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Processo nº 97/2017
(Autos de recurso civil)

Data: 2/Março/2017

Assuntos: Procedimento cautelar comum

SUMÁRIO
Segundo o alegado pelos requerentes, assentando a causa de pedir no facto de o requerido ter promovido isoladamente por si ou aliado a indivíduos desconhecidos alterações estatutárias da Associação, os quais teriam feito um simulacro de reunião da assembleia geral da Associação para aprovar a referida alteração estatutária, e depois tendo-se servido da alteração dos estatutos para introduzir na Associação mais indivíduos, e por esta forma criar uma maioria favorável à venda dum bem imóvel da Associação, e pretendendo os requerentes impedir que o próprio requerido continue a praticar actos que sejam susceptíveis de prejudicar a Associação, entendemos, salvo o devido respeito, que os requerentes não estão obrigados a deduzir o procedimento de suspensão de deliberações sociais, antes sendo viável deduzir procedimento cautelar comum contra o mesmo requerido.

O Relator,
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Tong Hio Fong

Processo nº97/2017
(Autos de recurso civil)

Data: 2/Março/2017

Recorrentes:
- A e B (requerentes)

Recorrido:
- C (requerido)

Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:

I) RELATÓRIO
A e B deduziram procedimento cautelar comum junto do Tribunal Judicial de Base da RAEM contra C, pedindo que se:
“1. Ordene ao Requerido que se abstenha de continuar a agir como Presidente ou Presidente em exercício ou como titular doutro cargo ou como sócio em nome da Associação e de tratar os assuntos desta e do Teatro.
2. Ordene a quem esteja a dirigir ou a colaborar com o Requerente ou obedecendo aos seus comandos nos assuntos da Associação e do Teatro, a título de sócio ou de secretário ou tesoureiro ou outro, que se abstenha de fazê-lo, devendo o Requerido transmitir essa ordem a tais pessoas, mas identificá-las também nos autos para que o Tribunal possa notificá-las separadamente.
3. Ordene a quem tenha sido admitido como sócio pelo Requerido e ou outras pessoas invocando a qualidade de membros da Comissão Administrativa ou Direcção da Associação que se abstenham de participar em trabalhos, aceitar convocações, comparecer, discutir e votar em reuniões da Assembleia Geral da Associação, devendo o Requerido transmitir essa ordem a tais pessoas, mas identificá-las também nos autos para que o Tribunal possa notificá-las separadamente.
4. Ordene ao Requerido que entregue à guarda do Tribunal ou de pessoa idónea que o Tribunal queira designar como depositário o livro de registo de accionistas ou equivalente, o livro de actas ou as actas avulsas da Assembleia Geral e os restantes documentos da Associação e do Teatro ou a eles relativos que se encontrem em seu poder.
5. Caso esses documentos não estejam na posse do Requerido, ordene-lhe que comunique a ordem de entrega a quem os detenha, mas que identifique também nos autos essa ou essas pessoas para que o Tribunal possa notificá-las separadamente.
6. Caso esses documentos não estejam na posse do Requerido ou doutras pessoas ou sejam incompletos ou não existam, ordene ao Requerido que informe aos autos que actos foram praticados desde 28 de Junho de 2004 (quando reuniram pela última vez, com conhecimento dos Requerentes e demais legítimos interessados, os sócios da Associação para decidir sobre o acordo a estabelecer com o IC) até agora, como deliberações da Assembleia Geral, qual o seu conteúdo, e em que datas e com a participação de quem é que isso aconteceu.
7. Ordene ao Requerido que informe aos autos que outras tentativas de vender, alienar ou doutro modo dispor ou transaccionar sobre o Teatro D. Pedro V efectuou e bem assim as datas e as pessoas e entidades perante quem o fez, e
8. Mande oficiar o decretamento desta providência ao IC, aos SIM e à Conservatória do Registo Predial de Macau.”
Por decisão proferida pelo Tribunal a quo, foi julgado improcedente o procedimento cautelar e, em consequência, foram indeferidas as medidas requeridas.
