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Proc. nº 433/2015
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 02 de Março de 2017
Descritores:
-Lei de Terras
-Concessão
-Aproveitamento
-Multa contratual
-Caducidade por incumprimento
-Discricionariedade

SUMÁRIO:

I. A crise no sector imobiliário, bem como as circunstâncias menos favoráveis ocorridas desde 1996 até 2005 não podem servir de justificação para o não aproveitamento, sobretudo se o contrato de concessão foi celebrado já durante o período de crise e se o concessionário nunca comunicou, por escrito, ao concedente, o mais rapidamente possível, a ocorrência dos referidos factos.

II. A aplicação de multa contratual de uma concessão celebrada ao abrigo da lei anterior não se mostra necessariamente prévia e condicionante da caducidade por incumprimento contratual.

III. A Lei nº 10/2013 tem eficácia retroactiva. Assim, se ainda não se produziram todos os efeitos do contrato celebrado ao abrigo da lei anterior, nada obsta à aplicação da lei nova ao caso, no que concerne, por exemplo, à declaração de caducidade por incumprimento culposo.

IV. Desde que verificada a culpa do concessionário no não aproveitamento atempado dentro do prazo contratualmente estabelecido, a Administração, mesmo que não tenha aplicado a multa contratual, está vinculada a declarar a caducidade-sanção por incumprimento, face ao disposto no art. 166º, nº 1, al.1), da Lei nº 10/2013.

V. Face à conclusão IV o tribunal não pode dar por procedente a violação dos princípios gerais de direito administrativo, como o da boa fé, da confiança, proporcionalidade, da colaboração, desburocratização, igualdade, por serem exclusivos da actividade discricionária.







Proc. nº 433/2015

Acordam no Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M.

I - Relatório
A - Companhia de Construção e Fomento Predial limitada, com sede em Macau, na Estrada de XX, nº XX, matriculada na Conservatória dos Registos Comercial e de Bens Móveis com o nº XXX7 SO, -----
Recorre contenciosamente -----
Do despacho do Chefe do Executivo de 23 de Março de 2015, que declarou a caducidade da concessão por arrendamento do terreno identificado nos autos.
Na petição inicial, formulou as seguintes conclusões:
“a) O presente recurso tem por objecto o Despacho do Chefe do Executivo de 23 de Março de 2015, exarado sobre o parecer do Secretário para os Transportes e Obras Públicas de 17 de Março de 2015, em que foi declarada a caducidade daquela concessão, ao abrigo da alínea a) do nº 1 da cláusula décima quinta do contrato de concessão titulado pelo Despacho nº 70/SATOP/98, publicado no Boletim Oficial de Macau nº 29, II Série, de 22 de Julho de 1998, e nos termos da alínea 1) do nº 1 do artigo 166º, por força do artigo 215º, ambos da lei nº 10/2013 (lei de terras), e em consequência da caducidade acima referida, as benfeitorias por qualquer forma incorporadas no terreno revertem, livre de ónus ou encargos, para a Região Administrativa Especial de Macau, sem direito a qualquer indemnização por parte da sociedade concessionária;
b) Pelo referido Despacho do Chefe do Executivo, foi declarada a caducidade da concessão do terreno por arrendamento em causa - foi exarado e “fundamentado” no “…parecer do Secretário para os Transportes e Obras Públicas de 17 de Março de 2015, …que concordou com o proposto no processo nº 66/2013 da Comissão de Terras, pelas razões nele indicadas …”;
c) Tendo invocado ainda pela aplicação da alínea a) do nº 1 da cláusula décima quinta do contrato de concessão titulado pelo Despacho nº 70/SATOP/98, publicado no Boletim Oficial de Macau nº 29, II Série, de 22 de Julho de 1998, bem como da alínea 1) do nº 1 do artigo 166º, por força do artigo 215º, ambos da lei nº 10/2013 (lei de terras);
d) A recorrente é uma sociedade comercial devidamente constituída e matriculada na Conservatória dos Registos Comercial e de Bens Móveis, sob o nº XXX7(SO), tendo, como objecto social, principalmente, dedicado às actividades de construção civil e fomento predial;
e) Por Despacho nº 70/SATOP/98, do então Secretário-Adjunto para os Transportes e Obras Públicas de 8 de Julho de 1998, publicado no Boletim Oficial de Macau nº 29, II Série, de 22 de Julho de 1998, foi à sociedade recorrente, concedida, por arrendamento e com dispensa de concurso público, do terreno com a área de 2196m2, sito na ilha da Taipa, na Rua XX, lote XX, dos aterros do XX e melhor identificado no contrato de concessão por arrendamento em causa, para construção de um edifício para instalação de unidades industriais e armazéns, afectos a uso próprio;
f) A referida concessão de terreno por arrendamento, com dispensa de concurso público, embora requerida a pedido dos então interessados, B, C e D, então sócios e administradores da sociedade recorrente que vieram posteriormente a constituir-se para o efeito da referida concessão, não foi um acto de generosidade/gratuito da parte do (então) Território de Macau /Administração de Macau (o primeiro outorgante do contrato de concessão em causa), mas sim teve por origem e fundamento a cedência e desocupação, a pedido da Administração de Macau, de três terrenos cujas áreas totalizam 2 775m2, situados juntos à Estrada de XX, no XX, em Coloane, que os referidos interessados legalmente ocupavam desde longa data, e cuja desocupação se tornou, na altura, premente para a Administração de Macau por razões de interesses públicos - ampliação da estrada aí existente, conforme melhor constam dos Processo n.º 6264.1/.2 da Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes e Processo nº 27/97 da Comissão da Terra, vide também os nºs 1, 2, 9, 10 e 11 da nota preambular do contrato de concessão ora em causa;
g) O contrato de concessão por arrendamento em causa é um autêntico contrato, embora de natureza de contrato administrativo;
h) Trata-se de um contrato oneroso e sinalagmático, cujo regime jurídico se rege pelas cláusulas do próprio contrato de concessão e, tinos casos omissos, pela Lei nº 6/80/M, de 5 de Julho, e demais legislação aplicável” (e vigente à data da assinatura do mesmo contrato de concessão, como é lógico), conforme assim estipulado na Cláusula décima oitava tio contrato de concessão em questão.
i) Pela celebração do contrato de concessão em causa, a Administração de Macau concederia à sociedade recorrente, por arrendamento, o terreno acima identificado, enquanto a sociedade recorrente, em contra partida, iria ceder e desocupar os três terrenos acima identificados, e cumprir ainda as demais obrigações contratualmente nele fixadas, nomeadamente, conforme melhor constam do Processo nº 66/2013 da Comissão de Terras, o nº 9 da nota preambular do Contrato de concessão em causa, Informação nº 328/DSODP/2011, de 28.11.2011, e ainda Informação nº 75/DJUDEP/2011, de 27.12.2011:
- Desocupação dos três identificados terrenos no contrato de concessão, com a área de 2 775 m2, então legalmente ocupados, embora a título precário;
- Remoção das construções existentes nos terrenos sitos junto à Estrada de XX no XX, em Coloane;
- Pagamento de sisa na Recebedoria de Fazenda de Macau (vide o respectivo conhecimento nº 16 491/50 357 foi arquivado no processo da Comissão da Terra);
- Pagamento da caução a que se refere o nº 3 da Cláusula décima primeira do contrato, no valor de 500000,00 (quinhentas mil) patacas, prestada mediante da garantia bancária nº CM98/LG/8207, de 15 de Abril de 1998;
- Pagamento da renda fixada na alínea a) da Cláusula quarta, no montante de 37.332,00 (trinta e sete mil, trezentas e trinta e duas) patacas, fixada de acordo com a Portaria n.º 50/81/M, de 21 de Março; (Cfr. melhor consta do Processo nº 66/2013 da Comissão de Terras, bem como nº 9 da nota preambular do Contrato de concessão em causa)
- Desocupação do terreno e remoção do mesmo de todas as construções e materiais, porventura, existentes no terreno concedido por arrendamento, nos termos fixados na Cláusula sexta do contrato da concessão como encargos especiais; (Cfr. melhor consta do Processo nº 66/2013 da Comissão de Terras, bem como nº 9 da nota preambular do Contrato de concessão em causa)
- Pagamento integral do prémio do contrato no montante determinado na cláusula décima do contrato de concessão ora em causa.
j) Como se resultam dos respectivos comprovativos constantes do processo administrativo em causa, a sociedade recorrente cumpriu na altura, de forma integral, as obrigações contratuais e legais acima indicadas;
k) No que se refere ao prazo do arrendamento, a Cláusula segunda do aludido contrato de concessão estipula que o prazo do arrendamento é válido pelo prazo de 25 (vinte e cinco anos), contados da data da publicação, no Boletim Oficial, do despacho que titula o contrato de arrendamento em questão, isto é, de 22.07.1998 até 21.07.2023;
l) Podendo ainda o prazo do arrendamento acima referido ser, nos termos da legislação aplicável, ser sucessivamente renovado até 19 de Dezembro de 2049;
m) Por outro lado, conforme a Cláusula terceira do contrato de concessão em causa - Aproveitamento e finalidade do terreno, “ (O terreno é aproveitado com a construção de um edifício com 3 (três) pisos, com uma área bruta de construção de 6 588 (seis mil quinhentos e oitenta e oito) metros quadros, destinados à instalação de unidades industriais e armazéns para uso exclusivo da segunda outorgante.”;
n) Sendo nos termos do nº 1 da Cláusula quinta do contrato de concessão, “O aproveitamento do terreno deve operar-se num prazo global de 48 (quarenta e oito) meses, contados da data da publicação, no Boletim Oficial, do despacho que titula o presente contrato.”, isto é, até 21 de Julho de 2002;
o) Ainda, no nº 2 da mesma cláusula, “Sem prejuízo do cumprimento do prazo estipulado no número anterior, a segunda outorgante deve concluir a construção do primeiro piso, correspondente à primeira fase, 18 (dezoito) meses após a publicação do referido despacho.”;
p) Em 23.09.1998, a sociedade recorrente submeteu, nos termos da Cláusula terceira e da alínea a) do nº 3 da Cláusula quinta do contrato de concessão que lhe era obrigado, o anteprojecto de obra (projecto de arquitectura) e estudo prévio para apreciação e aprovação da DSSOPT, a fim de construir um edifício para instalação de unidades industriais e armazéns. (cfr. melhor consta do requerimento com o nº de entrada de T-3250 bem como do Processo nº 66/2013 da Comissão de Terras);
q) Tendo a DSSOPT aprovado o aludido o anteprojecto de obra (projecto de arquitectura) e estudo prévio condicionalmente com vista o cumprimento de determinados requisitos técnicos (cfr. consta de fls. 348 e ss. do Processo nº 66/2013 da Comissão de Terras);
r) A sociedade recorrente não deu seguimento à devida alteração ao projecto de arquitectura de acordo com o solicitado da DSSOPT, devido a vários motivos de força maior que sucederam no período compreendido entre 1998 e 2005, nomeadamente a recessão global económica, a eclosão da SARS, a crise financeira asiática, alterações no ambiente económico e social de Macau, o êxodo da indústria local para a China continental e outro países vizinhos, a falta de mão-de-obra resultante da abertura da indústria dos jogos de Macau, a qual necessita maior número de trabalhadores oferecendo-lhes melhores condições de trabalho;
s) Os factos acima referidos são factos objectivos e de conhecimento público, pois, até são expressamente reconhecidos e confessados pelo Sr. arquitecto, E, técnico superior do Departamento de Planeamento Urbanístico (DPU) da DSSOPT, na Informação nº 024/DPU/2007, de 16.01.2007, conforme a sua afirmação de fls. 240-242 do Processo nº 66/2013 da Comissão de Terras;
t) Embora assim, a sociedade recorrente nunca desistiu do projecto de aproveitamento do terreno em causa, mas fez o seu esforço no sentido de cumprir as suas obrigações contratuais procurando uma saída para a crise financeira de que também era vítima,
u) Nem mostrou o desinteresse no aproveitamento do terreno que lhe foi concedido por arrendamento nos termos do contrato de concessão;
v) Em 21.09.2005, a sociedade recorrente requereu a DSSOPT que lhe emitisse a planta de alinhamento para dar seguimento ao projecto das obras de construção nos termos do contrato de concessão em causa. (cfr. requerimento com a entrada nº T-5861 e T-6347, e fls. 44 do Processo nº 66/2013 da Comissão de Terras);
w) Em 28.11.2006, a sociedade recorrente submeteu um novo requerimento solicitando a alteração de finalidade do terreno concedido por arrendamento, apresentando um estudo prévio, dada a alteração do ambiente no sector industrial de Macau, e tendo conhecimento de que a Administração de Macau havia aprovado alguns pedidos de alteração de finalidade de diversos terrenos vizinhos da mesma zona. (cfr. requerimento com a entrada nº T-7878 e fls. 309 do Processo nº 66/2013 da Comissão de Terras);
x) Do aludido pedido de alteração, a sociedade recorrente nunca obteve nenhuma resposta da parte da DSSOPT;
y) Perante o silêncio da Administração de Macau, em 23.03.2009, a sociedade recorrente não quis continuar a esperar pelo “silêncio” da DSSOPT e apresentou um pedido de prorrogação do prazo de aproveitamento. (cfr. requerimento com a entrada nº T-2452 e fls. 276 do Processo nº 66/2013 da Comissão de Terras);
z) Por razões desconhecidas, a sociedade recorrente continuou a não obter nenhuma resposta dos aludidos pedidos, e sobretudo, nem do de alteração de finalidade do terreno, sendo este facto expressamente confessado pela DSSOPT. (Conforme consta do parecer jurídico intitulado de Informação nº 75/DJUDEP/2011, de 27.12.2011, intitulada de “Terreno concedido a favor da Companhia A, sito na Ilha da Taipa, na Rua XX, Lote XX, na Baía do XX. fls. 342 a 355 do Processo nº 66/2013 da Comissão de Terras);
aa) Precisamente por esse mesmo facto (ausência de resposta) que a DSSOPT devia à sociedade recorrente, não foi possível calcular o “ ...nº de dias de atraso imputáveis à entidade responsável pela apreciação...” expressamente confessado na aludida Informação nº 75/DJUDEP/2011, de fls. 7 dessa informação e de fls. 348 do Processo nº 66/2013 da Comissão de Terras);
bb) Em face da falta de resposta e perante a ausência completa de qualquer informação fornecida por parte da DSSOPT em relação aos pedidos/requerimentos formulados desde 2006 até então, em Março de 2009, cuja data que não se pode precisar neste momento, a sociedade recorrente, representada pelo seu administrador, H, e acompanhado pela arquitecta, Srª F, haviam realizada uma reunião nas instalações da DSSOPT, com alguns representantes desses serviços, dos quais só se recorda agora do então Chefe do Departamento de Planeamento Urbanístico, Sr. G, a fim de saber qual a situação dos seus pedidos anteriormente formulados, e em especial, sobre o pedido da alteração da finalidade do terreno concedido;
cc) Tendo o referido Chefe do DPU, Sr. G, informado verbalmente que o Governo da RAEM tencionava proceder à revisão global da zona industrial do Pac-On, com a pretensão de transformar aquela zona num espaço dedicado a outras finalidades, nomeadamente comerciais e/ou habitacionais;
dd) E o Chefe do DPU, Sr. G adiantou que pelo motivo referido no número anterior, mesmo que a concessionária - ora sociedade recorrente - pretendesse continuar aproveitar o terreno em causa de acordo com a finalidade originalmente determinada no contrato de concessão em causa, não iria tal intenção ser aprovada pela DSSOPT até conclusão da revisão global de toda a zona industrial do Pac-On. (Cfr. Informação nº 75/DJUDEP/2011, de fls. 3 a 7 dessa informação e de fls. 348 do Processo nº 66/2013 da Comissão de Terras);
ee) Embora assim, perante tal informação fornecida pela DSSOPT conforme acima referida, a sociedade recorrente nunca desistiu do seu projecto de aproveitamento do terreno concedido em causa, quer em termos de aproveitá-lo segundo o respectivo contrato de concessão, quer em termos de, se obter a devida autorização de alteração da finalidade terreno, avançar o novo projecto de aproveitamento;
ff) Só que a mesma sociedade recorrente, desde então, entrou numa situação de dilema, devida à atitude de passividade assumida na altura pela Administração de Macau;
gg) Pois, por um lado, a sociedade recorrente era “obrigada” a aguardar das respostas em relação aos pedidos: i) de aproveitamento do terreno para fins industriais conforme originalmente estipuladas no contrato de concessão; ii) de alteração da finalidade do terreno em causa, sendo essas respostas apenas possível de obter até à conclusão do processo da revisão global de toda a zona industrial do Pac-On; e por outro lado, a concessionária não podia esperar, de forma infinitivamente (cuja data exacta nem a própria Administração de Macau desconhecia), pela aprovação ou não aprovação dos projectos por parte da DSSOPT - o originário ou o da alteração das finalidades;
hh) Embora perante tal dilema, a sociedade recorrente submeteu em 23.03.2009, o pedido de prorrogação do prazo de aproveitamento. (Conforme requerimento com a entrada nº T-2452, e fls. 276 do Processo nº 66/2013 da Comissão de Terras);
ii) Ora, sem desistir dos pedidos de informação que a Administração de Macau lhe devia resposta mas até então nunca lhe deu nenhuma, a sociedade recorrente solicitou, mais uma vez, em 19.04.2011, informações sobre os anteriores pedidos de alteração de finalidades e de prorrogação do prazo de aproveitamento. (Conforme requerimento com a entrada nº XXX33, da Informação nº 75/DJUDEP/2011, de fls., e do Processo nº 66/2013 da Comissão de Terras);
jj) Em 01.07.2011, a sociedade recorrente, em resposta às solicitações da DSSOPT no ofício nº 388/6264.02/DSODEP/2011, datado de 31.05.2011, veio apresentar, no determinado prazo de 30 dias, as justificações pelo atraso no aproveitamento do terreno que lhe era imposto nos termos do contrato de concessão em causa, e apresentando ainda os comprovativos exigidos no mesmo ofício
kk) Na mesma data de 01.07.2011, a sociedade recorrente recebeu um ofício da DSSOPT, com a referência de 00760/DPU/2011, segundo o qual não será emitida a nova planta de alinhamento oficial (PAO) até à conclusão e publicação do plano/processo da revisão global de toda a zona industrial do Pac-On, a fim de evitar obstáculos para a execução do novo planeamento que a Administração pretendia introduzir/alterar na dita zona do Pac-On, e
ll) Quando o referido plano/processo da revisão global da dita zona for concluído e publicado, poderá a sociedade recorrente requerer a emissão de nova planta de alinhamento oficial (PAO) relativamente ao terreno em causa, podendo ainda proceder as obras de construção bem como ao aproveitamento desse mesmo terreno;
mm) Com grande surpresa que a sociedade recorrente foi notificada por Ofício da DSSOPT com a referência nº 825/6264.02/DSODEP/2012, datado de 21 de Novembro, que havia iniciado o procedimento de declaração de caducidade da concessão do terreno em causa, bem como o sentido da decisão, podendo a concessionária apresentar a audiência escrita no prazo de 10 dias, contado a partir da recepção da mesma notificação, nos termos do artigo 93º e seguintes do Código do Procedimento Administrativo;
nn) Em 04.12.2012, a sociedade recorrente apresentou a audiência escrita para a qual foi notificada nos termos do número anterior, tendo apresentado todas razões e motivos pelo atraso no aproveitamento do terreno em questão, tendo exposto ainda as situações de não obter nunca nenhuma resposta da parte da DSSOPT em relação aos seus pedidos ao longo dos anos;
