183.
Posta ao corrente do enunciado, a então gerência da recorrente procurou obter mais informações sobre as intenções do Governo para a zona do aterro do Pac On, mas sem qualquer êxito, podendo ver-se nas LAG para 2005 que seria efectuado um novo planeamento da Vila da Taipa e do aterro de Pac On.
185.
Só que, nas LAG para 2007, mais uma vez o Governo declarou que iria proceder ao replaneamento dos aterros da Baía do Pac-On, acompanhando o desenvolvimento dessa zona.
187.
Só que, nas LAG para 2008, o Governo declarou que "Em conjugação com a necessidade de desenvolvimento social, será dado início ao estudo de novo aproveitamento da Zona Industrial do Pac-On".
188.
A Concessionária apresentou novo projecto em 7 de Maio de 2009 e solicitou, mais uma vez, informações à DSSOPT, desta vez através do seu Mandatário, sobre o novo Plano Urbanístico para a zona do Pac-On.
189.
Acontece, que a este último projecto e pedido de informações à Senhora Subdirectora da DSSOPT, nunca foi dada qualquer resposta à A, o que pode ser confirmado através da Informação 4158/DURDEP/2009, de 10 de Julho de 2009.
190.
De facto, nesta Informação 4158/DURDEP/2009, está exarado, em 10 de Setembro de 2009, um Despacho da Subdirectora da DSSOPT a pedir ao DSODEP parecer sobre a situação do terreno desde a concessão até 2008 e ao DPU para dar parecer se foi alterado o planeamento urbanístico do presente terreno, incluindo a finalidade. (cfr. fls. 69 do processo)
191.
Mas nem o DPU nem o DSODEP responderam à Subdirectora, porque no mapa anexado com 3233/DURDEP/2010, que foi elaborado em 14 de Maio de 2010, mostra que a DSSOPT ainda não dá resposta ao Requerimento T-3278 e há uma nota manuscrita: "na informação 4158/DURDEP/2009, pediu a DPU dar parecer sobre a alteração do planeamento urbanístico (incluindo a finalidade) deste lote" (cfr. fls. 68 do processo)
192.
Pelo que a DSSOPT deixou sem resposta o último pedido de alteração do projecto apresentado pela Concessionária em 7 de Maio de 2009.
193.
Como é bom de ver, se tivesse sido dada resposta à Concessionária em 2009, por certo que nesta altura já estava executado o projecto de aproveitamento do terreno.
195.
Mas tal passividade foi ditada, em parte, pela correspondente passividade da Concedente que nunca interpelou a Concessionária no sentido de cumprir qualquer prazo, e em parte pelo conhecimento que a Concessionária tinha de que a DSSOPT aceitava, por regra, as justificações - quando fundamentadas - dadas para o não cumprimento dos prazos do aproveitamento dos terrenos.
196.
De facto, se a Concedente tivesse vistoriado e verificado o aproveitamento dos terrenos concedidos nos termos do previsto nas alíneas b) e c) do artigo 182° da Lei de Terras, tivesse interpelado o devedor para cumprir e aplicado as multas previstas no n° 2 e 3 do artigo 105° da mesma Lei, por certo que a Concessionária, aliás, todos os concessionários, teriam adoptado uma posição mais proactiva.
197.
Pelo contrário, atendendo à prática da Concedente ao longo destes anos, de não fiscalizar, vistoriar e verificar com regularidade, o aproveitamento dos terrenos, por um lado, e à prática de não declarar, por regra, a caducidade dos contratos com fundamento no incumprimento dos prazos para o aproveitamento do terreno, por outro lado, tal prática gerou nos administrados a convicção de que o incumprimento dos prazos de aproveitamento do terreno não tinha outra consequência que não fosse a do pagamento das multas.
198.
Quer isto significar que a regra geral da Administração, desde sempre, como se de um código de práticas se tratasse, foi a de não declarar a caducidade dos contratos de concessão com fundamento no incumprimento do prazo de aproveitamento do terreno, pelo que qualquer Concessionário tinha como adquirido que não era peremptório o prazo para o aproveitamento do terreno.
Estes factos, que nem todos são factos objectivos relevantes, sendo alguns factos conclusivos/opiniões pessoais, ou já foram reconhecidos pela Entidade Recorrida, ou já resultam do próprio processo administrativo e dos documentos juntos aos autos, ou devem ser provados por prova documental.
Face ao expendido, determino a não realização da inquirição das testemunhas arroladas.
Notifique, bem como para o efeito previsto no artº 68º do CPAC.”.
Trata-se duma decisão correcta e adequada com a qual concordamos na sua íntegra, pelo que com fundamentos nela já expostos, indeferimos a reclamação apresentada.
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III. Decisão
Face ao expendido, acordam em indeferir a reclamação apresentada, mantendo o despacho reclamado.
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Custas pela Reclamante com taxa de justiça de 6 UC.
Notifique e registe.
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RAEM, aos 16 de Fevereiro de 2017.
Ho Wai Neng
Jose Candido de Pinho
Tong Hio Fong
Fui presente
Mai Man Ieng
1 MANUAL DE FORMAÇÃO DE DIREITO PROCESSUAL ADMINISTRATIVO CONTENCIOSO, José Cândido de Pinho, Editora Centro de Formação Jurídica e Judiciária, 2ª Edição, 2015, pág. 125
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574/2016