Inconformados com a decisão, dela interpuseram os requerentes recurso ordinário para este TSI, em cujas alegações formularam as seguintes conclusões:
“1. Os Recorrentes não pretendem a suspensão de deliberações sociais porque ou o Requerente praticou sozinho os actos que os prejudicam e prejudicam a Associação, e que vão acima referidos e são detalhadamente analisados no requerimento inicial, ou – com maior probabilidade – o Requerido se juntou a estranhos não identificados que não pertencem à Associação e apenas se fazem passar por sócios, para fingirem que tais ajuntamentos são reuniões da assembleia geral onde se aprovam deliberações sociais.
2. Neste quadro, não foram tomadas deliberações sociais susceptíveis de suspensão porque o que supostamente se resolveu se sustenta sobre um simulacro, embuste, aldrabice ou farsa e não pode em absoluto ser tratado como deliberações sociais, ainda que afectadas de nulidade, inexistência jurídica ou outro modo extremo de invalidade jurídica.
3. Por conseguinte, o meio processual escolhido pelos Recorrentes é o próprio e os pedidos que articularam têm cabimento num procedimento cautelar comum e são idóneos para atalhar o mal que os Recorrentes querem afastar de si e da Associação.
4. Decidindo que os Recorrentes não podiam lançar mão do procedimento cautelar comum e deviam, em vez disso, ter-se socorrido do procedimento cautelar especificado de suspensão de deliberações sociais, o Tribunal a quo errou na interpretação dos factos e aplicou incorrectamente o direito.
5. Os autos contêm todos os elementos necessários a que o Tribunal de Segunda Instância conheça do mérito do pedido, em obediência à regra da substituição ao tribunal recorrido.”
*
Notificado para responder, não apresentou o requerido resposta.
Corridos os vistos, cumpre decidir.
***
II) FUNDAMENTAÇÃO
A decisão recorrida em crise tem o seguinte teor:
“No caso em apreço, segundo a versão apresentada pelos Requerentes, todos os pedidos formulados acima têm por fim a prevenção da eventual venda do prédio de Teatro D. Pedro V por deliberação a tomar pela Associação dos Proprietários do Teatro D. Pedro V, associação esta é a dona do prédio.
E para sustentar os pedidos formulados, os Requerentes invocam que teve lugar uma alteração dos estatutos da Associação, modificando as regras de aquisição da qualidade de sócio, basta que alguém diga que adira aos fins da Associação e respeita os seus estatutos para poder ser admitido como membro, que anteriormente não eram assim. E essa alteração, na certa medida, também vai aumentar o risco de ser vendido o Teatro D. Pedro V, porque a faculdade de admitir novos sócios passa a residir na Comissão Administrativa ou Direcção, sem controlo pelos demais sócios, e o aumento do números dos sócios seja um factor favorável para fazer aprovar a venda do Teatro na Assembleia Geral, facilitando a formar uma maioria que vote em Assembleia a venda do Teatro, por isso, os Requerentes entendem que alteração essa é substancialmente violar os estatutos da Associação, o que leva a deliberação que serve à base da alteração dos estatutos incorrer no vício de invalidade.
A fim de pôr em causa a legalidade da deliberação referida, os Requerentes alegam ainda que a deliberação terá sido passada sem que tenham sido convocados os Requerentes, representante do sócio e sócio da Associação, para participarem a reunião da Assembleia Geral para o efeito, daí provoca também a invalidade da deliberação.
Os Requerentes no requerimento inicial manifestam ainda a intenção de proporem acção para obter a declaração da inexistência jurídica da alteração dos estatutos da Associação, da deliberação que possivelmente está na sua origem e de todas outras deliberações que tenham sido realizadas às ocultas dos Requerentes, das admissões de novos sócios verificadas a coberto da alteração dos estatutos.
Com a resenha feita acima, é fácil concluir que os fundamentos dos Requerentes basicamente radicam no facto de ter sido aprovada a alteração dos estatutos da Associação, modificando as condições e limites para admitir os novos sócios, entendem os Requerentes que tal alteração está contrariada aos estatutos, tratando-se da alteração inválida, e também por essa alteração, os Requerentes têm receio que vai ser tomada a deliberação para vender o Teatro contra a vontade deles, bem como contra os fins da Associação.