oo) É, pois, a ainda maior surpresa da sociedade recorrente quando foi notificada do despacho do Chefe do Executivo, segundo o qual foi declarada a caducidade da concessão do terreno em causa, ao abrigo da alínea a) do nº 1 da cláusula décima quinta do contrato de concessão titulado pelo Despacho nº 70/SATOP/98, publicado no Boletim Oficial de Macau nº 29, II Série, de 22 de Julho de 1998, e nos termos da alínea 1) do nº 1 do artigo 166º, por força do artigo 215º, ambos da lei nº 10/2013 (lei de terras);
pp) Foi só nesse momento é que a sociedade recorrente percebeu que a Administração de Macau, salvo, mais uma vez, o devido respeito, não só não acolheu ou considerou sequer as razões e motivos objectivos que conduziu ao atraso no aproveitamento do terreno concedido em causa, mas ignorou por completo os pedidos que a concessionário tinha formulado perante a DSSOPT ao longo dos anos, e esperar, de boa fé, peias respectivas respostas, o que nunca lhe deu nenhuma resposta;
qq) E mais, verificou-se uma certa desarticulação, ou até contradição, entre os diferentes departamentos da DSSOPT em termo da opinião e da decisão a propor ao superior para tomar no caso da ora sociedade recorrente, conforme melhor se demonstra nas diferentes informações e pareceres constando do Processo nº 66/2013 da Comissão da Terras;
rr) Se na verdade, foi elaborado por Informação 095/DSODEP/2010, de 12 de Maio, um mapa da situação dos terrenos concedidos mas não aproveitados, da classificação do grau de gravidade do não cumprimento das cláusulas contratuais, e ainda critérios de tratamento no sentido de permitir estabelecer orientações claras e precisas para tais situações, seria mais verdade que as classificação e critérios referidas nessa informação foi superiormente aprovadas pelo Chefe do Executivo, de 31 de Maio, devendo as mesmas classificação e critérios ser seguidas “de corpo e alma” na apreciação e decisão dos casos de terrenos concedidos e não aproveitados;
ss) Ora, não foi assim que aconteceu no caso da ora sociedade recorrente. Se bem que de acordo com a supra referida classificação e critérios, a mesma sociedade sendo concessionária do terreno em causa estaria numa situação classificada e qualificada como “menos grave”, mas estranhamente, a mesma concessionária é agora considerada como “muito grave” por duas vez, de entre os 48 casos semelhantes, dos quais 31 casos são apreciados e decididos nesta primeira fase, sendo a ora sociedade recorrente um desses casos. (Cfr. melhor constam da informação 095/DSODEP/2010, e as demais informações e pareceres constantes do Processo nº 66/2013 da Comissão da Terras.);
tt) Em resumo, no caso da ora sociedade recorrente, a DSSOPT não deu cumprimento às classificação e critérios definidas na Informação 095/DSODEP/2010, de 12 de Maio, desrespeitando à ordem do Chefe do Executivo que as aprovou por seu despacho;
uu) O acto ora recorrido - a declaração da caducidade da concessão por arrendamento do terreno ora em causa foi praticado com os “fundamentos” exarado no “ ...parecer do Secretário para os Transportes e Obras Públicas de 17 de Março de 2015, ...que concordou com o proposto no processo nº 66/2013 da Comissão de Terras, pelas razões nele indicadas …”, e ainda no Parecer nº 44/2014 da Comissão de Terras, nas Informações nºs 328/DSODEP/2011, 75/DJUDEP/2011, 32/GTJ/2012, 291/DSODEP/2012, 30/DSODEP/2013, 53/DJUDEP/2013, e Proposta nº 317/DSODEP/2013;
vv) Invocando ainda pela aplicação da alínea a) do nº 1 da cláusula décima quinta do contrato de concessão titulado pelo Despacho nº 70/SATOP/98, publicado no Boletim Oficial de Macau nº 29, II Série, de 22 de Julho de 1998, e nos termos da alínea 1) do nº 1 do artigo 166º, por força do artigo 215º, ambos da Lei nº 10/2013 (Lei de terras);
ww) O acto recorrido decidiu como decidiu no presente caso, padeceu de erro no pressuposto de facto, pois, conforme o acima exposto, verificam-se notória desarticulação e até contradições entre as apreciações feitas ao presente caso pelos diferentes departamentos da DSSOPT, nomeadamente, no que se referem às (diferentes) opiniões explanadas nos pareceres e informações nº 44/2014 da Comissão de Terras, nas Informações nºs 328/DSODEP/2011, 75/DJUDEP/2011, 32/GTJ/2012, 291/DSODEP/2012, 30/DSODEP/2013, 53/DJUDEP/2013, e Proposta nº 317/DSODEP/2013;
xx) No Parecer nº 44/2014 não foi feita nenhuma referência aos factos ocorridos durante o período entre 23.09.1998 e 28.11.2006, e o(s) período(s), nos quais a Administração de Macau mantinha o silencia sem responder os diferentes pedidos formulados pela concessionária e ora sociedade recorrente;
yy) A DSSOPT, nos pareceres e informações identificados classificaram e qualificaram a situação da sociedade recorrente como “muito grave”, desrespeitando as classificação e critérios definidos na Informação 095/DSODEP/2010, de 12 de Maio, segundo as quais, a mesma deveria ser considerada de situação “Menos grave”;
zz) Assim, partindo do erro no pressuposto de facto nos termos anteriores, o acto recorrido padeceu do vício insanáveis, por ter sido praticado na base de situação de facto incorrecta;
aaa) Não existe nenhum conceito legal, salvo melhor opinião em contrário, de “閒置土地” (este termos em chinês significa “Terreno abandonado”), pois, o que pode existir é “Terreno concedido e não aproveitado” ou “Terreno concedido e não atempadamente aproveitado/com atraso no aproveitamento) em face do respectivo contrato de concessão, bem como da Lei de terras;
bbb) Ora, no caso “sub judice”, trata-se de uma situação de terreno concedido não atempadamente aproveitado ou com atraso no aproveitamento, devido a razões e motivos alheias e não culposas da própria sociedade concessionária, conforme os factos objectivos de força maior acima descritos;
ccc) Só se verifica no presente caso, atraso no prazo de aproveitamento do terreno concedido, e não expirado o prazo do arrendamento, que é válido pelo prazo de 25 (vinte e cinco anos), contados da data da publicação, no Boletim Oficial, do despacho que titula o contrato de arrendamento em questão, isto é, de 22.07.1998 até 21.07.2023, nos termos da Cláusula segunda do contrato de concessão. Podendo ainda o prazo do arrendamento acima referido ser, nos termos da legislação aplicável, ser sucessivamente renovado até 19 de Dezembro de 2049;
ddd) Não sendo este caso a situação de expirado o prazo de arrendamento, que muito mais grave e acarreta consequências legais que abrange a declaração de caducidade;
eee) O acto recorrido decidiu como decidiu no despacho ora em crise, declarando a caducidade de concessão, enferme de vícios insanáveis, nomeadamente, erro na aplicação de lei e violando os demais princípios gerais de direito, tal como o princípio da legalidade;
fff) É de, antes, recordar que, tratando-se o contrato de concessão em questão de um contrato oneroso e sinalagmático, o regime jurídico que se aplica ao presente caso, é constituído pelas cláusulas do próprio contrato de concessão e, nos casos omissos, pela Lei nº 6/80/M, de 5 de Julho, e demais legislação aplicável, então vigentes, isto é, à data da assinatura pelas partes do mesmo contrato de concessão, conforme determinada pela cláusula décimo oitava do contrato de concessão;
ggg) Importa também referir que tanto nos termos do contrato de concessão ora em questão, como nas disposições legais da aludida Lei nº 6/80/M, de 5 de Julho, se encontram expressamente previstas as sanções para os casos de incumprimento das obrigações impostas à concessionárias, nomeadamente as cláusulas oitava (Multas), nona (Protecção do meio ambiente), décima quinta (Caducidade) e décima sexta (Rescisão), e os artigos 105º (Processo de aproveitamento) e 166º (Caducidade das concessões provisórias);
hhh) Em simultâneo, a Lei n.º 6/80/M (Lei de terras), de 5 de Julho, previa também nos seus artigos 105º e 166º as respectivas sanções;
iii) Efectivamente, são as supra referidas disposições contratuais e legais que devem ser aplicáveis ao contrato de concessão ora em questão, e a sanção que deveria ser aplicada à sociedade recorrente, que por hipótese, não são consideradas atendíveis as razões e motivos objectivos de força maior, ocorridas e provocadas pela conjuntura sócio-económica de Macau durante os anos de 1998-2005, conforme o acima exposto e constantes do respectivo processo administrativo, é apenas a aplicação de multas e não a declaração de caducidade da concessão, ao contrário do que foi decidido pelo acto ora recorrido. É de realçar ainda, o prazo do arrendamento é válido pelo prazo de 25 anos, isto é até 21.07.2023, nos termos da cláusula segunda do contrato de concessão;
jjj) Mesmo que a Administração de Macau não quisesse aceitar a justificação invocada pela sociedade recorrente (concessionária) do atraso no acabamento do aproveitamento do terreno, a consequência contratual e legal, deveria ser apenas a aplicação de multas nos termos da cláusula oitava do contrato de concessão, e nunca desde logo, a declaração de caducidade da concessão;
kkk) Em caso algum a sociedade recorrente foi aplicada a sanção de multas pela Administração de Macau, muito menos estivesse na situação de “multa agravada” referida na alínea a) do nº 1 da Cláusula décima quinta do contrato de concessão em discussão;
lll) Nesta óptica, o acto recorrido praticado com os “fundamentos legais” baseado nas disposições alegadas padeceu o erro de interpretação e aplicação da lei, nomeadamente, nas referidas alínea 1) do nº 1 do artigo 166º, do artigo 215º, ambos da Lei nº 10/2013 (Lei de terras), bem como da alínea 3) do artigo 105º e artigo 166º da Lei nº 6/80/M, de 5 de Julho, das cláusulas oitava, decima quinta e décima oitava do contrato de concessão em causa;
mmm) O acto recorrido incorre ainda da violação do princípio da aplicação das leis no tempo consagrado no artigo 11º do Código Civil de Macau, nos termos do qual, o regime legal aplicável ao caso em apreço pelo atraso no prazo de aproveitamento deveria ser a Cláusula oitava do contrato de concessão em causa e o alínea 3) do artigo 105º e artigo 166º da Lei nº 6/80/M, de 5 de Julho, o que corresponde à aplicação de multas, e não a declaração de caducidade da concessão pela aplicação da alínea a) do nº 1 da cláusula décima quinta do contrato de concessão e nos termos da alínea 1) do nº 1 do artigo 166º, por força do artigo 215º, ambos da Lei nº 10/2013 (Lei de terras).
nnn) A Administração de Macau, sendo a primeira outorgante do contrato de concessão e a quem cabe legalmente a obrigação de fiscalização pela execução do contrato em causa, nunca fez alertar pelo cumprimento das cláusulas contratuais, nem foi aplicada à ora sociedade recorrente nenhuma multa pelo alegado atraso no aproveitamento do terreno em causa;
ooo) Perante os diversos pedidos formulados pela sociedade recorrentes desde 2005 até 2011, a DSSOPT nunca deu nenhuma resposta, mantendo-se em “profundo” silêncio perante as solicitações da concessionária;
ppp) E só por iniciativa da parte da sociedade recorrente, e na pessoa do seu administrador, Sr. H, e acompanhado pela arquitecta, Srª F, haviam realizada uma reunião nas Instalações da DSSOPT, com os representantes desses serviços, na qual o então Chefe do Departamento de Planeamento Urbanístico, Sr. G informado verbalmente de que o Governo da RAEM tencionava proceder à revisão global da zona industrial do Pac-On, com a pretensão de transformar aquela zona num espaço dedicado a outras finalidades, nomeadamente comerciais e/ou habitacionais, e
qqq) Que pelo motivo apontado, mesmo que a concessionária - ora sociedade recorrente pretendesse continuar aproveitar o terreno em causa de acordo com a finalidade originalmente determinada no contrato de concessão em causa, não iria tal intenção ser aprovada pela DSSOPT até conclusão da revisão global de toda a zona industrial do Pac-On;
rrr) Em momento algum que a Administração de Macau chegou a invocar ou intimar ou apelar o incumprimento das cláusulas contratuais do contrato de concessão, nem nunca lhe foi aplicada nenhuma multa nos termos da cláusula oitava do contrato de concessão e do nº 3 do artº 105º da lei nº 6/80/M, de 5 de Julho, então vigente e aplicável ao presente contrato;
sss) E mais, conforme acima exposto na referida reunião havida em Março de 2009, entre o administrador, Sr. H da sociedade recorrente, acompanhado pela arquitecta, Srª F, e os representantes da DSSOPT, foi informada e confirmada verba mente que o aproveitamento do terreno em causa poderia ser continuado após a conclusão do reordenamento/revisão global da zona industrial do Pac-On por parte da Administração de Macau,
ttt) tendo esta informação mais uma vez confirmada, por escrito, mediante o ofício da DSSOPT, com a referência de 00760/DPU/2011, datado de 01.07.2011, segundo o qual quando o referido plano/processo da revisão global da dita zona for concluído e publicado, poderá a sociedade recorrente requerer a emissão de nova planta de alinhamento oficial (PAO) relativamente ao terreno em causa, podendo ainda proceder as obras de construção bem como ao aproveitamento desse mesmo terreno;
uuu) Pela atitude e comportamento assumidos pela Administração de Macau ao longo dos anos, conforme descritos nos termos anteriores, consubstancializados na falta de respostas perante os diversos pedidos formulados pela sociedade recorrente, constituindo-se a omissão de actuação, a contradição entre as informações dadas (verbalmente e por escrito) e o comportamento finalmente assumido pelos órgãos da própria Administração de Macau (concretizado no acto ora recorrido) representa a violação do princípio de boa fé, consagrado no artº 8º do Código do Procedimento Administrativo, afigurando uma autêntica situação de “venire contra factum proprium”:
vvv) Em simultâneo, foi a actuação bem como a omissão da Administração de Macau nos termos acima descritos, que “induziu” a sociedade recorrente cm crer que nada iria acontecer com o atraso do aproveitamento do terreno em causa, o que viola e prejudica gravemente a legítima expectativa da concessionária e ora recorrente, que é legalmente relevante e protegida juridicamente;
www) Se é verdade que houve culpa da parte da concessionária e ora sociedade recorrida pelo atraso no aproveitamento do terreno em causa (de cerca de 3 anos) devido à força maior provocada pela conjuntura sócio-económica de Macau na altura, é ainda maior a culpada da Administração de Macau, pela não actuação ou omissão de actuação ao longo dos anos, sobretudo, pela falta de respostas aos pedidos da sociedade recorrente durante o período entre 2006 e 2011, e o período de entre 2012 (momento em que se iniciou o processo de declaração de caducidade da concessão) até Março de 2015 (momento em que praticou o acto recorrido - declaração da caducidade da concessão ora em causa);
xxx) Pois, é injustificável o atraso ou a paragem do andamento do processo de declaração de caducidade da concessão desde 2012, que desde então havia já concluído o respectivo procedimento administrativo, faltando apenas a tomada de decisão sobre o caso, a qual só veio a concretizar-se no momento em que entrou em vigor a nova lei de terras (Lei nº 10/2013), o acto recorrido viola o princípio da boa j;, o princípio da colaboração entre a Administração e os particulares, o principio da decisão (artigo) e ainda princípio da desburocratização e da eficiência, consagrado no Código do Procedimento Administrativo, respectivamente, nos artigos 8º, 9º, 11º, nº 1;
yyy) Conforme melhor consta do processo administrativo em causa, foi superiormente determinada pelo Chefe do Executivo a elaboração de critérios e a classificação do grau de gravidade relativamente aos terrenos não atempadamente aproveitados, conforme a Informação nº 095/DSODEP/2010, de fls. 21 do Processo nº 66/2013 da Comissão de Terras, embora a situação da ora sociedade recorrente era inicialmente classificado em “menos grave” por se encontra em situação prevista na alínea 8) dos referidos critérios (a concessionária deixou expirar o período de validade do projecto aprovado, sem efectuar a sua revalidação), sem uma justificação sólida e consistente, a sociedade recorrente foi mudada de classificação de “muito grave”, assim a actuação da Administração de Macau nos termos acabado de referir violou também o principio da legalidade (artigo 3º), princípio da igualdade e da proporcionalidade (artigo 5º), princípio da boa fé (artigo 8º) o princípio de adequação da actuação da administração, consagrados no Código do Procedimento Administrativo, respectivamente, nos artigos 3º, 5º, 7º, 8º;
zzz)Assim, o acto recorrido deverá ser declarado nulo, ou pelo menos, anulado por esse Venerando Tribunal, por ter sido praticado na base dos seguintes vícios graves e insanáveis: o erro no pressuposto de facto, de erro na interpretação e aplicação de lei, nomeadamente, nas alínea 1) do nº 1 do artigo 166º, do artigo 215º, ambos da lei nº 10/2013 (lei de terras), da alínea 3) do artigo 105º e artigo 166º da lei nº 6/80/M, de 5 de Julho, das cláusulas oitava, decima quinta e décima oitava do contrato de concessão em causa, da violação do princípio da aplicação das leis no tempo consagrado no artigo 11º do Código Civil de Macau e dos demais princípios gerais de direito, tal como o princípio da legalidade, violação do princípio de boa fé, consagrado no artº 8º do Código do Procedimento Administrativo, afigurando uma autêntica situação de “venire contra factum proprium”, violação da legítima expectativa da concessionária, com a notória omissão na sua actuação a maior culpada na sua actuação ao longo dos anos, violação do princípio da boa fé, do princípio da colaboração entre a Administração e os particulares, do princípio da decisão e ainda princípio da desburocratização e da eficiência, consagrado no Código do Procedimento Administrativo, respectivamente, nos artigos 8º, 9º, 11º, nº 1, do principio da legalidade, do princípio da igualdade e da proporcionalidade, princípio da boa fé, o princípio de adequação da actuação da administração, consagrados no Código do Procedimento Administrativo, respectivamente, nos artigos 3º, 5º, 7º, 8º.
Nestes termos, e no mais do Direito, sempre com o mui douto suprimento de V. Exas, deverá considerar procedente o presente recurso, por provado, e em consequência, deverá ser o acto recorrido declarado nulo, ou, se assim doutamente não entenderem, deverá ser o mesmo acto anulado, pelos vícios acima identificados, nomeadamente, o erro no pressuposto de facto, de erro na interpretação e aplicação de lei, da violação do princípio da aplicação das leis no tempo consagrado no artigo 11º do Código Civil de Macau, dos demais princípios gerais de direito, tal como o princípio da legalidade, da violação do princípio de boa fé, afigurando uma autêntica situação de “venire contra factum proprium”, da violação da legítima expectativa da concessionária, com a notória omissão na sua actuação a maior culpada na sua actuação ao longo dos anos, da violação do princípio da boa fé, do princípio da colaboração entre a Administração e os particulares, do princípio da decisão e ainda princípio da desburocratização e da eficiência, do principio da legalidade, do princípio da igualdade e da proporcionalidade, princípio da boa fé, o princípio de adequação da actuação da administração, todos consagrados no Código do Procedimento Administrativo, com as demais consequências legais, até final, fazendo a habitual JUSTIÇA!”
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A entidade recorrida contestou o recurso, sustentando a improcedência deste.
*
Nas alegações facultativas, a recorrente reeditou, no essencial, as conclusões constantes da petição inicial.
