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Processo nº 602/2015
(Autos de recurso contencioso)

Data: 2/Março/2017

Assuntos: Processo disciplinar
  Erro nos pressupostos de facto

SUMÁRIO
- Em processo disciplinar, à semelhança do que sucede no processo penal, não cabe ao arguido provar a sua inocência, mas sim compete ao titular do poder disciplinar o ónus da prova dos factos constitutivos.
- Não logrando cumprir tal ónus, outra solução não resta senão anular o acto recorrido com fundamento em erro nos pressupostos de facto, ao abrigo dos artigos 124º do CPA e 21º do CPAC.
     
       
O Relator,

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Tong Hio Fong

Processo nº 602/2015
(Autos de recurso contencioso)

Data: 2/Março/2017

Recorrente:
- A

Entidade recorrida:
- Secretário para a Segurança

Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:

I) RELATÓRIO
A, assistente técnico administrativo principal da Polícia Judiciária, devidamente identificado nos autos (doravante designado por recorrente), notificado do despacho do Exm.º Secretário para a Segurança de 19 de Maio de 2015, que indeferiu o recurso hierárquico interposto do despacho do Senhor Director da Polícia Judiciária que aplicou ao recorrente a pena disciplinar de multa, correspondente a 20 dias de vencimento, dele não se conformando, interpôs o presente recurso contencioso, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
“1. O despacho recorrido padece do vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto e por violação dos princípios da presunção de inocência do arguido.
2. O despacho punitivo erra manifestamente no juízo a que procedeu, tendente à demonstração da verdade dos factos que sustentam a imputação disciplinar feita ao Recorrente.
3. No apuramento de responsabilidade disciplinar, tal como sucede com a responsabilidade criminal, vigora o princípio da presunção de inocência do arguido, cabendo ao órgão disciplinar competente, e não ao arguido, o ónus da prova dos factos constitutivos da infracção.
4. A prova de um facto consiste na formação no espírito de órgão decisor da convicção de que, com alto grau de probabilidade, se verifica a realidade do facto alegado.
5. Nos autos, para além do depoimento da queixosa, nenhum meio de prova existe que corrobore a existência de tais factos.
6. As declarações da queixosa padecem de falta de credibilidade, dado que a mesma demonstra fazer uso do mecanismo da queixa criminal contra o Recorrente ao sabor dos seus caprichos pessoais e simplesmente como instrumento de retaliação contra aquele.
7. O despacho punitivo utiliza a prova indirecta ou indiciária para chegar a demonstração da realidade da ameaça efectuada pelo Recorrente, partindo da existência de danos, que se afirma terem-se verificado na habitação do Recorrente, no dia 22 de Setembro de 2013, para a afirmação da existência de um “conflito violento” existente nesse dia na referida habitação e, finalmente, para chegar à afirmação de que existe “fundamento objectivo” de que o arguido efectuou a ameaça verbal contra a queixosa.
8. O despacho punitivo faz um uso ilegítimo desta operação lógica, dado que não chega a dar como provados os mencionados danos, para além de que parte, sem qualquer elemento de prova, para a afirmação de que os mesmos ocorram nesse dia, quando a verdade é que foram produzidos pela ofendida em momento posterior, numa altura em que o Recorrente se não encontrava na habitação.
9. Não existe fundamento objectivo de que o Recorrente tenha feito a ameaça verbal à queixosa e que se tenha identificado como “polícia”, sendo que do ponto 9 dos factos dados como provados apenas resulta que o Recorrente terá afirmado que “trabalha na polícia há mais de 20 anos”, o que é bem diferente e corresponde inteiramente verdade.
10. Também não é verdade que Recorrente “não tenha feito nada para modificar a convicção de B”, tal como não é verdade que o Recorrente “tenha usado uma forma velada para que B acreditasse que C tinha tido um relacionamento amoroso com ele, levando-a a causar perturbações constantes à outra”.
11. Tais são conclusões ilógicas e absurdas, dado que dão a entender que o Recorrente instigava B, com quem tinha terminado a relação de namoro e com quem não desejava encontrar-se, para que esta perturbasse C, amiga do Recorrente e cuja família (filho, marido e pais) este conhecia e com quem tomava refeições.
