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Processo nº 261/2016
(Autos de Recurso Contencioso)

Data: 23 de Fevereiro de 2017
Recorrente: A
Entidade Recorrida: O Senhor Chefe do Executivo

ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:

I – Relatório
A, melhor identificada nos autos, vem interpor o presente Recurso Contencioso contra o despacho do Senhor Chefe do Executivo, de 04/02/2016, pelo qual se declarou a caducidade da concessão originária dos terrenos com as áreas de 4,012m2, 13,425m2, 18,707m2, 8,750m2, 33,895m2, situados na ilha da Taipa, na Avenida Wai Long, designados por Lote 1c, Lote 2, Lote 3, Lote 4 e Lote 5, concluíndo que:
A. A Recorrente interpõe o presente recurso, não na qualidade de visada pelo acto recorrido - na medida em que deixou de ser titular dos direitos resultantes da concessão dos Lotes por força do acto do CE de 8.8.12 -, mas sim de terceiro potencialmente lesado pela prática daquele acto,
B. Na medida em que, em tese - e ainda que com base num entendimento com o qual a Recorrente discorda -, o acto recorrido poderá impedir ou, pelo menos, dificultar a execução de uma eventual sentença que julgue procedente o recurso n.º 755/2012 que está actualmente pendente no Tribunal de Última Instância e que, em consequência, declare nulo ou anule o referido acto do CE de 8.8.12.
C. Assim, com a interposição do presente recurso a Recorrente pretende acautelar os seus direitos e/ou interesses legalmente protegidos no âmbito do aludido recurso n.º 755/2012, de onde resulta a sua legitimidade, ao abrigo da alínea a) do artigo 33.º do CPAC.
Prosseguindo,
D. O acto recorrido é ilegal - e, por essa via, anulável (cf. artigo 125.º do CPA) - por erro de Direito.
E. Nos termos do disposto nos artigos 44.º, 52.º, 166.º e 215.º da Lei de Terras, uma decisão que se pronuncie pela caducidade da concessão provisória não pode limitar-se a constatar ou verificar o decurso do prazo de concessão. É preciso avaliar, por um lado, se o aproveitamento foi ou não efectivamente concretizado em conformidade com os prazos e termos contratuais, e, por outro, no caso de não aproveitamento do terreno, se a concessionária contribuiu, de forma culposa, para a ocorrência do facto.
F. In casu, a Entidade Recorrida tratou a caducidade em causa como "caducidade preclusiva", tendo declarado a caducidade da concessão dos terrenos em questão nestes autos com base no decurso do prazo de arrendamento, quando se está perante um caso de caducidade-sanção e os pressupostos legais da caducidade da concessão provisória não são apenas aquele.
G. Deste modo, o acto recorrido enferma do erro de direito, consubstanciando o vício de violação de lei, por errada interpretação da disposição dos artigos 44.º, 52.º, 166.º e 215.º da Lei de Terras e por ter aplicado incorrectamente a lei aos factos dos presentes autos.
H. Nos termos do artigo 93.º do CPA, a audiência prévia deveria ter sido realizada, uma vez que não se verificou nenhuma das situações de inexistência ou dispensa de audiência prévia previstas nos artigos 96.º e 97.º do CPA.
I. Assim, o acto recorrido padece ainda do vício de forma, uma vez que preteriu uma formalidade essencial, que é a audiência prévia dos interessados, pelo que deve ser declarada a sua nulidade nos termos do artigo 122.º do CPA, ou pelo menos, deve este Tribunal proceder à sua anulação ao abrigo do artigo 124.º do mesmo diploma legal.
J. A Recorrente considera que o acto recorrido enferma do vício de falta de fundamentação, na medida em que o mesmo não cumpre os requisitos de fundamentação previstos no artigo 115.º do CPA.
K. Equivalendo legalmente a deficiência de fundamentação à sua falta, e constituindo a falta de fundamentação do acto motivo legalmente previsto para a sua anulação, poucas dúvidas poderão restar de que o acto recorrido padece de vício de falta de fundamentação, circunstância que o torna anulável nos termos do artigo 21.º, n.º 1, alínea c) do CPAC.