*
A entidade recorrida, na sua alegação facultativa, apresentou as seguintes conclusões:
“a) A ora Recorrente não realizou o aproveitamento do terreno que lhe foi concedido.
b) Esse incumprimento da obrigação legal e contratual de aproveitar o terreno que sobre si impendia ficou a dever-se exclusivamente a culpa da ora Recorrente, a qual, devendo aproveitar o terreno e podendo fazê-lo, nem sequer iniciou tal aproveitamento.
c) Tratando-se do incumprimento de uma obrigação que tem fonte contratual, a culpa do devedor presume-se.
d) Efectuada a produção de prova no presente processo, verifica-se que a Recorrente não logrou provar qualquer facto do qual resulte que o incumprimento da obrigação de aproveitar o terreno se ficou a dever a facto de terceiro ou a caso de força maior.
e) Demonstrando-se, tal como já consta da fundamentação do acto recorrido, que o aproveitamento do terreno não foi realizado por culpa da Recorrente, estava a Administração legalmente vinculada a declarar a caducidade da concessão, tal como decorre do disposto na alínea 3) do artigo 215.º e na alínea 1) do n.º 1 do artigo 166.º, ambos da Lei de Terras.
f) Tratando-se de uma actuação legalmente vinculada e não discricionária, torna-se irrelevante a invocação dos princípios da boa-fé, da igualdade, da colaboração entre Administração e particulares, da decisão, da desburocratização e da eficiência e da proporcionalidade, dado que estes só assumem relevância no domínio da actuação discricionária da Administração.
g) Mesmo no espaço de discricionariedade de que dispõe a Administração, e que é aquele em que é feita a apreciação da imputabilidade ao concessionário da falta de aproveitamento do terreno, a Recorrente não alega nem prova factos que consubstanciem a violação de tais princípios.
h) De resto, essa alegada violação dos ditos princípios por parte da Administração jamais ocorreu.
i) No contrato de concessão por arrendamento de terrenos, a Administração, no âmbito dos poderes de fiscalização de que dispõe, pode verificar o cumprimento das obrigações legais e contratuais do concessionário a todo o tempo.
j) Daí que, a declaração de caducidade com fundamento no incumprimento do concessionário não esteja, ela própria, sujeita a qualquer prazo.
l) Face ao disposto na alínea 1) do n.º 1 do artigo 166.º da Lei de Terras, a aplicação de multa não é condição da qual dependa a declaração de caducidade da concessão.
m) A caducidade da concessão pode e deve ser declarada pela Administração nos casos em que se verifique incumprimento da obrigação de aproveitamento do terreno mesmo que não tenha sido aplicada qualquer multa ao concessionário.
n) A Administração nunca considerou que a situação existente era legal e, portanto, nunca criou na Recorrente qualquer expectativa ou convicção.
o) O acto recorrido não enferma de violação do princípio da aplicação da lei no tempo.
p) O acto recorrido foi praticado ao abrigo da Lei n.º 10/2013, nomeadamente do disposto na alínea 1) do n.º 1 do respectivo artigo 166.º, por força da norma de direito transitório constante do n.º 3 do artigo 215.º da mesma Lei, e do qual resulta a aplicabilidade do disposto naquele artigo 166.º nos casos em que o aproveitamento não haja sido realizado com culpa do concessionário”.
*
O digno Magistrado do MP emitiu o seguinte parecer:
«Objecto do presente recurso contencioso é o despacho de 23 de Março de 2015, da autoria do Exm.º Chefe do Executivo, que declarou a caducidade da concessão do terreno situado na Rua XX, no lote XX dos aterros do XX, na ilha da Taipa, ao abrigo da cláusula 15.ª, n.º 1, alínea a), do contrato de concessão, e artigo 166.º, n.º 1, alínea 1), da Lei 10/2013.
A recorrente, “A - Companhia de Construção e Fomento Predial, Limitada”, acha que o acto padece dos vários vícios que lhe imputa na sua petição de recurso e que podemos agrupar em erro nos pressupostos de facto, violação de lei por errada selecção do quadro normativo aplicável, e violação de princípios vários que regem a actividade administrativa, com destaque para o princípio da boa fé, no que é contraditada pela autoridade recorrida, cuja contestação afirma a legalidade do acto e se bate pela improcedência do recurso.
Vejamos, começando pelo erro nos pressupostos de facto.
Nesta sede, a recorrente invoca um despacho do Chefe do Executivo, de 31 de Maio de 2010, através do qual teriam sido aprovados critérios quanto à prioridade de apreciação dos casos de não aproveitamento de terrenos concessionados, em função da gravidade inerente ao incumprimento de cláusulas contratuais. Segundo sustenta, a sua situação, à luz desses critérios, integraria uma classificação de menos grave. Todavia, acrescenta, em violação das regras de prioridade estabelecidas nesse despacho, o caso da recorrente acabou por ser tratado prioritariamente, como se tivesse sido qualificado de muito grave.
Mesmo que a alegação da recorrente coincida inteiramente com o que se passou, não creio que a situação configure qualquer vício repercutível no acto recorrido.
A elaboração interna de uma listagem para estabelecer a ordem de apreciação de uma pluralidade de casos semelhantes tem um fito meramente disciplinador, em nada interferindo com a materialidade desses casos e com o respectivo acto decisório. Diferentemente se passariam as coisas se a Administração se tivesse autovinculado, no exercício dos seus poderes discricionários, a assumir determinada postura, ou a aplicar determinadas regras, na resolução dos casos concretos. Aqui, haveria violação de lei, por desrespeito dos critérios decisórios a que a Administração estava vinculada. Ali, a relevância da preterição da ordem de apreciação não extravasa o âmbito disciplinar.
Ainda em matéria de erro nos pressupostos de facto, a recorrente destaca que a Administração baseou-se em apreciações incompletas, desarticuladas e contraditórias dos diversos departamentos da DSSOPT, chamando a atenção para algumas discrepâncias entre o parecer 44/2014, da Comissão de Terras e várias informações e propostas, de que se destacam as n.ºs 328/DSODEP/2011, 75I/DJUDEP/2011, 32/GTJ/2012, 291/DSODEP/2012, 30/DSODEP/2013, 53/DJUDEP/2013 e 317/DSODEP/2013.
Bem, o que se passa é que o acto administrativo aqui em análise baseou-se no parecer/proposta emitido pelo Secretário para os Transportes e Obras Públicas em 17 de Março de 2015 no âmbito do processo 66/2013. E este parecer convocara, por seu turno, o parecer n.º 44/2014 da Comissão de Terras. Neste é feita uma análise ao histórico da concessão, por referência a etapas ou passos procedimentais, pareceres, informações, propostas, aí se incluindo aquelas relacionadas pela recorrente. Todavia, não se colhe dessa alusão a propostas e informações que foram produzidas ao longo do iter procedimental, que o parecer n.º 44/2014 haja sufragado e acolhido apreciações contraditórias ou que ele, parecer, esteja, por seu turno, em colisão com propostas ou pareceres de que se haja apropriado, fazendo-os seus.
Por outro lado, a circunstância de nenhuma referência ser feita aos factos ocorridos entre 23.09.98 e 28.11.2006 e aos períodos durante os quais a Administração se manteve em silêncio, sem responder aos pedidos formulados pela concessionária, podendo relevar noutra sede, não traduz, a nosso ver, qualquer erro nos pressupostos.
Não ocorre, salvo melhor juízo, o invocado conflito ou contradição de pressupostos em que, por via de apropriação do parecer da Comissão de Terras, o acto teria incorrido.
Além disso, e cremos que também enquadrado no vício de erro nos pressupostos, diz a recorrente que o juízo de culpa que sobre si foi formulado, a propósito do não aproveitamento, labora em erro, pois o atraso inicial no aproveitamento, de cerca de três anos, deveu-se a motivos de força maior, que eram factos objectivos, do conhecimento público - tenha-se presente a recessão económica global, a síndrome respiratória aguda, a crise financeira asiática, o êxodo da indústria local para a China continental e outros países vizinhos, as alterações no ambiente económico e social de Macau, a falta de mão-de-obra... -, e que a Administração não considerou e não valorou como tal.
Este argumento não colhe.
Nos termos da cláusula oitava do contrato de concessão, em casos de força maior ou de outros factos relevantes, cuja produção comprovadamente estivesse fora do controlo da concessionária, poderia esta ser exonerada da responsabilidade aí prevista por incumprimento de prazos respeitantes ao aproveitamento. Porém, a concessionária estava obrigada a comunicar, rapidamente e por escrito, ao concedente, a ocorrência dos aludidos factos. Pois bem, nem a recorrente invoca ter efectuado tal comunicação escrita, nem esta se evidencia do processo, havendo que tê-la por não efectuada. Neste contexto, afigura-se que a não valoração desses factos, supostamente incontroláveis pela recorrente, como pressuposto para a não aplicação de sanção, não integra erro nos pressupostos de facto.
Soçobra, pois, o vício de erro nos pressupostos de facto, nas diversas vertentes em que vem suscitado.
Seguidamente, a recorrente diz que o acto padece de violação de lei, por ter recorrido a um quadro normativo que não é aplicável ao contrato de concessão visado. Em seu entender, impor-se-ia apreciar as vicissitudes do desenvolvimento do contrato à luz das próprias cláusulas contratuais e da Lei n.º 6/80/M, e não, como sucedeu, ao abrigo da Lei n.º 10/2013.
O contrato foi celebrado no âmbito de vigência da Lei n.º 6/80/M (cf. Despacho n.º 70/SATOP/98, de 8 de Julho de 1998, publicado em 22 de Julho de 1998, na II série do Boletim Oficial), e prevê reger-se pelas suas cláusulas e, nos casos omissos, pela Lei n.º 6/80/M, tal como ressuma da cláusula décima oitava. Entretanto, em 1 de Março de 2014, durante o período de vida da relação contratual, entrou em vigor a Lei n.º 10/2013, que veio substituir aquela, e em cuja vigência foi já proferido o despacho de declaração de caducidade ora em análise.
Perante esta sucessão, coloca-se a questão de saber qual a lei aplicável.
A Administração entendeu aplicar a lei nova e fundou o acto na norma do artigo 166.º, n.º 1, alínea 1), desta nova lei.
Diferentemente, a recorrente entende que o caso reclamava a aplicação das cláusulas contratuais e, subsidiariamente, a Lei n.º 6/80/M.
Neste particular, estamos em crer que a razão está do lado da recorrente. Vejamos.
Em sede de disposições transitórias, a Lei 10/2013 esclarece, no seu artigo 215.º, que a nova lei é aplicável às concessões provisórias anteriores à sua entrada em vigor, com as seguintes ressalvas: 2) Os direitos e deveres dos concessionários são imediatamente regulados pela presente lei, sem prejuízo do convencionado nos respectivos contratos.
Ou seja, em matéria de direitos e deveres dos concessionários há que observar, antes de mais, o que quanto a isso esteja clausulado contratualmente.
Os direitos e deveres dos concessionários são muitos, resultam de lei e dos contratos, não estando totalmente sistematizados e acantonados numa cláusula do contrato ou mesmo num capítulo da lei, posto que ambas as leis em confronto contemplem capítulos dedicados ao assunto, o capítulo VIII na Lei 6/80/M, o capítulo IX na Lei 10/2013.
Em qualquer dos diplomas, o concessionário tem a obrigação de fazer o aproveitamento do terreno nos prazos e moldes acordados e de suportar as penalidades previstas para a inobservância das obrigações, nomeadamente em matéria de prazos. A estes deveres contrapõe-se o direito do concedente, que é também simultaneamente um dever, de fiscalizar e zelar pela boa execução do contrato, aplicando, se necessário, as sanções previstas, e promovendo ou ditando o mais que o jus imperii de que está investido lhe permite e a defesa do interesse público reclama - cf. artigo 167.º do Código do Procedimento Administrativo.
Também o contrato prevê, como dever da concessionária aqui recorrente, a sujeição às multas previstas para o incumprimento dos prazos previstos para o aproveitamento, conforme ressalta das cláusulas quinta e oitava. Mas, dada a estrutura do contrato e o objecto que este prossegue, estas penalizações constituem simultaneamente um direito da concessionária, pois funcionam como verdadeira garantia contra a perda inopinada do terreno por caducidade derivada da inobservância dos prazos do aproveitamento. As multas, simples num primeiro momento, agravadas num segundo período temporal, constituem uma espécie de alerta ou de toque a rebate para a consequência gravosa que vem a caminho, caso não haja inflexão na inércia do concessionário quanto ao aproveitamento. Só após a multa agravada e o transcurso do respectivo prazo, sem que o concessionário haja retomado o normal aproveitamento, é que há lugar à declaração de caducidade por falta de aproveitamento no prazo contratualmente estipulado, como decorre da cláusula décima quinta n.ºs 1, alínea a), e 2, do contrato.
A aplicação de multas em dois períodos temporais, que as partes previram e aceitaram como penalização precursora da declaração de caducidade, tem o mesmo efeito de uma interpelação admonitória perante a mora do concessionário no aproveitamento.
Ao aceitar obrigar-se contratualmente com tal cláusula, o concessionário sabe que, se falhar nos prazos do aproveitamento, será penalizado com as multas previstas. Mas sabe igualmente que nunca será sancionado com a penalidade máxima constituída pela declaração de caducidade, sem que antes seja confrontado com a multa inicial e com a multa subsequente agravada.
Pois bem, constata-se que o acto de declaração de caducidade por incumprimento do aproveitamento no prazo contratualmente previsto não foi precedido de aplicação das multas, como se impunha por força das cláusulas quinta, oitava e décima quinta, n.º 1, alínea a), do contrato. Sendo este o quadro contratual convencionado para a declaração de caducidade por falta de aproveitamento culposo, o qual se impunha observar por força da norma transitória do artigo 215.º, alínea 2), da Lei 10/2013, a sua preterição, como sucedeu, configura a invocada violação de lei.
E não vale a pena argumentar com a norma do artigo 215.º, alínea 3), da referida Lei 10/2013, que aparenta convocar a aplicação do novo regime legal ao caso em análise. Se assim fosse, a norma da alínea 2), que a antecede, ficaria sem qualquer aplicação útil nos casos de regulação contratual de direitos e deveres atinentes à fase do aproveitamento, quando o seu escopo é justamente a salvaguarda do que, nesse campo, foi convencionado contratualmente.
Procede, pois, a suscitada violação de lei, por erro na sua aplicação.
Sustenta ainda a recorrente que o acto padece de violação de lei por ofensa do princípio da boa fé, para o que elenca algumas situações em que a actuação administrativa e o relacionamento que consigo entabulou foi de molde a incutir-lhe a ideia e a confiança de que não iria declarar a caducidade da concessão por falta de aproveitamento no prazo inicialmente estipulado, tendo, a final, em contrário de quanto a sua actuação indiciava, acabado por decretar essa caducidade.
Afigura-se que, também aqui, assiste razão à recorrente.
Respigando algumas das situações apontadas pela recorrente, temos que concluir que, ao longo da vigência do contrato de concessão, a postura da Administração lhe transmitiu vários sinais que, apreciados à luz do padrão de discernimento do homem médio, inculcavam a ideia e incutiam a confiança de que não haveria lugar à declaração de caducidade pela falta de aproveitamento do terreno no prazo inicialmente estipulado. Percorrendo alguns desses indicadores, a título exemplificativo, desde logo ressalta à vista a falta de fiscalização. É à Administração que cabe a gestão dos processos de concessão e o acompanhamento da execução dos contratos, incumbindo-lhe organizar as coisas de forma a que haja uma actuação interligada e integrada de todos os seus serviços envolvidos nessa tarefa. A consulta do processo instrutor revela que, durante mais de 10 anos, não foi exercitada uma fiscalização eficaz do contrato, não tendo nomeadamente sido aplicadas as multas contratualmente previstas, cujo poder-dever a Administração deve exercer em ordem à boa execução do contrato.
Por outro lado, e como igualmente decorre do instrutor, já depois do termo do prazo contratualmente previsto para o aproveitamento, e sem que a concessionária tivesse sido censurada pela falta do aproveitamento tempestivo, foi emitida, em 2005, pela DSSOPT, a requerimento da concessionária, representada por H, uma planta de alinhamento oficial (PAO), que possibilitou a apresentação de novo projecto para o aproveitamento do terreno...
E, em 01 de Julho de 2011, a concessionária recebe, da DSSOPT, o oficio reproduzido a fls. 297 (ou 1072, noutra numeração) do Processo 66/2013 da Comissão de Terras, que constitui resposta a uma solicitação daquela. Neste ofício, após alusão ao Projecto de Estudo para Remodelação e Planeamento da Zona Industrial XX, que diz estar em curso, a DSSOPT transmite à recorrente que quando o projecto de remodelação e planeamento da zona esteja concluído e divulgado publicamente, a vossa Companhia pode requerer o quadro dos novos alinhamentos do respectivo lote e proceder ao desenvolvimento e construção no respectivo terreno. São alguns exemplos de actuação que, por adequados a incutir na contraparte a convicção e a confiança de que a Administração relevou o não aproveitamento no prazo inicial e não vai adoptar uma atitude extrema de punição por essa falta, revestem acentuada acuidade no âmbito da boa fé. Ao declarar a caducidade por falta de aproveitamento do terreno no prazo inicialmente fixado, a Administração actuou em contrário daquilo que, por variadas vezes, havia incutido na contraparte, pelo que postergou o princípio da boa fé.
Procede, por isso, em nossa opinião, este vício de violação do princípio da boa fé.
Finalmente, a recorrente imputa ao acto a violação de um rol de princípios, tais como os da boa fé, colaboração, decisão e desburocratização e eficiência. Isto porque o procedimento administrativo estava pronto para decisão em 2012 e a Administração protelou-o até à entrada em vigor da Lei 10/2013.
Não há elementos para concluir que o procedimento foi atrasado deliberadamente, muito menos que o foi com o fito de ser abrangido pela nova lei que estava em preparação. Então, o que temos é um mero atraso no processo de tomada de decisão, sem virtualidade para interferir com a validade do acto. Salvo quando outra coisa resulte da lei, os prazos para a prática dos actos a tomar pela Administração são disciplinadores, pelo que a sua inobservância nenhuma invalidade traz aos actos.
Improcede este último vício de violação de vários princípios reitores da actividade administrativa.
Ante quanto fica exposto, vai o nosso parecer no sentido da anulação do acto, por violação de lei e por ofensa do princípio da boa fé.»
*
Cumpre decidir.
***
II – Pressupostos processuais
O tribunal é competente em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia.
O processo é o próprio e não há nulidades.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas.
Não há outras excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento de mérito.
***
III – Os Factos
A partir dos documentos juntos aos autos e ao procedimento administrativo apenso, bem como da prova testemunhal efectuada, damos por provada a seguinte factualidade:
1 - A recorrente é uma sociedade comercial constituída e matriculada na Conservatória dos Registos Comercial e de Bens Móveis, sob o nº XXX7(SO), tendo, como objecto social, principalmente, actividades de construção civil e fomento predial.
2 - Por Despacho nº 70/SATOP/98, do então Secretário-Adjunto para os Transportes e Obras Públicas de 8 de Julho de 1998, publicado no Boletim Oficial de Macau nº 29, II Série, de 22 de Julho de 1998, foi à sociedade recorrente concedido, por arrendamento e com dispensa de concurso público, o terreno com a área de 2196m2, sito na ilha da Taipa, na Rua XX, lote XX, dos aterros do XX, para construção de um edifício para instalação de unidades industriais e armazéns, afectos a uso próprio.
3 - A referida concessão de terreno por arrendamento, com dispensa de concurso público, embora requerida a pedido dos então interessados, B, C e D, então sócios e administradores da sociedade recorrente que vieram posteriormente a constituir-se para o efeito da referida concessão, teve por origem e fundamento a cedência e desocupação, a pedido da Administração de Macau, de três terrenos cujas áreas totalizam 2 775m2, situados juntos à Estrada de XX, no Altinho de XX, em Coloane, que os referidos interessados legalmente ocupavam desde longa data.
4 - Pela celebração do contrato de concessão em causa, a Administração de Macau concedeu à sociedade recorrente, por arrendamento, o terreno acima identificado, enquanto a sociedade recorrente, em contrapartida, cedeu e desocupou os três terrenos acima identificados, e cumpriu ainda as demais obrigações contratualmente nele fixadas, nomeadamente:
- Desocupação dos três identificados terrenos no contrato de concessão, com a área de 2 775 m2, então legalmente ocupados, embora a título precário;
- Remoção das construções existentes nos terrenos sitos junto à Estrada de XX no XX, em Coloane;
- Pagamento de sisa na Recebedoria de Fazenda de Macau (vide o respectivo conhecimento nº 16 491/50 357 foi arquivado no processo da Comissão da Terra);
- Pagamento da caução a que se refere o nº 3 da Cláusula décima primeira do contrato, no valor de 500000,00 (quinhentas mil) patacas, prestada mediante da garantia bancária nº CM98/LG/8207, de 15 de Abril de 1998;
- Pagamento da renda fixada na alínea a) da Cláusula quarta, no montante de 37.332,00 (trinta e sete mil, trezentas e trinta e duas) patacas, fixada de acordo com a Portaria n.º 50/81/M, de 21 de Março;
- Desocupação do terreno e remoção do mesmo de todas as construções e materiais, porventura, existentes no terreno concedido por arrendamento, nos termos fixados na Cláusula sexta do contrato da concessão como encargos especiais;
- Pagamento integral do prémio do contrato no montante determinado na cláusula décima do contrato de concessão ora em causa.
