Processo nº 341/2016 Data: 16.02.2017
(Autos de recurso penal)
Assuntos : Nulidade.
Composição do Tribunal em caso de reenvio.
Contradição insanável da fundamentação.
SUMÁRIO
1. Só em caso de “reenvio”, (em consequência dos vícios referidos nas alíneas do n.° 2 do art. 400°), é que o novo julgamento deve ser feito (repetido) por Juízes diferentes daqueles que subscreveram o Acórdão recorrido.
2. Existe “contradição insanável da fundamentação” quando se constata incompatibilidade, não ultrapassável, entre os factos provados, entre estes e os não provados ou entre a fundamentação probatória e a decisão.
Em suma, quando analisada a decisão recorrida se verifique que a mesma contém “posições antagónicas”, que mutuamente se excluem e que não podem ser ultrapassadas.
O relator,
______________________
Processo nº 341/2016
(Autos de recurso penal)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
Relatório
1. O Ministério Público deduziu acusação contra A (A), arguido com os restantes sinais dos autos, imputando-lhe a prática em concurso real de 1 crime de “falsificação de documento de especial valor” e 1 outro de “burla agravada”, p. e p. pelos art°s 245° e 211°, n.° 1 e 4, al. a) do C.P.M.; (cfr., fls. 913 a 916 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).
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Oportunamente, B (B), assistente, enxertou pedido de indemnização civil contra o mesmo arguido, pedindo a sua condenação no pagamento da quantia de MOP$11.564.132,70 e juros; (cfr., fls. 960 a 964-v).
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Por Acórdão do Colectivo do T.J.B. de 26.07.2013, (1° Acórdão do T.J.B.), decidiu-se condenar o arguido como autor da prática de 1 crime de “falsificação de documento de especial valor”, p. e p. pelo art. 245° do C.P.M., na pena de 2 anos de prisão, suspensa na sua execução por 3 anos, na condição de no prazo de 60 dias pagar à R.A.E.M. a quantia de MOP$30.000,00, absolvendo-se o mesmo arguido do imputado crime de “burla” e não se conhecendo o deduzido pedido de indemnização civil; (cfr., fls. 1562 a 1569-v).
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Por Acórdão deste T.S.I. de 17.07.2014, (1° Acórdão deste T.S.I.), julgou-se improcedente o recurso pelo arguido interposto, confirmando-se a sua condenação pela prática de 1 crime de “falsificação de documento de especial valor”, e, no âmbito do recurso do assistente, decretou-se o reenvio do processo para novo julgamento quanto à (restante) matéria de facto respeitante ao crime de “burla” e para conhecimento do pedido de indemnização civil enxertado nos autos; (cfr., fls. 1720 a 1730-v).
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Após novo julgamento, em 19.06.2015, proferiu o Colectivo do T.J.B. Acórdão, (2° Acórdão do T.J.B.), no qual se decidiu absolver o arguido do imputado crime de “burla”, julgando-se também improcedente o deduzido pedido de indemnização civil; (cfr., fls. 1805 a 1815-v).
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Novamente inconformado com assim decidido, o assistente recorreu; (cfr., fls. 1819 a 1842).
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Por Acórdão deste T.S.I. de 19.11.2015, (2° Acórdão deste T.S.I.), e constatando-se que o decidido pelo T.J.B. desrespeitava o decidido no anterior (1°) Acórdão deste T.S.I. de 17.07.2014, incorrendo em “violação de caso julgado formal”, declarou-se a nulidade da decisão recorrida; (cfr., fls. 1871 a 1876).
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Devolvidos os autos ao T.J.B., por Acórdão de 24.02.2016, (3° Acórdão do T.J.B.), proferiu-se (nova) decisão, absolvendo-se o arguido do imputado crime de “burla” e do deduzido pedido de indemnização civil; (cfr., fls. 1901 a 1913).
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Do assim decidido, pelo mesmo assistente, vem interposto o presente recurso, onde, em sede de conclusões, afirma o que segue:
“A. Da falta de indicação dos factos não provados – O Colectivo do T.J.B. tinha de ter deixado bem claro que foram apreciados (objecto de deliberação e votação) todos os factos que constituem objecto do processo e com interesse para a decisão.
B. Ora, os factos alegados nos artigos 6.° a 9.°, 10.°, 12.°, 16.° a 18.°, 23.° a 28.° e 45.° do pedido de indemnização cível de fls. 960-964 têm potencialidade para influir a decisão final.
C. Mas na parte da enumeração dos factos não provados da sentença ora recorrida nada se diz quanto a eles, pelo que, no presente caso, a forma adoptada de referir os factos não provados do pedido de indemnização cível equivale à falta de enumeração dos factos não provados e determina, nesta parte, a nulidade do acórdão da primeira instância nos termos do art.° 360.°, al. a) do C.P. [Vidé Recursos n° 97/2010, 28 de Fevereiro de 2014 e n° 167/2001, 17.01.2002, ambos do TSI e disponíveis no Website dos Tribunais da RAEM]
D. Da nulidade insanável – o Colectivo do T.J.B. que proferiu a (3.ª) sentença de 24/02/2016 foi formado pelos mesmos juízes que proferiram a (2.ª) sentença de 19.06.2015 (fls. 1805 a 1815-v).
