--- Decisão Sumária nos termos do art.º 407º, n.º 6 do C.P.P.M. (Lei n.º 9/2013). ----------------
--- Data: 16/02/2017 ---------------------------------------------------------------------------------------
--- Relator: Dr. José Maria Dias Azedo -----------------------------------------------------------------
Processo nº 70/2017
(Autos de recurso penal)
(Decisão sumária – art. 407°, n.° 6, al. b) do C.P.P.M.)
Relatório
1. AGÊNCIA IMOBILIÁRIA B (MACAU) LIMITADA (B地產(澳門)有限公司), com os restantes sinais dos autos, vindo, a final, a ser condenada pela prática de uma contravenção, p. e p. pelo art. 77°, 85°, n.° 3, al. 5) da Lei n.° 7/2008, (“Lei das Relações de Trabalho”), na pena de multa de MOP$7.500,00 e no pagamento de MOP$134.607,73 de indemnização à ofendida C (C); (cfr., fls. 101 a 104-v que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).
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Inconformada, a arguida recorreu para (tão só) imputar à decisão recorrida o vício de “erro notório na apreciação da prova”, pedindo a sua consequente absolvição; (cfr., fls. 136 a 145-v).
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Respondendo, diz o Ministério Público que o recurso não merece provimento; (cfr., fls. 147 a 148-v).
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Neste T.S.I., juntou o Ilustre Procurador Adjunto o seguinte douto Parecer:
“Na Motivação de fls.136 a 145v. dos autos, a recorrente assacou o erro notório na apreciação de prova à douta sentença recorrida que deu por provado o facto de «上述條款僅適用於澳門的一手及二手樓宇買賣» (cfr. fls.102 dos autos), alegando ser contraditório e incrível o depoimento da testemunha C (C), e ser duvidosa a credibilidade do depoimento da testemunha D (D).
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No que respeite ao «erro notório na apreciação de prova» previsto na c) do n.°2 do art.400° do CPP, é pacífica e consolidada, no actual ordenamento jurídico de Macau, a seguinte jurisprudência (cfr. a título meramente exemplificativo, Acórdãos do Venerando TUI nos Processo n.°17/2000, n.°16/2003, n.°46/2008, n.°22/2009, n.°52/2010, n.°29/2013 e n.°4/2014):
O erro notório na apreciação da prova existe quando se dão como provados factos incompatíveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou ou não provou, ou que se retirou de um facto tido como provado uma conclusão logicamente inaceitável. O erro existe também quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada ou as legis artis. Tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores, ou seja, quando o homem de formação média facilmente dele se dá conta.
De outro lado, importa ter presente o ensinamento do Venerando TUI no seu Processo n.°13/2001: O recorrente não pode utilizar o recurso para manifestar a sua discordância sobre a forma como o tribunal a quo ponderou a prova produzida, pondo em causa, deste modo, a livre convicção do julgador.
Por sua vez, o Venerando TSI inculca (aresto no Proc. n.°470/2010): Assim, sendo que o erro notório na apreciação da prova nada tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto do Tribunal e aquela que entende adequada o Recorrente, irrelevante é, em sede de recurso, alegar-se como fundamento do dito vício, que devia o Tribunal ter dado relevância a determinado meio probatório para formar a sua convicção e assim dar como assente determinados factos, visto que, desta forma, mais não se faz do que pôr em causa a regra da livre convicção do Tribunal.
Em conformidade com todas as sensatas jurisprudências supra citadas, afigura-se-nos inquestionável que não se verifica in casu o invocado «erro notório na apreciação de prova», pois, a avaliação pelo MM° Juiz a quo dos depoimentos não se padece de incompatibilidade intrínseca ou da ilógica, nem infringe as regras de experiência e as sobre o valor da prova vinculada ou as legis artis.
É pertinente apontar que para além de depoimentos das sobreditas duas testemunhas, o MM° Juiz a quo tomou também em douta atenção, e bem, o depoimento da testemunha F que é inspectora da Direcção dos Serviços para os Assuntos Laborais (cfr. o penúltimo § de fls.102 dos autos), conferindo estes três depoimentos reciprocamente e à colação dos documentos mencionados pelo MM° Juiz a quo (vide. fls.102v. a 103 dos autos)”; (cfr., fls. 156 a 157).