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Regularmente citada, a Entidade Recorrida contestou nos termos constantes a fls. 207 a 223 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, suscitando a questão da irrecorribilidade do acto recorrido e pugnando pelo não provimento do recurso.
A Recorrente respondeu nos termos constantes a fls. 227 a 237 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, pugnando pela improcedência da excepção invocada.
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Após a junção aos autos da certidão do Ac. do TUI de 22/06/2016, proferido no Proc. nº 76/2015, pelo qual se confirmou a declaração da nulidade da transmissão dos direitos resultantes da concessão dos cinco lotes de terrenos em referência, a Entidade Recorrida vem suscitar a ilegitimidade superveniente da Recorrente, por a mesma deixou de possuir, de forma definitiva, a qualidade de concessionária dos mesmos.
Devidamente notificada, nada se pronunciou a Recorrente.
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O Mº Pº emitiu o seguinte parecer:
   “Impõe-se-nos apreciar as duas questões prejudiciais suscitadas pela entidade recorrida, Exmo. Senhor Chefe do Executivo, respectivamente na contestação e na peça de fls.299 a 302 dos autos.
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1. Quanto irrecorribilidade do acto em causa
   Nos arts.23º a 36º da contestação, a entidade recorrida solicitou a absolvição da instância «com fundamento da irrecorribilidade do acto recorrido», incorporado no despacho exarado pelo Exmo. Senhor Chefe do Executivo em 04/02/2016 (doc. de fls.25 dos autos), argumentando que o douto acórdão do Venerando TSI no Processo n.º179/2016/A significa que falta eficácia externa ao despacho em escrutínio.
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   Repare-se que como a entidade recorrida anotou, o Venerando TSI esclarece, de modo preciso e prudente, que o despacho de declaração de caducidade prescrito no art.167º da Lei de Terras «não é um acto administrativo positivo nos moldes em que o define o art.110º do CPA» e «não produz efeitos numa situação individual e concreta – e nos termos que o CPAC o tem por suspensível (art.120º, do CPAC).» (sublinhas nossas)
   Bem, antes da citada conclusão, advertira sensatamente: «Trata-se de uma declaração certificativa ou de ciência e não constitutiva, e de modo nenhum ad substantiam.», «Tal declaração, no que estritamente à caducidade diz respeito, não tem qualquer carácter regulador, mas simplesmente constatativo, enunciativo e esclarecedor.»
   Percorrendo todo o texto deste expressivo Acórdão, temos por bem patente e incontroverso que de todo em todo lado, o Venerando TSI não questiona a produção dos efeitos externos exigida pelo n.º1 do art.28º do CPAC, nem nega expressa ou implicitamente a recorribilidade.
   Não se pode perder da vista que nos dezenas processos em que se discutem a eficácia ou validades dos despachos proferidos nos termos e para os efeitos previstos no art.167º da Lei de Terras, nenhum aresto dos Altos TUI e TSI sustentou a irrecorribilidade. E na nossa impressão, não se descortina doutrina que preconiza a irrecorribilidade de acto declarativo por ter a natureza e finalidade meramente declarativas.
   De acordo com o princípio da tutela jurisdicional efectiva consignado no art.2º do CPAC, o inciso «efeitos externos» no n.º1 do art.28º do mesmo diploma deve ser interpretado no sentido de não poder ser objecto o acto administrativo cujos efeitos se manifestam apenas internamente e dentro da própria Administração (José Cândido de Pinho: Manual de Formação de Direito Processual Administrativo Contencioso, Centro de Formação Jurídica e Judiciária, 2015, p.95).
   Nesta linha de consideração, e sem prejuízo da muita estima pelos esforços e dedicação na elaboração da contestação, afigura-se-nos que a interpretação dedutiva do aludido brilhante Acórdão pela entidade recorrida é demasiadamente exagerada e excessiva e, assim, não é subsistente a excepção da irrecorribilidade suscitada na contestação.