E. Não foi, portanto, observado o disposto no artigo 418.°, n.° 3 do C.P.P. quanto à composição do tribunal colectivo, o que configura a nulidade prevista na alínea e) do artigo 106.° do C.P.P., a qual, por ser insanável, determina a anulação do acórdão ora recorrido por com tal norma ter o legislador pretendido afastar qualquer hipótese de influência do juízo efectuado pelos primitivos julgadores e do seu compromisso intelectual com o caso, afastando dessa maneira a eventual reincidência do vício detectado no julgamento anulado.
F. Do erro notório na apreciação da prova – Por outro lado, sempre teria a sentença recorrida incorrido em erro notório na apreciação da prova.
G. Isto por também nesta (3. ª) sentença, o Colectivo do T.J.B reincidir no vício previsto no artigo 400.°, n.° 2, alínea c) do C.P.P., ou seja, o mesmo vício que já fora apontado à (2.ª) sentença desse colectivo pelo acórdão do T.S.I. de 17.07.2014 (fls. 1720 a 1730-v) para justificar a decisão de reenvio.
H. Sendo que o reenvio determinado pelo acórdão do T.S.I. de 17.07.2014 (fls. 1720 a 1730-v) se deveu à verificação de erro notório na apreciação da prova em relação a determinados factos relativos ao crime de burla, conforme se transcreveu no parágrafo 30.° do corpo destas Motivações.
I. Pretendia-se, pois, com o reenvio ora determinado pelo Acórdão proferido no Recurso n.° 810/2015 (fls. 1871 – 1876) que o Colectivo do T.J.B julgasse o processo de acordo com o decidido no acórdão do T.S.I. de 17.07.2014 (fls. 1720 a 1730-v),
J. Devia pois o Colectivo do T.J.B ter resolvido o erro notório na apreciação da prova de acordo com o que fora decidido quanto a esse vício no acórdão do T.S.I. de 17.07.2014.
K. Isto por já o consentirem (e imporem) os factos provados na sentença de fls. 1562-1569v em conjunção com os que no acórdão do T.S.I. de 17.07.2014 se julgou que nela deveriam ter ficado provados (mas que não ficaram por erro notório na apreciação da prova), como decorre do segmento do referido acórdão de fls. 1720-1730v transcrito no parágrafo 40.° do corpo destas Motivações.
L. Da contradição insanável da fundamentação – Por outro lado, a sentença recorrida também incorreu em contradição insanável da fundamentação por existir incompatibilidade, não ultrapassável, entre os factos provados (que constituem a premissa menor do silogismo judiciário da decisão condenatória de fls. 1562-1569v pelo crime de falsificação de documento de especial valor) e os factos não provados relativos ao crime de burla qualificada e ao pedido de indemnização cível, conforme se deu conta nos parágrafos 121.° a 147.° do corpo destas Motivações.
M. Dos factos que deveriam ter ficado provados – Conforme a sentença ora recorrida ficou não provado que: 嫌犯使用上述不真實的商業登記資料造成他人對其本人身份和在公司權限上的錯誤認識,而將屬公司所有之財產轉售予他人,並將所得之相當巨額款項非法全部據為己有。
N. Sucede que tal factualidade podia e devia ter ficado provada por já ter ficado assente através do acórdão de 17.07.2014 (fls. 1720-1730v) que: «從2005年4月25日至2006年7月20日嫌犯利用其透過呈交偽造文件手法取得的商業登記資料上所顯示的權限,獨自一人代表XX地產公司簽署或由其本人以“XX地產集團(澳門)有限公司”法定代表人身份授權他人代表該公司簽署了總共28份公證契約,將屬XX地產公司的34個商住單位轉售他人,所得款項也由其個人獨自據為己有。, incluindo o teor dos pontos 1 a 28 de fls. 1907-1909 da sentença recorrida.
O. Assim, tendo ficado provado que o Arguido A através dos poderes constantes da certidão comercial obtida com base no documento falsificado vendeu as 34 fracções, tem necessariamente de ficar provado que 嫌犯使用上述不真實的商業登記資料造成他人對其本人身份和在公司權限上的錯誤認識,而將屬公司所有之財產轉售予他人。
P. E mais, tendo ficado provado que o Arguido A se apropriou do dinheiro recebido, tem necessariamente de também ficar provado que 並將所得之相當巨額款項非法全部據為己有。
Q. Assim, por causa dos factos já provados (sob pena de contradição insanável da fundamentação), tem necessariamente de também ficar provado que 嫌犯使用上述不真實的商業登記資料造成他人對其本人身份和在公司權限上的錯誤認識,而將屬公司所有之財產轉售予他人,並將所得之相當巨額款項非法全部據為己有。
R. Nem de outra forma poderia ser já que:
S. Conforme as escrituras de fls. 247-254, 755-762, 779-787, 789-797, 799-802, 804-813 e 824-827, o Arguido A vendeu os bens imóveis da “Companhia de Fomento Predial XX Grupo (Macau), Limitada” na qualidade de seu administrador, tendo ficado consignada nas respectivas escrituras de compra e venda a seguinte menção: “com os poderes necessários para este acto, que verifiquei por uma certidão comercial da Conservatória do Registo Comercial”.