12. Os comportamentos de B, comprovados nos autos, revelam tratar-se de pessoa que sofre de ciúme patológico ou paranóide, doença susceptível, como é do conhecimento geral, de provocar o desenvolvimento de quadros delirantes, com perda de juízo crítico, e de comportamentos agressivos.
13. Mais lógico e natural é que fosse a queixosa B a fazer tudo isso por sua iniciativa própria, por se sentir despeitada.
14. Os dados dos autos revelam que a atitude do Recorrente para com B foi sempre de apaziguamento, pedindo-lhe insistentemente que parasse com os comportamentos que estava a ter a com ele e com outras pessoas.
15. Os elementos dos autos não permitem que se tivesse dado provado o alegado nos pontos 28 e 30 dos factos dados como provados.
16. Da alegada actuação de B resulta ilógica e absurda imputação ao Recorrente dos alegados prejuízos para a boa imagem e prestígio da Administração Pública e da Polícia Judiciária.
17. Não existindo nos autos elementos probatórios suficientes para se dar como provados os factos por que o Recorrente foi punido, tendo assentado a punição aplicada ao Recorrente em factos não verdadeiros, o despacho punitivo padece de ilegalidade resultante da violação de lei, por erro nos pressupostos de facto, com violação das normas do artigo 313º/1/2-e do ETAPM, e, concomitantemente, por violação dos princípios fundamentais da presunção de inocência do arguido e do princípio in dúbio pró libertate.
18. O despacho recorrido, ao ter indeferido a impugnação administrativa necessária deduzida contra o despacho punitivo, incorporando aquele este despacho, passou a ficar contaminado dos mesmos vícios, os quais são fundamento de invalidade do mesmo.
19. O despacho recorrido violou, entre outras, as normas dos artigos 279º/1, 281º, 313º/1/2-e do ETAPM e ainda o princípio da presunção de inocência do arguido e seu corolário do in dubio pro reo, consagrado nos artigos 29º, 2ª parte, in fine, da Lei Básica, e 49º/2-in fine do Código de Processou Penal de Macau, ex vi artigos 277º e 292º/4 do ETAPM.”
Conclui, pedindo a procedência do recurso contencioso, com a consequente anulação do acto recorrido.
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Regularmente citada, pela entidade recorrida foi apresentada a contestação constante de fls. 67 a 74, pugnando pela improcedência do recurso.
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Findo o prazo para alegações, o Digno Magistrado do Ministério Público emitiu o seguinte douto parecer:
“Na petição, o recorrente arrogou o erro nos pressupostos de facto e a violação das normas do art. 313º, n.º 1 e n.º 2-e) do ETAPM, e a concomitante violação dos princípios da presunção de inocência e do in dúbio pro libertate, arguindo a inexistência, nos autos, dos elementos probatórios suficientes para se dar como provados os factos por que ele foi punido.
No despacho recorrido que traduz em negar provimento ao recurso hierárquico necessário do ora recorrente, o Exmo. Senhor Secretário para Segurança declarou, clara e propositadamente, que «Assim, dando como reproduzido, e aqui integrado, o teor do despacho punitivo do director da Polícia Judiciária, com o qual se concorda, ……». O que implica, à luz do n.º 1 do art. 115º do CPA, que o despacho em escrutínio absolve todos os fundamentos de facto e de direito do despacho do director da P.J.
Interpretando o despacho objecto do presente recurso contencioso em harmonia com o despacho do director da Polícia Judiciária, colhemos que ao recorrente foi imputado a infracção disciplinar prevista e punida pelas disposições na alínea b) do n.º 2 do art. 279º bem como no n.º 1 e na e) do n.º 2 do art. 313º, ambos do ETAPM, sendo-lhe aplicada a pena disciplinar de multa na quantia equivalente aos 20 dias de vencimento.
No fundo, os Exmos. Senhores director da P.J. e Secretário para a Segurança entendem que os factos dados por provados aos quais alude o despacho do director demonstram virtuosamente que o recorrente não só não contribui para o prestígio da Administração, mas também provocou o grave prejuízo à boa imagem e prestígio da P.J., e aqueles factos ainda ilustram que ele era indiferente à boa imagem e prestígio da P.J.