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2. Da ilegitimidade da recorrente
   Transitada em julgado em 07/07/2016, o douto Acórdão do Alto TUI do Processo n.º76/2015 torna firme e consolidado o despacho proferido pelo Exmo. Senhor Chefe do Executivo em 08/08/2012, que traduz em declarar a nulidade dos actos do Exmo. Sr. Chefe do Executivo, pelos quais foram homologados os Pareceres da Comissão de Terras n.º23/2006, n.º24/2006, n.º25/2006, n.º26/2006 e n.º27/2006, todos de 16/03/2006.
   Nesse douto aresto, o Venerando TUI alertou: Quanto à invalidade do contrato administrativo, convém distinguir as seguintes situações: o contro é nulo em consequência da nulidade das suas cláusulas contratuais; o contracto padece de nulidade derivada, porque é nulo o acto administrativo de que tenha dependido a sua celebração, nos termos do n.º1 do art.º172º do CPA.
   E chegou à prudente conclusão de que nos termos do prescrito no n.º1 do art.172º do CPA, os contractos administrativos são necessariamente nulo quando o forem os actos administrativos de que haja dependido a celebração daqueles. Trata-se, pois, de nulidade derivada e ipso jure.
   Em consequência destas nulidades que adquiriam firmeza com o trânsito em julgado do referido aresto do Alto TUI, a recorrente «A» perde, directo e irremediavelmente, os direitos decorrentes dos contractos que caíram na nulidade derivada e ipso jure.
   Porém, e sem necessidade de explanação desenvolvida, não se deve olvidar que as causas decisivas das apontadas nulidades, que fulminam os aludidos despachos de homologação e subsequentes contractos administrativos, se distinguem completamente das conducentes à caducidade declarada pelo acto objecto deste recurso contencioso sob o nº261/2016.
   E, o que é mais essencial é que a declaração da caducidade produz efeito algo mais do que os despachos declarativos da nulidade: enquanto estes operam a restituição em espécie ou em sucedâneo (art.282º, n.º1 do CC que, a nosso ver, é aplicável aos contractos administrativos), o acto de declaração da caducidade impugnado nestes autos germina, de acordo com o preceituado no n.º1 do art.168º da Lei n.º10/2013, a reversão para a RAEM dos prémios pagos e das benfeitorias por qualquer forma incorporadas no terreno, sem o concessionário obter direito a indemnização ou compensação.
   Ao abrigo da alínea a) do art.33º do CPACA, e em homenagem das respectivas jurisprudências pacíficas dos Venerandos TSI e TUI, parece-nos que devido à reversão (sem direito à indemnização ou compensação) consignada no n.º1 do art.168º da Lei n.º10/2013, o aresto emanado pelo Venerando TUI no seu processo n.º76/2016 não implica a ilegitimidade superveniente da recorrente para este recurso contencioso nº261/2016.
   Nesta linha de consideração, e sem prejuízo do muito respeito pela opinião diferente, não podemos acompanhar a pretensão formulada pela entidade recorrida na peça de fls.299 a 302 dos autos.
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   Por todo o expendido acima, propendemos pela improcedência das excepções supra apreciadas, promovendo o prosseguimento do presente recurso nos seus ulteriores termos.”
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Foram colhidos os vistos legais dos Mmºs Juizes-Adjuntos.
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II – Pressupostos Processuais
O Tribunal é o competente.
As partes possuem a personalidade e a capacidade judiciárias.
Mostram-se legítimas e regularmente patrocinadas.
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III – Factos
É assente a seguinte factualidade com base nas provas testemunhal e documental existente nos autos:
1. Desde 15/11/1999 que as sociedades B - Sociedade de Fomento Predial, Limitada, C - Sociedade de Fomento Predial, Limitada, D - Sociedade de Fomento Predial, Limitada, E - Sociedade de Fomento Predial, Limitada e F - Sociedade de Fomento Predial, Limitada (“as transmitentes”) eram titulares dos direitos resultantes das concessões, por arrendamento, respectivamente, do Lote 1c, Lote 2, Lote 3, Lote 4 e Lote 5, situados na ilha da Taipa, junto à Avenida Wai Long e Estrada da Ponta da Cabrita, descritos na Conservatória do Registo Predial sob os n.ºs 22993, 22991, 22995, 22990 e 22989 (os “Lotes”).