T. Conforme as escrituras de fls. 294-297, 727-730, 732-735 e 737-740, o Arguido A vendeu os bens imóveis da “Companhia de Fomento Predial XX Grupo (Macau), Limitada” na qualidade de seu administrador, tendo ficado consignado nas respectivas escrituras de compra e venda a seguinte menção: “qualidade e poderes para o acto que verifiquei por duas certidões do registo comercial, a segunda dos quais contendo os estatutos, ambas emitidas em 27 de Março de 2006”.
U. Conforme as escrituras de fls. 646-653, 655-658, 693-700 e 717-724, o Arguido A vendeu os bens imóveis da “Companhia de Fomento Predial XX Grupo (Macau), Limitada” na qualidade de seu administrador, tendo ficado consignado nas respectivas escrituras de compra e venda a seguinte menção: “qualidade e poderes para o acto que verifiquei por uma certidão comercial da Conservatória dos Registos Comercial e de Bens Móveis”.
V. Acresce, por outro lado, conforme as procurações de fls. 882-886 e 887-892, o Arguido A, na qualidade de administrador em representação da “Companhia de Fomento Predial XX Grupo (Macau), Limitada”, deu poderes aos procuradores, tendo ficado consignado nas respectivas procurações as seguintes menções: “qualidade e poderes para o acto que verifiquei por exibição de uma acta da Assembleia Geral Extraordinária da mesma sociedade, realizada em 18 de Maio de 2005 (…) e por exibição de uma certidão comercial emitida em 18 de Maio de 2005 pela Conservatória dos Registo Comercial e de Bens Móveis”
W. Acresce ter o substabelecimento de fls. 878-881 sido feito com base na referida procuração de fls. 887-892.
X. Por outro lado, foi com base nas procurações e substabelecimento acima referidos que foram celebrados as escrituras de fls. 609-644, 660-691, 707-715, 742-745, 748-752, 764-767, 769-777 e 815-822, mediante as quais o Arguido A vendeu os bens imóveis da “Companhia de Fomento Predial XX Grupo (Macau), Limitada”.
Y. Portanto, foi com os averbamentos lavrados na conservatória (fls. 8 e 9) com base em documentos falsificados pelo Arguido (a acta de fls. 22-23), que este conseguiu por si próprio (ou interposta pessoa) celebrar as escrituras de compra e venda supra referidas.
Z. Mais, conforme as informações prestadas pelo Banco de China sobre a conta bancária de (fls. 1300 a 1305), o dinheiro depositado nesta conta bancária já foi levantado, apresentando a mesma um saldo residual de apenas MOP116.04.
AA. Logo, tendo ficado provado que o Arguido A usou os poderes referidos na certidão comercial de administrador único que obteve mediante o crime p.p. no artigo 245.° do C.P. para vender os bens imóveis da “Companhia de Fomento Predial XX Grupo (Macau), Limitada” e se apropriar do respectivo preço, tinha, por conseguinte e necessariamente, de também ter ficado provado que: «嫌犯使用上述不真實的商業登記資料造成他人對其本人身份和在公司權限上的錯誤認識,而將屬公司所有之財產轉售予他人,並將所得之相當巨額款項非法全部據為己有。» sob pena de contradição insanável.
BB. Da absolvição do crime de burla – O Tribunal a quo concluiu pela não condenação do Arguido pelo crime de burla, mas salvo melhor opinião, impunha-se outra decisão.
CC. Primeiro, porque o facto não provado de que 但未獲證明嫌犯使用不真實的商業登記資料是其使用的詭計,造成他人對其本人身份和在公司權限上的錯誤認識,而該錯誤是導致相關買家受騙並購買不動產的決定因素 se mostra incompatível com os restantes factos provados.
DD. Nomeadamente os factos provados que se referem nos parágrafos 2, 4, 5, 6, 7, 8, 9 do título 一) 獲中級法院裁判(第一份上訴裁判)認定的已證事實” a fls. 1906 e 1906v da sentença recorrida.
EE. Tal significa que sem que o Arguido A tivesse criminosamente alterado a forma de obrigar a sociedade comercial “Companhia de Fomento Predial XX Grupo (Macau), Limitada” de duas assinaturas para uma, ter-lhe ia sido impossível representar sozinho a Sociedade e celebrado as escrituras de compra e venda para se apropriar do correspondente preço.
FF. Portanto, é evidente que foi por causa deste erro infligido ao Notário e aos compradores das fracções quanto à qualidade e suficiência de poderes do Arguido A que este os conseguiu enganar, fazendo com que eles celebrassem as escrituras de compra e venda, pensando que o estavam a fazer com quem de direito.
