Processo n.º 124/2017/A
(Suspensão de Eficácia do Acto)
Relator: João Gil de Oliveira
Data: 16/Fevereiro/2017
Assuntos:
- Suspensão de eficácia do acto administrativo
- Cancelamento de autorização
- Necessidade de alegação de prejuízos de difícil reparação
SUMÁRIO:
Se um cidadão camaronês foi autorizado a residir em Macau, por ter contraído casamento com uma residente permanente em 2015 e por se ter relevado o interesse na união familiar, verificando-se uma situação de cancelamento dessa autorização, por indícios de cometimento de furto de uma jóia, encontrada em casa daquele e por ele confessado, tendo o processo sido remetido já para julgamento, perante um pedido de suspensão de eficácia desse acto administrativo em que se traduziu aquele cancelamento, será de indeferir o pedido, se não se concretizam os prejuízos de difícil reparação, requisito indispensável, a par de outros, para a concessão dessa providência, nomeadamente, se não se alega a ocupação, emprego ou actividade do requerente ou quais os investimentos realizados e quais as razões porque eles teriam de ser desfeitos.
O Relator,
João A. G. Gil de Oliveira
Processo n.º 124/2017/A
(Suspensão de Eficácia)
Data : 16 de Fevereiro de 2017
Requerente: A
Entidade Requerida: Secretário para a Segurança
ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
I - RELATÓRIO
1. A, mais bem identificado nos autos, vem ao abrigo do disposto nos artigos 120°, 121° e 123°, n.º 1, alinea c) do Código de Processo Administrativo Contencioso, por apenso aos autos de recurso contencioso, requerer PROCEDIMENTO CAUTELAR DE SUSPENSÃO DA EFICÁCIA DO ACTO proferido pelo Exmo. Senhor Secretário para a Segurança, datado de 22 de Novembro de 2016, o qual declarou a caducidade da sua autorização de residência, o que faz nos termos e com os seguintes fundamentos:
I - DOS FACTOS
1. O Recorrente contraiu matrimónio em 18 de Março de 2015 com a sua actual esposa B, residente permanente de Macau, tendo de seguida requerido a respectiva Autorização de Residência em Macau, para fins de reagrupamento familiar, a qual foi concedida em 28 de Julho de 2015.
2. Em Julho de 2016, foi renovada a sua Autorização de Residência.
3. Decisão esta, a qual foi notificada ao Requerente no dia 1 de Fevereiro de 2012, ou seja, volvidos 3 anos após a entrada do seu pedido de renovação da sua residência no I.P.I.M.
4. Sendo que foi desta decisão que o Requerente recorreu contenciosamente, em virtude da mesma se encontrar inquinada por vicio de Violação de Lei.
II - DOS PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
5. Como resulta dos factos supra expostos, o interessado no processo administrativo em causa, ora Requerente, é o destinatário directo do acto praticado pelo Exmo. Senhor Secretário para a Segurança ("entidade requerida").
6. Resulta ainda que o acto recorrido produz efeitos em relação ao aqui Requerente.
7. Por conseguinte, se o ora Requerente tem legitimidade activa para impugnar contenciosamente o acto em causa praticado pela Entidade Requerida, na medida em que é titular de um interesse pessoal e directo, designadamente por ser lesado do acto em crise nos autos do recurso contencioso de anulação a que estes autos serão apensos, também tem legitimidade para requerer a suspensão de eficácia do acto recorrido, como resulta do disposto no art. 121°, n.º 1 do Código de Processo Administrativo Contencioso, doravante designado por CPAC.
8. O Exmo. Senhor Secretário para a Segurança, autor do acto recorrido, é a entidade recorrida nos termos do disposto no art. 37° do CPAC.
9. O ora Requerente foi notificado em 30.12.2016 do acto recorrido proferido pelo Exmo. Senhor Secretario para a Segurança, através de entrega da respectiva notificação, da qual se junta cópia como documento n.º 1 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido - DOC. 1.
10. Conforme se deixará comprovado através da verificação do respectivo processo administrativo, que a final se irá requerer seja presente a esse Venerando Tribunal pela entidade recorrida,
11. Pelo que o recurso contencioso de anulação já interposto, e aos quais estes autos serão apensos, é tempestivo.
III - DOS REQUISITOS E FUNDAMENTOS DO PRESENTE PROCEDIMENTO CAUTELAR
12. O acto administrativo de declaração de caducidade da autorização de residência em Macau, confere ao Requerente o direito a recorrer contenciosamente da decisão proferida pelo Exmo. Senhor Secretário para a Segurança, o que foi feito, correndo o respectivo recurso contencioso de anulação os seus termos legais nos autos a que estes serão apensos,
13. Assim como lhe confere o direito de requerer a suspensão da eficácia de tal acto por apenso aos mesmos autos, o que ora se faz.
Com efeito,
14. O recurso contencioso de anulação de actos administrativos não tem efeito suspensivo.
15. E como se sabe, o recurso levará algum tempo a ser julgado definitivamente, pelo que in casu a execução imediata do acto, prejudica irremediavelmente o Requerente e, consequentemente o membro do seu agregado familiar, a sua esposa B, como adiante se deixará comprovado.
16. E como defende o Prof. Freitas do Amaral, in Direito Administrativo, Lisboa, 1988, vol. IV, p. 302 e 303, «... para evitar que a anulação tardia do acto recorrido já não traga qualquer benefício útil ao recorrente, a lei prevê o instituto da suspensão da eficácia dos actos administrativos».
17. E como explica Vieira de Andrade, in A Justiça Administrativa (Lições), Coimbra, 1999, este meio processual urgente permite «acautelar o efeito útil do recurso, evitando que, em determinadas situações, a demora normal (e, por maioria de razão, a anormal) do processo possa retirar todo o alcance prático à sentença de provimento (ou na linguagem clássica, um meio para combater o "periculum in mora").
18. É, portanto, pacifico, o entendimento de que a suspensão da eficácia dos actos administrativos constitui um procedimento cautelar, por ser uma medida destinada a prevenir os perigos do natural curso de qualquer acção.
19. É que «a inevitável demora do processo, ou ainda a necessidade de recorrer a ele, não deve ocasionar dano à parte que tem razão: a realização jurisdicional do direito deve proporcionar ao autor satisfação idêntica de interesses à que ele obteria através da realização pacífica e pontual do seu direito. A isto tendem os procedimentos cautelares, de per si, ou em conjugação com a auto-defesa» - A. Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, Coimbra, 1981, vol. I, p.130.