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1. Para se apurar se existir in casu o dito erro nos pressupostos de factos, antes de mais, cabe realçar que são reciprocamente independentes e, ao mesmo tempo, alternativas as 3 queixas sucessivamente emergentes contra o recorrente, não sendo do preenchimento cumulativo.
Bem, afigura-se-nos que a validade do despacho sob sindicância no qual se incorporam a qualificação jurídica e a graduação da pena disciplinar não exige a comprovação cumulativa das 3 queixas, não dependendo da indubitável constatação de todos os factos aludidos no despacho proferido pelo director da Polícia Judiciária. Sinteticamente, entendemos que basta a firme comprovação dos factos essenciais, sendo irrelevante qualquer inexactidão indiferente e ninharia.
2. Importa, desde já, frisar que não pode deixar de ser notoriamente falsa e insubsistente a 5ª conclusão na petição, conclusão na qual reza o recorrente: Nos autos, para além do depoimento da queixosa, nenhum meio de prova existe que corrobore a existência de tais factos.
Pois, para além do referido depoimento, do P.A. constam também a integral transcrição dos registos ainda existentes no telemóvel da queixosa B (cfr. fls. 22 a 45 do P.A.), as declarações da outra queixosa C (cfr. fls. 103 e 8 a 111 do P.A.), e várias declarações do próprio recorrente.
3. Nos registos encontrados no telemóvel da dita queixosa B (cfr. fls. 22 a 45 do P.A.), vêem-se que «不要拿X來恐嚇我。你是她是澳門人認識很多人。她會幫你來殺我。給我麻煩。如果是這樣我一定報警。» «你欺騙我的感情欺騙我的金錢,還恐嚇我。» «你拿gigiX恐嚇我。»
As reacções da queixosa B (B), que tinha sido a namorada do recorrente e viu abandonada por este, mostram, a posteriori e de modo convincente, que o recorrente proferira ameaças verbais à Sra. B (B) – sua ex-namorada. Daí resulta que as 7ª a 9ª conclusões da petição têm de ser inacreditáveis e desprovidas.
4. De acordo com o Registo de Atendimento Diário lavrado pela P.J. em 30/09/2013 (doc. de fls.103 do P.A.), a outra queixosa C (C) apontou que após a perturbação ocorrida em 27/09/2013, ela exigira já ao recorrente fazer explicações à sua namorada (王小姐感到被騷擾,已要求A向其女朋友作出解釋).
No entanto, acontece que «於2013年9月30日當天,大概09H10證人上班時,證人見到該名女子坐在大堂,該名女子一見到證人便衝向證人,更向證人說Y跟她說昨天(2013年9月29日)整天跟證人在一起,更跟證人做了五次愛(性關係),因當時大堂內亦有很多人,而該名女子的說話聲很大,同時亦很激動,因此引起了很多人的注意,場面亦令到證人很難堪,因此證人即時向該名女子聲稱若她繼續騷擾便會報警,該名女子聽后激動地離開,並一路離開一路自言自語說Y又騙她。而在該名女子離開后,證人的同事向證人反映,該名女子在電訊公司早上九時正開門時即進入大堂等證人出現,而證人的同事曾勸導她離開,但該名女子一直不願離開,聲稱要在大堂等證人出現。» (cfr. fls. 108 a 111 do P.A.). Ora, não parece ser fantasiada a matéria de «更向證人說Y跟她說昨天(2013年9月29日)整天跟證人在一起,更跟證人做了五次愛(性關係)».
O teor da declaração de fls. 108 a 111 do P.A. sustentam, suficiente e adequadamente, a posição (da Administração) quanto aos 27º a 30º factos provados referidos no despacho do director da Polícia Judiciária, pelo que são naturalmente descabidas as 7ª a 9ª conclusões da petição.
5. De acordo com o teor dos arts. 24º a 28º da Defesa Escrita do ora recorrente (vide. fls.199 a 202 do P.A.), mostra-se indiscutivelmente correcto e exacto o juízo extraído pelo director da P.A. no seu despacho, no sentido de «經查後確認之事實為嫌疑人在將車駕入停車場之時,於近距離發現B因追車跌倒,但並沒有停車施以援手而驅車離開».