GG. Segundo, porque o juízo de que 未獲證明嫌犯出售相關物業造成了“XX地產集團(澳門)有限公司”的財產損害; e 未能證明嫌犯直接將出售上述不動產的價金直接據為己有; se mostra infirmado pela factualidade apurada.
HH. É que, in casu, o Assistente não é a Companhia de Fomento Predial XX Grupo (Macau), Limitada mas sim o próprio B.
II. Portanto, o que se importa é se os actos do Arguido A causaram ou não prejuízo ao Assistente B.
JJ. E a resposta a tal questão não pode deixar de ser positiva.
KK. Isto por já ter ficado assente a seguinte factualidade: 從2005年4月25日至2006年7月20日嫌犯利用其透過呈交偽造文件手法取得的商業登記資料上所顯示的權限,獨自一人代表XX地產公司簽署或由其本人以“XX地產集團(澳門)有限公司”法定代表人身份授權他人代表該公司簽署了總共28份公證契約,將屬XX地產公司的34個商住單位轉售他人,所得款項也由其個人獨自據為己有。, bem como os factos provados que se refere nos parágrafos 3.° e 9.° do título 一) 獲中級法院裁判(第一份上訴裁判)認定的已證事實” a fls. 1906 e 1906v da sentença recorrida.
LL. Portanto, resulta dos factos acima referidos que foi o Arguido A sem aprovação nem consentimento do Assistente B (que era e é outro sócio da Sociedade), quem usou documento falsificado para ganhar completo controlo sobre Sociedade e assim vender os bens imóveis da Sociedade e guardar os lucros para si próprio.
MM. Terceiro, porque o Tribunal a quo também julgou que os problemas da divisão da conta do preço da compra e venda entre o Assistente e o Arguido, não são elementos constitutivos do crime de burla.
NN. Mas, no caso ora em pareço, o que tem relevância criminal não são os problemas da divisão da conta do preço de venda dos bens imóveis, mas sim os actos que o Arguido dolosamente praticou para obter para si próprio um enriquecimento ilegítimo à custa do Assistente B.
OO. Daí, salvo melhor opinião, impor-se a condenação do Arguido A pelo crime de burla de valor consideravelmente elevado.
PP. Isto por o consentirem (e imporem) os factos provados na sentença de fls. 1562-1569v em conjunção com os que o TSI julgou que nela deveriam ter ficado provados por erro notório na apreciação da prova, como decorre do segmento do acórdão de fls. 1720-1730v ora transcrito: «至於原審庭在詐騙罪方面的事實審結果,本院經分析原審庭在此方面所發表的判案理由說明,認為對任何一個能閱讀原審判決內容的人士,均會在閱讀後,按照人們日常生活的經驗法則,認為原審庭在詐騙罪方面的事實審結果實在是明顯不合理。原審法庭實在不應把控訴書內有關「嫌犯使用上述不真實的商業登記資料造成他人對其本人身份和在公司權限上的錯誤認識,而將屬公司所有之財產轉售他人,並將所得之相當巨額款項非法全部據為己有」的指控事實,認定為未被證實的事實,因原審庭此舉實在明顯與人們日常的經驗法則相左。»
QQ. Dos elementos típicos do crime de burla qualificada – Mas apesar do já decidido no acórdão de fls. l720-l730v quanto ao erro notório na apreciação da prova impor a condenação do Arguido A pelo crime de burla de valor consideravelmente elevado, assim não entendeu o Tribunal a quo, por na sua perspectiva, a actuação deste não preencher os elementos típicos deste crime.
RR. Ora, a construção do crime de “burla” supõe num primeiro momento, a verificação de uma conduta (intencional) astuciosa que induza directamente em erro ou engano o lesado, e, num segundo momento, a verificação de um enriquecimento ilegítimo de que resulte prejuízo patrimonial do sujeito passivo ou de terceiro.
SS. Impunha-se, pois a condenação do Arguido pela prática, em autoria material e na forma consumada de um crime de burla de valor consideravelmente elevado, previsto e punível pelo artigo 211.°, n.os 1 e 4, alínea a) do Código Penal, porquanto a matéria fáctica já dada por provada em primeira instância (sentença de fls. 1562-1569v) (e a que segundo o acórdão de fls. 1720-1730v devia ter ficado provado na sentença ora recorrida) preenche totalmente os dois momentos do tipo de ilícito em questão, conforme se seu conta nos parágrafos 101.° a 108.° do corpo destas Motivações.
TT. Do abuso de confiança – Por outro lado e sem conceder, ainda que – por hipótese de raciocínio – a factualidade provada e a que devia ter ficado provada não fosse suficiente para preencher o tipo de crime de burla qualificada, sempre poderia preencher os elementos constitutivos do crime de abuso de confiança em valor consideravelmente elevado p.p. pelo artigo 199/1 e 4, alínea b), do CP.
