Processo n.º 805/2016 Data do acórdão: 2017-3-2 (Autos em recurso penal)
Assuntos:
– pena de prisão suspensa na execução
– prescrição da pena
– impossibilidade legal da execução da pena de prisão
– causa da suspensão da prescrição da pena
– ressalva do prazo da suspensão da prescrição
– cômputo do prazo máximo da prescrição da pena
– decisão revogatória da suspensão da pena
– art.o 55.º do Código Penal
– art.º 54.º do Código Penal
– art.o 117.º, n.º 1, alínea a), e n.º 2, do Código Penal
– art.º 118.º, n.º 3, do Código Penal
S U M Á R I O
1. O curso do prazo de prescrição de uma pena de prisão suspensa na execução fica ab initio suspenso a partir do trânsito em julgado da decisão judicial aplicadora da própria pena e simultaneamente determinadora da suspensão da sua execução, devido à impossibilidade legal de se executar imediatamente a pena de prisão como tal (i.e., de se executar imediatamente a privação efectiva da liberdade do arguido para efeitos de cumprimento da pena), impossibilidade legal de execução essa que é causada pelas regras próprias do instituto de suspensão da pena de prisão, plasmadas maxime nos art.os 55.º e 54.º do Código Penal. E essa impossibilidade legal de execução da pena de prisão suspensa na execução só verá cessada com o surgimento da decisão judicial determinadora da revogação da suspensão de execução da pena (cfr. os art.os 117.º, n.º 1, alínea a), e n.º 2, e 54.º, n.º 1, do Código Penal), e todo o período de tempo de subsistência dessa causa da suspensão da prescrição não pode ser computado no prazo total máximo da prescrição da pena (cfr. o art.º 118.º, n.º 3, do Código Penal).
2. Assim, pela própria lógica das normas legais supra referidas, das duas uma: ou a pena de prisão então suspensa na execução fica posteriormente declarada extinta por decisão judicial nos termos do art.º 55.º, n.º 1, do CP; ou essa pena de prisão suspensa na execução vê a suspensão da sua execução revogada ou vê o prazo da suspensão de execução prorrogado, por decisão judicial nos termos sobretudo do n.º 2 deste preceito legal.
3. In casu, como ainda não há uma decisão judicial revogatória da suspensão de execução da pena de prisão do arguido, a acima analisada impossibilidade legal de execução imediata da pena ainda subsiste até agora, subsistência esta que naturalmente faz adiar inclusivamente a vinda do termo final do prazo total máximo da prescrição da pena a que alude o art.º 118.º, n.º 3, do Código Penal.
4. É, pois, de revogar o despacho judicial recorrido, declarativo da já prescrição da pena de prisão do arguido.
O primeiro juiz-adjunto,
Chan Kuong Seng
Processo n.º 805/2016
(Autos de recurso penal)
Recorrente: Ministério Público
Arguido recorrido: A
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Veio recorrer o Ministério Público do despacho judicial proferido em 29 de Julho de 2016 a fls. 81 a 81v dos subjacentes autos de Processo Sumário actualmente n.º CR4-09-0074-PSM do 4.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base que declarou já prescrita a pena de quatro meses de prisão (suspensa na execução por um ano) imposta ao arguido A pela prática de um crime de reentrada ilegal, imputando sobretudo a essa decisão a violação do disposto nos art.os 114.º e 117.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal (CP) (cfr. em detalhes, a motivação do recurso de fls. 97 a 99 dos presentes autos correspondentes).
Subido o recurso, emitiu o Digno Procurador-Adjunto parecer (a fls. 109 a 110v), pugnando pela procedência do mesmo.