5 - No que se refere ao prazo do arrendamento, a cláusula segunda do aludido contrato de concessão estipula que o prazo do arrendamento é válido pelo prazo de 25 (vinte e cinco anos), contados da data da publicação, no Boletim Oficial, do despacho que titula o contrato de arrendamento em questão, isto é, desde 22.07.1998 até 21.07.2023, podendo ser, no entanto, nos termos da legislação aplicável, ser sucessivamente renovado até 19 de Dezembro de 2049.
6 - Conforme a cláusula terceira do contrato de concessão em causa - «Aproveitamento e finalidade do terreno», “O terreno é aproveitado com a construção de um edifício com 3 (três) pisos, com uma área bruta de construção de 6 588 (seis mil quinhentos e oitenta e oito) metros quadros, destinados à instalação de unidades industriais e armazéns para uso exclusivo da segunda outorgante.”
7 - Nos termos do nº 1 da cláusula quinta do contrato de concessão, “O aproveitamento do terreno deve operar-se num prazo global de 48 (quarenta e oito) meses, contados da data da publicação, no Boletim Oficial, do despacho que titula o presente contrato.”, isto é, até 21 de Julho de 2002, e de acordo com o nº 2 da mesma cláusula, “Sem prejuízo do cumprimento do prazo estipulado no número anterior, a segunda outorgante deve concluir a construção do primeiro piso, correspondente à primeira fase, 18 (dezoito) meses após a publicação do referido despacho.”
8 - Em 23.09.1998, a sociedade recorrente submeteu, nos termos da Cláusula terceira e da alínea a) do nº 3 da Cláusula quinta do contrato de concessão, o anteprojecto de obra (projecto de arquitectura) e estudo prévio para apreciação e aprovação da DSSOPT, a fim de construir um edifício para instalação de unidades industriais e armazéns.
9 - A DSSOPT aprovou o aludido anteprojecto de obra (projecto de arquitectura) e estudo prévio condicionalmente com vista ao cumprimento de determinados requisitos técnicos (fls. 348 e ss. do Processo nº 66/2013 da Comissão de Terras).
10 - A sociedade recorrente não deu seguimento à devida alteração ao projecto de arquitectura de acordo com o solicitado da DSSOPT.
11 - Entre 1998 e 2005 verificou-se em Macau uma crise no sector imobiliário, devido nomeadamente a recessão global económica, a eclosão da SARS, à crise financeira asiática, alterações no ambiente económico e social de Macau, o êxodo da indústria local para a China continental e outros países vizinhos, a falta de mão-de-obra resultante da abertura da indústria dos jogos de Macau, a qual necessita maior número de trabalhadores oferecendo-lhes melhores condições de trabalho.
12 - Em 21.09.2005, a sociedade recorrente requereu à DSSOPT que lhe emitisse a planta de alinhamento para dar seguimento ao projecto das obras de construção nos termos do contrato de concessão em causa, (cfr. requerimento com a entrada nº T-5861 e T-6347, e fls. 44 do Processo nº 66/2013 da Comissão de Terras).
13 - Em 28.11.2006, a sociedade recorrente submeteu um novo requerimento solicitando a alteração de finalidade do terreno concedido por arrendamento, apresentando um estudo prévio, fundamentado na alteração do ambiente no sector industrial de Macau, e por ter referido que a Administração de Macau alegadamente havia aprovado alguns pedidos de alteração de finalidade de diversos terrenos vizinhos da mesma zona. (cfr. requerimento com a entrada nº T-7878 e fls. 309 do Processo nº 66/2013 da Comissão de Terras)
14 - Do aludido pedido de alteração, a sociedade recorrente nunca obteve nenhuma resposta da parte da DSSOPT.
15 - Em 23.03.2009, a sociedade recorrente apresentou um pedido de prorrogação do prazo de aproveitamento (cfr. requerimento com a entrada nº T-2452 e fls. 276 do Processo nº 66/2013 da Comissão de Terras)
16 - A sociedade recorrente não obteve resposta aos aludidos pedidos, e sobretudo, nem do de alteração de finalidade do terreno, sendo este facto expressamente confessado pela DSSOPT. (Conforme consta da Informação nº 75/DJUDEP/2011, de 27.12.2011, fls. 342 a 355 do Processo nº 66/2013 da Comissão de Terras).
17 - A recorrente solicitou em 19.04.2011, informações sobre os anteriores pedidos de alteração de finalidades e de prorrogação do prazo de aproveitamento. (Conforme requerimento com a entrada nº XXX33, da Informação nº 75/DJUDEP/2011, de fls., e do Processo nº 66/2013 da Comissão de Terras)
18 - Em 01.07.2011, a sociedade recorrente, em resposta às solicitações da DSSOPT no ofício nº 388/6264.02/DSODEP/2011, datado de 31.05.2011, veio apresentar, no determinado prazo de 30 dias, as justificações pelo atraso no aproveitamento do terreno que lhe era imposto nos termos do contrato de concessão em causa.
19 - Na mesma data de 01.07.2011, a sociedade recorrente recebeu um ofício da DSSOPT, com a referência de 00760/DPU/2011, segundo o qual não seria emitida a nova planta de alinhamento oficial (PAO) até à conclusão e publicação do plano/processo da revisão global de toda a zona industrial do Pac-On, a fim de evitar obstáculos para a execução do novo planeamento que a Administração pretendia introduzir/alterar na dita zona do Pac-On, e que quando o referido plano/processo da revisão global da dita zona fosse concluído e publicado, poderia a sociedade recorrente requerer a emissão de nova planta de alinhamento oficial (PAO) relativamente ao terreno em causa, podendo ainda proceder as obras de construção bem como ao aproveitamento desse mesmo terreno (Doc. fls. 164 e de fls. 297 do Processo nº 66/2013 da Comissão de Terras; tradução a fls. 67-73 do apenso “traduções”).
20 - A sociedade recorrente foi notificada por Ofício da DSSOPT com a referência nº 825/6264.02/DSODEP/2012, datado de 21 de Novembro, que havia iniciado o procedimento de declaração de caducidade da concessão do terreno em causa, bem como o sentido da decisão, podendo a concessionária apresentar a audiência escrita no prazo de 10 dias, contado a partir da recepção da mesma notificação, nos termos do artigo 93.º e seguintes do Código do Procedimento Administrativo.
21 - Em 04.12.2012, a sociedade recorrente apresentou a audiência escrita para a qual foi notificada nos termos do número anterior, tendo apresentado todas razões e motivos pelo atraso no aproveitamento do terreno em questão, tendo exposto ainda as situações de não obter nunca nenhuma resposta da parte da DSSOPT em relação aos seus pedidos ao longo dos anos.
22 - Em 5/06/2014, a Comissão de Terras emitiu o seguinte parecer:
PARECER N.º 44/2014
6. Em 28 de Novembro de 2006, a concessionária apresentou à Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes (DSSOPT) um requerimento, referindo que de acordo com o contrato, o prazo de aproveitamento do terreno já tinha terminado, e uma vez que tinha havido alterações significativas na indústria e económica, o terreno em causa já não servia por isso para a finalidade industrial, solicitava desse modo autorização para alteração da finalidade do terreno, anexando para o efeito o respectivo estudo prévio de arquitectura.
7. Posteriormente, apesar da concessionária nunca ter recebido qualquer resposta sobre o pedido supramencionado e ter tomado conhecimento da publicação do plano de reordenamento da zona de XX em 2009, apresentou por isso novamente à mesma entidade, em 23 de Março de 2009, um requerimento para que o seu empreendimento pudesse ser brevemente concluído, tendo solicitado autorização para a prorrogação do prazo de aproveitamento do terreno por um período de 3 anos, contados a partir da obtenção dessa aprovação.
8. Relativamente ao pedido acima referido, o Departamento de Gestão de Solos (DSODEP) da DSSOPT através da comunicação de serviço interno (CSI) n.º 92/6264.01/2009, de 31 de Março, consultou o Departamento de Urbanização (DURDEP) sobre a situação de apreciação e aprovação do respectivo processo.
9. O DURDEP através da CSI n.º 437/DURDEP/2009, de 18 de Maio, respondeu que de acordo com o despacho do director da DSSOPT de 15 de Fevereiro de 2008 exarado sobre a informação n.º 024/DPU/2007, de 16 de Janeiro, sobre o respectivo processo só se poderia dar seguimento aos trabalhos de apreciação e aprovação após a conclusão e a autorização superior da revisão global do planeamento de toda a zona industrial de XX.
II
10. Com o intuito de reforçar a fiscalização às situações de aproveitamento dos terrenos concedidos e optimizar a gestão dos solos, o Secretário para os Transportes e Obras Públicas (SOPT) determinou através do Despacho n.º 07/SOPT/2010, de 8 de Março, que a DSSOPT notificasse todos os concessionários de terrenos cujos aproveitamentos não tivessem ficado concluídos de acordo com os prazos fixados nos respectivos contratos para justificarem tal facto por escrito, no prazo de 1 mês a contar da data da recepção da notificação, e que a DSSOPT procedesse, após a entrega das respectivas justificações, à sua análise e definição de um plano de tratamento das situações e da respectiva ordem de prioridade.
11. Após várias discussões e análises com o Gabinete do SOPT sobre o tratamento a dar aos terrenos concedidos mas não aproveitados, o DSODEP da DSSOPT, através da informação n.º 095/DSODEP/2010 de 12 de Maio submeteu à consideração superior o mapa da situação dos terrenos concedidos mas não aproveitados, a classificação do grau de gravidade do não cumprimento das cláusulas contratuais, bem como os critérios de tratamento, tudo no sentido de permitir estabelecer orientações claras e precisas para o tratamento dessas situações. A classificação e critérios propostos na referida informação mereceram a concordância do SOPT, tendo os mesmos sido aprovados por despacho do Chefe do Executivo, de 31 de Maio do mesmo ano.
12. De acordo com os “Critérios para a Classificação do Grau de Gravidade” para o tratamento dos terrenos não aproveitados definido na informação supramencionada, o presente processo insere-se situação qualificada de “menos grave” (decorrido o período de validade do projecto aprovado mas não foi efectuada a sua revalidação). Deste modo, o DSODEP De DSSOPT através de ofício de 31 de Maio de 2011 solicitou à concessionária a apresentação de declarações e motivos razoáveis que justificassem o atraso no aproveitamento do terreno, assim como a apresentação de todas as informações aplicáveis às suas justificações.
13. Em 1 de Julho de 2011, H, representando a concessionária, apresentou à DSSOPT uma certidão de registo predial, uma certidão do registo comercial, um calendário de execução de obras, três certidões de capacidade financeira emitidas por bancos, entre outros documentos, e deu as seguintes justificações sobre o não aproveitamento do terreno conforme previsto, resumindo os os seguintes:
13.1 A concessionária referiu que já tinha cumprido as obrigações estipuladas no contrato após a sua publicação em despacho, incluindo a prestação da caução e o pagamento de prémio e foro, etc., o cumprimento dos encargos especiais sobre a desocupação do terreno e apresentação do projecto de arquitectura conforme o prazo fixado no contrato;
13.2 Em pressuposto de diversos factores objectivos de força maior que sucederam no período entre 1998 e 2005, especificamente a crise económica em geral e a alteração do ambiente social (nomeadamente a ocorrência da gripe aviaria, do SARS e da crise financeira asiática), houve uma alteração no ambiente empresarial da economia de Macau em que as indústrias locais se mudaram para a China continental, resultando numa grande desocupação de fábricas industriais locais, sendo assim, o respectivo projecto de arquitectura não pôde ser iniciado conforme previsto;
13.3 Uma vez que tinha tornado conhecimento que a Administração já tinha aprovado alguns pedidos de alteração de finalidade de diversos terrenos, de industrial para outras finalidades, consideraram-se deste modo os factores do ambiente sócio-económico e procedeu-se novamente a uma avaliação e análise do terreno, tendo apresentado em 28 de Novembro de 2006 um projecto de concepção para efeitos de alteração da finalidade do terreno em causa;
13.4 Tendo realizado uma reunião em Março de 2009 com o Departamento de Planeamento Urbanístico (DPUDEP) da DSSOPT, tomou conhecimento que a Administração estava a proceder a um plano de reordenamento da zona de XX e pretendia a alteração da finalidade industrial para outras finalidades;
13.5 A concessionária também através de carta inquiriu sobre a situação de apreciação e aprovação do projecto de alteração da finalidade do terreno em apreço, pois era possível que a Administração ainda não tivesse tomado uma decisão final para o planeamento de desenvolvimento da zona de XX, no sentido de articular com a situação actual de desenvolvimento da mesma (aeroporto, conclusão do Terminal Marítimo de XX e projecto de construção dos edifícios habitacionais localizados na zona envolvente);
13.6 Finalmente, a concessionária solicitou à Administração que aceitasse os factores objectivos acima referidos, pois foram esses motivos que fizeram com que a concessionária não tivesse concretizado até à presente data o projecto de desenvolvimento do terreno em causa, solicitando ainda a sua compreensão para a situação da concessionária, por um lado deveria aproveitar o terreno para fins industriais conforme o compromisso assumido no contrato de concessão, e por outro lado, estava perante a situação de um eventual plano de reordenamento de toda a zona de XX a ser realizado pela Administração. Além disso, solicitou ainda orientações da Administração em áreas que pudessem ser viáveis, no sentido de permitir à concessionária empenhar-se imediatamente na coordenação do desenvolvimento do terreno conforme a finalidade industrial que lhe foi atribuída inicialmente ou a nova finalidade do novo planeamento;
13.7 A concessionária deu garantias que caso a Administração tomasse a decisão final para o plano de desenvolvimento de toda a zona de XX, a mesma estaria disposta a aproveitar o terreno de acordo com o novo planeamento e cumpriria todas as disposições relativas às obrigações resultantes da alteração da finalidade do terreno.
14. Seguidamente, em 26 de Julho de 2011, a concessionária apresentou à DSSOPT uma justificação complementar. Relativamente à consulta sobre a situação de apreciação e aprovação do projecto de alteração da finalidade do terreno em causa efectuada por parte da concessionária, esta recebeu em 2011 um ofício do DPUDEP, referindo que esse departamento tinha iniciado os trabalhos de estudo sobre o plano de reordenamento do Parque Industrial de XX da Taipa, sendo inconveniente o desenvolvimento do terreno de acordo com as condições do plano inicial antes da conclusão e publicação dos respectivos trabalhos de estudo, no sentido de evitar impactos na execução do plano de reordenamento bem como evitar a criação de obstáculos ao novo planeamento depois da reordenação da mesma. Por isso, não iria emitir nesta fase a Planta de Alinhamento Oficial (PAO) do terreno em causa, podendo no entanto a concessionária solicitar a emissão da nova PAO e proceder à respectiva construção após a conclusão e publicação do respectivo plano de reordenamento.
15. Para analisar todo o processo de concessão do terreno em causa, o DSODEP através de CSI solicitou ao DPUDEP e ao DURDEP o fornecimento dos procedimentos detalhados de apreciação e aprovação bem como de informações pormenorizadas sobre as análises feitas respeitantes ao processo.
16. Através da CSI n.º 1028/DPU/2011, de 21 de Julho, o DPUDEP respondeu o seguinte:
16.1 A PAO do lote «XX» foi emitida em 19de Fevereiro de 1993;
16.2 Seguidamente lote «O4» foi dividido nos lotes «XX» e «XX» e foi emitida a PAO do lote «XX» em 22 de Setembro de 1993;
16.3 Através da informação n.º 273/DPU/98, de 4 de Novembro, foi analisado o projecto de arquitectura apresentado em 23 de Setembro do mesmo ano pela concessionária, tendo sido referido que uma vez que a PAO n.º 92A110A aprovado em 22 de Setembro de 1993 já tinha caducado, a concessionária deveria desse modo solicitar a emissão de uma nova PAO para o respectivo projecto, assunto esse de que se informou também o DURDEP;
16.4 Após a solicitação da emissão da nova PAO em 21 de Setembro de 2005 e a apresentação complementar em 17 de Outubro do mesmo ano dos respectivos documentos comprovativos por parte da concessionária, esse departamento através da informação n.º 335/DPU/2005, de 27 de Outubro, propôs à consideração superior a elaboração de urna nova PAO de acordo, com as exigências de planeamento do lote, e na sequência disto, a PAO n.º 92A110 foi emitida em 8 de Novembro do mesmo ano depois da aprovação do director em 7 de Novembro de 2005;
16.5 Através da informação n.º 24/DPU/2007, de 16 de Janeiro, foi analisado o estudo prévio de arquitectura apresentado em 28 de Novembro de 2006 pela concessionária, na qual se considerou que uma vez que o estudo do planeamento de XX ainda estava em curso, o director desses Serviços tinha emitido deste modo um despacho em 15 de Fevereiro de 2008, tomando a decisão de que só se poderia dar continuidade aos trabalhos do respectivo processo após a conclusão e a autorização superior da revisão global do plano de intervenção urbanística de toda a zona do Parque Industrial de XX. O conteúdo do referido despacho foi comunicado ao DURDEP através de CSI;
16.6 Quanto à inquirição da concessionária sobre o andamento do projecto de alteração da finalidade do terreno, do pedido de prorrogação do prazo ele aproveitamento do terreno e do futuro planeamento daquela zona, esse departamento através de ofício informou-a que em virtude de já se terem iniciado os trabalhos de estudo do plano de reordenamento do Parque Industrial de XX da Taipa, era inconveniente o desenvolvimento do terreno de acordo com as condições do plano inicial antes da conclusão e publicação dos respectivos trabalhos de estudo, no sentido de evitar impactos na execução do plano de reordenamento, bem como evitar a criação de obstáculos ao novo planeamento depois da reordenação da mesma. Por isso, não se iria emitir nessa fase a PAO do terreno em causa, no entanto, a concessionária poderia solicitar a emissão da nova PAO e proceder à respectiva construção após a conclusão e publicação do respectivo plano de reordenamento.
17. Através da CSI n.º 810/DURDEP/2011, de 5 de Agosto, o DURDEP respondeu que a concessionária tinha apresentado o projecto de arquitectura em 23 de Setembro de 1998, o qual foi aprovado condicionalmente, e só em 28 de Novembro de 2006 é que a concessionária apresentou o estudo prévio de arquitectura para efeitos de alteração da finalidade do terreno, no entanto, uma vez que ainda se estava a proceder à revisão do plano do Parque Industrial de XX, não se deu deste modo seguimento ao respectivo projecto.
18. Segundo o download feito em 24 de Novembro de 2011 das informações relativas ao registo predial, através da “Plataforma de Serviços Registais e Notariais via Internet” da Direcção dos Serviços de Assuntos de Justiça (DSAJ), o terreno em causa está descrito na Conservatória do Registo Predial (CRP) sob o n.º 2XXX7 do livro B e inscrito a favor da concessionária sob o n.º 9XXXF, não possuindo qualquer registo de inscrição de hipoteca.