UU. Isto porque dúvidas não restam face à factualidade provada na sentença de fls. 1562-1569v bem como na que deveria ter agora ficado provada na sentença recorrida segundo o acórdão de fls. 1720-1730v: 原審法庭實在不應把控訴書內有關「嫌犯使用上述不真實的商業登記資料造成他人對其本人身份和在公司權限上的錯誤認識,而將屬公司所有之財產轉售他人,並將所得之相當巨額款項非法全部據為己有」的指控事實,認定為未被證實的事實,因原審庭此舉實在明顯與人們日常的經驗法則相左。que o Arguido se apropriou para si próprio, sem quebra de posse ou detenção, do preço da venda das fracções da “Companhia de Fomento Predial XX Grupo (Macau), Limitada”.
VV. Dos factos não provados que deveriam ter ficado provados – Tendo ficado provado que o Arguido através dos poderes constantes da certidão comercial obtida com base no documento falsificado vendeu as 34 fracções, tem necessariamente de ficar provado que 嫌犯使用上述不真實的商業登記資料造成他人對其本人身份和在公司權限上的錯誤認識,而將屬公司所有之財產轉售予他人。
WW. E mais tendo fica provado que o Arguido e se apropriou do dinheiro recebido, tem necessariamente de ficar provado que 並將所得之相當巨額款項非法全部據為己有。
XX. Assim, por causa dos factos provados, tem necessariamente de ficar provado que 嫌犯使用上述不真實的商業登記資料造成他人對其本人身份和在公司權限上的錯誤認識,而將屬公司所有之財產轉售予他人,並將所得之相當巨額款項非法全部據為己有。
YY. Portanto, foi com as alterações ao pacto social inscritas na Conservatória (quanto ao numero de administradores, à composição da Administração e à forma de obrigar a Companhia) efectuadas com base nos documentos de fls. 22-23, 24-26 e 28 falsificados pelo Arguido, que este conseguiu por si próprio (ou interposta pessoa) celebrar as escrituras de compra e venda supra referidas.
ZZ. E mais, conforme as informações prestadas pelo Banco da China sobre as contas bancárias da “Companhia de Fomento Predial XX Grupo (Macau), Limitada” (fls. 1300 a 1305), o dinheiro aí depositado já desapareceu, restando um saldo de apenas MOP116.04.
AAA. Devia, por ter ficado provado que o Arguido usou os poderes referidos na certidão comercial de administrador único que obteve mediante o crime p.p. nos artigos 245 e 244/1, a) do Código Penal para vender os bens imóveis da “Companhia de Fomento Predial XX Grupo (Macau), Limitada” e se apropriar do respectivo preço.
BBB. Devia, por conseguinte, ter ficado provado que: «嫌犯使用上述不真實的商業登記資料造成他人對其本人身份和在公司權限上的錯誤認識,而將屬公司所有之財產轉售予他人,並將所得之相當巨額款項非法全部據為己有。»
CCC. Do dano patrimonial infligido ao Assistente – Na perspectiva do Tribunal a quo não há dano por causa da assinatura do contrato de fls. 1207.
DDD. Sucede que antes da assinatura do contrato de transmissão da quota de fls. 1207 em 2005/09/8, já o Arguido falsificara os documentos de fls. 22-23 e 28 (09/04/2005) e 1228-1230 (19/05/2005) e vendera 36 imóveis da “Companhia de Fomento Predial XX Grupo (Macau), Limitada”, apropriando-se da totalidade do preço correspondente.
EEE. Pelo que ainda que ainda que o contrato de transmissão da quota de fls. 1207 fosse válido e eficaz – e não é – tal não exoneraria o Arguido da responsabilidade criminal e civil em que incorreu com os factos praticados até 2005/09/8.
FFF. Acresce que a eficácia do negócio de transmissão da quota dependia da verificação da dupla condição prevista na sua cláusula 2.ª, a saber: o pagamento de ¥700,000,000.00 e a transferência para o transmitente de uma loja (127m2) no 澳門XXXX城.
GGG. Mas, conforme resulta dos factos provados, a dupla condição suspensiva a que as partes sujeitaram a eficácia do contrato de transmissão da quota de fls. 1207 não ocorreu, dado que a transferência da loja não se chegou a verificar.
HHH. Logo, enquanto o evento condicionante da transmissão não se verificar [a transferência da loja para o ora Assistente], nem deixar de poder verificar-se, isto é, no período da pendência da condição, o credor condicional não tem ainda um direito exercitável em relação ao devedor, pelo que as partes só estão sujeitas à produção dos efeitos do negócio, uma vez verificado aquele evento condicionante (Professor MOTA PINTO, “Teoria Geral”, 1976, 327 e MOTA PINTO, “Teoria Geral do Direito Civil”, 4ª edição, por ANTÓNIO PINTO MONTEIRO e PAULO MOTA PINTO, 2005, 572 e 573).
III. Daí que o contrato de fls. 1207 nunca tenha produzido quaisquer efeitos e dele não se possa prevalecer o Arguido contra o Assistente.
JJJ. Tanto assim é que as partes disso bem cientes, não completaram o contrato de fls. 1207 como lhes impunha o disposto no artigo 366.° do Código Comercial, nem o levaram a registo, por não ignorarem a sua ineficácia enquanto a condição suspensiva (transferência da loja (127m2) no 澳門XXXX城) se não mostrasse cumprida.