20. O procedimento de suspensão de eficácia requerida nos autos é um procedimento cautelar conservatório, destinado precisamente a acautelar o efeito útil do recurso contencioso, assegurando a permanência da situação existente aquando da ocorrência do litígio a dirimir no recurso contencioso,
21. Tendo como finalidade manter o status quo perante a ameaça de um dano irreversível, de modo a manter inalterada a situação preexistente ao recurso contencioso, acautelando a situação, de facto ou de direito, e evitando alterações prejudiciais,
Isto é,
22. A não produção de efeitos do despacho que declarou a caducidade da autorização de residência em Macau do ora Requerente.
23. Nomeadamente, evitando que este seja desapossado do seu Bilhete de Identidade de Residente de Macau e de todos os direitos a ele inerentes tais como a liberdade de se deslocar e fixar em qualquer parte da Região Administrativa Especial de Macau, de viajar, sair da Região e regressar a esta, da liberdade de escolha de profissão e de emprego, da liberdade de exercer actividades de educação, investigação académica, criação literária e artística e outras actividades culturais, etc,
24. Tenha que abandonar a RAEM, o que consequentemente fará com que a sua esposa o faça igualmente, tendo de terminar o contrato de trabalho da sua esposa e outras actividades em que esta também participe em Macau,
25. Vender os bens imóveis e móveis que adquiriram em Macau,
26. Por terem que sair de Macau por falta da autorização de residência do ora Requerente.
27. Nestes termos, dispõe o art. 121º do CPAC, inserido na Secção I (Suspensão de eficácia), do Capítulo VII:
"1. A suspensão de eficácia dos actos administrativos, que pode ser pedida por quem tenha legitimidade para deles interpor recurso contencioso, é concedida pelo tribunal quando se verifiquem os seguintes requisitos:
a) A execução do acto cause previsivelmente prejuízo de difícil reparação para o Requerente ou para os interesses que este defenda ou venha a defender no recurso;
b) A suspensão não determine grave lesão do interesse público concretamente prosseguido pelo acto; e
c) Do processo não resultem fortes indícios de ilegalidade do recurso.
2. Quando o acto tenha sido declarado nulo ou juridicamente inexistente, por sentença ou acórdão pendentes de recurso jurisdicional, a suspensão de eficácia depende apenas da verificação do requisito previsto na alínea a) do número anterior.
3. Não é exigível a verificação do requisito previsto na alínea a) do n.º 1 para que seja concedida a suspensão de eficácia de acto com a natureza de sanção disciplinar.
4. Ainda que o tribunal não dê como verificado o requisito previsto na alínea b) do n.º 1, a suspensão de eficácia pode ser concedida quando, preenchidos os restantes requisitos, sejam desproporcionadamente superiores os prejuízos que a imediata execução do acto cause ao Requerente.
5. Verificados os requisitos previstos no n.º 1 ou na hipótese prevista no número anterior, a suspensão não é, contudo, concedida quando os contra-interessados façam prova de que dela lhes resulta prejuízo de mais difícil reparação do que o que resulta para o Requerente da execução do acto."
Ora,
28. Salvo o devido respeito por melhor opinião, afigura-se-nos que no caso em apreço todos os requisitos previstos na lei estão preenchidos, como melhor se procurará demonstrar.
III - A) Do periculum in mora - art. 121°, n.º 1, al. a) do CPAC
29. No que respeita ao requisito do periculum in mora, o mesmo determina que a providência deva ser concedida se, face à sua não concessão, se vier a verificar uma situação de facto consumado insusceptível de alteração e reparação para os interesses que o Requerente visa assegurar no processo principal.
30. O ora Requerente é casado com a Senhora B, conforme cópia da certidão de casamento que ora se junta e cujo teor se dá por integralmente reproduzido - DOC. 2.
31. Sendo esta residente permanente de Macau, conforme cópia do cartão de Residente Permanente da RAEM que ora se junta como documento n° 3 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido - DOC. 3.
32. Tendo em conta que o ora Requerente e a sua esposa pretendem manter o seu casamento e entendem que para tal terão de estar juntos, caso o ora Requerente se veja obrigado a abandonar Macau, também a sua esposa o fará.
33. Sendo pois, a consequência necessária e directa da caducidade da autorização de residência, a perda do emprego da sua esposa, a qual se encontra vinculada contratualmente com a empresa Macau Tower Convention & Entertainment Centre.
34. Em alternativa, e caso o Requerente tenha de abandonar o Território, poderá ter de se divorciar da sua esposa, o que não é, de todo, a vontade de ambos.
35. Pelo que, a efectivar-se a caducidade da autorização de residência do ora Requerido, os custos pessoais são demasiado elevados,
36. para além de todos os custos sociais e económicos que adiante se explicarão.
37. Ao invés, caso venha a autorização de residência do Requerente a ser mantida, o que se espera, certo será que, cumpridos todos os requisitos para a manutenção da autorização de residência, o Requerente e seu agregado familiar poderão exercer os seus direitos enquanto residentes da RAEM, nomeadamente os direitos consagrados nos arts. 33° a 42° da Lei Básica da RAEM.
38. E nessas circunstâncias, a sua esposa não precisará de sair de Macau para o acompanhar, o que fará caso o Requerente se veja obrigado a abandonar a RAEM.
39. Bem como se manterão os direitos do Requerente e da sua família se deslocarem e fixarem em qualquer parte da Região Administrativa Especial de Macau, de viajar, sair da Região e regressar a esta, da liberdade de escolha de profissão e de emprego, da liberdade de exercer actividades de educação, investigação académica, criação literária e artística e outras actividades culturais, etc,
40. Sucede porém, que se for retirado o Bilhete de Identidade do Requerente, não podendo estes exercer as suas actividades profissionais como poderão estes prover aos seus próprios sustentos.
41. Como poderão estes fazer face às despesas em que se constituíram aquando da compra dos imóveis aqui na RAEM?
42. Sendo certo que, e de acordo com as mais elementares regras da experiência comum, a decisão a proferir por esse Venerando Tribunal sobre o recurso contencioso da decisão proferida pelo Exmo. Senhor Secretário para a Segurança nunca será tomada em tempo útil de forma a evitar a perda das fontes de sustento do Requerente e respectiva família.
43. Por esse motivo, mostra-se imperioso suspender a decisão de declaração de caducidade da autorização de resid6encia do ora Requerente, para que os nossos Tribunais possam julgar a presente matéria com toda a tranquilidade, ficando a eventual caducidade da residência a aguardar a prolação da decisão final.
44. Acresce ainda que, tendo o ora Requerente passaporte Camaronês, não lhe pode ser concedido, neste momento, visto de entrada em Hong Kong, nem na República Popular da China, o que faz com que este não possa sair de Macau para qualquer um dos locais que fazem fronteira com o Território.