Salvo o devido respeito, conforme o que veio alegado pelos Requerentes, para eliminar o receio que os Requerentes têm ou salvaguardar o interesse da Associação, o meio correcto é a providência cautelar específica de suspensão de deliberações sociais, o que está previsto no art.º 341º e ss. do Código de Processo Civil, em vez de instaurar a presente providência cautelar não especificada contra o ora Requerido, o suposto titular do cargo social ou sócio da Associação. Senão vejamos.
O art.º 341º do CPC reza:
“1. Se alguma associação ou sociedade, civil ou comercial, tomar deliberações contrárias à lei, aos estatutos ou ao acto constitutivo, qualquer associado ou sócio pode requerer, no prazo de 10 dias se não for outro o fixado em disposição especial, que a execução dessas deliberações seja suspensa, justificando a qualidade de associado ou sócio e mostrando que essa execução pode causar dano apreciável.
2. …….
3. ……”
Como se sabe, se uma deliberação social não for anulada nem declarada inválida, a mesma continua a produzir os seus efeitos, e a providência cautelar supra citada visa precisamente a paralisação dos efeitos jurídicos que a deliberação é apta a produzir.
Com efeito, no caso vertente, tal como o que deixou referido acima, todo o receio dos Requerentes deriva de o facto de ter aprovada a suposta deliberação inválida que resultou a alteração dos estatutos da Associação, portanto, desde que seja suspensa a execução daquela deliberação, não irão ocorrer os danos que os Requerentes pretendem evitar. Isto quer dizer os Requerentes devia recorrer à providência de suspensão de deliberações sociais e não devia fazer uso do procedimento cautelar comum, apesar de não estar expressamente regulada, vem entendendo a jurisprudência que o procedimento cautelar comum é a forma residual de todas as pretensões que não cumpram os requisitos e fins vidados pelos procedimentos nominados, o requerente não pode fazer uso do procedimento cautelar comum quando se pretenda acautelar o risco de lesão especialmente prevenido por alguma das providências tipificadas.
No caso, tal como os Requerentes manifestaram no requerimento inicial, estes pretendem pôr em causa todas as deliberações tomadas às ocultas dos Requerentes, assim, o procedimento cautelar adequado não é o procedimento cautelar comum, mas sim o de suspensão de deliberações sociais.
Ainda por cima, nos autos foi apenas demandado C, o suposto Presidente ou outro titular do cargo social da Associação, contudo, vêm os Requerentes pedir que seja ordenado o Requerido que se abstenha de continuar a exercer as funções inerentes ao cargo de Presidente, que seja ordenado a quem esteja a dirigir ou a colaborar com o Requerido que se abstenha de fazê-lo, bem como seja ordenado a quem tenha sido admitido como sócio pelo Requerido que se abstenham de participar em trabalhos, aceitar convocações, comparecer, discutir e votar em reuniões da Assembleia Geral da Associação.
O propósito dos Requerentes é porventura através das medidas acima referidas e de uma forma indirecta para obter a paralisação dos efeitos da deliberação que tenha conduzido à alteração dos estatutos da Associação, até a paralisação da actividade social. No entanto, não é de olvidar que a Associação que poderá ser afectada pela presente providência cautelar nunca foi citada para responder à pretensão dos Requerentes, e, de facto, não há esta possibilidade de fazê-lo, porque não estamos na providência cautelar de suspensão de deliberações sociais, onde se obriga a citar a associação nos termos do art.º 342º do CPC.
Como efeito, salvo melhor opinião em contrário, o Tribunal não se vê a viabilidade desta providência cautelar enquanto que não seja posta em causa a aludida deliberação da Assembleia Geral da Associação. Supondo que todas as deliberações tivessem sido tomadas conforme a lei e os estatutos da Associação, pergunta-se então subsistiria o motivo a ordenar a inibição da venda do Teatro D. Pedro V? Claro que não.