19. O DSODEP da DSSOPT elaborou a informação n.º 328/DSODEP/2011, de 28 de Novembro, tendo informado superiormente da situação do processo e considerando que o não aproveitamento do terreno devia ser inteiramente imputado à concessionária, sendo motivos principais os seguintes:
19.1 O projecto de arquitectura apresentado pela concessionária em Setembro de 1998 foi aprovado condicionalmente, no entanto, a mesma não apresentou o projecto de alteração, o que violado obviamente os n.º 1, 2 e 3 da cláusula quinta do contrato de concessão;
19.2 A concessionária referiu que uma vez que tinham sucedido diversos factores objectivos de força maior no período entre 1998 e 2005, os mesmos serviam como justificações para o não cumprimento do aproveitamento do terreno, no entanto, esses factores não se poderiam considerar como justificações suficientes e razoáveis, nem casos de força maior resultantes de eventos imprevisíveis e irresistíveis estipulados no n.º 3 da cláusula oitava do contrato de concessão, uma vez que a concessionária não conseguiu disponibilizar dados suficientes e provas concretas sobre o impacto que tiveram na sua indústria os factores supracitados;
19.3 Pelo contrário, essas justificações demonstram que a concessionária teve falta de interesse no desenvolvimento do empreendimento, fazendo com que o respectivo projecto de arquitectura não pudesse ter sido iniciado conforme previsto. No entanto, como investidor deveria ter procedido a uma avaliação preliminar dos riscos a que incorre qualquer projecto de investimento, preparando-se para quaisquer situações ou crises socioeconómicas e não podendo fugir às suas obrigações contratuais;
19.4 Além disso, a concessionária alegou que a Administração não tinha respondido ao seu projecto de alteração de finalidade do terreno apresentado em 2006. De facto, o prazo de aproveitamento do terreno já tinha terminado em 2002, deste modo, a não obtenção de aprovação desse pedido não podia ser uma justificação para que o aproveitamento do terreno não pudesse ter ficado concluído de acordo com as disposições do contrato;
19.5 Finalmente, o não aproveitamento do terreno em tempo adequado deve ser obviamente imputado à concessionária por motivo de falta de interesse no desenvolvimento do empreendimento, não podendo a concessionária pretender absolutamente se afastar da responsabilidade do não aproveitamento do terreno de acordo com as disposições do contrato, invocando alterações das condições objectivas aos níveis socioeconómico e empresarial, ou porque aguardava a publicação do respectivo plano de reordenamento.
20. No entanto, segundo os critérios e a classificação dos terrenos não aproveitados definidos na informação n.º 095/DSODEP/2010, o presente processo foi apenas considerado como situação qualificada de “menos grave”, podendo assim dar-se um prazo razoável a fim de permitir à concessionária concluir o aproveitamento do terreno de acordo com as disposições do contrato.
21. Por outro lado, uma vez que os trabalhos relativos ao plano de reordenamento do Parque Industrial de XX destinado às finalidades habitacional e comercial ainda estavam em curso, era difícil naquele momento determinar o calendário da sua publicação, pelo que se propôs deste modo na informação que se considerasse conceder à concessionária um último prazo de aproveitamento do terreno por um período de 48 meses, contados a partir da data da publicação do novo planeamento de XX e caso a concessionária não concluísse o aproveitamento do terreno no prazo fixado, a Administração desencadearia imediatamente o procedimento de devolução do terreno. Em virtude do atraso no aproveitamento do terreno poder ser imputado inteiramente à concessionária e também nunca terem sido iniciadas as obras de aproveitamento do terreno, propôs-se deste modo na informação a aplicação à concessionária de uma multa máxima de $900 000,00 patacas ao abrigo da cláusula oitava do contrato de concessão do terreno.
22. A chefe do DSODEP propôs o envio do processo ao Departamento Jurídico (DJUDEP) para auscultar o parecer jurídico, tendo o director da DSSOPT manifestado a sua concordância.
23. Para o efeito, o DJUDEP através da informação n.º 75/DJUDEP/2011, de 27 de Dezembro, procedeu a uma análise do processo, tendo emitido os seguintes pareceres:
23.1 De acordo com os critérios e classificação dos terrenos não aproveitados definidos na informação n.º 095/DSODEP/2010, esse departamento considerou que o processo se inseria em duas situações consideradas de “grave”, ou seja, a concessionária apenas tinha solicitado a prorrogação do prazo de aproveitamento do terreno em 2009, depois de já ter decorrido o prazo de aproveitamento do terreno, o qual tinha terminado em 21 de Julho de 2002,e tinha ainda deixado expirar o período de validade do projecto aprovado sem efectuar a sua revalidação, fortes indícios pois de que a concessionária não estava interessada em desenvolver o aproveitamento do terreno contratualmente previsto;
23.2 E a partir daquela data, a concessionária abandonou completamente o processo, não tendo formulado o pedido de início de obras nem efectuado qualquer pedido de prorrogação do prazo de aproveitamento. Apenas em 28 de Novembro de 2006, ou seja, mais de 4 anos depois de ter terminado o prazo de aproveitamento, é que a concessionária voltou a demonstrar algum interesse no aproveitamento do terreno, apresentando um novo estudo prévio para alteração da finalidade da concessão. E apenas em 23 de Março de 2009 é que solicitou a prorrogação do prazo de aproveitamento do terreno e comunicou que não obtinha resposta ao pedido de alteração da finalidade submetido em 2006, justificando a perda de interesse no aproveitamento do terreno para fins industriais devido às alterações do tecido económico de Macau;
23.3 Alegou a concessionária como justificação para o incumprimento contratual que se tinha ficado a dever a motivos de força maior, nomeadamente à recessão económica global, bem como às alterações do ambiente económico e social de Macau, não lhe sendo possível concretizar o aproveitamento do terreno entre 1998 e 2005. No entanto, a mesma não demonstrou nem consubstanciou com factos concretos em que medida é que esses factores a tinham impedido de concretizar o empreendimento;
23.4 Embora tenha ocorrido uma crise em 1997 e 1998, a verdade é que logo após o regresso de Macau à Pátria e com a liberalização da indústria do jogo, Macau tem atravessado um longo período de crescimento económico excepcional, e sem precedentes, mas nem por isso a concessionária mostrou interesse em realizar o aproveitamento do terreno;
23.5 Além disso, a concessionária quando requereu a concessão por ajuste directo para construir uma unidade fabril, deveria saber bem que teria de garantir os meios de financiamento necessários e antecipar eventuais dificuldades, tanto mais que decorre das regras de experiência comum que a actividade económica envolve sempre riscos e está sujeita a factores imponderáveis. Além do mais, se efectivamente a concessionária, como afirma, teve dificuldades financeiras no período entre 1998 e 2005, porque é que não o veio demonstrar no decurso do prazo de aproveitamento, mormente na fase de apresentação dos projectos, solicitando por esse motivo a prorrogação do prazo de aproveitamento?
23.6 Por outro lado, embora a concessionária tivesse conhecimento que o terreno manteria a finalidade industrial ao abrigo da PAO n.º 9XXXX0a, emitida em 8 de Novembro de 2005, no entanto, a mesma ainda veio submeter em Novembro de 2006 um novo estudo prévio para alteração da finalidade que se traduziria na construção de um edifício destinado a escritórios e estacionamento. A apresentação do respectivo pedido, 8 anos após a publicação do despacho que titulou a concessão do terreno, é suficientemente reveladora do desinteresse da concessionária no desenvolvimento do aproveitamento ao qual se obrigou através do contrato de concessão e indicia intuitos especulativos em relação ao terreno;
23.7 A concessionária alegou que não tinha obtido uma resposta relativamente ao novo projecto e que teve de aguardar pela conclusão do novo planeamento urbanístico a estabelecer para a zona de XX, no entanto, caso a concessionária tivesse cumprido o prazo de aproveitamento estipulado no contrato de concessão, a obra já teria ficado concluída quando se iniciou o estudo de reordenamento urbanístico, isto é, se tivesse cumprido o contrato e se tivesse realizado as obras nos prazos contratualmente estipulados, o aproveitamento estaria concluído em Julho de 2002, muito antes de a Administração decidir proceder à reabilitação daquela área. E tendo sido realizado o aproveitamento do terreno, a concessão teria sido convertida em carácter definitivo, pelo que a concessionária poderia agora, uma vez aprovado o novo plano, solicitar a revisão do contrato de concessão e a alteração da finalidade do mesmo de acordo com o novo planeamento;
23.8 O que não é admissível é o facto de a concessionária, que desde 1998 mantém o terreno na sua posse sem realizar o aproveitamento contratualmente estipulado, venha a beneficiar de mais-valias resultantes da alteração das regras urbanísticas porquanto tal poderá ser entendido como um mero aproveitamento comercial por uma sociedade que logrou a concessão do terreno para a instalação de unidades industriais e armazéns que se revestiam de interesse para o desenvolvimento económico do então território de Macau e, nestas circunstâncias com dispensa de concurso público, possivelmente em detrimento de outros pedidos existentes àquela data e julgados de menos relevância. Da mesma forma, pelas razões supra apontadas também não é relevante o pedido apresentado pela concessionária em 2009, 7 anos após o fim do prazo de aproveitamento, para a prorrogação do prazo de aproveitamento;
23.9 Face ao exposto, nenhum dos argumentos aduzidos pela concessionária podia ser considerado caso de força maior ou facto relevante que estivesse, comprovadamente, fora do seu controlo, pelo que os factos alegados não podiam ser aceites como justificação para a não realização do aproveitamento do terreno;
23.10 A sanção prevista para o incumprimento do aproveitamento é a caducidade da concessão, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 1 da cláusula décima quinta do contrato e da alínea a) do n.º 1 ex vi do n.º 2 do artigo 166.º da Lei n.º 6/80/M (Lei de Terras), de 5 de Julho. E considerando-se que incorreria numa situação de declaração de caducidade da concessão do terreno, a concessionária perderia a favor da RAEM a totalidade do prémio liquidado, isto de acordo com o disposto no artigo 13.º do Regulamento Administrativo n.º 16/2004.
24. Por outro lado, o Grupo de Trabalhos Jurídicos (GTJ) criado por despacho do Chefe do Executivo com a análise e o parecer emitidos pelo DJUDEP através da informação n.º 32/GTJ/2012, de 21 de Agosto. Propôs que para além do desencadeamento do procedimento de declaração da caducidade da concessão do terreno em causa, fosse ainda realizada a audiência da concessionária e posteriormente se enviasse o processo à Comissão de Terras para análise e parecer e prosseguimento das tramitações ulteriores.
25. Seguidamente, o DSODEP elaborou a informação n.º 291/DSODEP/2012, de 18 de Outubro, referindo que uma vez que o prazo de aproveitamento fixado no contrato de concessão do terreno já tinha terminado, a responsabilidade pelo incumprimento do aproveitamento do terreno seria inteiramente imputada à concessionária, podendo por isso o Chefe do Executivo nos termos da alínea a) do n.º 1 da cláusula décima quinta (Caducidade) do contrato de concessão do terreno titulado pelo Despacho n.º 70/SATOP/98 e da alínea a) do n.º 1 ex vi do n.º 2 do artigo 166.º da Lei n.º 6/80/M (Lei de Terras), de 5 de Julho, declarar a caducidade da concessão do terreno. E segundo o artigo 13.º do Regulamento Administrativo n.º 16/2004, uma vez que era uma situação de declaração de caducidade da concessão do terreno, a concessionária perderia, a favor da RAEM, o valor do prémio liquidado (no valor global de $2 031 636,00 patacas). Além disso, de acordo com o n.º 3 da cláusula décima quinta do mesmo contrato, a caducidade da concessão determinaria a reversão do terreno para a posse da RAEM, com todas as benfeitorias aí introduzidas e sem direito a qualquer indemnização por parte da concessionária. Nessa informação, propôs-se deste modo à aprovação superior o desencadeamento do procedimento de declaração da caducidade da concessão do terreno e o envio do processo à Comissão de Terras para análise e parecer e prosseguimento das tramitações ulteriores após a realização do processo de audiência.
O director da DSSOPT e o SOPT emitiram parecer concordante, tendo também o Chefe do Executivo emitido o seu despacho concordante em 13 de Novembro de 2012.
26. Nestas circunstâncias, O DSODEP através do ofício n.º 825/6264.02/DSODEP/2012, de 21 de Novembro, notificou a concessionária do sentido da decisão e que a mesma podia apresentar a respectiva audiência escrita no prazo de 10 dias, contados a partir da recepção da notificação, de acordo com o estipulado no artigo 93.º e seguintes do Código do Procedimento Administrativo (CPA).
27. Relativamente à audiência escrita acima referida, a concessionária apresentou ao Gabinete do Chefe do Executivo (GCE) em 4 de Dezembro de 2012 uma carta resposta, reiterando os motivos do incumprimento contratual:
27.1 A concessão do terreno em causa não foi iniciada do zero, mas sim de uma troca de terreno que ocorreu por duas vezes por solicitação da então Administração Portuguesa, tendo a primeira vez sido na década de 80 / início da década de 90 em que a então Administração Portuguesa efectuou a troca de um terreno pertencente naquela altura a B, C e D situado na zona da Estrada de XX, no XX, em Coloane, e que se destinava a armazém, por um terreno concedido provisoriamente, com a área total de 2 775m2, situado junto da mesma estrada. E a segunda vez ocorreu em 1993, quando a então Administração Portuguesa solicitou novamente a desocupação do terreno situado junto à Estrada de XX, tendo a concessionária então solicitado a concessão, por arrendamento e com dispensa de concurso público, de um terreno com a área compreendida entre 2000 e 2500m2 no aterro do XX, para efeitos de troca de terreno;
27.2 E após a publicação do Despacho n.º 70/SATOP/98, as obrigações fixadas no contrato foram cumpridas pela concessionária, nomeadamente o cumprimento da obrigação dos encargos especiais relativos à desocupação do terreno, a prestação da caução, o pagamento do prémio, etc.;
27.3 A concessionária apresentou o projecto de arquitectura em 23 de Setembro de 1998 conforme as disposições do contrato, no entanto, na sequência da crise financeira asiática no período entre 1997 e 1998, os sócios da companhia não conseguiram deliberar sobre a continuação ou não do desenvolvimento conforme o projecto inicial. Em 1999, a estrutura industrial era encabeçada pelo sector do jogo, como consequência, muita mão-de-obra mudou-se para esse sector, provocando uma insuficiência de mão-de-obra no sector industrial. Nestas circunstâncias, as fábricas de Macau mudaram as suas operações ou ainda deslocalizaram as suas fábricas industriais para a China continental. No período entre 1997 e 2005, ocorreu a gripe aviária, SARS, entre outras coisas, acelerando assim a degradação das indústrias de Macau. Por isso, as perspectivas cinzentas no âmbito do ambiente económico e desenvolvimento industrial de Macau foram efectivamente para a concessionária os casos de força maior. No entanto, uma vez que a Administração ainda tinha mantido a finalidade do terreno de toda a zona de XX como industrial, a concessionária não conseguiu apresentar o respectivo projecto de alteração conforme previsto;
27.4 A concessionária não descreveu na sua carta os factos concretos relativos aos casos de força maior nem deu justificações de como é que tinha ficado impedida de concretizar o seu projecto, isto porque os factos referidos são do conhecimento de toda a gente, dispensando-se o ónus da prova pela concessionária. É que a concessionária tinha confiança também que caso o aterro do XX destinado a finalidade industrial pudesse fazer a diferença e fosse viável, a Administração não teria necessidade de dar início ao Plano de Reordenamento do Parque Industrial de XX em 2006;
27.5 A Administração sempre tem salientado que a concessionária não cumpriu o contrato antes do termo do prazo de aproveitamento do terreno, no entanto, nunca aplicou à concessionária qualquer multa e/ou multa agravada de acordo com a cláusula oitava do contrato de concessão, fazendo isto com que a concessionária julgasse que a Administração considerava que haviam casos de força maior ou factos relevantes que estavam comprovadamente fora do seu controlo, tal como estipulado nos n.º 2 e 3 da mesma cláusula, ficando assim a concessionária isenta de responsabilidade;
27.6 Em 2005, devido à Administração ter começado a autorizar que os terrenos concedidos no aterro do XX da Taipa para fins industriais pudessem ser alterados para outras finalidades (por exemplo, o lote J), a concessionária depois ter avaliado e analisado novamente o lote «XX» submeteu por isso à DSSOPT um pedido de alteração de finalidade em 28 de Novembro de 2006, no sentido de construir um edifício destinado à finalidade comercial;
27.7 Conforme a informação n.º 24/DPU/2007, de 16 de Janeiro, o projecto de alteração de finalidade apresentado pela concessionária em 28 de Novembro de 2006 respeitava basicamente a Revisão do Plano de Intervenção Urbanística do Parque Industrial de XX, no entanto, de acordo com os despachos emitidos pelo Director desses Serviços em 15 de Fevereiro de 2008 e 21 de Maio de 2009, foi referido que esse projecto de alteração de finalidade devia ser provisoriamente suspenso até que ficasse concluído integralmente o planeamento do Parque Industrial de XX, tendo apenas em 1 de Julho de 2011 informado por escrito a concessionária, resultando isto numa espera de quatro anos, deste modo, não pode ser imputada qualquer culpa à concessionária. Por outro lado, através do Despacho do SOPT n.º 55/2007, de 30 de Maio, a Administração concedeu inesperadamente o lote J que se situava junto do seu terreno, com a alteração da finalidade industrial para comercial, para construção de um edifício destinado a «Casa Memorial dos Antepassados» e estacionamento. Isto não só demonstrou uma auto-contradição por parte da Administração como a mesma escondeu da concessionária factos relativos ao plano de reordenamento da zona de XX, violando assim os princípios da imparcialidade, da igualdade, da justiça, da isenção e da proporcionalidade;
27.8 Durante esses quatro anos de espera, a concessionária não conseguiu aproveitar completamente o lote «XX» no tempo adequado de acordo com o projecto e também devido à situação sócio-económica, não deixando outra alternativa à mesma senão a de esperar por uma decisão da Administração, fazendo com que esta acabasse por considerar a existência de uma situação de “terrenos não aproveitados”. Isto não só prejudicou por isso os legítimos direitos e interesses e as legítimas expectativas da concessionária, mas também violou totalmente os princípios da boa-fé e da colaboração entre a Administração e particulares, bem como violou o prazo das notificações estipulado no artigo 71.º do CPA e privou o direito à informação por parte da concessionária que a mesma goza de acordo com a lei. Além disso, a Administração nunca informou a concessionária durante esses quatro anos sobre a necessidade de aplicação de uma multa relativa ao não aproveitamento do terreno no tempo devido, nem tão bem avisou a mesma da gravidade da situação, deste modo, a concessionária apenas pôde aguardar, de boa vontade, uma resposta da Administração, tendo a legítima expectativa de receber uma resposta sobre a autorização ou não do seu pedido de alteração de finalidade após a' conclusão do plano de reordenamento da zona de XX;
27.9 Em 2009, a concessionária, por sua iniciativa, contactou o DPUDEP para tomar conhecimento sobre a situação e só nessa altura é que soube que qualquer pedido relativo ao lote «XX» apenas iria ser novamente apreciado após a conclusão do planeamento da zona de XX. Por isso, foi assim que a concessionária considerou que já não podia aguardar uma resposta da Administração eternamente, deste modo, foi só nessa altura que solicitou então à DSSOPT a prorrogação do prazo de aproveitamento do terreno;
27.10 Além disso, da leitura dos dados do processo, a situação do atraso no aproveitamento do terreno pela concessionária poderia ser imputada à Administração, por isso, o presente processo foi marcado como terreno não aproveitado a ser tratado numa “segunda ronda”, ainda mais que tinha sido emitido pelo director da DSSOPT um despacho na informação n.º 328/DSODEP/2011, de 28 de Novembro, relativo a uma consulta prévia do DJUDEP sobre a proposta de concessão de um último prazo de aproveitamento do terreno e de aplicação de uma multa. No entanto, decorrido um ano, ou seja, em Novembro de 2012, o Chefe do Executivo emitiu uma decisão administrativa mais rigorosa na informação n.º 291/DSODEP/2012, isto é, uma vez que a responsabilidade pelo incumprimento do aproveitamento do terreno era inteiramente imputada à concessionária, poder-se-ia deste modo declarar a caducidade da concessão do terreno pelo Chefe do Executivo;
27.11 Só num período de um ano, a Administração, em pressuposto de não ter havido qualquer alteração dos factos, apresentou diversas decisões administrativas para o mesmo problema, uma vez que havia diferenças significativas nos conteúdos, mudanças de posição de responsabilidade de uns para outros e uma sanção extremamente grave, isto é, a mudança da posição de “seria imputável à Administração” para “seria imputável à concessionária” e de “menos grave” para “grave”, levantando-se assim questões à Administração de quais os critérios e regras adoptados para o tratamento dos casos de “terrenos não aproveitados”. Isto demonstra que as decisões administrativas relativas ao “desencadeamento do procedimento de declaração de caducidade da concessão do terreno em causa” e à pretensão de aplicação de uma multa à concessionária por parte da Administração não tinham assento numa análise e juízo objectivos dos factos, não tendo havido uma completa apreciação e aprovação baseada em critérios objectivos e uniformizados;
27.12 Finalmente, uma vez que o acto administrativo eventualmente a ser desencadeado violaria os princípios da legítima expectativa, da imparcialidade, da justiça, da isenção, da igualdade, da proporcionalidade, da boa-fé e da colaboração entre a Administração e os particulares, violando também o prazo das notificações estipulado no artigo 71.º do CPA e privando a concessionária do direito à informação que a mesma goza de acordo com a lei, assim sendo, a concessionária considerou que a responsabilidade do atraso no aproveitamento do terreno não poderia ser imputada à mesma, não se devendo deste modo desencadear o procedimento da declaração de caducidade da concessão do terreno. No entanto, tendo em consideração todos os factores de força maior e justificações razoáveis acima referidos (designadamente os factos pertinentes relativos à degradação do desenvolvimento industrial local, as justificações que poderiam ser imputadas parcialmente à Administração, o plano de reordenamento da zona de XX, etc.), caso o Chefe do Executivo ainda considerasse que a responsabilidade do atraso no aproveitamento do terreno deveria ser imputada à concessionária, mas que esse atraso não era uma negligência grave e total, assim, ao abrigo do princípio da proporcionalidade, deveria conceder à concessionária um prazo de aproveitamento e uma multa adequados e apenas desencadear o procedimento da devolução do terreno caso o terreno não fosse aproveitado no prazo fixado, prazo esse que seria contado a partir da data da publicação do novo planeamento de XX.