45. É que Venerandos Juízes, não se suspendendo a decisão de caducidade da autorização de residência do Requerente, estamos face de um prejuízo de reparação impossível!
46. Mas vejamos os factos através dos quais V. Exas. constatarão a injustiça que configura a declaração de caducidade da autorização de residência do ora Requerente nos termos em que o foi e, a necessidade absoluta em suspender a eficácia do acto recorrido.
47. Conforme resulta do já alegado na petição inicial do Recurso Contencioso que corre os seus termos nesse Venerando Tribunal,
48. A decisão de caducidade da autorização de residência do ora Requerente encontra-se inquinada do vício de violação de Lei, por violação dos Princípio da Proporcionalidade e da Justiça conforme o artigo 9.°, n.º 2 alínea 1) da Lei n.º 4/2003, artigo 24.°, alínea 1) do Regulamento Administrativo n° 5/2003, e artigos 5°, n.º 2 e 7°, ambos do CPA - artigo 21.°, n.º 1, alínea d) do CPAC
49. E ainda por violação dos Direitos, Liberdades e Garantias dos residentes de Macau previstos na Lei Básica da RAEM - máxime artigo 29° da Lei Básica - artigo 21.°, n.º 1, alínea d) do CPAC
50. Todos os vícios supra indicados geram a anulabilidade do acto praticado pelo Exmo. Senhor Secretario para Segurança, como resulta do artigo 124° do CPA.
51. E, é essa decisão de caducidade da autorização de residência do Requerente que nos reconduz ao prejuízo de impossível reparação que a mesma provoca.
52. Ao recorrer contenciosamente da decisão do Exmo. Secretário para a Segurança, o ora Requerente não concebe nem antevê outro resultado que não seja a revogação da caducidade da autorização de residência do Requerente.
53. E consequente manutenção da sua autorização de residência.
54. E, a realidade é só uma e, indesmentível: o aqui Requerente tem um sério e fundado receio que, em face de eventuais delongas na prolação de uma sentença por parte do Tribunal, tal demora venha a causar·lhe prejuízos irreparáveis.
55. É que, extinguindo-se o contrato de trabalho da sua esposa e outras actividades em que esta também participe em Macau,
56. Vendendo-se os bens imóveis e móveis que adquiriram em Macau,
57. Por não ser suspenso o presente acto, ocorrerá uma situação de facto consumado evidente e a qual a decisão no processo principal instaurado não poderá reparar no plano de facto ou jurídico.
58. Isto é, vindo a ser proferida sentença favorável ao Requerente, como se espera, o contrato de trabalho da sua esposa estará já cancelado, e seus imóveis estarão vendidos.
59. Como resulta de todo o exposto, e como se mostra evidente, a sentença a proferir no processo principal não terá a virtualidade de "apagar" os efeitos da declaração de caducidade da autorização de residência do Requerente, na eventualidade de a mesma ser proferida após a saída do Requerente e sua família do Território,
60. Por todo o exposto, se por mera hipótese não for decretada a providência requerida, o que não se concede, quando vier a ser decidida no recurso contencioso de anulação a questão de fundo, tal decisão poderá não vir a ter qualquer utilidade.
61. Por essa razão, impõe-se a suspensão de eficácia do acto recorrido e a suspensão da decisão de caducidade da autorização de residência do Requerente até decisão final do recurso contencioso, de modo a evitar uma posterior situação de impossibilidade ou de irreversibilidade da legalidade.
III - B) A suspensão não determina grave lesão do interesse público concretamente seguido pelo acto - art. 121°, n.º 1, al. b) do CPAC
62. A adopção da providência requerida será recusada quando, devidamente ponderados os interesses públicos e privados em presença, os danos que resultariam do seu provimento se mostrem superiores àqueles que poderiam resultar da sua recusa, sem que possam ser evitados ou atenuados pela adopção de outras providências.
63. Ora, para além da possibilidade de constituição de facto consumado, requisito comum para as providências cautelares conservatórias, também não se vislumbra in casu qualquer interesse público relevante que se possa sobrepor ao interesse do Requerente.
64. Na verdade, a suspensão da eficácia do acto administrativo praticado pelo Exmo. Senhor Secretario para a Segurança em causa nos presentes autos, jamais poderá determinar a grave lesão do interesse público.
65. Ao invés, os danos na esfera jurídica do Requerente que resultam da recusa da providência requerida são evidentes.
Isto orque,
66. Independentemente da data em que venha a ser proferida decisão final no autos de recurso contencioso de que este será apenso, e com tal decisão determinar-se a "revogação da caducidade da autorização de residência do Requerente",
Sem conceder,
67. Mesmo que se entenda nessas circunstâncias que resultaria alguma lesão do interesse público, a verdade é que, seria absolutamente desproporcionado o prejuízo irreparável do Requerente, conforme acima alegado, quando confrontado com uma eventual lesão do interesse público, que jamais poderia ser entendido como grave, e cuja avaliação sempre haveria que ser feita por recurso ao disposto no art. 121°, n.º 4 do CPA,
68. Na certeza de que o prejuízo causado ao Requerente com a não suspensão da eficácia do acto será sempre manifestamente e desproporcionalmente superior àquele que possa resultar para o interesse público.
69. Assim sendo, ponderados os interesses em jogo, é legítimo concluir que a suspensão de eficácia do acto não causará qualquer lesão do interesse público, mostrando-se desse modo preenchido o requisito ora em análise.
III - C) Do Fumus Boni luris - art. 121°, n.º 1, al. c) do CPAC
70. Nas providências cautelares a exigência do fummus bani iuris quanto às condições de interposição do recurso contencioso de anulação ou pressupostos processuais dispensa a convicção da probabilidade do acolhimento do mesmo, bastando um juízo negativo de que "não seja manifesta" a falta de requisitos de natureza processual impeditivos do conhecimento do mérito.
71. Ora, como já foi explanado ao longo deste requerimento, o recurso contencioso de anulação intentado encontra-se claramente fundamentado, uma vez que o acto suspendendo é evidentemente ilegal, padecendo de vários vícios de violação de Lei.
72. Por conseguinte, ainda que não se entenda que a procedência do recurso contencioso de anulação é evidente, o que não se concede, não se pode entender igualmente ser manifesta a falta de fundamento da pretensão a formular nessa demanda.
73. Deste modo, mesmo que não estejamos perante uma situação de máxima intensidade do fumus bani iuris, o que não se concebe, é de considerar, no mínimo, que não é manifesta a falta de fundamento do recurso contencioso de anulação a correr os seus termos.