KKK. O contrato de fls. 1207, assinado em 2005/09/8, não podia, pois, ter servido para absolver o Arguido dos crimes que cometeu antes e depois dessa data, nem da responsabilidade civil daí resultante.
LLL. Do pedido de indemnização cível – O Tribunal a quo decidiu pela improcedência do pedido indemnização civil por julgar que o Assistente não tinha direito a quinhoar nos lucros da “Companhia de Fomento Predial XX Grupo (Macau), Limitada” resultantes do produto da revenda dos imóveis.
MMM. Isto por ter transmitido a sua quota de 30% ao Arguido em 2005/09/8, e também por não haver factos demonstrativos do prejuízo do Assistente por causa da revenda dos imóveis.
NNN. Sucede que todos os factos descritos na Acusação ocorreram antes da data da assinatura do contrato de fls. 1207, pelo que o Assistente tinha (e tem) direito ao lucro resultante da venda dos imóveis em função da sua participação de 30% no capital social da “Companhia de Fomento Predial XX Grupo (Macau), Limitada”.
OOO. Acresce que há sempre prejuízo para o Assistente porque o Arguido se apropriou da totalidade dos lucros da “Companhia de Fomento Predial XX Grupo (Macau), Limitada”, incluindo da parte pertencente ao Assistente, conforme resulta também do alegado pelo próprio Arguido no artigo 40 da sua Contestação.
PPP. O valor do prejuízo infligido ao ora Recorrente corresponde pois ao valor do “benefício ilegítimo” pressuposto na condenação pelo crime de falsificação de documento de especial valor p.p. no artigo 245 e 244/1, a) do Código Penal e que o Arguido obteve por se ter apropriado da totalidade do produto da venda dos imóveis.
QQQ. Como todas as despesas dos contratos de compra e venda e outras acessórias ficam a cargo do comprador (artigo 868 do CCivil), o lucro líquido da “Companhia de Fomento Predial XX Grupo (Macau), Limitada” corresponde à margem bruta (Margem Bruta = (Lucro Bruto / Vendas Líquidas) x 100), ou seja à diferença entre o custo da aquisição dos imóveis e o preço da sua ulterior revenda [MOP$37,252,814.00 (=MOP$73,570,904.00 - MOP$36,318,090.00)].
RRR. Tal beneficio ilegítimo do Arguido cifra-se, pois, em MOP11,175,844.20, ou seja em 30% do valor do lucro (da revenda dos imóveis) depositado nas contas bancárias da “Companhia de Fomento Predial XX Grupo (Macau), Limitada”, por força do regime do art.° 197.° do Código Comercial.
SSS. Nada obstava, portanto, à procedência do pedido de indemnização cível, ainda que por valor inferior ao peticionado.
TTT. Da liquidação em execução de sentença – A assim não se entender por não ter ficado provado que嫌犯造成輔助人合共澳門幣11,564,132.70元的財產損害devia o Tribunal a quo ter condenado no que se viesse a apurar em execução de sentença nos termos do artigo 71/1 do CPP, por ser indiscutível que a actuação do Arguido infligiu ao Assistente um prejuízo patrimonial de valor correspondente a 30% do valor do lucro líquido da “Companhia de Fomento Predial XX Grupo (Macau), Limitada” obtido com a revenda dos 34 imóveis referidos no 10.° parágrafo da Acusação.
UUU. Lucro líquido esse que, de resto, já se sabe ser, no mínimo, superior a dez milhões de patacas, conforme ficou provado na sentença condenatória de fls. 1562-1569v: 該公司成立後因從事不動產買賣獲取了超過千萬元澳門幣的利潤。
VVV. Devia, portanto, ter sido julgado procedente o pedido de indemnização civil, sem prejuízo da sua liquidação em execução de sentença, com as legais consequências”; (cfr., fls. 1981 a 2011 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).
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Respondendo, entende o Ministério Público que o recurso não merece provimento; (cfr., fls. 2015 a 2018-v).
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Neste T.S.I., e em sede de vista, juntou o Ilustre Procurador Adjunto douto Parecer, considerando que o Acórdão recorrido padecia de “contradição insanável da fundamentação” e “erro notório na apreciação da prova”; (cfr., fls. 2028 a 2030-v).
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Colhidos os vistos dos Mmos Juízes-Adjuntos, e nada obstando, passa-se a apreciar.
Fundamentação
Dos factos
2. Estão “provados” e “não provados” os factos como tal elencados no Acórdão objecto do presente recurso, a fls. 1906 a 1910, e que aqui se dão como integralmente reproduzidos.
Do direito
3. Vem o assistente recorrer do (3°) Acórdão (absolutório) de 24.02.2016 prolatado pelo Colectivo do T.J.B., assacando ao mesmo o vício de “nulidade por violação do art. 106°, al. e) do C.P.P.M.”, assim como os vícios de “contradição insanável da fundamentação” e “erro notório na apreciação da prova”, considerando haver também “erro na decisão de direito”.
Em resultado da reflexão que sobre o processado e quanto às agora suscitadas questões nos foi possível efectuar, eis o que se nos mostra de consignar.