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Em sede de exame preliminar constatou-se da manifesta improcedência do presente recurso, e, nesta conformidade, atento o estatuído no art. 407°, n.° 6, al. b) e 410°, n.° 1 do C.P.P.M., (redacção dada pela Lei n.° 9/2013, aplicável aos presentes autos nos termos do seu art. 6°, n.° 1 e 2, al. 2), passa-se a decidir
Fundamentação
Dos factos
2. Estão “provados” os factos como tal elencados na sentença recorrida a fls. 101-v a 102, e que aqui se dão como integralmente reproduzidos.
Do direito
3. Vem a arguida recorrer da sentença que a condenou pela prática de uma contravenção, p. e p. pelo art. 77°, 85°, n.° 3, al. 5) da Lei n.° 7/2008, (“Lei das Relações de Trabalho”), na pena de multa de MOP$7.500,00 e no pagamento de MOP$134.607,73 de indemnização à ofendida dos autos.
Assaca à decisão recorrida o vício de “erro notório na apreciação da prova”, pedindo a sua absolvição.
Vejamos.
De forma firme e repetida tem este T.S.I. considerado que: “O erro notório na apreciação da prova apenas existe quando se dão como provados factos incompatíveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou, ou que se retirou de um facto tido como provado uma conclusão logicamente inaceitável. O erro existe também quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada, as regras de experiência ou as legis artis. Tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores”.
De facto, “É na audiência de julgamento que se produzem e avaliam todas as provas (cfr. artº 336º do C.P.P.M.), e é do seu conjunto, no uso dos seus poderes de livre apreciação da prova conjugados com as regras da experiência (cfr. artº 114º do mesmo código), que os julgadores adquirem a convicção sobre os factos objecto do processo.
Assim, sendo que o erro notório na apreciação da prova nada tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto do Tribunal e aquela que entende adequada o Recorrente, irrelevante é, em sede de recurso, alegar-se como fundamento do dito vício, que devia o Tribunal ter dado relevância a determinado meio probatório para formar a sua convicção e assim dar como assente determinados factos, visto que, desta forma, mais não se faz do que pôr em causa a regra da livre convicção do Tribunal”; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 03.11.2016, Proc. n.° 759/2016, de 07.12.2016, Proc. n.° 177/2016 e de 12.01.2017, Proc. n.° 498/2016).
Como também já tivemos oportunidade de afirmar:
“Erro” é toda a ignorância ou falsa representação de uma realidade. Daí que já não seja “erro” aquele que possa traduzir-se numa “leitura possível, aceitável ou razoável, da prova produzida”.
Sempre que a convicção do Tribunal recorrido se mostre ser uma convicção razoavelmente possível e explicável pelas regras da experiência comum, deve a mesma ser acolhida e respeitada pelo Tribunal de recurso.
O princípio da livre apreciação da prova, significa, basicamente, uma ausência de critérios legais que pré-determinam ou hierarquizam o valor dos diversos meios de apreciação da prova, pressupondo o apelo às “regras de experiência” que funcionam como argumentos que ajudam a explicar o caso particular com base no que é “normal” acontecer.
Não basta uma “dúvida pessoal” ou uma mera “possibilidade ou probabilidade” para se poder dizer que incorreu o Tribunal no vício de erro notório na apreciação da prova; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 29.09.2016, Proc. n.° 630/2016, de 12.01.2017, Proc. n.° 382/2016 e de 19.01.2017, Proc. n.° 549/2016).
No caso – e como bem se vê da extensa e cuidada fundamentação pelo Tribunal a quo exposta na sentença ora recorrida, a apreciação da prova apresenta-se-nos equilibrada e sensata, explicitando-se, de forma clara e lógica, os motivos que levaram à convicção e decisão em questão, não se vislumbrando qualquer desrespeito a (qualquer) regra sobre o valor da prova tarifada, regra de experiência ou legis artis, mostrando-se de concluir que mais não faz a recorrente que afrontar a (livre) convicção do Tribunal, formada em conformidade com o estatuído no art. 114° do C.P.P.M., o que, como é óbvio, não colhe.
Entende a recorrente que o decidido não está em sintonia com alegadas “passagens”, (“excertos”) de depoimentos prestados em audiência.
Ora, em nada se mostra de alterar a solução que se deixou adiantada.