74. Por outro lado, se está preenchido o requisito da alínea a) do n.º do art. 121° do CPAC, de igual modo (à contrario) está preenchido o requisito da alínea b) do n.º do art. 121° do CPAC, já que não podem estar ambos preenchidos pela positiva,
75. E atendendo aos vícios de que padece o acto suspendendo, como supra explanado, pode afirmarse que é provável que a pretensão formulada pelo Requerente em sede de recurso contencioso de anulação venha a ser julgada procedente.
76. Termos em que estão assim preenchidos os requisitos para a suspensão da eficácia do acto recorrido, previstos nas alíneas a), b) e c) do n.º 1 do art. 121° do CPA, e bem assim mostram-se verificados todos os pressupostos para a suspensão da decisão de declaração de caducidade da autorização de residência do Requerente até decisão final do recurso contencioso de anulação.
Nestes termos, e nos melhores de direito, deverá a presente procedimento cautelar ser julgado procedente por provado decretando-se em conformidade:
a) A suspensão de eficácia do acto praticado pelo Exmo. Senhor Secretário para a Segurança relativamente à declaração de caducidade da autorização de residência do Requerente,
b) A restituição por parte da Administração do Bilhete de Identidade de Residente do Requerente seguindo-se os ulteriores termos até final.
2. O Exmo Senhor Secretário para a Segurança contesta:
Face ao pedido apresentado pelo requerente A, no qual solicita-se a suspensão de eficácia da decisão de caducidade de autorização de residência proferida no dia 22 de Novembro de 2016 pelo Sr. Secretário para a Segurança, a entidade recorrida - Secretário para a Segurança - contestou o seguinte:
1.
O requerente, de nacionalidade Camaronesa, obteve a autorização de residência em Macau, com vista ao reagrupamento conjugal em Macau, posteriormente, foi renovada a autorização de residência até ao dia 28 de Julho de 2018.
2.
Logo depois da renovação, verificou-se que há fortes indícios da prática, pelo requerente, do crime de furto (subtraiu um anel de diamante pertencente à vítima sem consentimento dela, a polícia encontrou o respectivo anel na casa dele, o mesmo confessou que ele subtraiu, sem ela saber, o anel dela). O acto do requerente ameaça a segurança social, o que mostra que o requerente não é um homem honesto, por carência de confiança na sua futura observância das leis e tendo em conta a segurança e ordem pública, o Secretário para a Segurança decidiu, nos termos do artigo 24.º, n.º 1 do Regulamento Administrativo n.º 5/2003 e artigo 9º, n.º 2, alínea 1) da Lei n.º 4/2003 (relativo aos dispostos no artigo 4.º, n.º 2, alínea 3) “existirem fortes indícios de terem praticado crimes”, declarar a caducidade da autorização de residência do requerente.
3.
Este é o acto que tinha sido requerido, pelo requerente, a sua suspensão de eficácia.
4.
São de verificação cumulativa os três requisitos previstos no artigo 121.º n.º 1, alíneas a) a c) do Código de Processo Administrativo Contencioso para a suspensão de eficácia do acto administrativo, isto é, a execução do acto causa provavelmente prejuízo de difícil reparação para o requerente ou seus interesses protegidos, a suspensão não determine grave lesão do interesse público e não resultem do processo fortes indícios de ilegalidade do recurso contencioso em matéria administrativa.
5.
O requerente alegou que seja possível a sua mulher terá de abandonar Macau pela razão da execução do acto e, esta execução provocará perda do trabalho e da fonte de rendimento, ou por sua vez, o requerente terá de abandonar Macau e se divorciar da sua mulher, tudo isto causará prejuízos de difícil reparação
6.
De facto, não só incumbe ao requerente concretizar e especificar, um por um, os prejuízos irreparáveis advindos da execução do acto administrativo, como também tem de alegar a prova dos factos concretos e determinados que convençam o tribunal de que, segundo o decurso normal das coisas e pela experiência comum, os prejuízos invocados são consequência adequada, típica e provável da execução do acto.
7.
Isto quer dizer que, os prejuízos causados ao requerente pela execução do acto devem ser prejuízos directos, imediatos e necessários, excluindo os prejuízos presumidos, eventuais ou hipotéticos.
8.
Os prejuízos alegados pelo requerente, tais como o divórcio da mulher, a perda do trabalho da mulher e da fonte de rendimento, tudo isto, não se tratam consequências directas e necessárias da execução do acto em causa.
9.
O requerente só apontou amplamente que, com a execução do aludido acto, ele não poderá continuar a viver em Macau, não poderá entrar e sair livremente do território e não poderá exercer profissão, o que lhe causará prejuízos irreparáveis, porém, não apresentou nenhuma prova de facto concreta.
10.
Mesmo que existam efectivamente os chamados prejuízos supracitados, não são prejuízos de difícil reparação. Uma vez que o processo principal seja deferido, todos os prejuízos alegados podem ser recuperados.
11.
Ao invocar os factos que provocam os prejuízos de difícil reparação, o requerente tem que apresentar concreta e expressamente a prova, ao invés de fazer uma alegação vaga e conclusiva. Não só tem o dever de concretizar e indicar um por um os prejuízos de difícil reparação causados pela execução do acto administrativo em causa, como também tem que apresentar concretas e determinadas provas de facto, a fim de convencer outros de que os prejuízos invocados constituem a consequência adequada, típica e provável da execução do acto.
12.
Do requerimento não resulta que a execução da decisão de declaração de caducidade da autorização de residência do requerente lhe causa dano irreparável.
13.
Nestes termos, o pedido em causa não satisfaz os requisitos previstos no artigo 121º, n.º1, alínea a) do Código de Processo Administrativo Contencioso, por isso, não se deve aprovar a suspensão de eficácia do aludido acto.
Pelos expostos,
Nos termos da lei aplicável, requer a V. Exª que indefira o pedido em causa.
3. O Digno Magistrado do MP oferece o seguinte douto parecer:
A, suficientemente identificado nos autos, requer a suspensão da eficácia do acto de 22 de Novembro de 2016, do Exm." Secretário para a Segurança, que declarou a caducidade da autorização de residência que lhe havia sido concedida em 28 de Julho de 2015 e que fora objecto de renovação em Julho de 2016.
Alega, em essência, que o acto lhe vai ocasionar custos demasiado elevados, provocando um prejuízo de reparação impossível e que a suspensão não acarreta grave lesão do interesse público concretamente prosseguido pelo acto, não havendo também indícios de ilegalidade do recurso.