Feito o exame preliminar e corridos os vistos, realizou-se a conferência neste Tribunal de Segunda Instância (TSI) com vista à decisão do recurso, da qual saiu vencido o Ex.mo Juiz Relator na solução do recurso, pelo que cumpre agora decidir do recurso, nos termos do presente acórdão definitivo lavrado pelo primeiro juiz-adjunto.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Do exame dos autos, sabe-se o seguinte:
– o arguido A ficou condenado por sentença de 27 de Abril de 2009 (com trânsito em julgado em 7 de Maio de 2009) do subjacente Processo Sumário inicialmente n.º CR2-09-0115-PSM, actuamente n.º CR4-09-0074-PSM, em quatro meses de prisão, suspensa na execução por um ano, pela autoria material de um crime consumado de reentrada ilegal (cfr. a sentença de fls. 17 a 18v dos autos);
– em 14 de Maio de 2015, foi junta aos autos (a fls. 65 a 74) a certidão do acórdão do Processo Colectivo Comum n.º CR2-14-0148-PCC (transitado em julgado em 7 de Maio de 2015), condenatório do mesmo arguido em quatro meses de prisão efectiva, pela prática, em 27 de Setembro de 2009, de um crime consumado de reentrada ilegal;
– em face disso, o Ministério Público promoveu, em 15 de Maio de 2015 (a fl. 75), a revogação da suspensão da pena de prisão do arguido nos termos do art.º 54.º, n.º 1, alínea b), do CP, com prévia audição do arguido;
– não se conseguiu, entretanto, deter o arguido para este efeito, porquanto segundo a informação prestada pela Polícia Judiciária (a fl. 78), o arguido se encontrou expulso de Macau, não podendo entrar em Macau no período de 9 de Outubro de 2009 a 8 de Outubro de 2015;
– em 29 de Julho de 2016, foi proferido o despacho judicial (a fls. 81 a 81v) (ora sob impugnação pelo Ministério Público), declarativo da já prescrição da pena de prisão do arguido imposta no âmbito do presente processo.
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
Trata-se de saber se não está prescrita a pena de quatro meses de prisão então imposta ao arguido no seio do presente processo pela prática de um crime de reentrada ilegal.
O prazo de prescrição da pena de quatro meses de prisão aplicada ao arguido no subjacente processo é de quatro anos (cfr. o art.º 114.º, n.º 1, alínea e), do CP), contado a partir do trânsito em julgado da decisão aplicadora da pena, ou seja, no caso, a partir do dia 7 de Maio de 2009.
Contudo, o curso deste prazo de prescrição ficou ab initio suspenso, devido à impossibilidade legal de se executar imediatamente a pena de prisão como tal (i.e., de se executar imediatamente a privação efectiva da liberdade do arguido para efeitos de cumprimento da pena de prisão como tal), impossibilidade legal essa que é causada pelas regras próprias do instituto de suspensão da pena de prisão, plasmadas maxime nos art.os 55.º e 54.º do CP. Daí que essa impossibilidade legal de execução da pena de prisão suspensa na execução só verá cessada com o surgimento da decisão judicial determinadora da revogação da suspensão de execução da pena de prisão (cfr. os art.os 117.º, n.º 1, alínea a), e n.º 2, e 54.º, n.º 1, do CP), sendo de frisar que todo o período de tempo de subsistência dessa causa da suspensão da prescrição (i.e., dessa impossibilidade legal de execução imediata da privação efectiva da liberdade do arguido para efeitos de cumprimento da pena de prisão) não pode ser computado no prazo total máximo da prescrição da pena (cfr. o art.º 118.º, n.º 3, do CP).
Assim, pela própria lógica das normas legais supra referidas, das duas uma: ou a pena de prisão então suspensa na execução fica posteriormente declarada extinta por decisão judicial nos termos do art.º 55.º, n.º 1, do CP; ou a pena de prisão suspensa na execução vê a suspensão da sua execução revogada ou vê o prazo da sua suspensão de execução prorrogado, por decisão judicial nos termos sobretudo do n.º 2 deste preceito legal.
In casu, como ainda não há uma decisão judicial revogatória da suspensão de execução da pena de prisão do arguido, a acima analisada impossibilidade legal de execução imediata da pena de prisão ainda subsiste até agora, subsistência esta que naturalmente faz adiar inclusivamente a vinda do termo final do prazo total máximo da prescrição da pena (a que alude o art.º 118.º, n.º 3, do CP).
É, pois, de revogar o despacho judicial recorrido, por a pena de prisão do arguido ainda não estar prescrita, devendo o mesmo Tribunal recorrido voltar a decidir da situação dos autos, na sequência da promoção de 15 de Maio de 2015 do Ministério Público no sentido da revogação da pena de prisão do arguido.
IV – DECISÃO
Em sintonia com o exposto, acordam em julgar provido o recurso do Ministério Público, revogando a decisão judicial recorrida declarativa da prescrição da pena de prisão então imposta ao arguido A no subjacente processo, devendo o mesmo Tribunal recorrido voltar a decidir da situação dos autos, na sequência da promoção do Ministério Público no sentido da revogação da pena de prisão do arguido.
Sem custas pelo presente processado.
Macau, 2 de Março de 2017.