6. Chegando aqui, inclinamos a entender que existem suficientes provas para demonstrarem cabalmente as ameaças verbais e a falta ao recorrente de tomar providência destinada a prevenir e evitar que a Sra. B (B) perturbava a Sra. C (C).
Nesta linha, e ressalvado respeito pela opinião diferente, colhemos que no caso sub iudice, não se descortina nem o arrogado erro nos pressupostos de facto, nem a assacada violação dos princípios da presunção de inocência e do in dúbio pro libertate.
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Quanto à subsunção da infracção disciplinar, perfilhamos a sensata jurisprudência do Venerando TUI que preconiza: «Enquanto a técnica legislativa do direito criminal recorre ao tipo legal de crime, que se traduz na formulação exacta e precisa da conduta proibida, originando tipos legais de infracção for a de cujo esquema não é admissível a punibilidade, é disciplinarmente ilícita qualquer conduta do agente que transgrida a concepção dos deveres funcionais.» e «A infracção disciplinar é atípica. É o dever infringido que individualiza a infracção.» (Acórdão no Prc. n.º 8/2001)
Em esteira, temos por nós que não é censurável a qualificação jurídica da conduta do recorrente pela Administração. Pois, a devassidão e a indiscrição da vida privada do recorrente implicam irremediavelmente que ele não contribui para o prestígio da Administração, mas prejudica a boa imagem e o prestígio da Administração em geral, e da P.J. em especial.
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Por todo o expendido acima, propendemos pela improcedência do presente recurso contencioso.”
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O Tribunal é o competente e o processo o próprio.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas, e têm interesse processual.
Não existe outras nulidades, excepções nem questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
Corridos os vistos, cumpre decidir.
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II) FUNDAMENTAÇÃO
Resulta provada dos elementos constantes dos autos, designadamente do processo administrativo instrutor, a seguinte matéria de facto com pertinência para a decisão da causa:
O recorrente é assistente técnico administrativo principal, de nomeação definitiva, da Polícia Judiciária.
O recorrente iniciou as funções na Polícia Judiciária desde 22.5.1990.
No âmbito do Processo disciplinar nº 05/2012, instaurado contra o recorrente, foi proferido a 15.1.2015 pelo Senhor Director da Polícia Judiciária, o seguinte despacho:
“DESPACHO
Foi instaurado o presente processo disciplinar conforme o conteúdo descrito na cópia do Registo de Denúncia n.º 2925/2012 da Polícia Judiciária e o despacho feito pelo ex-director Wong Chio Chak desta Polícia (actualmente secretário para a segurança, adiante designado por Dr. Wong Sio Chak) no dia 24 de Setembro de 2012, tendo sido nomeado o chefe de divisão, Vong Chi Hong (actualmente director substituto da Escola de Polícia Judiciária, adiante designado por Inspector Wong Chi Hong), como instrutor para apurar a veracidade e a existência ou não de uma infracção disciplinar sobre os factos de ameaça denunciados por B contra o assistente técnico administrativo principal desta Polícia, A, e determinar a responsabilidade disciplinar que daí poderá derivar.
O instrutor procedeu, nos termos da lei, à investigação, foram ouvidas as declarações de B e do arguido A, bem como examinadas as mensagens, registos de chamada e fotografias fornecidas e guardadas no telemóvel de B, cujos relatórios estão anexados a este processo.
Como este processo foi essencialmente originado pela denúncia criminal de B, o instrutor propôs, em 06/11/2012, a suspensão do processo até que transitasse em julgado a sentença que viesse a ser proferida pelo Tribunal. Este pedido foi autorizado, nos termos da lei, pelo Dr. Wong Sio Chak.
Conforme o despacho feito pelo Dr. Wong Sio Chak em 12/06/2014, foi novamente nomeado o Inspector Vong Chi Hong como instrutor deste processo para a continuação da instrução.