Contestou a autoridade requerida, pondo em causa que os prejuízos invocados pelo requerente sejam prejuízos de difícil reparação e verberando a falta de especificação e concretização dos prejuízos alegados, enquanto consequência necessária ou directa da execução do acto.
Vejamos, começando por lembrar que a suspensão de eficácia dos actos administrativos de conteúdo positivo ou que, sendo de conteúdo negativo, apresentem uma vertente positiva e a suspensão a esta se circunscreva, está, em regra, dependente da verificação cumulativa dos três requisitos, um positivo e dois negativos, enunciados nas alíneas a) a c) do artigo 121.º n.º 1, do Código de Processo Administrativo Contencioso, a saber:
- a previsibilidade de que a execução provoque prejuízo de dificil reparação para o requerente ou para os interesses que ele defenda ou venha a defender no recurso;
- não acarretar a suspensão grave lesão do interesse público concretamente prosseguido pelo acto;
- não resultarem do processo fortes indícios de ilegalidade do recurso.
A primeira questão que se coloca é, pois, a de saber se estamos ou não perante acto de conteúdo positivo, o que passa por indagar se o acto é ou não susceptível de provocar alteração na esfera jurídica do requerente.
Esta alteração na esfera jurídica do requerente parece incontroversa. Ele estava autorizado a residir em Macau, até 28 de Julho de 2018, segundo se colhe da contestação, e viu essa autorização caducar através do acto de 22 de Novembro de 2016. Este acto, cuja eficácia se pretende ver suspensa através da presente providência, veio pôr cobro a uma autorização de residência vigente, deixando o requerente sem título válido para continuar a residir em Macau e coarctando-lhe o direito de que vinha beneficiando. Estamos, assim, perante um acto de conteúdo positivo, cuja eficácia é susceptível de suspensão.
Porque assim, vejamos se estão preenchidos aqueles três requisitos, de cuja observância depende a peticionada suspensão.
Como se disse e é sabido, os requisitos necessários à suspensão são de verificação cumulativa, pelo que bastará a falta de um deles para conduzir ao insucesso da providência.
Não é patente que o processo aponte para a existência de fortes indícios de ilegalidade do recurso (artigo 121.°, n.º1, alínea c), do Código de Processo Administrativo Contencioso). Ao falar de fortes indícios de ilegalidade do recurso, a lei pretende aludir a uma situação de inviabilidade manifesta, notória e evidente do recurso contencioso - neste sentido, cf., v.g., o acórdão de 30 de Maio de 2002, do TSI processo n.º 92/2002 -, o que nos remete para a sindicância de pressupostos essencialmente formais, tais como a legitimidade, a tempestividade e a recorribilidade. Não se vislumbra, como dissemos, que haja indícios fortes dessa ilegalidade, e a autoridade requerida também o não aventa, pelo que temos, assim, preenchido o requisito da alínea c) do falado artigo 121.°.
No que toca ao requisito da alínea b), não divisamos fundamentos ponderosos para considerar que o protelamento da execução, resultante da eventual suspensão da eficácia do acto, possa trazer lesão relevante ao interesse público concretamente prosseguido pelo acto. Essa é também a visão do requerente, que não se mostra contrariada pela autoridade requerida, que nenhuma lesão grave do interesse público imputou à requerida suspensão.
Resta analisar a consistência dos fundamentos invocados na caracterização do prejuízo de difícil reparação previsivelmente resultante da execução do acto.
O requerente convoca os seguintes motivos: desapossamento do Bilhete de Identidade de Residente e dos direitos a ele inerentes; divórcio ou abandono de Macau por parte da mulher, com perda do emprego dela, por cessação do contrato de trabalho que tem com a empresa "Macau Tower Convention & Entertainment Centre"; impossibilidade do exercício das actividades profissionais, por parte do casal, que assim fica impedido de prover ao seu sustento; inviabilidade de solver as despesas em que o casal se constituiu com a compra de imóveis na Região Administrativa Especial de Macau, que terão que ser vendidos, tal como os móveis; impedimento do requerente de sair de Macau para qualquer dos locais que fazem fronteira com o Território de Macau.
Cremos, tal como a entidade requerida sustenta, que não vêm caracterizados e explicitados prejuízos de difícil reparação para o requerente, ou para os seus interesses, como decorrência da execução do acto. E essa é uma tarefa de que o requerente está onerado, como pacificamente vem entendendo a doutrina e a jurisprudência.
Posto isto, vejamos.
Quanto ao desapossamento do BIR e dos direitos inerentes, não parece curial definir como prejuízo o acto em si. O que interessa é concretizar a incidência dos efeitos da execução do acto e a sua projecção maléfica na vida e nos interesses do requerente. Se o prejuízo fosse o acto em si, então, no caso vertente, ele seria fácil e totalmente reparado através da execução do julgado anulatório, pelo que não se poderia falar propriamente de prejuízo irreparável. Improcede, pois, tal argumento.
Em relação ao eventual divórcio entre o requerente e a mulher, ou necessidade de abandono de Macau por parte da mulher, com perda do emprego dela, por cessação do contrato de trabalho que tem com a empresa "Macau Tower Convention & Entertainment Centre", cabe dizer que estes não são efeitos resultantes da execução do acto. Nem o requerente é obrigado a divorciar-se em decorrência do acto, nem a mulher tem que se deslocar necessariamente para o estrangeiro e perder o emprego, como consequência da execução do acto. Sendo de acrescentar que, não obstante a osmose dos interesses de ambos, decorrente da condição de casados entre si, é duvidoso que o requerente possa invocar, como seu, para os fins do artigo 121.°, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Administrativo Contencioso, o interesse na permanência da mulher em Macau e na manutenção do emprego actual dela. Improcede também este argumento. Sobre a alegada impossibilidade do exercício das actividades profissionais, por parte do casal, que assim fica impedido de prover ao seu sustento, remete-se, no tocante à mulher, para o que foi dito no parágrafo anterior. Já quanto ao próprio requerente, nada alegou ele sobre actividade profissional, nem tão pouco indicou a sua profissão habitual, pelo que não cumpriu aquele ónus de concretização, sem o que fica manifestamente inviabilizada a possibilidade de o tribunal considerar e avaliar essa singela alegação. Como quer que seja, a circunstância de não poder exercer actividade profissional em Macau, o que é uma inerência ao cancelamento da residência, não impede o requerente de procurar emprego ou instalar a sua empresa noutro local onde venha a reorganizar a sua vida. Igualmente improcede esta alegação.