_______________________
Chan Kuong Seng
(Primeiro juiz-adjunto)
_______________________
Tam Hio Wa
(Segunda Juíza-Adjunta)
_______________________
José Maria Dias Azedo (Segue declaração de voto)
(Relator do processo)
Processo nº 805/2016
(Autos de recurso penal)
Declaração de voto
Vencido nos termos que passo a expor, acompanhando, de perto, o que fiz constar no meu projecto de acórdão.
Em causa nos presentes autos está saber se prescrita está a pena de 4 meses de prisão, suspensa na sua execução por 1 ano, ao arguido dos autos aplicada por sentença de 27.04.2009, e transitada em julgado em 07.05.2009; (cfr., fls. 16 a 19 e 24).
Como sabido é, a “prescrição da pena (ou medida de segurança)”, tem como efeito não poder qualquer delas ser imposta ou executada.
Várias são as razões de tal instituto.
Entre outras, alinham-se as que consideram como motivo essencial o “decurso do tempo”, merecendo também destaque razões associadas aos próprios “fins das penas” e “necessidade de segurança jurídica”; (sobre a questão, vd., v.g., L. Henriques, in “Anot. e Com. ao C.P.M.”, Vol. III, pág. 518 e segs.).
Com efeito, é a ideia de “prevenção geral positiva”, enquanto finalidade primordial visada pela pena, que dá conteúdo ao princípio da necessidade da pena.
Mas, se a necessidade de estabilização das expectativas comunitárias na vigência e validade das normas jurídicas violadas há-de reflectir-se na medida da pena, não menos importante é a “eficácia” e “celeridade” da intervenção do sistema de justiça.
Uma “reacção pronta e atempada” a uma conduta penalmente punível tem uma eficácia preventiva bem mais consistente do que uma pena severa aplicada ao seu autor vários anos depois da sua prática: o decurso do tempo vai diluindo a necessidade da pena, e esta acaba por se tornar “inútil” ou até “contraproducente” se aplicada ou executada muito tempo depois da prática do facto punível.
É, exactamente, por isso, que consagrou o legislador o “instituto da prescrição”. Precisamente para obstar que tal venha a ocorrer.
Vale a pena aqui lembrar o ensinamento do Prof. Figueiredo Dias, (in “Direito Penal – As Consequências Jurídicas do Crime”, pág. 699), segundo o qual, com o decurso do tempo, além do enfraquecimento da censura comunitária presente no juízo de culpa, perdem importância as razões de prevenção especial, desligando-se a sanção das finalidades de ressocialização ou de segurança.
Por outro lado, também do ponto de vista da prevenção geral positiva se justifica o instituto da prescrição, pois que, com o correr do tempo sobre a fixação da pena, vai perdendo consistência a prossecução do efeito desta de afirmação das expectativas comunitárias sobre a vigência da norma, (já entretanto apaziguadas ou mesmo definitivamente frustradas).
Por sua vez, e em associação com a ideia de que à intervenção penal deve ser reservado um papel de “ultima ratio”, só legitimada quando ainda se mantenha a necessidade de assegurar os seus objectivos, justifica-se, em suma, que não se aplique a pena fixada, transcorrido que seja o período de tempo legalmente determinado.
A “prescrição das penas” funciona, então, como um pressuposto negativo da punição.
E tal como na “prescrição do procedimento criminal”, o respectivo prazo é determinado em função da gravidade da pena (abstractamente) aplicável ao crime ou crimes imputados na acusação ou na pronúncia, também os prazos de prescrição das penas são estabelecidos em função da gravidade da pena, mas, agora, da pena (concretamente) aplicada.
Feita esta nota, continuemos.
No Capítulo da “Prescrição das penas e medidas de segurança”, preceitua o art. 114° do C.P.M. – também invocado pelo Recorrente – que:
“1. As penas prescrevem nos prazos seguintes:
a) 25 anos, se forem superiores a 15 anos de prisão;
b) 20 anos, se forem iguais ou superiores a 10 anos de prisão;
c) 15 anos, se forem iguais ou superiores a 5 anos de prisão;
d) 10 anos, se forem iguais ou superiores a 2 anos de prisão;
e) 4 anos, nos casos restantes.
2. O prazo de prescrição começa a correr no dia em que transitar em julgado a decisão que tiver aplicado a pena”.
Por sua vez, estatui o art. 117° do mesmo C.P.M. que:
“1. A prescrição da pena e medida de segurança suspende-se, para além dos casos especialmente previstos na lei, durante o tempo em que:
a) A execução não puder legalmente iniciar-se ou continuar;
b) O condenado estiver a cumprir outra pena ou medida de segurança privativas da liberdade; ou
c) Perdurar a dilação do pagamento da multa.