Importa não olvidar que os fundamentos pelos quais o Tribunal de julgamento (T.J.B.), confere credibilidade a determinadas provas e não a outras dependem, sempre, de um juízo de valoração efectuado com base na imediação, ainda que condicionado pela aplicação das regras da experiência comum. A imediação, que se traduz no contacto pessoal entre o Juiz e os diversos meios de prova, confere ao julgador (em primeira instância) os meios de apreciação da prova pessoal de que o Tribunal de recurso não dispõe.
Com efeito, na apreciação do depoimento das testemunhas e das declarações dos arguidos atribui-se relevância aos aspectos verbais, mas também se pode considerar a desenvoltura do depoimento, a comunicação gestual, o refazer do itinerário cognitivo, os olhares para os advogados antes, durante e depois da resposta, os gestos, movimentos e toda uma série de circunstâncias, insusceptíveis ou de difícil captação pelo Tribunal de recurso, constituindo indicadores importantes e eventualmente reveladores da sua postura processual, e assim, (possívelmente) reveladores de desconforto, predisposição para a efabulação, etc…
Como temos realçado repetidamente, ao Tribunal cabe determinar como os factos se passaram, exista ou não univocidade no teor dos depoimentos e declarações.
O convencimento da entidade a quem compete julgar, depende assim de uma conjugação de elementos tão diversos como (v.g.), a espontaneidade e rapidez das respostas, a coerência e pormenorização do discurso, a emoção ou expressão exteriorizada, a extensão e consistência do depoimento assim como da “matéria seu objecto”, (factos recentes, pessoais, …), havendo, sempre, de se ter ainda em conta a sua compatibilidade com a demais prova relevante.
A circunstância de alguém, por erro ou propositadamente, produzir uma ou outra declaração desconforme com a realidade, não significa, necessariamente, que seja falsa toda a sua narrativa, não estando o Tribunal “obrigado” à inutilização de todo um depoimento por uma contradição com outros elementos probatórios. Desde que nessa parte o raciocínio seja compreensível, o Tribunal poderá aceitar como verdadeiros certos segmentos das declarações ou do depoimento e negar fiabilidade a outros, distinguindo o que merece credibilidade porque consentâneo com outros elementos de prova, do que lhe surge como mera efabulação emocional ou, mesmo, como mero erro de percepção.
Por sua vez, há que ter presente que as declarações da ofendida, só por si, podem ser suficientes para criar nos julgadores a convicção de que determinados factos aconteceram e que deles foi o arguido seu autor; (neste sentido, cfr., v.g., o Ac. da Rel. de Guimarães de 02.05.2016, Proc. n.° 92/15, in “www.dgsi.pt”).
Com efeito, mostra-se pois adequado o entendimento no sentido de que para avaliar da racionalidade e da não arbitrariedade (ou impressionismo) da convicção sobre os factos, há que apreciar, por um lado, a fundamentação da decisão quanto à matéria de facto, (os fundamentos da convicção), e, por outro, a natureza das provas produzidas e dos meios, modos ou processos intelectuais utilizados e inferidos das regras da experiência comum para a obtenção de determinada conclusão; (cfr., v.g., o Ac. da Rel. de Coimbra de 09.03.2016, Proc. n.° 436/14).
No caso dos presentes autos, e como bem nota o Ilustre Procurador Adjunto no seu douto Parecer, cabe sublinhar que para além dos depoimentos das duas testemunhas pela ora recorrente considerados “dubios”, “(…) o MM° Juiz a quo tomou também em douta atenção, e bem, o depoimento da testemunha F que é inspectora da Direcção dos Serviços para os Assuntos Laborais (cfr. o penúltimo § de fls.102 dos autos), conferindo estes três depoimentos reciprocamente e à colação dos documentos mencionados pelo MM° Juiz a quo (vide. fls.102v. a 103 dos autos)”.
Dest’arte, impõe-se concluir que não existe o imputado vício decisório por “erro ostensivo”.
Decisão
4. Em face do exposto, decide-se rejeitar o recurso.
Pagará a recorrente a taxa de justiça que se fixa em 3 UCs, e como sanção pela rejeição do recurso o equivalente a 3 UCs; (cfr., art. 410°, n.° 3 do C.P.P.M.).
Registe e notifique.
Nada vindo de novo, e após trânsito, devolvam-se os autos ao T.J.B. com as baixas e averbamentos necessários.
Macau, aos 16 de Fevereiro de 2017
José Maria Dias Azedo
Proc. 70/2017 Pág. 12
Proc. 70/2017 Pág. 1