No que toca à sugerida inviabilidade de solver as despesas em que o casal se constituiu com a compra de imóveis na Região Administrativa Especial de Macau, que, tal como os móveis, terão que ser vendidos, está o tribunal manifestamente impedido de se debruçar sobre a validade deste argumento. Nada diz ou explicita o requerente sobre o assunto, nenhum facto adiantando sobre a identificação dos móveis e dos imóveis a que pretende aludir, nada esclarecendo sobre os encargos que suporta, nem aduzindo o que quer que seja para demonstrar que a venda desse património lhe vai trazer prejuízo de difícil reparação. Improcede fatalmente esta conclusiva alegação.
Finalmente, quanto ao impedimento do requerente em sair da RAEM para qualquer dos locais que fazem fronteira com o Território de Macau, não se trata, naturalmente, de uma decorrência do acto, não integrando, como tal, o leque de prejuízos a considerar no âmbito da norma do artigo 121.°, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Administrativo Contencioso. Daí que, mesmo na hipótese de tal integrar prejuízo de dificil reparação, o que não vem explicitado, não poderia ser considerado nesta sede, por carência do indispensável nexo com a execução do acto. Donde, a improcedência deste fundamento.
Ante quanto se deixa exposto, tem-se por não verificado o pressuposto positivo da alínea a) do n.º 1 do apontado artigo 121.°, pelo que o nosso parecer vai no sentido de ser negada a peticionada suspensão de eficácia.
II - PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS
Este Tribunal é o competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são dotadas de legitimidade “ad causam”.
Não há outras excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito.
III - FACTOS
O requerente foi notificado do acto de cancelamento da autorização nos seguintes termos:
“N.º 201896/CESMNOT/2016P
Notifica-se, pelo presente, A (portador do passaporte de Camarões n.º 0201571), de que o Sr. Secretário para a Segurança, por despacho de 22 de Novembro de 2016, concordou com os fundamentos exposto no relatório complementar do Serviço de Migração do CPSP n.º 300118/CESMREN/2016P, declarando a caducidade da autorização de residência de V. Ex.ª.
Vem transcrito abaixo o conteúdo do aludido relatório complementar:
“ 1. No dia 28 de Julho de 2015, o interessado A foi concedido a autorização de residência com vista ao reagrupamento conjugal em Macau.
2. Este Serviço recebeu, no dia 9 de Setembro de 2016, o ofício da Polícia Judiciária que contou o crime de furto qualificado p e p pelo artigo 198.º, n.º 1, alínea a) do Código Penal, cometido pelo interessado no dia 7 de Setembro de 2016 e transferido para julgamento no tribunal. Ao mesmo tempo, no processo de investigação, o interessado confessou furtou, sem conhecimento da vítima, um anel de diamante no valor de MOP45.800,00. Devido à existência dos fortes indícios de que o interessado não obedecer a lei de Macau, devendo, assim, declarar-se a caducidade da autorização de residência do interessado.
3. Realizada a audiência escrita, o interessado apresentou a este Serviço uma declaração.
4. Sendo insuficiente a justificação exposta pelo interessado na audiência escrita, de acordo com o art.º 9.º, n.º 1 da Lei n.º 4/2003, e o art.º 24.º, n.º 1 do Regulamento Administrativo n.º 5/2003, propõe-se declarar a caducidade da autorização de residência do interessado.”
Junto se remete a cópia do respectivo despacho à sua referência.
Do acto administrativo supracitado cabe recurso contencioso para o Tribunal de Segunda Instância nos termos do art.º 25.º do Código de Processo Administrativo Contencioso.
O Comissário de Estrangeiros
IV - FUNDAMENTOS
1. O caso
A, camaronês, viu cancelada a sua autorização de residência, que obtivera em 2015, por se ter casado com uma senhora, residente permanente na RAEM, cancelamento que se ficou a dever ao facto de contra ele haver fortes indícios de prática de furto de uma jóia encontrada em sua casa, tendo o respectivo processo sido remetido já para julgamento.
Alega que da execução imediata do acto lhe advêm graves prejuízos que melhor serão analisados nos termos abaixo pormenorizados e, por isso, vem pedir a suspensão da eficácia do acto até que definitivamente o processo seja resolvido.
2. Da natureza positiva do acto
Dispõe o art.º 120º do CPAC que só há lugar a suspensão de eficácia quando os actos tenham conteúdo positivo, ou tendo conteúdo negativo, apresentem uma vertente positiva e a suspensão seja circunscrita a esta vertente. No caso em apreço, o acto administrativo consiste no cancelamento da autorização de residência, acto ablativo e modificativo da situação jurídica resultante daquela autorização, ora cancelada.
Não parece haver dúvidas sobre a natureza positiva do acto suspendendo, visto o corte com a situação anterior e a supressão dos direitos que lhe haviam sido conferidos pelo estatuto de que beneficiava.
3. Dos requisitos da suspensão de eficácia do acto
Para a procedência do pedido, não basta estarmos perante um acto positivo ou negativo com conteúdo positivo.
Prevê o art. 121º do CPAC:
“1. A suspensão de eficácia dos actos administrativos, que pode ser pedida por quem tenha legitimidade para deles interpor recurso contencioso, é concedida pelo tribunal quando se verifiquem os seguintes requisitos:
a) A execução do acto cause previsivelmente prejuízo de difícil reparação para o requerente ou para os interesses que este defenda ou venha a defender no recurso;
b) A suspensão não determine grave lesão do interesse público concretamente prosseguido pelo acto; e
c) Do processo não resultem fortes indícios de ilegalidade do recurso.
2. Quando o acto tenha sido declarado nulo ou juridicamente inexistente, por sentença ou acórdão pendentes de recurso jurisdicional, a suspensão de eficácia depende apenas da verificação do requisito previsto na alínea a) do número anterior.
3. Não é exigível a verificação do requisito previsto na alínea a) do n.º 1 para que seja concedida a suspensão de eficácia de acto com a natureza de sanção disciplinar.
4. Ainda que o tribunal não dê como verificado o requisito previsto na alínea b) do n.º 1, a suspensão de eficácia pode ser concedida quando, preenchidos os restantes requisitos, sejam desproporcionadamente superiores os prejuízos que a imediata execução do acto cause ao requerente.
5. Verificados os requisitos previstos no n.º 1 ou na hipótese prevista no número anterior, a suspensão não é, contudo, concedida quando os contra-interessados façam prova de que dela lhes resulta prejuízo de mais difícil reparação do que o que resulta para o requerente da execução do acto.”
Da observação desta norma é fácil verificar que não importa nesta sede a análise da questão de fundo, de eventuais vícios subjacentes à decisão impugnada, tendo, no âmbito do presente procedimento preventivo e conservatório, que se partir, por um lado, da presunção da legalidade do acto e da veracidade dos respectivos pressupostos - fumus boni iuris -, por outro, de um juízo de legalidade da interposição do recurso.