2. Por requerimento de 16/02/2006, as transmitentes requereram junto da Direcção dos Serviços de Solos e Obras Públicas a transmissão dos direitos resultantes dos contratos de concessão, por arrendamento, dos Lotes a favor da recorrente A.
3. O procedimento administrativo iniciado com tal requerimento seguiu os seus trâmites normais, tendo a Comissão de Terras, reunida em sessão de 16/03/2006, emitido os Pareceres n.ºs 23 a 27/2006, favoráveis à transmissão requerida, bem como à revisão da concessão e às minutas de contratos a eles anexas, e que vieram a ser homologados por Despachos do Chefe do Executivo, de 17/03/2006 - tudo conforme os Despachos do Secretário para os Transportes e Obras Públicas n.ºs 48 a 52/2006, publicados no Boletim Oficial da Região Administrativa Especial de Macau n.º 14, II Série, de 06/04/2006.
4. Por despacho do Exmo. Senhor Chefe do Executivo da RAEM de 08/08/2012, foi declarada a nulidade dos actos do Chefe do Executivo, de 17/03/2006, através dos quais foram homologados os Pareceres da Comissão de Terras n.ºs 23/2006, 24/2006, 25/2006, 26/2006 e 27/2006, todos de 16/03/2006.
5. Do referido despacho foi objecto do recurso contencioso que correu termos no Tribunal de Segunda Instância sob o nº 755/2012.
6. Por acórdão proferido em 18/06/2015, o Tribunal de Segunda Instância decidiu julgar improcedente o recurso contencioso acima em referência, confirmando o acto recorrido.
7. Inconformada com a decisão, vem a mesma sociedade recorrer para o Tribunal de Última Instância.
8. Por acórdão do Tribunal de Última Instância, de 22/06/2016, com trânsito em julgado em 07/07/2016, negou-se provimento ao supra recurso jurisdicional, confirmando a decisão do Tribunal de Segunda Instância.
9. Por despacho proferido por Exmo. Senhor Chefe do Executivo, no dia 04/02/2016, exarado sobre o parecer do Secretário para os Transportes e Obras Públicas de 22/01/2016, através do qual foi declarada a caducidade da concessão originário dós terrenos com as áreas de 4,012 m2, 13,425 m2, 18,707 m2, 8,750 m2, 33,895 m2, situados na ilha da Taipa, na Avenida Wai Long, designados por Lote 1c, Lote 2, Lote 3, Lote 4 e Lote 5, nos termos do n.º 1 do artigo 48.º, por força dos artigos 212.º e 215.º, ambos da Lei n.º 10/2013.
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IV – Fundamentação:
Da excepção da ilegitimidade activa:
Com o trânsito em julgado do Ac. do TUI de 22/06/2016, proferido no Proc. nº 76/2015, pelo qual se julgou de forma definitiva a improcedência do recurso contencioso interposto pela ora Recorrente contra o acto do Senhor Chefe do Executivo respeitante à declaração da nulidade da transmissão dos direitos resultantes da concessão dos terrenos em causa, a ora Recorrente deixa de ser concessionária dos mesmos, ou seja, deixa de ser titular de direitos subjectivos ou interesses legalmente protegidos que tivesse sido lesado pelo acto recorrido, não tendo, portanto, qualquer interesse directo, pessoal e legítimo no provimento do presente recurso contencioso.
Nesta conformidade, a excepção da ilegitimidade activa suscitada pela Entidade Recorrida não deixa de se julgar procedente.
Face à procedência da excepção invocada, fica prejudicado o conhecimento de demais questões.
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V – Decisão:
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em julgar procedente a excepção da ilegitimidade activa, rejeitando, em consequência, o presente recurso contencioso.
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Custas pela Recorrente com 4UC de taxa de justiça.
Notifique e D.N..
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RAEM, aos 23 de Fevereiro de 2017.
Ho Wai Neng
José Cândido de Pinho
Tong Hio Fong

Fui presente
Joaquim Teixeira de Sousa
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