–– Antes de mais, cabe notar que – felizmente – habitual não é o que nestes autos ocorre.
Com efeito, e como se deixou relatado, no âmbito dos presentes autos foram já pelo T.J.B. prolatados 3 Acórdãos, sendo também esta a terceira vez que este T.S.I. é chamado a apreciar do acerto da última decisão proferida.
Seja como for, mantendo-se válida a instância, e não ocorrendo nenhuma circunstância que impeça o conhecimento do recurso trazido a este T.S.I., sem demoras se passa a dele conhecer.
–– Mostra-se de começar pela questão da “nulidade por violação do art. 106°, al. e) do C.P.P.M.”, (já que a sua procedência prejudica o conhecimento das restantes questões).
Pois bem, prescreve este comando legal que:
“Constituem nulidades insanáveis, que devem ser oficiosamente declaradas em qualquer fase do procedimento, além das que como tal forem cominadas noutras disposições legais:
a) A falta do número de juízes que devam constituir o tribunal, ou a violação das regras legais relativas ao modo de determinar a respectiva composição;
b) A falta de promoção do processo pelo Ministério Público, nos termos do artigo 37.º, bem como a sua ausência a actos relativamente aos quais a lei exigir a respectiva comparência;
c) A ausência do arguido ou do seu defensor, nos casos em que a lei exigir a respectiva comparência;
d) A falta de inquérito ou de instrução, nos casos em que a lei determinar a sua obrigatoriedade;
e) A violação das regras de competência do tribunal;
f) O emprego de forma de processo especial fora dos casos previstos na lei”; (sub. nosso).
E, no seu recurso, diz o assistente ora recorrente que o Colectivo do T.J.B. que na sequência do decidido no (último) Acórdão deste T.S.I. de 19.11.2015 proferiu o (3°) Acórdão agora recorrido (de 24.02.2016) foi composto pelos mesmos Mmos Juízes que integraram o Colectivo (do T.J.B.) que antes tinham subscrito o (2°) Acórdão de 19.06.2015; (que foi declarado nulo por violação de caso julgado pelo referido Acórdão deste T.S.I. de 19.11.2015).
Considerando que necessária era a composição do Colectivo com outros Juízes, que não tinham (tido intervenção no julgamento e) subscrito o veredicto declarado nulo pelo Acórdão deste T.S.I. de 19.11.2015, é de opinião que verificada está a dita “nulidade”.
Porém, outro é o nosso entendimento, afigurando-se-nos haver (evidente) equívoco.
Cabe aqui convocar o preceituado no art. 418° do C.P.P.M..
Estatui este comando legal que:
“1. Sempre que, por existirem os vícios referidos nas alíneas do n.º 2 do artigo 400.º, não for possível decidir da causa, o tribunal a que o recurso se dirige determina o reenvio do processo para novo julgamento relativamente à totalidade do objecto do processo ou a questões concretamente identificadas na decisão de reenvio.
2. Se o reenvio for de processo do tribunal singular, o novo julgamento compete ao tribunal colectivo.
3. Se o reenvio for de processo do tribunal colectivo, o novo julgamento compete a tribunal colectivo formado por juízes que não tenham intervindo na decisão recorrida”; (sub. nosso).
Atento o assim estatuído, como por Acórdão deste T.S.I. de 01.02.2011, Proc. n.° 680/2011, já se considerou, e como – cremos que – de forma clara resulta do transcrito preceito, só em caso de “reenvio”, (em consequência dos vícios referidos nas alíneas do n.° 2 do art. 400°), é que o novo julgamento deve ser feito (repetido) por Juízes diferentes daqueles que subscreveram o Acórdão recorrido; (cfr., n.° 1 e 3 do art. 418° do C.P.P.M.).
Não sendo o que se decidiu no Acórdão deste T.S.I. de 19.11.2015, (que apenas declarou nulo o Acórdão do T.J.B.), e apresentando-se-nos assim evidente a solução que se deixou consignada, mais não se mostra de dizer sobre a questão.
Continuemos.
–– Pelo recorrente vem também imputados os vícios de “contradição insanável da fundamentação” e “erro notório na apreciação da prova”.
Vejamos.
Nos termos do art. 400° do C.P.P.M.:
“1. O recurso pode ter como fundamento quaisquer questões de direito de que pudesse conhecer a decisão recorrida.
2. O recurso pode ter também como fundamentos, desde que o vício resulte dos elementos constantes dos autos, por si só ou conjugados com as regras da experiência comum:
a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
b) A contradição insanável da fundamentação;
c) Erro notório na apreciação da prova.
3. O recurso pode ainda ter como fundamento a inobservância de requisito cominado sob pena de nulidade que não deva considerar-se sanada”.
No que toca ao vício de “contradição insanável da fundamentação”, o mesmo tem sido definido como aquele que ocorre quando “se constata incompatibilidade, não ultrapassável, entre os factos provados, entre estes e os não provados ou entre a fundamentação probatória e a decisão”; (cfr., v.g. os recentes Acs. deste T.S.I. de 20.10.2016, Proc. n.° 633/2016, de 12.01.2017, Proc. n.° 142/2016 e de 19.01.2017, Proc. n.° 549/2016).