Tal como foi decidido no acórdão do Tribunal de Última Instância de 13 de Maio de 2009, proferido no processo n. 2/2009, para aferir a verificação dos requisitos da suspensão de eficácia de actos administrativos é evidente que se deve tomar o acto impugnado como um dado adquirido. O objecto do presente procedimento preventivo não é a legalidade do acto impugnado, mas sim se é justo negar a executoriedade imediata dum acto com determinado conteúdo e sentido decisório. Assim, não cabe discutir neste processo a verdade dos factos que fundamentam o acto impugnado ou a existência de vícios neste.1
A suspensão dessa eficácia depende, no essencial, da verificação dos três requisitos das alíneas a), b) e c) do n.º 1 do supra citado artigo 121º do C.P.A.C.:
- previsível prejuízo de difícil reparação para o requerente,
- inexistência de grave lesão de interesse público pelo facto da suspensão
- e o não resultarem do processo fortes indícios da ilegalidade do recurso.
Resulta da Doutrina e Jurisprudência uniformes que os requisitos previstos no art. 121º supra citado são de verificação cumulativa - importando, no entanto, atentar na excepção do n.º 2, 3 e 4 desse artigo e do art. 129º, n.º 1 do CPA C-, pelo que, não se observando qualquer deles, é de improceder a providência requerida.2
Daí que a ponderação da multiplicidade de interesses, públicos e privados, em presença, pode atingir graus de complexidade dificilmente compagináveis com a exigência de celeridade da decisão jurisdicional de suspensão dos efeitos da decisão impugnada. Sem falar no facto de o interesse público na execução do acto não se dissociar de relevantes interesses particulares e o interesse privado da suspensão tão pouco se desligar de relevantes interesses públicos, sendo desde logo importantes os riscos económicos do lado público e do lado privado, resultantes quer da decisão de suspensão dos efeitos quer da decisão de não suspensão.
É importante reconhecer que a avaliação da juridicidade da decisão impugnada em tribunal reside hoje, muitas vezes, no refazer metódico da ponderação dos diferentes interesses em jogo.
4. A lei não impõe o conhecimento de tais requisitos por qualquer ordem pré determinada, mas entende-se por bem que os requisitos da al. c), relativos aos indícios de ilegalidade do recurso, por razões lógicas e de precedência adjectiva deverão ser conhecidos antes dos demais e ainda, antes de todos, o pressuposto relativamente à legitimidade do requerente, já que a norma fala exactamente em quem tenha legitimidade para deles interpor recurso e, seguidamente, nos requisitos elencados nas diversas alíneas.
Até porque a existência de fortes indícios da ilegalidade da interposição do recurso reporta-se às condições de interposição ou pressupostos processuais e não às condições de natureza substantiva ou procedência do mesmo.3
5. Da não ilegalidade do recurso
Impõe o preceito acima citado que não resultem fortes indícios de ilegalidade do recurso contencioso.
A instrumentalidade desta medida cautelar, implica uma não inviabilidade manifesta do recurso contencioso a interpor.
Só ocorre a acenada manifesta ilegalidade, quando se mostrar patente, notório ou evidente que, segura e inequivocamente, o recurso não pode ter êxito (v.g. por se tratar de acto irrecorrível; por ter decorrido o prazo de interposição de recurso de acto anulável) e não já quando a questão seja debatida na doutrina ou na jurisprudência.4
O requerente impugnou o acto contenciosamente e, não obstante não vindo aqui elencados os fundamentos do pedido da impugnação – sendo certo que foi apresentado conjuntamente o recurso aí se podendo observar quais os vícios assacados ao acto (vícios de violação de lei), não se deixa de entender que, pelo menos, estará em causa a defesa da expectativa da anulação do acto que lhe cancelou a autorização de residência.
Perante este quadro, não é difícil ter por integrado o requisito da legalidade do recurso, afigurando-se como evidente o direito, pelo menos, à definição jurídica da situação controvertida, daí decorrendo claramente a legitimidade e o interesse processual do requerente, titular directo do interesse que diz ter sido atingido, não havendo dúvidas, nem elas sendo levantadas - haja em vista o teor da contestação -, quanto aos outros pressupostos processuais relativos à actuação do recorrente.
Não se está, pois, perante uma situação de manifesta ilegalidade do recurso, mostrando-se ainda aqui verificado o requisito negativo da alínea c) do artigo 121º do citado C.P.A.C..
Este tem sido, aliás, o entendimento deste Tribunal.5
6. Dos prejuízos de difícil reparação para o requerente
Fixemo-nos, então, no requisito positivo, relativo à existência de prejuízo de difícil reparação que a execução do acto possa, previsivelmente, causar para o requerente ou para os interesses que este venha a defender no recurso - al. a) do n.º 1 do art. 121º do CPAC.
Conforme tem sido entendimento generalizado, compete ao requerente invocar e demonstrar a probabilidade da ocorrência de prejuízos de difícil reparação causados pelo acto cuja suspensão de eficácia requer, alegando e demonstrando, ainda que em termos indiciários, os factos a tal atinentes.
Tais prejuízos deverão ser consequência adequada directa e imediata da execução do acto.6
Vejamos que prejuízos alega o requerente.
A este nível invoca o requerente o facto de resultar da imediata execução do acto, além do mais, a cessação da referida actividade profissional, a frustração de todas as expectativas relativas a actividades de educação, investigação académica, criação literária e artística e outras actividades culturais, etc., e a anulação de todo o investimento feito na RAEM ao longo destes anos.
Com este tipo de alegação não é possível evidenciar um concreto prejuízo de difícil reparação para o interessado, desde logo, porque fica sem se saber qual a ocupação do requerente, não se podendo concluir que teria muito provavelmente de interromper actividades eu nem sequer se sabe que existem.
Importa não confundir transtornos com prejuízos de grave reparação. Entramos aí num domínio que implica uma aferição daquilo que se interrompe, se suspende, se deixa de prosseguir para quantificar e aquilatar da possibilidade de reparação.
Nem sequer se pode afastar a ideia de impossibilidade de compatibilização com as alegadas actividades, sabendo-se que a não residência ou uma vinda esporádica a Macau não deixa de ser possível, seja por via de uma direcção à distância, seja por uma assistência pontual, tudo dependendo daquilo que concretamente se está aqui a desenvolver.
Fala ainda o requerente no prejuízo resultante da venda dos imóveis a que se veria forçado. Mas que imóveis? Continuamos aí com uma alegação vaga e genérica.