No dia 30 de Setembro de 2013, C e B deslocaram-se à PJ para apresentarem as respectivas queixas. C declarou que B foi várias vezes ao local de trabalho dela e incomodou-a porque o assistente técnico administrativo principal desta Polícia, A, tinha tido um mau comportamento, a nível sentimental, entre ele e B, afectando assim a sua vida privada e pedindo ajuda da PJ. Por outro lado, B declarou que foi agredida pelo arguido na tarde de 20 de Setembro do mesmo ano, e na noite do mesmo dia quase foi atropelada pelo veículo que o arguido conduzia nas proximidades do edifício onde o mesmo reside. A mesma desmaiou na rua depois de ter escapado o atropelamento. O arguido porém não prestou qualquer ajuda à queixosa, um transeunte alertou a polícia e seguidamente foi transportada para o hospital. Depois de ter visto todos os documentos em causa, foi instaurado um processo disciplinar acerca dos dois acontecimentos para fins de instrução.
Foram feitos interrogatórios a C e ao arguido, tendo sido elaborados autos de declarações, analisando também o conteúdo das queixas.
Em relação ao recurso relativo ao processo disciplinar n.º 08/2014, apresentado pelo arguido ao então Secretário para a Segurança, bem como ao despacho feito pelo mesmo Secretário, constante no ponto 11 da página 138, no presente processo, foi cancelado o processo disciplinar n.º 08/2014 e apensado ao processo disciplinar n.º 05/2012.
Durante a instrução foi feita uma investigação e foram recolhidas provas relativamente aos três casos. Neste contexto, relativamente ao caso de ameaça contra B, o instrutor, para além de ter ouvido a queixosa e o arguido também analisou, com a autorização de B, os registos de chamada e as mensagens gravadas no telemóvel fornecido por B. Por outro lado, foram analisadas todas as declarações prestadas pelo arguido no documento de defesa.
Foram comprovados os seguintes factos através das averiguações e diligências:
1. O arguido ingressou na Polícia Judiciária em 22 de Maio de 1990, onde trabalha há cerca de 24 anos;
2. Na altura em que ocorreu o facto, o arguido e B, queixosa no presente processo, eram namorados;
3. O arguido e C, a segunda queixosa no presente processo, são amigos;
4. Durante o namoro com B, o arguido pediu-lhe empréstimos no valor de 100 mil $ por motivos pessoais, tendo posteriormente assinado uma declaração de empréstimo a pedido da mesma;
5. Cerca das 11 horas da noite do dia 22 de Setembro de 2012, B deslocou-se à residência do arguido sita na Estrada Lou Lim Ieok, Edifício …………….. na Taipa;
6. Quando entrou, B encontrou uma mulher despida naquela residência, o que levou-a a crer que se tratava da nova namorada do arguido, logo gerou-se uma discussão entre eles, durante a qual B exibiu a declaração de empréstimo referida no ponto 4;
7. A mulher lançou-se contra B para tirar-lhe a tal declaração e durante a luta acabaram por rasgá-la em duas partes, uma foi arrancada pela mulher e a outra ficou na mão de B;
8. A outra mulher foi vestir-se e deixou a residência, enquanto que o arguido e a B continuavam em disputa. O arguido tirou a outra metade da declaração das mãos da B e rasgou-a em pedaços.
9. Na altura o arguido afirmou o seguinte perante B: “Vou pedir à minha namorada para arranjar alguém da associação secreta para te bater, tem cuidado quando andas na rua e cuidado que vais ficar presa, prepara-te e arranja um advogado para te ajudar. Não tenho medo que vais fazer queixa à polícia, vais ser como os cães da esquadra, já trabalho na polícia há mais de 20 anos, vias ver que vou pôr-te na prisão!”