Em síntese, quando analisada a decisão recorrida se verifique que a mesma contém posições antagónicas, que mutuamente se excluem e que não podem ser ultrapassadas.
Por sua vez, tem este T.S.I. considerado que o vício de “erro notório na apreciação da prova apenas existe quando se dão como provados factos incompatíveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou, ou que se retirou de um facto tido como provado uma conclusão logicamente inaceitável. O erro existe também quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada, as regras de experiência ou as legis artis. Tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores”.
De facto, “É na audiência de julgamento que se produzem e avaliam todas as provas (cfr. artº 336º do C.P.P.M.), e é do seu conjunto, no uso dos seus poderes de livre apreciação da prova conjugados com as regras da experiência (cfr. artº 114º do mesmo código), que os julgadores adquirem a convicção sobre os factos objecto do processo.
Assim, sendo que o erro notório na apreciação da prova nada tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto do Tribunal e aquela que entende adequada o Recorrente, irrelevante é, em sede de recurso, alegar-se como fundamento do dito vício, que devia o Tribunal ter dado relevância a determinado meio probatório para formar a sua convicção e assim dar como assente determinados factos, visto que, desta forma, mais não se faz do que pôr em causa a regra da livre convicção do Tribunal”; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 03.11.2016, Proc. n.° 759/2016, de 07.12.2016, Proc. n.° 177/2016 e de 12.01.2017, Proc. n.° 498/2016).
Como também já tivemos oportunidade de afirmar:
“Erro” é toda a ignorância ou falsa representação de uma realidade. Daí que já não seja “erro” aquele que possa traduzir-se numa “leitura possível, aceitável ou razoável, da prova produzida”.
Sempre que a convicção do Tribunal recorrido se mostre ser uma convicção razoavelmente possível e explicável pelas regras da experiência comum, deve a mesma ser acolhida e respeitada pelo Tribunal de recurso.
O princípio da livre apreciação da prova, significa, basicamente, uma ausência de critérios legais que pré-determinam ou hierarquizam o valor dos diversos meios de apreciação da prova, pressupondo o apelo às “regras de experiência” que funcionam como argumentos que ajudam a explicar o caso particular com base no que é “normal” acontecer.
Não basta uma “dúvida pessoal” ou uma mera “possibilidade ou probabilidade” para se poder dizer que incorreu o Tribunal no vício de erro notório na apreciação da prova; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 29.09.2016, Proc. n.° 630/2016, de 12.01.2017, Proc. n.° 382/2016 e de 19.01.2017, Proc. n.° 549/2016).
E sendo de se manter o entendimento que se deixou exposto, cremos que o recorrente tem razão.
Com efeito, no veredicto recorrido decidiu-se considerar “não provado” que “o arguido, utilizando dados e informações falsas do registo comercial, induziu terceiros em erro quanto à sua qualidade e legitimidade para a venda de bens da empresa, acabando por vende-los, apropriando-se do valor que assim obteve”.
Porém, (e como no 1° Acórdão deste T.S.I. de 17.07.2014 já se tinha adiantado, cfr., fls. 20 a 22), o assim, (agora, novamente), decidido, bule, frontalmente, com a (restante) matéria de “facto dada como provada”, da qual, resulta, claramente, que “o arguido utilizou dados e informações que não correspondiam à realidade, e invocando qualidade que não possuía, induziu terceiros em erro, com estes celebrando escrituras de compra e venda de imóveis da empresa, fazendo suas as quantias recebidas”.
E, nesta conformidade, considerando também que no Acórdão ora recorrido, nada – de novo – se explicita para justificar o assim decidido, outra solução não se nos apresenta que não seja a de dar por verificado o imputado vício de “contradição insanável da fundamentação” que, porque insanável, e, por sua vez, dado que inquina, irremediávelmente, a restante matéria de facto e fundamentação da decisão recorrida, prejudica o conhecimento das restantes questões pelo recorrente colocadas.
Dest’arte, imperativo é o reenvio dos autos ao T.J.B. para novo julgamento nos termos do art. 418° do C.P.P.M, onde – e em respeito do consignado no Acórdão deste T.S.I. de 17.07.2014 – se deve remover a assinalada contradição, proferindo-se nova decisão em conformidade.
Decisão
4. Em face do exposto, em conferência, acordam conceder parcial provimento ao recurso, decretando-se o reenvio dos presentes autos nos exactos termos consignados.
Custas pelo arguido com taxa de justiça que se fixa em 6 UCs, suportando também o recorrente a taxa de 3 UCs pelo seu decaimento.
Registe e notifique.
Nada vindo de novo, e após trânsito, remetam-se os autos ao T.J.B. com as baixas e averbamentos necessários.
Macau, aos 14 de Fevereiro de 2017
José Maria Dias Azedo
Lai Kin Hong
João A. G. Gil de Oliveira
Proc. 341/2016 Pág. 30
Proc. 341/2016 Pág. 29