Mas admitamos que assim é, que o requerente adquiriu imóveis. Ainda aí não se vê razão para que tenha de vender as suas propriedades, não estando esta vedada a não residentes, tanto mais que a sua esposa aqui é residente permanente.
No que tange à sua vida familiar que anuncia como destruída por um divórcio que perspectiva, não se percebe por que razão assim tenha de acontecer. A não autorização de residência e a saída do requerente não tem de implicar necessariamente a ocorrência de um divórcio, não deixando de ser frequentes as situações em que uma separação geográfica não abala a relação afectiva e matrimonial existente no seio de um casal.
Os prejuízos alegados e respeitantes à perda de emprego da sua esposa e necessidade de saída desta, se, por um lado, são prejuízos de outrem, que aqui não relevam, também não se evidenciam como necessariamente decorrentes do cancelamento da autorização de residência do requerente, não sendo a saída desta uma consequência necessária do acto ora impugnando.
Também não se percebe o que pretende o requerente ao alegar a sua impossibilidade em se deslocar para regiões ou territórios próximos, na medida em que se não se alcança em que medida esse expediente minoraria o impacto dos prejuízos, que, repete-se, concretizados não vêm. Isto é, seria necessário alegar que que se evitaria algum malefício, não obstante a saída, se o requerente pudesse permanecer em Hong Kong, por exemplo, exercício que não se faz na alegação produzida.
Como também não se releva a invocada e implícita expectativa à residência permanente, com a retirada da documentação habilitante, porquanto,o se atendível em termos de projecto de vida, já o não deverá ser em termos de tutela conformadora de uma situação jurídica sob pena de qualquer residente não permanente poder fazer radicar aí uma expectativa que por si só legitimasse a atribuição e um outro estatuto. Isto é, a atribuição do estatuto de residente pode ser negada legitimamente a um não residente permanente, devendo respeitar apenas os respectivos parâmetros condicionantes da sua atribuição.
Bastam aqui, à míngua da concretização dos prejuízos de difícil reparação para o requerente, as apontadas razões para se ter este requisito por inverificado.
7. Lesão de interesse público
Sobre a lesão do interesse público já se decidiu neste Tribunal que, ressalvando situações manifestas, patentes ou ostensivas, a grave lesão de interesse público não é de presumir, antes devendo ser afirmada pelo autor do acto. E neste particular aspecto o que se observa é que a entidade requerida nada disse.
E questão que desde logo se pode colocar é se a posição da entidade requerida nos autos não preenche o condicionalismo do artigo 129º, n.º 1 do CPAC, o que levaria, sem outros desenvolvimentos, a ter este requisito por integrado.
Não se furtará este Colectivo, no entanto, a dizer algo mais.
Trata-se de um requisito que se prende com o interesse que, face ao artigo 4º do C.P.A., todo o acto administrativo deve prosseguir.7
Relativamente a este requisito, importa observar que toda a actividade administrativa se deve pautar pela prossecução do interesse público, donde o legislador exigir aqui que a lesão pela não execução imediata viole de forma grave esse interesse.
Só o interesse público definido por lei pode constituir motivo principalmente determinante de qualquer acto administrativo. Assim, se um órgão da Administração praticar um acto administrativo que não tenha por motivo principalmente determinante o interesse público posto por lei a seu cargo, esse acto estará viciado por desvio de poder, e por isso será um acto ilegal, como tal anulável contenciosamente. E o interesse público é o interesse colectivo, que, embora de conteúdo variável, no tempo e no espaço, não deixa de ser o bem-comum.8
Ora, se se tratar de lesão grave - séria, notória, relevante - a execução não pode ser suspensa.
Perante o acto impositivo concreto há que apurar se a suspensão de eficácia viola de forma grave o interesse público.
Manifestamente não é o caso.
A expressão "grave lesão do interesse público" constitui um conceito indeterminado que compete ao Juiz integrar em face da realidade factual que se lhe apresenta. Essa integração deve fazer-se depurada da interferência de outros requisitos, tendo apenas em vista a salvaguarda da utilidade substancial da sentença a proferir no recurso.
Temos dito e redito que não cabe aos tribunais imiscuírem-se na governação.
Não compete, portanto, a este Colectivo dizer se deve ou não ser cancelada a dita autorização de residência e, neste procedimento, avaliar se estará em causa a lesão do interesse público.
Ora, não é difícil avaliar a situação de modo a considerar que o interesse público não ficaria beliscado com uma suspensão de um acto que, não obstante uma ablação, visto o referido cancelamento, seria compatível com algum lapso de espera até à resolução do recurso contencioso.
Não choca que pudesse aguardar provisoriamente, o que decorreria da suspensão do acto que cancelou autorização de residência.
Pelo que, sobre este requisito, não seria difícil configurar o preenchimento da alínea b) do n.º 1 do artigo 121º do CPAC.
Face ao exposto, porém, somos a concluir no sentido da inverificação do requisito positivo da alínea a), o que tanto basta para se desatender a providência requerida, nada que não possa ser reparado e reposto, se o requerente vier a ter ganho de causa a final.
Razões por que, por inverificação cumulativa de todos os requisitos para o efeito, na esteira do objecto da providência, se julgará improcedente o pedido de suspensão de eficácia do acto em causa.
V - DECISÃO
Pelas apontadas razões, acordam em julgar improcedente a providência de suspensão de eficácia do acto que cancelou a autorização de residência de A.
Custas pelo requerente com taxa de justiça que se fixa em 3 UCs.
Macau, 16 de Fevereiro de 2017
1 Ac. TUI 37/2009, de 17/Dez.
2 - Vieira de Andrade, Justiça Administrativa, 3ª ed., 176; v.g. Ac. do TSI, de 2/12/2004, proc.299/03
3 - Ac. STA 46219, de 5/772000, www//:http.dgsi.pt
4 - Ac. do TSI de 30/5/02, proc. 92/02
5 - Como resulta do acórdão de 25/1/07, n.º 649/2006/A.
6 - Acs. STA de 30.11.94, recurso nº 36 178-A, in Apêndice ao DR. de 18-4-97, pg. 8664 e seguintes; de 9.8.95, recurso nº 38 236 in Apêndice ao DR. de 27.1.98, pg. 6627 e seguintes
7 - Ac. do T.S.I. de 22 de Novembro de 2001 – Pº205/01/A ; ac. do T.S.I. de 18 de Outubro de 2001 - Proc.191/01
8 - Freitas do Amaral, Direito Administrativo”, 1988, II, 36 e 38
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124/2017/A 10/36