28. Quanto à audiência escrita da concessionária, o DSODEP através da informação n.º 030/DSODEP/2013, de 5 de Fevereiro, fez a seguinte análise:
28.1 Conforme o referido pela concessionária a concessão do lote «XX» do XX não tinha sido uma concessão pura, mas sim uma concessão que tinha sido atribuída, por duas vezes, através de troca de terrenos. De acordo com a informação n.º 54/SOLDEP/96 constante do processo do referido departamento, B, C e D, titulares de licença de ocupação temporária do terreno situado junto à Estrada de XX, no XX, em Coloane, apresentaram em 8 de Julho de 1993 na DSSOPT um requerimento para a concessão do lote «XX» do XX por terem que desocupar o referido terreno a fim de se proceder ao alargamento da Estrada do XX, em Coloane, solicitando assim a concessão, por arrendamento, de um lote no aterro do XX, na Taipa, com uma área aproximada de 2 000m2. Em seguida, as três pessoas referidas constituíram a sociedade denominada por “A - Companhia de Construção e Fomento Predial, Lda”;
28.2 A concessionária indicou ainda que a Administração tinha autorizado a alteração da finalidade industrial dos terrenos concedidos, situados no XX, na Taipa, para uma outra finalidade, nomeadamente a do lote XX. É de referir que o lote XX do XX é um terreno que se encontra aproveitado com a construção de um edifício industrial de dois pisos destinado à fabricação de esgotos e componentes de betão nos termos do disposto no Despacho n.º 94/SAOPH/88, por isso, o contrato titulado por Despacho do SOPT n.º 55/2007 trata-se de um contrato de revisão de concessão do terreno cuja concessão se converteu em definitiva. Pelo contrário, o aproveitamento do lote «XX» do presente processo em causa nunca ficou concluído nos termos do disposto no Despacho n.º 70/SATOP/98, e a sua concessão ainda se mantém provisória;
28.3 Por força do Despacho n.º 07/SOPT/2010, o referido departamento, entre os processos respeitantes a terrenos não aproveitados cujas culpas eram susceptíveis de serem imputadas às respectivas concessionárias, seleccionou 48 para uma análise pormenorizada e tratamento. Entre eles, 31 processos foram classificados como de o tratamento prioritário e outros 17 processos, incluindo o presente processo, foram classificados como de tratamento secundário. Não era por isso como foi referido na audiência da concessionária de que a culpa pelo atraso no aproveitamento do terreno que lhe era atribuída, era sim imputável à Administração, pelo que o presente caso foi classificado como de tratamento secundário;
28.4 De facto, o Chefe do Executivo no seu despacho em 31 de Maio de 2010 autoriza que os critérios para a classificação dos graus de gravidade definidos na informação n.º 095/DSODEP/2010, de 12 de Maio, sejam adoptados para fixar uma ordem de tratamento dos processos respeitantes aos terrenos não aproveitados e para servirem no futuro como critérios de referência para a análise de cada caso concreto por parte da entidade competente, com vista a melhor tratar os assuntos respeitantes a terrenos não aproveitados. Quanto ao presente caso, o referido departamento também procedeu a uma análise com base nos critérios atrás referidos;
28.5 Embora o estudo prévio apresentado em 23 de Setembro de 1998 tivesse merecido a aprovação condicional, mesmo assim, a concessionária nunca apresentou quaisquer projectos de alteração, nunca requereu à licença de obra nem iniciou a execução da mesma, tendo apenas apresentado em 28 de Novembro de 2006 um estudo prévio de arquitectura para alteração da finalidade do terreno. Assim sendo, o referido departamento considerou que o presente caso era classificado como uma situação qualificada de “menos grave”, ou seja, poderia ser concedido um prazo razoável para a conclusão do aproveitamento do terreno, no entanto, a culpa pelo não aproveitamento do mesmo deveria ainda ser imputada inteiramente à concessionária por falta de interesse no desenvolvimento do projecto. A concessionária não podia escudar-se nas transformações objectivas em termos de sociedade, economia, circunstâncias da exploração das actividades comerciais ou no aguardar da divulgação do novo planeamento como pretextos para não assumir as responsabilidades de aproveitamento do terreno nos termos contratuais;
28.6 Em virtude do presente processo respeitante a um terreno não aproveitado ter sido classificado como uma situação “menos grave”, o referido departamento solicitou autorização superior para que se solicitasse o parecer do DJU, sobre a proposta de concessão de um último prazo de aproveitamento do terreno e a aplicação de multa à concessionária.
29. Por outro lado, de acordo com a informação n.º 75/DJUDEP/2011 de 27 de Dezembro, o DJUDEP considerou que face ao incumprimento contratual por parte da concessionária a Administração deveria manter o sentido da decisão de declarar a caducidade da concessão (vide o ponto 23) nos termos da alínea a) do n.º I da cláusula décima quinta do respectivo contrato da concessão e da alínea a) do n.º 1 ex vi do n.º 2 do artigo 166.o da Lei n.º 6/80/M (Lei de Terras), de 5 de Julho, tendo o GTJ concordado com o respectivo parecer jurídico.
30. Em consequência disto, o DSODEP propôs na referida informação o envio ao DJUDEP da informação e da audiência escrita da concessionária no sentido de proceder a uma análise das justificações no âmbito dos princípios legais e de jurisprudência.
31. Assim, o DJUDEP através da informação n.º 53/DJUDEP/2013, de 22 de Agosto, procedeu à análise jurídica sobre a audiência escrita apresentada pela concessionária:
31.1 A concessionária começa por alegar que a concessão do terreno em apreço se processou por troca de um outro terreno de que a requerente era ao tempo a titular da licença de ocupação temporária, mas o argumento aduzido é perfeitamente irrisório, porquanto o que se revela é que a concessionária apresentou em 8 de Julho de 1993 na DSSOPT um requerimento a solicitar a concessão com dispensa de concurso público do lote «XX», o qual veio a ser concedido através do Despacho n.º 70/SATOP/98. Em seguimento do referido despacho, a concessionária apresentou em 23 de Setembro de 1998 um projecto de arquitectura que foi aprovado condicionalmente, no entanto, é de salientar que a concessionária não apresentou o projecto de alteração conforme o solicitado pela DSSOPT, nem requereu a respectiva licença de obras;
31.2 A concessionária alegou ainda que o não aproveitamento do terreno se ficou a dever à crise financeira asiática no período compreendido entre 1997 e 1998 e ainda ao facto de ter havido um desentendimento entre os sócios da sociedade relativamente ao aproveitamento de mesmo. A justificação apresentada pela concessionária não pode ser aceite, porquanto o despacho de concessão do terreno foi publicado precisamente em 1998, ou seja, no decorrer da aludida crise asiática, pelo que se a mesma considerava que não detinha capacidade financeira para avançar com o aproveitamento do terreno deveria desde logo ter desistido da concessão. Se não o fez, isto é, se não interrompeu as negociações relativas à concessão do terreno e aceitou as cláusulas contratuais é porque pressupunha que estaria em condições de proceder à construção da obra. Então não pode agora “venire contra factum proprium” e vir justificar-se com a conjuntura económica que o território de Macau atravessava ao tempo para fugir às suas responsabilidades;
31.3 Por outro modo, podemos mesmo considerar que houve retenção especulativa do terreno pela concessionária eventualmente por má-fé, ficando a RAEM privada de obter qualquer proveito económico. Com a outorga da concessão à concessionária faltosa, a RAEM deixou de poder dispor do terreno, nomeadamente de o poder conceder a outrem que oferecia vantagens porventura equivalentes ou aproximadas e deixou de ver efectivado em tempo oportuno o aproveitamento do terreno, preocupação dominante no regime jurídico das concessões de terrenos, com os prejuízos inerentes ainda não patrimoniais. Além disso, quem formula um pedido de concessão de terreno para a realização de determinado aproveitamento, deve estar ciente dos riscos que podem advir duma crise económica, tendo assim, que possuir capacidade financeira para concretizar o empreendimento pretendido. E a concessionária bem sabia, quando requereu a concessão por ajuste directo para construir uma unidade fabril, que teria de garantir os meios de financiamento necessários e antecipar eventuais dificuldades, tanto mais que decorre das regras de experiência comum que a actividade económica envolve sempre risco e está sujeita a factores imponderáveis;
31.4 Por outro lado, a concessionária vem reconhecer que a partir de 1999, logo após a transferência de administração, com a liberalização da indústria do jogo surgiu em Macau um período de crescimento económico, mas alega que tal levou a que uma grande percentagem de mão-de-obra fosse canalizada para o sector do jogo, causando escassez de recursos humanos no sector industrial. Também não é de aceitar este argumento, na medida em que o sector da construção civil estava em franca expansão, não faltando possibilidade de se proceder ao aproveitamento do terreno, sendo que, por outro lado, se a construção da unidade fabril já estivesse concluída e em fase laboral é que a concessionária poderia vir alegar a falta de mão-de-obra no sector industrial. De qualquer forma, ainda que houvesse carência de mão-de-obra para a construção de outros empreendimentos que não os ligados à indústria do jogo, caberia à concessionária alegar o facto oportunamente e solicitar a prorrogação do prazo de aproveitamento ou a fixação de um novo prazo;
31.5 Mais tarde a concessionária vem de novo invocar que devido à eclosão da SARS durante o período de 1999 a 2005, Macau entrou em recessão económica, o que levou a que a maior parte das indústrias locais se tivesse deslocado para o interior da China. Todavia, este argumento não justifica o incumprimento das obrigações contratuais da concessionária, limitando-se a alegar genericamente a crise económica e as alterações sociais, não demonstrando nem consubstanciando com factos concretos em que medida as mesmas impediram a concretização do empreendimento;
31.6 Alega ainda que em 28 de Novembro de 2006 apresentou um pedido de alteração de finalidade o qual não obteve resposta por parte da DSSOPT e que quando a DSSOPT a notificou foi para informar que estava a decorrer a revisão do planeamento urbanístico daquela zona, pelo que até à aprovação do novo plano não seriam emitidas plantas de alinhamento oficial. Antes de mais convém referir que a apresentação deste pedido, apenas em 2006, ou seja, 8 anos após a publicação do despacho que titulou a concessão e depois de ter terminado o prazo de aproveitamento, é suficientemente revelador do desinteresse demonstrado pela concessionária no desenvolvimento do aproveitamento previsto no contrato de concessão. Pois mesmo sabendo que só era permitida a finalidade industrial e que logrou a concessão do terreno por se propor executar um empreendimento adequado a essa finalidade e que foi considerado relevante para o desenvolvimento do então território de Macau, a concessionária submete um estudo prévio para alteração da finalidade, traduzida na construção de um edifício com a altura total de 74,5 metros, destinado a escritórios e estacionamento;
31.7 Por outro lado, é ainda de referir que se a concessionária tivesse cumprido o prazo de aproveitamento estipulado no contrato de concessão, a obra já estaria concluída quando se iniciou o estudo de reordenamento urbanístico, isto é, se tivesse cumprido em tempo o contrato, como era seu dever, e se tivesse realizado as obras nos prazos contratualmente estipulados, o aproveitamento estaria concluído em Julho de 2002, muito antes da Administração ter decidido de proceder à reabilitação daquela área. E uma vez realizado o aproveitamento do terreno, a concessão teria adquirido carácter definitivo, pelo que poderia agora a concessionária, uma vez aprovado o novo plano, solicitar a revisão do contrato de concessão e a alteração da finalidade do mesmo de acordo com o novo planeamento;
31.8 O DJUDEP reiterou que não admite o facto que a concessionária, que desde 1998 mantém o terreno na sua posse sem realizar o aproveitamento contratualmente estipulado, venha a beneficiar das mais-valias resultantes da alteração das condicionantes urbanísticas porquanto tal poderá ser entendido como um mero aproveitamento comercial por uma sociedade que logrou a concessão do terreno para a instalação de unidades industriais e armazéns que se revestiam de interesse para o desenvolvimento económico do então território de Macau e, nestas circunstâncias, com dispensa de concurso público, possivelmente em detrimento de outros pedidos existentes àquela data e julgados de menos relevância. Importa ainda salientar que nos termos da Lei n.º 6/80/M (Lei de Terras), de 5 de Julho, a apresentação de um pedido de modificação do aproveitamento do terreno ou de alteração de finalidade da concessão não a responsabilidade do concessionário pelo não cumprimento das obrigações contratuais a que está adstrito;
31.9 Refere a concessionária que se o seu pedido de alteração de finalidade apresentado em 2006 tivesse sido desde logo rejeitado teria tempo suficiente para concluir as obras de aproveitamento previstas no projecto, sendo que “Nestas circunstâncias é evidente que o atraso do aproveitamento do lote «XX» não pode ser integralmente imputado a esta sociedade”. No entanto, esquece-se porém a concessionária que quando foi apresentado o referido pedido já a mesma se encontrava em incumprimento contratual há largos anos, pelo que não é de aceitar esta justificação. Além disso, o despacho que recaiu sobre o projecto submetido em 23 de Setembro de 1998 já havia caducado (cfr. artigo 40.º do Decreto-Lei n.º 79/85/M, de 21 de Agosto);
31.10 Por último, a concessionária alega que não compreende os critérios da Administração relativamente ao seu caso, porquanto numa fase inicial a Administração considerou que apenas era de aplicar uma multa pelo incumprimento dos prazos contratuais, devendo-lhe ser concedido um novo prazo para concretizar o aproveitamento, e posteriormente tenha tomado a decisão de desencadear o procedimento de declaração de caducidade, considerando assim que a Administração violou os princípios da imparcialidade, justiça, isenção, igualdade e proporcionalidade, etc.;
Ora, relativamente à violação de todos aqueles princípios desde logo se dirá que não basta vir alegar a violação de princípios por parte da Administração, há que consubstanciar em que medida é que estes princípios foram violados, apresentando factos concretos, pelo que não merece a menor relevância o argumento aduzido. Quanto à alegação de diferentes critérios de apreciação no presente caso e de divergência de decisões, a última mais gravosa para a concessionária, dir-se-á que a requerente é que fez uma interpretação errónea do procedimento, pois não há qualquer decisão contraditória. O que acontece é que procedimento administrativo é instruído com diversos pareceres técnicos e um deles considerou que o incumprimento da concessionária era menos grave e por isso propôs a mera aplicação de uma multa, enquanto que um outro parecer técnico, analisando o caso segundo uma outra vertente, considerou e fundamentou que o incumprimento contratual da concessionária era mais gravoso e consequentemente susceptível de se poder desencadear o processo de declaração de caducidade e nesta medida formulou uma proposta de decisão que veio a ser acolhida favoravelmente por despacho superior;
31.11 Por último, o DJUDEP concluiu na referida informação que tendo em consideração que os contributos trazidos ao processo pela concessionária em sede de audiência prévia não tinham contribuído para uma alteração do projecto de decisão, o incumprimento contratual, consubstanciado na inexecução da obra de aproveitamento do terreno, é por isso imputável à concessionária, devendo a Administração manter o sentido da sua decisão de declarar a caducidade da concessão.
32. Nestes termos, o DSODEP, através da proposta n.º 317/DSODEP/2013, de 15 de Novembro, propôs autorização superior para o envio do processo à Comissão de Terras para análise, parecer e prosseguimento dos trâmites ulteriores, tendo o director da DSSOPT proferido em 18 de Novembro de 2013 despacho concordante.
33. Face a todo o exposto, a presente Comissão analisou o processo e, uma vez que o prazo de aproveitamento previsto no contrato da concessão já tinha terminado, o incumprimento do aproveitamento do terreno seria integralmente imputado à concessionária em virtude da mesma ter apresentado apenas em 2006 um estudo prévio de arquitectura para alteração da finalidade do terreno, ou seja, mais de 4 anos após o termo do prazo de aproveitamento (em 2002), e posteriormente, apenas em 2009, ter apresentado o pedido de prorrogação do prazo de aproveitamento, revelando isso o desinteresse da concessionária no desenvolvimento do aproveitamento previsto no contrato de concessão.
Por outro lado, não é de aceitar o argumento invocado pela concessionária relativo às alterações da situação económica de Macau, em virtude da mesma não ter demonstrado com factos concretos em que medida as mesmas impediram a concretização do empreendimento, não podendo ainda considerar-se que tenham havido casos de força maior ou outros factos relevantes, cuja produção tivessem estado, comprovadamente, fora do seu controlo. E quanto às alegações invocadas pela concessionária de que não tinha dado uma resposta ao estudo prévio de arquitectura apresentado em consequência do seu pedido de alteração de finalidade do terreno, assim como tinha ficado a aguardar a conclusão do planeamento urbanístico da zona de XX, é de referir que caso a concessionária tivesse cumprido o prazo de aproveitamento estipulado no contrato de concessão, o aproveitamento do terreno estaria concluído em 2002, muito antes da Administração ter decidido proceder ao estudo de reordenamento urbanístico da referida zona.
Para além disso, a atribuição da concessão foi feita com dispensa de concurso público, no entanto, a concessionária, que desde 1998 mantém o terreno na sua posse sem realizar o aproveitamento contratualmente estipulado, venha a beneficiar das mais-valias resultantes da alteração das condicionantes urbanísticas porquanto tal poderá ser entendido como um mero aproveitamento comercial que logrou a concessão para a instalação de unidades industriais e armazéns que se revestiam de interesse para o desenvolvimento económico do então território de Macau.
Atento o facto de a Lei n.º 6/80/M, Lei de Terras, se encontrar no termo da sua vigência, dado que no dia 1 de Março de 2014 entrou em vigor a nova Lei de terras, Lei n.º 10/2013, e não estar ainda concluído o procedimento de caducidade, cabe-nos agora analisar se esta lei se aplicará ao presente caso.
O artigo 215.º da nova Lei de terras, Lei n.º 10/2013, determina a aplicabilidade do novo diploma às concessões provisórias anteriores à sua entrada em vigor, com as seguintes ressalvas: 1.) Quando esteja a correr um prazo fixado por legislação anterior e a presente lei o tiver modificado, é aplicado o prazo mais longo; 2.) Os direitos e deveres dos concessionários são imediatamente regulados pela presente lei, sem prejuízo do convencionado nos respectivos contratos; 3.) Quando tenha expirado o prazo anteriormente fixado para o aproveitamento do terreno e este não tenha sido realizado por culpa do concessionário, aplica-se o disposto no n.º 3 do artigo 104.º e no artigo 166.º.
Ora, tendo já expirado o prazo fixado para o aproveitamento do terreno e considerando que este não foi. realizado por culpa da concessionária, a concessão caduca, independentemente de ter sido aplicada multa, nos termos dó disposto na alínea i) do n.º 1 do artigo l66.º da Lei n.º 10/2013 (nova Lei de terras).