2. A prescrição volta a correr a partir do dia em que cessar a causa da suspensão”.
Atenta a pena ora em questão – de 4 meses de prisão – dúvidas não há que o prazo para a sua prescrição é de 4 anos; (cfr., art. 114°, n.° 1, al. e)).
E, então, no caso dos autos, importa é saber qual seu “início”, e se é o mesmo contínuo e sem interrupções?
Ora, aqui, atento o estatuído na alínea a), n.° 1 do transcrito art.117°, (e tal como se veio a entender no douto Acórdão que antecede), evidente é que o início do dito prazo apenas deve ter lugar “após o decurso do período da suspensão da execução da pena”.
Assim, considerando que decisão que aplicou a pena em questão transitou em julgado em 07.05.2009, e que o período de suspensão da sua execução – de 1 ano – terminou em 07.05.2010, há que concluir que, nesta data, iniciou a contagem do prazo de 4 anos de prescrição.
Nesta conformidade, e sendo de se ter por decorrido tal prazo de 4 anos em 07.05.2014, prescrita estava a pena quando, em 07.05.2015, e no âmbito dos Autos de Processo Comum n.° CR2-14-0148-PCC, transitou em julgado a decisão que condenou o arguido pela prática de 1 novo crime (de “reentrada ilegal”), e que, na opinião do Recorrente, (e, agora, do douto Acórdão que antecede), devia servir de fundamento para se decidir pela revogação da suspensão da aludida pena de 4 meses de prisão nestes autos aplicada.
Invoca-se o estatuído no art. 55° do C.P.M. onde se preceitua que:
“1. Se não houver motivos que possam conduzir à revogação da suspensão, findo o tempo de duração desta a pena é declarada extinta.
2. Se, findo o período de suspensão, se encontrar pendente processo por crime que possa determinar a sua revogação ou incidente por falta de cumprimento dos deveres, das regras de conduta ou do plano de readaptação social, a pena só é declarada extinta quando o processo ou incidente findar e não houver lugar à revogação ou à prorrogação do período de suspensão”.
Ora, compreende-se o argumento, mas, com todo o respeito, não se sufraga.
É que a “espera” imposta no transcrito comando legal não constitui, (em nossa opinião), nenhuma regra (ou excepção) que exclua (ou afaste) o consagrado regime da prescrição, fazendo com que se “necessário” for, se tenha que aguardar por “períodos indefinidos” – quiçá, ad aeternum – até que finde o “incidente”, transformando assim as penas, (por regra, sujeitas ao regime da prescrição), em “penas imprescritíveis”.
Em matéria de “processo penal”, importa ter presente o “princípio da razoável tempestividade dos procedimentos sancionatórios”, que deve também ter aplicação em sedo do seu “processo executivo”.
Não se quer com isto dizer que inútil é o preceituado no art. 55° do C.P.M., e que não se pode já revogar a suspensão da execução de uma pena.
Como é óbvio, pode-se. E pode-se mesmo que decorrido esteja o período de suspensão decretado, sendo este o (real) alcance do aludido preceito, que determina que se aguarde até que o “incidente” finde.
Porém, (e aqui está a questão), tem é que findar enquanto estiver a decorrer o prazo para a prescrição, para permitir que a decisão de revogação ocorra antes daquela.
Se assim não for, ou seja, se o prazo da prescrição se vier a esgotar, estando o “incidente de revogação” pendente, haverá, mesmo assim, que se decidir pela prescrição da pena, não havendo que se aguardar – indefinidamente – pela sua conclusão e pela eventual decisão de revogação; (cfr., neste sentido, o Ac. do S.T.J. de 13.11.2014, Proc. n.° 464/07, o da Rel. de Coimbra de 04.06.2008, Proc. n.° 63/96, o da Rel. de Guimarães de 23.06.2008, Proc. n.° 74/08, o da Rel. de Évora de 10.05.2016, Proc. n.° 34/06, o da Rel. de Lisboa de 16.06.2015, Proc. n.° 1845/97 e o da Rel. do Porto de 26.10.2016, Proc. n.° 108/01, in “www.dgsi.pt”).
Dest’arte, e sendo o caso dos autos, julgava improcedente o recurso.
Macau, aos 02 de Março de 2017
José Maria Dias Azedo
Processo n.º 805/2016 Pág. 2/13