Deste modo, tal como o que já deixou explanado, se os Requerentes consideram que as deliberações tomadas pela Associação são inválidas ou inexistentes, e a execução destas deliberações irá causar lesão grave e dano apreciável, o meio adequado para pôr em causa os efeitos de tais deliberações deve ser a providência cautelar de suspensão de deliberações sociais.
Razões pelas quais os pedidos formulados pelos Requerentes são juridicamente inviáveis, deve julgar improcedente a presente providência cautelar.”
*
Entende a decisão recorrida que os recorrentes identificaram incorrectamente o seu pedido, o qual deveria ter consistido numa suspensão de deliberações sociais e devia ter sido dirigido contra a própria Associação, mas não tendo assim actuado, tornar-se-iam inviáveis as providências requeridas.
Entendem, no entanto, as recorrentes que não houve qualquer reunião de assembleia geral, mas um mero ajuntamento de pessoas que se faziam passar por sócios da associação, para fazer crer que a pessoa colectiva estava a exprimir a sua vontade através de um dos seus órgãos.
Vejamos.
De um modo geral, tendo sido tomadas deliberações sociais susceptíveis de causar prejuízos aos associados ou sócios de uma pessoa colectiva, a forma mais prática e eficaz de salvaguardar os interesses daqueles é pedir o decretamento de uma providência cautelar específica de suspensão de deliberações sociais, prevista no artigo 341º e seguintes do Código de Processo Civil.
E também é certo que, conforme se disse na decisão recorrida, se uma deliberação social não for anulada nem declarada inválida, essa continua a produzir os seus efeitos, pelo que a providência cautelar de suspensão de deliberações sociais é precisamente uma medida que visa paralisar os efeitos jurídicos que a tal deliberação seja susceptível de produzir.
Mas a verdade é que, segundo o alegado pelos requerentes ora recorrentes, o que estão em causa nos autos não são deliberações sociais anuláveis, antes assentando a causa de pedir no facto de o requerido ter promovido isoladamente por si ou aliado a indivíduos desconhecidos alterações estatutárias da Associação, os quais teriam feito um simulacro de reunião da assembleia geral da Associação para aprovar a referida alteração estatutária, e depois tendo-se servido da alteração dos estatutos para introduzir na Associação mais indivíduos, e por esta forma criar uma maioria favorável à venda do Teatro D. Pedro V, cuja aquisição está inscrita a favor da Associação.
E se assim for, isto é, admitindo a hipótese de, conforme o alegado, não ter sido tomadas deliberações sociais, apenas existindo um simulacro ou uma farsa montada pelo requerido juntamente com indivíduos desconhecidos, ou mesmo havendo deliberações, mas como os requerentes pretendem apenas impedir que o próprio requerido continue a praticar actos que sejam susceptíveis de prejudicar a Associação, salvo o devido respeito por melhor opinião, entendemos que os requerentes não estão obrigados a deduzir o procedimento de suspensão de deliberações sociais, antes sendo viável deduzir procedimento cautelar comum contra o tal requerido.
Isso significa que o Tribunal terá que apreciar o mérito das providências solicitadas.
Contudo, não obstante o requerido do procedimento não ter deduzido contestação após a devida citação, mas considerando que na decisão recorrida não foi fixada a respectiva matéria de facto, este TSI não tem condições para apreciar a referida questão, daí não resta outra solução senão mandar prosseguir os autos, devendo o Tribunal recorrido, se outro impedimento não existir, apreciar os factos e conhecer das pretensões solicitadas pelos requerentes.
***
III) DECISÃO
Face ao exposto, acordam em conceder provimento ao recurso e, em consequência, ordenar que os autos baixem à primeira instância para os fins tidos por convenientes.
Custas pelo recorrido nesta instância.
Registe e notifique.
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RAEM, 2 de Março de 2017
Tong Hio Fong
Lai Kin Hong
João A. G. Gil de Oliveira



Recurso civil 97/2017 Página 1