A não execução do aproveitamento nos termos e prazos contratuais por razões imputáveis ao concessionário constitui violação grave do dever de aproveitamento (cfr artigos 103. º a 106.º da Lei n.º 6/80/M (Lei de Terras) e artigos 103.º, 104.º e 106.º da Lei n.º 10/2013 (nova Lei de terras)), obrigação principal do contrato de concessão e, por isso, facto gerador de caducidade em ambas as leis.
Nessa medida e porque no caso vertente os interessados já se pronunciaram sobre todas as questões objecto do procedimento e relevantes para a decisão, quer de facto quer de direito, afigura-se que se encontra devidamente garantido o exercício dos seus direitos de participação procedimental e de oposição pelo que não há necessidade de efectuar nova audiência por força da aplicação da lei nova.
Por esta razão, esta Comissão concordou com a proposta da DSSOPT, não se opondo à declaração da caducidade da concessão, por arrendamento e com dispensa de concurso público, a favor da “A - Companhia de Construção e Fomento Predial, Limitada”, do terreno com a área 2 196m2, situado na ilha da Taipa, na Rua XX, lote XX, nos aterros de XX, cujo contrato da concessão foi titulado pelo Despacho n.º 70/SATOP/98, nos termos da alínea a) do n.º 1 da cláusula décima quinta do respectivo contrato de concessão do terreno e alínea 1) do n.º 1 do artigo 166.º da Lei n.º 10/2013 (nova Lei de terras). Concordou-se ainda que a totalidade do prémio (no valor global de $2031636,00 patacas) já liquidado pela concessionária reverterá para a posse da RAEM ao abrigo do disposto no artigo 13.º do Regulamento Administrativo n.º 16/2004. Em simultâneo, de acordo com o estipulado no n.º 3 da cláusula décima quinta do referido contrato da concessão, e do n.º 1 do artigo 168.º da Lei n.º 10/2013 (nova Lei de terras), a caducidade da concessão determina a reversão do terreno para a posse da RAEM com todas a benfeitorias aí introduzidas, sem direito a qualquer indemnização por parte da concessionária.
Para além disso, ao abrigo do disposto no n.º 2 da cláusula décima quarta do mesmo contrato e no artigo 167.º da Lei n.º 10/2013 (nova Lei de terras), a caducidade da concessão será declarada por despacho do Chefe do Executivo a publicar no Boletim Oficial da RAEM.
III
Reunida em sessão de 5 de Junho de 2014, esta Comissão, analisado o processo e tendo em consideração os pareceres constantes nas informações n.º 328/DSODEP/2011, de 28 de Novembro de 2011, 75/DJUDEP/2011, de 27 de Dezembro de 2011, 32/GTJ/2012, de 21 de Agosto de 2012, 291/DSODEP/2012, de 18 de Outubro de 2012, 30/DSODEP/2013, de 5 de Fevereiro de 2013, 53/DJUDEP/2013, de 22 de Agosto de 2013 e 317/DSODEP/2013, de 15 de Novembro de 2013 e tendo em conta os despachos emitidos na informação n.º 291/DSODEP/2012 pelo SOPT em 9 de Novembro de 2012 e pelo Chefe do Executivo em 13 de Novembro de 2012, considera que se deve declarar a caducidade da concessão, por arrendamento, a favor da “A - Companhia de Construção e Fomento Predial, Limitada”, do terreno com a área 2 196m2, situado na ilha da Taipa, na Rua XX, lote XX, nos aterros de XX, cujo contrato da concessão foi titulado pelo Despacho n.º 70/SATOP/98, nos termos da alínea a) do n.º 1 da cláusula décima quinta do respectivo contrato de concessão e da alínea 1) do n.º 1 do artigo 166.º da Lei n.º 10/2013 (nova Lei de terras). A Comissão concorda ainda que a totalidade do prémio (no valor global de $2 031 636,00 patacas) já liquidado pela concessionária reverterá para a posse da RAEM ao abrigo do disposto no artigo 13.º do Regulamento Administrativo n.º 16/2004. Em simultâneo, de acordo com o estipulado no n.º 3 da cláusula décima quinta do referido contrato da concessão e do n.º 1 do artigo 168.º da Lei n.º 10/2013 (nova Lei de terras), a caducidade da concessão determina a reversão do terreno para a posse da RAEM com todas a benfeitorias aí introduzidas, sem direito a qualquer indemnização por parte da concessionária.
Para além disso, ao abrigo do disposto no n.º 2 da cláusula décima quarta do mesmo contrato e no artigo 167.º da Lei n.º 10/2013 (nova Lei de terras), a caducidade da concessão será declarada por despacho do Chefe do Executivo a publicar no Boletim Oficial da RAEM.
Comissão de Terras, aos 5 de Junho de 2014.
23 - Em 17/03/2015, o Secretário para as Obras Públicas e Transportes, por seu turno, emitiu o seguinte parecer:
Proc. n.º 66/2013 - Respeitante à proposta de declaração de caducidade da concessão provisória, por arrendamento e com dispensa de concurso público, do terreno com a área de 2 196m2, situado na ilha da Taipa, na Rua XX, lote XX, dos aterros do XX, a favor da “A - Companhia de Construção e Fomento Predial, Limitada”, pelo não cumprimento de disposições do contrato, nomeadamente a de aproveitamento do terreno nos prazos fixados, cujo contrato de concessão foi titulado pelo Despacho n.º 70/SATOP/98.
1. Pelo Despacho n.º 70/SATOP/98, publicado no Boletim Oficial de Macau n.º 29, II Série, de 22 de Julho, foi autorizada a concessão, por arrendamento e com dispensa de hasta pública, do terreno com a área de 2 196m2, sito na ilha da Taipa, na Rua XX, lote XX, dos aterros do XX, a favor da “A - Companhia de Construção e Fomento Predial, Limitada”, destinado à construção de um edifício para instalação de unidades industriais e armazéns, afectos a uso próprio.
2. Conforme o estipulado na cláusula segunda do contrato de concessão, o prazo de arrendamento é de 25 anos, contados a partir da data da publicação no Boletim Oficial de Macau, ou seja, o prazo de arrendamento terminará no dia 21 de Julho de 2023.
3. Nos termos das disposições do n.º 1 da cláusula quinta do contrato de concessão supramencionado, o prazo global de aproveitamento do terreno é de 48 meses, contados a partir da data da publicação no Boletim Oficial de Macau do referido despacho, ou seja, terminará no dia 21 de Julho de 2002 e resulta dos n.º 2 e n.º 3 da mesma cláusula, que sem prejuízo do cumprimento do prazo global de aproveitamento do terreno, a concessionária deveria concluir a construção do primeiro piso, correspondente à primeira fase, 18 meses após a publicação do respectivo despacho, devendo ainda apresentar os projectos e início da obra de acordo com os prazos estipulados.
4. Além disso, a concessionária deveria elaborar e apresentar o anteprojecto de obra (projecto de arquitectura) no prazo de 60 dias, contados a partir da data da publicação no Boletim Oficial de Macau do despacho referido. A elaboração e apresentação do projecto de obra (projecto de fundações, estruturas, águas, esgotos, electricidade e instalações especiais) no prazo de 90 dias, contados a partir da data da notificação da aprovação do anteprojecto de obra. E o início da obra no prazo de 45 dias, contados a partir da data da notificação da aprovação do projecto de obra.
5. Da leitura das informações da Folha de Acompanhamento Financeiro, resulta que a concessionária já pagou integralmente o montante do prémio no valor de $1 906 455,00 patacas conforme previsto no contrato.
6. Em 28 de Novembro de 2006, a concessionária apresentou à Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes (DSSOPT) um requerimento, referindo que de acordo com o contrato, o prazo de aproveitamento do terreno já tinha terminado, e uma vez que tinha havido alterações significativas na indústria e económica, o terreno em causa já não servia por isso para a finalidade industrial, solicitava desse modo autorização para alteração da finalidade do terreno, anexando para o efeito o respectivo estudo prévio de arquitectura.
7. O DSODEP da DSSOPT através de ofício de 31 de Maio de 2011 solicitou à concessionária a apresentação dos motivos razoáveis que justificassem o atraso no aproveitamento do terreno, assim como a apresentação de todas as informações aplicáveis às suas justificações.
8. Em 1 de Julho de 2011, H, representando a concessionária, apresentou à DSSOPT uma certidão de registo predial, uma certidão do registo comercial, um calendário de execução de obras, três certidões de capacidade financeira emitidas por bancos, entre outros documentos, e deu as justificações sobre o não aproveitamento do terreno conforme previsto.
9. Para analisar todo o processo de concessão do terreno em causa, o DSODEP através de CSI solicitou ao DPUDEP e ao DURDEP o fornecimento dos procedimentos detalhados de apreciação e aprovação bem como de informações pormenorizadas sobre as análises feitas respeitantes ao processo.
10. A chefe do DSODEP propôs ainda o envio do processo ao Departamento Jurídico (DJUDEP) para auscultar o parecer jurídico, tendo o director da DSSOPT manifestado a sua concordância.
11. Por outro lado, o Grupo de Trabalhos Jurídicos (GTJ) criado por despacho do Chefe do Executivo concordou com a análise e o parecer emitidos pelo DJUDEP através da informação n.º 32/GTJ/2012, de 21 de Agosto e propôs que para além do desencadeamento do procedimento de declaração da caducidade da concessão do terreno em causa, fosse ainda realizada a audiência da concessionária e posteriormente se enviasse o processo à Comissão de Terras para análise e parecer e prosseguimento das tramitações ulteriores.
12. Nestas circunstâncias, o DSODEP através do ofício n.º 825/6264.02/DSODEP/2012, de 21 de Novembro, notificou a concessionária do sentido da decisão e que a mesma podia apresentar a respectiva audiência escrita no prazo de 10 dias, contados a partir da recepção da notificação, de acordo com o estipulado no artigo 93.º e seguintes do Código do Procedimento Administrativo (CPA).
13. Relativamente à audiência escrita acima referida, a concessionária apresentou ao Gabinete do Chefe do Executivo (GCE) em 4 de Dezembro de 2012 uma resposta, a qual não alterou o sentido da decisão.
14. Reunida em sessão de 5 de Junho de 2014, a Comissão de Terras, analisado o processo e tendo em consideração os pareceres constantes nas informações n.ºs 328/DSODEP/2011, de 28 de Novembro de 2011, 75/DJUDEP/2011, de 27 de Dezembro de 2011, 32/GTJ/2012, de 21 de Agosto de 2012, 291/DSODEP/2012, de 18 de Outubro de 2012, 30/DSODEP/2013, de 5 de Fevereiro de 2013, 53/DJUDEP/2013, de 22 de Agosto de 2013 e 317/DSODEP/2013, de 15 de Novembro de 2013 e tendo em conta os despachos emitidos na informação n.º 291/DSODEP/2012 pelo SOPT em 9 de Novembro de 2012 e pelo Chefe do Executivo em 13 de Novembro de 2012, considera que se deve declarar a caducidade da concessão, por arrendamento, a favor da “A - Companhia de Construção e Fomento Predial, Limitada”, do terreno com a área 2 196m2, situado na ilha da Taipa, na Rua XX, lote XX, nos aterros de XX, cujo contrato da concessão foi titulado pelo Despacho n.º 70/SATOP/98, nos termos da alínea a) do n.º 1 da cláusula décima quinta do respectivo contrato de concessão e da alínea 1) do n.º 1 do artigo 166.º da Lei n.º 10/2013 (nova Lei de terras). A Comissão concorda ainda que a totalidade do prémio (no valor global de $2 031 636,00 patacas) já liquidado pela concessionária reverterá para a posse da RAEM ao abrigo do disposto no artigo 13.º do Regulamento Administrativo n.º 16/2004. Em simultâneo, de acordo com o estipulado no n.º 3 da cláusula décima quinta do referido contrato da concessão e do n.º 1 do artigo 168.º da Lei n.º 10/2013 (nova Lei de terras), a caducidade da concessão determina a reversão do terreno para a posse da RAEM com todas a benfeitorias aí introduzidas, sem direito a qualquer indemnização por parte da concessionária.
Consultado o processo supra mencionado e concordando com o que vem proposto pelas razões indicadas naquele, solicito a Sua Excelência o Chefe do Executivo que declare a caducidade da concessão do referido terreno”
24 - Em 23/03/2015, o Chefe do Executivo, proferiu o seguinte despacho:
“ Concordo” (fls. 49 dos autos).
25 - À recorrente nunca foi aplicada qualquer multa.
***
IV – O Direito
1 - A recorrente imputa ao acto os seguintes vícios:
i – Erro sobre os pressupostos;
ii – Violação de lei, por ofensa às cláusulas 8ª e 15ª do contrato, bem como dos arts. 105º e 166 º da Lei de Terras (Lei nº 6/80/M), que apenas prevê a multa em caso de incumprimento por parte da concessionária no aproveitamento do terreno;
iii – Violação do art. 11º do Código Civil;
iv – Violação dos princípios consagrados nos arts. 3º, 5º, 7º e 8º, bem como nos arts. 9º, 11º, nº1, do CPA.
*
2 - Do erro sobre os pressupostos
2.1 - Entende a recorrente que não estavam reunidos os pressupostos de facto para a declaração da caducidade fundada no não aproveitamento do terreno.
Mas, para tal, traz a lume uma classificação e respectivos critérios densificadores sobre a maior ou menor gravidade das diversas situações de concessionários a respeito do incumprimento das obrigações contratuais. E seu caso estaria entre as “menos graves” e não “muito graves”.
Mas, e como bem diz o digno Magistrado do MP, tal documento (Informação 095/DSODEP/2010, de 12 de Maio, aprovado pelo Chefe do Executivo em 31 de Maio de 2010) apenas representa uma orientação interna, um instrumento auxiliar que, eventualmente, poderia servir de farol para a urgência a observar na apreciação dos inúmeros casos de concessões não integralmente executadas. Ou seja, uma tal orientação não tem qualquer reflexo directo na esfera jurídica dos concessionários e nunca o facto de a situação da recorrente estar mais ou menos abstractamente integrável num estado de maior ou menor gravidade factual, em termos de desrespeito pelo contrato e pela Lei de Terras, poderia servir de fundamento anulatório.
Quer dizer, não interessa saber qual a situação concreta da recorrente em termos daquela gravidade; importa, sim, é saber, se a Administração encontrou fundamentos para a decisão administrativa que tomou.
*
2.2 - Estamos, também, de acordo com a opinião do MP quanto às incidências que se registaram no procedimento e que na óptica da recorrente podem ser iluminados à luz do mesmo vício de falta de pressupostos. Vejamos o que disse o MP a este propósito:
“Ainda em matéria de erro nos pressupostos de facto, a recorrente destaca que a Administração baseou-se em apreciações incompletas, desarticuladas e contraditórias dos diversos departamentos da DSSOPT, chamando a atenção para algumas discrepâncias entre o parecer 44/2014, da Comissão de Terras e várias informações e propostas, de que se destacam as nºs 328/DSODEP/2011, 75/DJUDEP/2011, 32/GTJ/2012, 291/DSODEP/2012, 30/DSODEP/2013, 53/DJUDEP/2013, 317/DSODEP/2013.
Bem, o que se passa é que o acto administrativo aqui em análise baseou-se no parecer/proposta emitido pelo Secretário para os Transportes e Obras Públicas em 17 de Março de 2015 no âmbito do processo 66/2013. E este parecer convocara, por seu turno, o parecer n. ° 44/2014 da Comissão de Terras. Neste é feita uma análise ao histórico da concessão, por referência a etapas ou passos procedimentais, pareceres, informações, propostas, aí se incluindo aquelas relacionadas pela recorrente. Todavia, não se colhe 1 dessa alusão a propostas e informações que foram produzidas ao longo do iter procedimental, que o parecer n." 44/2014 haja sufragado e acolhido apreciações contraditórias ou que ele, parecer, esteja, por seu turno, em colisão com propostas ou pareceres de que se haja apropriado, fazendo-os seus.
Por outro lado, a circunstância de nenhuma referência ser feita aos factos ocorridos entre 23.09.98 e 28.11.2006 e aos períodos durante os quais a Administração se manteve em silêncio, sem responder aos pedidos formulados pela concessionária, podendo relevar noutra sede, não traduz, a nosso ver, qualquer erro nos pressupostos.
Não ocorre, salvo melhor juízo, o invocado conflito ou contradição de pressupostos em que, por via de apropriação do parecer da Comissão de Terras, o acto teria incorrido”
Concordamos com esta perspectiva e fazemo-la nossa, para afirmarmos que também com estes fundamentos se não pode concluir pela procedência do vício em epígrafe.
*
2.3 - Prosseguiu a recorrente na matéria deste vício para trazer a terreiro argumentos que, na sua óptica, afastam a culpa no não aproveitamento.
Ora bem. Sabemos pela matéria de facto provada que a concessão era pelo prazo de 25 anos, cujo dies a quo remontava a 22/07/1998, data da publicação no Boletim Oficial do despacho que titula a concessão, e cujo termo se verificaria em 21/07/2023.
No entanto, o que sucedeu no caso concreto foi que a entidade recorrida, em 23/03/2015, declarou a caducidade da concessão em virtude de a concessionária não ter procedido ao aproveitamento no prazo previsto no contrato.
Na óptica da recorrente, a crise imobiliária que se vivia em Macau e na região asiática caracterizava uma situação de força maior e também devido à incoerência com informações e pareceres procedimentais que reconheciam a existência dessa crise.
Não podemos concordar, salvo o devido respeito.
Em nossa opinião, o argumento invocado da crise não lhe dá qualquer apoio, uma vez que, se a crise estava em Macau desde 1996, como ela própria reconhece nos arts. 57º e 63º da p.i., e se durou até 2004 (art. 75º, da p.i.), então qual o motivo por que aceitou a revisão do contrato e se comprometeu a cumpri-lo na data da sua celebração (1999)? Já previa que não podia cumprir e aceitou, mesmo assim, a celebração do contrato?
Bom. Estamos no domínio contratual e da sempre necessária e omnipresente boa fé negocial. Não podia – não era legítimo, para não dizer lícito – o contraente aproveitar-se dos benefícios de uma concessão para logo a seguir dizer que não respeitava as razões de interesse público – as quais tinham certamente levado a Administração a permiti-la - por motivos pessoais que se poderiam reflectir negativamente na sua esfera de interesses privados.
Ou seja, não podia o contraente privado fruir dos benefícios de uma concessão a longo prazo e ao mesmo tempo alegar que não podia realizar já a finalidade que esteve na base dela, reservando para si, e por seu livre alvedrio, o momento mais conveniente para a concretizar (numa espécie de aproveitamento de “o melhor de dois mundos”, se nos é permitida a expressão, sem qualquer quebra de respeito pela parte).
Havia crise? Então, não aceitava o contrato, pelo menos naqueles moldes.
Havia crise e aceitou o contrato em tais termos? Então, tem que se concluir que, estando de boa fé, ponderou todos os “prós e contras”, as vantagens e desvantagens, as conveniências e inconveniências, o “bem” e o ”mal” fundado da sua declaração contratual.
Havia naquela ocasião excesso de oferta de fracções imobiliárias? Não deveria ter aceitado a concessão.
Havia crise e circunstâncias que de todo desaconselhavam a construir? Então tentaria obter do concedente a sua anuência para prorrogação de prazos! E não o fizeram!
Portanto, tem que se admitir que a contratante aceitou os riscos do negócio, os quais fazem, aliás, parte da essência da concessão a entidades privadas.
É comummente sabido que esses riscos1, num quadro menos favorável de edificação dentro do tão propalado “mercado”, oferecem aos investidores condições de melhor aquisição de bens e materiais que hão-de utilizar na construção (melhores preços, melhores condições de pagamento, etc.) que acabam por se reflectir numa construção a menor custo e que, terminado o período de crise e iniciado um outro de recuperação e crescimento, proporcionarão desse modo mais altos rendimentos e lucros. Isto é facto notório, toda a gente o sabe.
O que se depreende é que a concessionária não levou por diante o aproveitamento por alegadas razões conjunturais, num quadro de crise do sector imobiliário, para o levar a efeito numa altura mais favorável. Ou seja, por razões próprias, transferiu a decisão de construir para outra altura, sem tomar em consideração o movimento cíclico de “alta” e “baixa” do sector.