10. A testemunha C dirigiu-se ao Núcleo de Atendimento e Reclamações da PJ no dia 30/09/2013, onde participou que estava a ser perturbada pela B devido a problemas passionais que o arguido tinha com a B;
11. A testemunha e a sua família participaram numa excursão a Coreia em Agosto de 2013, durante a viagem, como o arguido estava sozinho no grupo e dizia que não percebia a língua do guia, a mesma serviu de intérprete;
12. Depois da viagem, a testemunha C e o arguido mantiveram contactos, e como ambos trabalham na Taipa, chegaram a almoçar juntos algumas vezes;
13. Naquela altura, o arguido insinuou, falando com B, que para além dela, ele tinha ainda outra namorada, cujo nome ele não quis revelar à PJ, a B também chegou a dizer ao arguido que ela suspeitava que C era a amante dele, afirmando expressamente que iria discutir com ela;
14. A testemunha C, na tarde do dia 27 de Setembro de 2013, depois do almoço, levou o arguido de carro até ao local de trabalho dele (sito na …………………..), depois conduziu sozinha para o seu local de trabalho no Edifício Telecentro da Taipa;
15. A testemunha C quando chegou ao átrio daquele edifício, B, que já estava à sua espera, aproximou-se dela subitamente, afirmando ser a namorada do arguido e repreendeu-a porque suspeitava que houvesse uma intromissão no seu relacionamento com o arguido;
16. Como o local em que estavam as duas, para além de ser o átrio do Edifício Telecentro, é também uma loja para o público da Companhia de Telecomunicações de Macau, o barulho criado pela B atraiu a atenção de clientes e funcionários da empresa, o que prejudicou a imagem da C;
17. Depois de deixar o edifício B tenha conseguido obter por ela própria, ou fornecido por terceiros, uma gravação áudio duma altura em que alguém estaria a ter um acto sexual, a B confirmou tratar-se das vozes do arguido e de uma mulher que supostamente seria a testemunha, C, assim ela resolveu regressar novamente para o edifício em causa onde aguardou pelo aparecimento da C;
18. Por volta das 18 horas do dia do incidente, quando C saía daquele edifício conduzindo o seu veículo, de repente, B apareceu no meio da estrada mandando parar o carro, exigindo que ela ouvisse a gravação;
19. A B disse que as vozes gravadas pertenciam ao arguido e a uma mulher numa altura em que faziam sexo, pediu assim à C que confirmasse se as vozes eram realmente da C e do arguido;
20. O momento em que B mandou parar o veículo da C era a hora de saída e o local onde as duas se encontravam era exactamente a saída do silo do edifício, facto que afectou o trânsito;
21. A 30 de Setembro do mesmo ano, cerca das 9 da manhã, quando C chegou ao edifício onde trabalha, aproximou-se-lhe B que estava a sua espera e perguntou-lhe, com voz agressiva, se era verdade que no dia 29 de Setembro ela teria estado o dia inteiro com o arguido e se confirmava que teriam feito sexo por cinco vezes naquele dia;
22. Como as palavras e o barulho que B fazia chamaram atenção das pessoas que por aí passavam, C sentiu-se constrangida;
23. Nas declarações prestadas pelo arguido na dia 25 de Março de 2014, o mesmo admitiu conhecer C, porém, nada disse acerca do facto de ela ter sido incomodada pela B nem acerca dos motivos que estariam na origem disso;
24. O arguido alegou, no dia 26 de Junho de 2014, que em Setembro de 2013, para além de manter uma relação com B, tinha ainda uma relação amorosa com uma outra mulher, cujo nome não quis revelar;
25. O arguido confirmou ter conhecimento de que B sabia da amante que ele tinha, mas acrescentou que ela estaria enganada, pensando que a amante seria a testemunha, C;
26. O arguido disse ter conhecimento de que B quando soube que ele almoçava com C, começou a persegui-la, foi assim que conseguiu saber onde é que ela trabalha;
27. O arguido disse que sabia que B estava enganada ao pensar que C era amante dele, o mesmo disse também saber que B iria discutir com C directamente;
28. O arguido alegou que B importunava C por ter ciúme dela, e a causa deste ciúme seria o facto do arguido ter outra mulher. Ele ao ter conhecimento de que B pensava, erradamente, que C fosse amante dele, não fez nada para modificar esta convicção, o que fez com que a C fosse continuamente perturbada pela outra;
29. Houve três ocasiões em que a testemunha, C, foi incomodada, aconteceram todos no mesmo edifício, ela necessitou por isso de informar o seu superior sobre as causas destes incidentes. Estes acontecimentos não só afectaram directamente a C, como também provocaram, relativamente a algumas pessoas, um impacto negativo na imagem que têm acerca da Polícia Judiciária.