Se isto é assim, não é aceitável que a contratação em período de crise seja factor de afastamento de culpa no não aproveitamento no prazo de 48 meses, e que terminou no dia 21/07/2002.
Ou seja, não podemos concordar com a tese de força maior invocada pela recorrente.
*
2.4 - E também não pode relevar, a este respeito, a circunstância de a Administração ter vindo a admitir vir a proceder a uma revisão global em toda a zona do Pac-On, tal como irreleva o teor das informações e pareceres identificados pela recorrente no art. 58º da alegação. É que tudo isso ocorre já muito tempo depois do prazo contratualmente fixado para o aproveitamento. Ou seja, nada do que se tenha passado entre recorrente e Administração neste domínio afasta a realidade (que consistiu no não aproveitamento), nem o dever de accionar os poderes-deveres administrativos nesta matéria.
Ou seja, todos os factos, diligências, requerimentos, ocorrências procedimentais, estudos, reuniões, etc., etc. que tenham tido lugar posteriormente, e aos quais a recorrente quer atribuir um peso decisivo, não podiam já ter, em nossa opinião, qualquer influência quanto à decisão de caducidade que veio a ser tomada. É que tudo isso que a recorrente invoca ocorreu após o termo do prazo do aproveitamento. E esta asserção é, para nós, fulcral.
E, de resto, também não podemos esquecer que qualquer situação que pudesse, na óptica da recorrente, servir de força maior para o não aproveitamento deveria ter sido comunicada ao concedente (cfr. cláusula 8ª do contrato), o que a recorrente/concessionária não fez no momento próprio, o que se tornava contratualmente essencial para afastar a sua responsabilidade (culpa) no incumprimento do prazo de 48 meses previsto para o aproveitamento.
Improcede, pois, o vício em apreço.
*
3 - Da violação das cláusulas contratuais 8ª e 15ª, bem como dos arts. 105º, nº3 e 166º, a), da Lei de Terras nº 6/80/M
A primeira cláusula referida prevê a multa em caso de incumprimento por parte da concessionária no aproveitamento do terreno. Na tese da recorrente, e que o MP doutamente subscreve, não podia ser declarada a caducidade, sem ter sido previamente aplicada a referida sanção pecuniária.
Este ponto é fundamental.
Pois bem. Veja-se o que dispõe a referida cláusula 5ª:
“CLÁUSULA OITAVA - MULTAS
1. Salvo motivos especiais devidamente justificados, aceites pelo primeiro outorgante, pelo incumprimento dos prazos fixados na cláusula quinta, relativamente à apresentação dos projectos, início e conclusão das obras, a segunda outorgante fica sujeita a multa até $5.000,00 (cinco mil) patacas, por cada dia de arraso até sessenta dias; para além desse período e até ao máximo global de cento e vinte dias, fica sujeita a multa até ao dobro daquela importância.
2. A segunda outorgante fica exonerada da responsabilidade referida no número anterior em casos de força maior ou de outros factos relevantes, cuja produção esteja, comprovadamente, fora do seu controlo.
3. Consideram-se casos de força maior os que resultem exclusivamente de eventos imprevisíveis e irresistíveis.
4. Para efeitos do disposto no nº2 desta cláusula, a segunda outorgante obriga-se a comunicar, por escrito, ao primeiro outorgante, o mais rapidamente possível, a ocorrência dos referidos factos. (destaque a bold nosso).
A cláusula 15ª dispunha o seguinte:
“CLÁUSULA DÉCIMA QUINTA-CADUCIDADE
O presente contrato caduca nos seguintes casos:
Findo o prazo da multa agravada, previsto na cláusula oitava;
b)
Alteração, não consentida, da finalidade da concessão, enquanto o aproveitamento do terreno não estiver concluído;
c) Interrupção do aproveitamento do terreno por um prazo superior a 90 (noventa) dias, salvo motivos especiais devidamente justificados e aceites pelo primeiro outorgante.
2. A caducidade do contrato é declarada por despacho de S, Ex.ª o Governador, a publicar no Boletim Oficial.
3. A caducidade do contrato determina a reversão do terreno à posse do primeiro outorgante com todas as benfeitorias aí introduzidas, sem direito a qualquer indemnização por parte da segunda outorgante.
E a cláusula 16ª dispunha o seguinte:
“CLÁUSULA DÉCIMA SEXTA – RESCISÃO
1. O presente contrato pode ser rescindido, quando se verifique qualquer dos seguintes factos:
a) Falta do pagamento pontual da renda;
b) Alteração não consentido do aproveitamento do terreno e/ou da finalidade da concessão, no caso de já estar concluído o aproveitamento do terreno;
c) Transmissão de situações decorrentes da concessão, com violação do disposto na cláusula décima segunda;
d) Incumprimento das obrigações estabelecidas na cláusula sexta;
e) Incumprimento repetido, a partir da 4ª infracção, das obrigações estabelecidas nas cláusulas sétima e nona;
f) Incumprimento das obrigações estabelecidas na cláusula décima;
2. A rescisão do contrato é declarada por despacho de S. Ex.ª O Governador, a publicar no Boletim Oficial.”
A pergunta que se impõe é esta:
A multa apresenta-se prévia e necessariamente condicionante da declaração de caducidade por falta de aproveitamento?
A resposta passa por um exercício de interpretação, se bem pensamos.
Pelo textos clausulares transcritos, facilmente se detecta que o incumprimento contratual respeitante ao aproveitamento sujeita o concessionário a multa em dias (simples e agravada), salvo nos casos ponderados de força maior e naqueles que resultem de eventos imprevisíveis e irresistíveis. Ou seja, escapa à multa o concessionário que não tiver culpa no incumprimento de prazos. Por isso se diz que esta é uma “penalidade” contratual que carece de culpa do incumpridor.
O mesmo decorre, aliás, do art. 105º, nº3, da Lei de Terras nº 6/80/M, onde é dito que “A inobservância dos prazos sujeita o concessionário às penalidades estabelecidas no respectivo contrato ou, sendo este omisso, à multa de cem patacas por cada dia de atraso, até cento e vinte dias, e, para além deste período mas até ao máximo de sessenta dias, ao dobro daquela importância”.
Mas é caso para perguntar de novo:
De acordo com a Lei de Terras anterior e com o contrato, era obrigatória a imposição da multa? A multa constituiria um pressuposto necessário da caducidade? E não tendo a multa sido aplicada, será que podia ser declarada a caducidade?
Estas perguntas fazem sentido, face ao disposto no art. 166º, al. a), da mesma Lei de Terras (6/80/M).
É que ali é dito que:
“As concessões…caducam….quando ocorra qualquer das seguintes circunstâncias, imputáveis ao concessionário:
a) Falta do aproveitamento do terreno nos prazos e termos contratuais ou, sendo o contrato omisso, decorrido o prazo do pagamento da multa agravada previsto no nº3 do artigo 105º; ….” (destaque nosso)
Como se vê, numa apressada leitura, parece que a multa deveria ser aplicada e só decorrido o prazo do pagamento da multa em dias agravada é que poderia o concedente passar para a declaração de caducidade.
E esta conclusão poderia ter até algum apoio no teor da cláusula 15ª do contrato, cujo nº1, al. a) contempla que o contrato caducaria “findo o prazo da multa agravada, previsto na cláusula oitava”
Mas não cremos que seja assim.
Quando a cláusula 8ª do contrato e o artigo 105º, nº3 da Lei de Terras de 1980 sujeitam o concessionário a uma multa em dias, colocam-no, sim, num estado de sujeição que confere ao concedente um direito potestativo de a aplicar.
Daí não se segue, porém, que nasça um dever (um estado de vinculação) de a aplicar por parte do concedente. Isso, pelo menos, não resulta dos termos explícitos do contrato, nem da referida norma do art. 166º transcrita.
Mas essa norma não estabelece um poder disjuntivo? Não confere ela um poder “alternativo” de aplicar a caducidade ou a multa? Qual será a razão de ser para esta alternativa? Ficará a bel-prazer da Administração a escolha da medida: multa ou caducidade? Aparentemente, uma tal “alternativa” fará pouco sentido. Mas será mesmo assim?
Pensamos que, para ter sentido útil, esta aparente “alternativa” do texto da lei só pode significar que a multa não é de imposição obrigatória. Mas, por outro lado, também equivale a dizer que a sua aplicação dependerá de uma análise sobre a possibilidade de a concessionária ainda poder cumprir o prazo de aproveitamento, embora estando atrasado.
Ou seja, a multa surge como sanção para o atraso, o qual, apesar de tudo, ainda pode ser recuperado pela via da atribuição de mais dias de prazo – que são os dias de multa e que podem ir até 120 dias (nos termos da cláusula 8ª) e até 180 dias (nos termos do art. 105º, n.3, da Lei nº 6/80/M). Realmente, se a obra não tivesse sequer sido começada ou estivesse muito atrasada – a ponto de se já não ser concluída nem com o acréscimo do prazo dos dias da multa – não haveria qualquer lógica na aplicação dessa sanção.
Caso não seja possível a recuperação do atraso através da multa, então o contratante público pode avançar directamente para a declaração de caducidade.
Por conseguinte, quando a cláusula prevê a multa agravada e a caducidade findo o prazo desta (15ª, nº1, al. a)), não parece que esteja a transformar a multa num pressuposto de verificação obrigatória da caducidade, ao contrário do que o defende a recorrente. Quando essa cláusula assim se manifesta não pode deixar de se ater com a cláusula 8ª do contrato (para a qual, de resto, ela remete) e com o próprio art. 105º da anterior Lei de Terras.
Quer dizer, quando prescreve “…. findo o prazo da multa agravada” o que está a dizer é que a caducidade será declarada “findo o prazo…” da aplicação da multa que tiver sido efectivamente aplicada e desde que o aproveitamento mesmo assim não tiver sido concluído com êxito dentro dele (prazo de multa).
Cremos ser esta a melhor, mais lógica e coerente forma de interpretar o texto das referidas cláusulas contratuais e da alínea a), do art. 166º da Lei de Terras nº 6/80/M (neste mesmo sentido, Ac. do TSI, de 7/07/2016, Proc. nº 434/2015 e o recente Ac. do TUI, de 20/02/2017, Proc. nº 81/2016).
Improcede, pois, o vício.
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4 - Violação do art. 11º do Código Civil, no que respeita à lei aplicável
Neste passo, a recorrente defende a aplicação exclusiva da Lei de Terras nº 6/80/M e não da Lei nº 10/2013.
Não concordamos, mais uma vez.
Em primeiro lugar, no momento em que o acto foi praticado, já a Lei nº 6/80/M estava revogada pelo art. 222º da nova Lei de Terras nº 10/2013. Em segundo lugar, o art. 215º da nova Lei de Terras preceitua expressamente que a presente lei se aplica a concessões provisórias anteriores à sua entrada em vigor, sendo que nesse caso “quando tenha expirado o prazo anteriormente fixado para o aproveitamento do terreno e este não tenha sido realizado por culpa do concessionário, aplica-se o disposto no nº3 do artigo 104º e no artigo 166º ”.
Dito isto, não se mostra violado o art. 11º do CC, uma vez que é o seu nº1 que dispõe que “A lei só dispõe para o futuro; ainda que lhe seja atribuída eficácia retroactiva, presume-se que ficam ressalvados os efeitos já produzidos pelos factos que a lei se destina a regular”.
Ora, se, como vimos, a Lei nº 10/2013 tem eficácia retroactiva, e se não se produziram ainda todos os efeitos do contrato celebrado ao abrigo da lei anterior, estamos convictos de que nada obsta à aplicação da lei nova ao caso, no que concerne, por exemplo, à declaração de caducidade por incumprimento culposo (neste sentido já se decidiu no já citado Ac. deste TSI, de 7/07/2016, Proc. nº 434/201; Ac. TUI, de 20/02/2017, Proc. nº 81/2016).
Improcede, pois, o vício.
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5 - Violação dos princípios de direito administrativo consagrados nos arts. 3º, 5º, 7º e 8º, bem como nos arts. 9º, 11º, nº1, do CPA.
Os princípios previstos nos preceitos citados (v.g., boa fé, igualdade, proporcionalidade, etc.) constituem limites à actividade discricionária da Administração, como se sabe.
Nesse sentido, antes de mais nada, é preciso ver se o acto em causa se inscreve no âmbito de uma actividade vinculada ou discricionária. Tinha a entidade recorrida que declarar a caducidade? Ou podia simplesmente declará-la?
E quanto a nós, trata-se de actividade vinculada. Porquê?
Porque sendo esta uma concessão provisória (porque não concluída dentro do prazo total da concessão), a ela se aplica a nova Lei de Terras, face ao disposto no art. 215º, al. 3). E sendo assim, aplica-se a este contrato o disposto no nº3 do art. 104º e no art. 166º, desde que tenha expirado o prazo do aproveitamento (que era, recorde-se, de 48 meses) sem este ter sido realizado.
Na verdade, a recorrente nem realizou o aproveitamento naquele prazo de 48 meses, nem durante esse prazo pediu a sua prorrogação2. Logo, incumpriu o contrato, o que legitimaria a declaração da caducidade ou de uma multa, em termos que mais à frente explanaremos.
Não foi aplicada nenhuma multa, no entanto. Contudo, na medida em que o art. 215º, al. 3) da Lei também manda aplicar o disposto no art. 166º a esses casos, é para nós claro que a concessão caduca3 perante a circunstância prevista na alínea 1), deste artigo, isto é, desde que se verifique a “não conclusão do aproveitamento ou reaproveitamento nos prazos e termos contratuais ou, sendo o contrato omisso, decorrido o prazo de 150 dias previsto no artigo 104º, independentemente de ter sido aplicada ou não a multa” (destaque nosso).
Por conseguinte, pensamos que a caducidade ao abrigo destas disposições destinadas a regular o não aproveitamento durante o prazo previsto de 48 meses se torna uma actividade vinculada, uma vez que não cabe à entidade competente (Chefe do Executivo) declarar ou deixar de declarar a caducidade. Se a lei diz que as concessões caducam no caso de não aproveitamento (art. 166º, nº 1, al.1)) e que a caducidade é declarada pelo Chefe do Executivo (art. 167º) 4, então parece-nos que não há dúvidas que o exercício desta competência era vinculado.
A única condição para essa declaração é a verificação dos factos que sejam ou não reveladores de culpa da concessionária, pois esse é um pressuposto de facto vinculado que decorre do art. 215, al. 3), do diploma. Portanto, desde que os factos revelem culpa desta, então estarão verificados os pressupostos de facto necessários ao exercício vinculado do poder administrativo.
É certo que tal declaração só recentemente foi produzida, quando o podia (deveria) ter sido feita logo que o incumprimento (não aproveitamento) teve lugar. Contudo, esse facto não torna as coisas diferentes.
É que estamos no domínio contratual e em lado nenhum é previsto que essa declaração devesse ser tomada em prazo certo, sob pena de preclusão ou sanação da ilicitude contratual verificada. Portanto, a circunstância de não ter sido declarada na altura a caducidade por incumprimento não afasta o dever de a declarar a todo o momento, nem faz transferir para o contraente público a culpa do não aproveitamento.
Logo, se estamos perante uma actividade de natureza vinculada, nada do que se tenha passado após o prazo do incumprimento do dever de aproveitamento por parte do contraente privado, importa já à economia e eficácia do acto em apreciação. Ou seja, quaisquer pedidos posteriores destinados à alteração da finalidade da concessão ou à prorrogação após o decurso do referido prazo inicial de aproveitamento não é já potencialmente apto para transformar um dever (vinculação) num poder (discricionariedade) de aplicação da sanção contra o incumprimento contratual.
Apenas poderíamos falar em discricionariedade no tocante à decisão sobre tais pedidos, desde que houvesse um prazo para a aplicação das referidas sanções, cuja não observância pudesse fazer “sanar” o incumprimento por parte do concessionário, a ponto de ser aberto, a partir de então, uma nova fase procedimental que permitisse ao concedente a utilização dos seus poderes administrativos nesta matéria (cfr. art. 167º do CPA)” (No sentido de que a declaração de caducidade pelo decurso do prazo da concessão se trata de uma actividade vinculada, ver o cit. Ac. do TSI, de 7/07/2016, Proc. nº 434/2015).
Ora, sendo assim, se a violação dos referidos princípios apenas faz sentido no caso de uma actuação discricionária aqui inexistente, parece claro que a sua improcedência se torna manifesta.
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5.1 – Em todo o caso, ainda que estivéssemos perante uma actividade discricionária, sempre se teriam que dar por improcedentes os vícios invocados.
É certo que a Administração não terá andado bem ao fazer crer (relevando aqui, pelo menos, os princípios da boa fé e da confiança) que não iria declarar a caducidade por incumprimento. Isto retira-se, não só por estar na previsão da Administração, a partir de certa altura, uma alteração do plano para o Pac-on, o que impediria a modificação ou a concretização das obras previstas no contrato de concessão, mas também por não ter dado resposta aos vários pedidos da concessionária, concernentes aos prazos e alteração do projecto inicial. Também sabemos que não aplicou a prerrogativa da multa, simples e agravada, apesar de ter podido fazê-lo.
Todavia, para além da multa não ser de aplicação necessária, também não há prazo para a aplicação da caducidade por incumprimento, como já afirmámos.
E por outro lado, sempre valeria a pena recordar que toda a actuação administrativa a que se poderia atribuir eventualmente uma natureza contrária a alguns daqueles princípios ocorre vários anos depois do período de 48 meses do aproveitamento. Quer dizer, são vicissitudes e ocorrências que não podem ter qualquer influência numa omissão pretérita e culposa por parte da recorrente.
Para além de tudo isso, e mesmo que assim não fosse, tal como se tem repetido nos tribunais da RAEM, as decisões tomadas ao abrigo dos poderes discricionários, salvo nos seus momentos vinculados (competência, observância da audiência prévia, fundamentação, pressupostos de facto) só são escrutináveis nas situações de erro grosseiro e manifesto, já que “No âmbito da discricionariedade ou, em geral, naqueles casos em que é reconhecida uma margem de livre apreciação e decisão à Administração, não cabe ao Tribunal dizer se a decisão da Administração foi aquela que o tribunal teria proferido se a lei lhe cometesse essa atribuição. Essa é uma avaliação que cabe exclusivamente à Administração. O papel do Tribunal é o de concluir se houve erro manifesto ou total desrazoabilidade no exercício de poderes discricionários, por violação do princípio da proporcionalidade ou outro. (…). A intervenção do juiz na apreciação do respeito do princípio da proporcionalidade, por parte da Administração, só deve ter lugar quando as decisões, de modo intolerável, o violem.” (v.g., Ac. do TUI, de 4/11/2015, Proc. nº 71/2015; do TSI, de 27/10/2016, Proc. nº 678/2015). Apenas nessas ocasiões se pode dar por violados os princípios invocados pela recorrente.
Contudo, não encontramos nenhum erro manifesto na aplicação dos poderes administrativos.
Razão pela qual, subsidiariamente, e à cautela, somos a entender que, até na perspectiva de um exercício discricionário dos poderes administrativos, os vícios invocados não podem proceder.
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V – Decidindo
Face ao exposto, acordam em julgar improcedente o presente recurso contencioso e manter o acto impugnado.
Custas pela recorrente com taxa de justiça em 8 UC.
TSI, 02 de Março de 2017
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José Cândido de Pinho Mai Man Ieng
_________________________ (Fui presente)
Tong Hio Fong
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Lai Kin Hong
1 Na concessão o particular desempenha a actividade por sua conta e risco, ainda que observando as condições e cláusulas impostas pela Administração (neste sentido, Marcelo Caetano, Manual de Direito Administrativo, I, 10ª ed. 9ª reimpressão, pág. 583; Freitas do Amaral, Direito Administrativo, III, ed. 1989, pág. 442; também José Manuel Santos Botelho, Américo Pires Esteves e José C. Pinho, Código do Procedimento Administrativo – anotado e comentado, 5ª ed., pág. 36.
2 Qualquer pedido de prorrogação fora desse prazo parece só ter efeito de pedido de renovação (“ex novo”).
3 O nº1 do art. 166º preceitua que as concessões caducam – e não que podem caducar.
4 Assim também era no domínio da Lei nº 6/80 nos arts. 166º e 167º.
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433/2015 82