30. A 30 de Setembro de 2013, B dirigiu-se mais uma vez ao Edifício Telecentro na Taipa, para censurar C, dizendo-lhe que no dia 29 de Setembro de 2013, ela teria estado o dia todo com o arguido e teriam feito sexo por cinco vezes. A confusão causada por B naquele edifício voltou a fazer com que C se sentisse constrangida e envergonhada, de facto, neste incidente, a B também teve um comportamento indevido, no processo de investigação não foram encontrados indícios que indicassem que C tivesse dado informações falsas a B. Neste sentido, relativamente aos actos praticados pela B, há indícios que apontam, mais uma vez, que foi o arguido a usar uma forma velada para que B acreditasse que C tinha tido um relacionamento amoroso com ele, levando-a a causar perturbações constantes à outra.
No primeiro caso investigado neste processo e de acordo com a análise objectiva feita na base das provas recolhidas, apesar de o arguido ter negado repetidamente de ter havido qualquer conflito naquele dia, de acordo com as provas recolhidas, depois da B entrar na residência, estava ela, o arguido e a mulher desconhecida a tentar ficar com a declaração de empréstimo, usando a força, o que provocou alguns danos no portão da residência, sala, casa de banho, tudo isto, mostra que de facto houve um conflito violento na residência do arguido. Esta prova constitui um fundamento objectivo de que o arguido efectuou uma ameaça verbal contra B. Para além disso, o arguido ainda afirmou ser “polícia”, para ameaçar a queixosa com este facto falso, este comportamento não só provocou perturbações na queixosa como também transmitiu uma imagem negativa da Administração Pública e da Polícia Judiciária em particular.
Relativamente ao segundo caso investigado, ou seja, C foi incomodada, apesar de o arguido não o ter feito directamente, conforme o estipulado no artigo 25º do Código Penal, é punível como autor, quem dolosamente, determinar outra pessoa à prática o facto, desde que haja execução ou começo da execução.
No que diz respeito aos incómodos causados pela B contra C, deve-se considerar que o local da ocorrência não é apenas o local de trabalho da C, como também um local de acesso ao público. Após o incidente, C informou o seu superior, pelo que, este facto, para além de fazer com que C se sentisse envergonhada e constrangida, causou, ao mesmo tempo, um impacto negativo sobre a imagem da PJ perante o seu serviço, a sua família e também o público presente no local.
Relativamente ao terceiro caso neste processo, ou seja, a acusação feita por B de que foi agredida pelo arguido e foi atropelada, de forma tentada, pelo veículo que o arguido conduzia, foi verificado, após as averiguações, que na altura em que o arguido conduzia o seu veículo entrando no parque de estacionamento, viu por perto que B tinha caído, por estar a correr atrás do seu veículo, mas ele não ofereceu qualquer ajuda e foi-se embora com o carro, no local da ocorrência, um transeunte alertou a polícia e B acabou por ser transportada para o hospital. As investigações verificaram que o arguido não se tinha preparado para praticar o acto nem demonstrou a tentativa de atropelamento de B.
Conforme o n.º 1 do artigo 279º do ETAPM, “os trabalhadores, no exercício da função pública, devem contribuir para o prestígio da Administração Pública.” Paralelamente, de acordo com os termos da “chamada de atenção aos trabalhadores”, mencionada nos deveres no exercício da função pública dada pelo Comissariado contra a Corrupção (CCAC), cujo conteúdo é “para além do cumprimento dos deveres funcionais legalmente previstos, devem prestar atenção à sua conduta pessoal, evitando pôr em causa a sua integridade e o bom nome do serviço/instituição.”
A actuação do arguido, nomeadamente com as duas condutas acima referidas (ameaça e perturbações) demonstrou que este não teve uma conduta digna e não contribuiu para o prestígio da Administração Pública, pelo contrário, actuou com comportamentos que podem constituir acto criminosos de ameaças e causar perturbações, afectando gravemente a boa imagem e prestígio da Administração Pública e da Polícia Judiciária, a prática do referido facto mostrou que o arguido não se preocupou minimamente com a boa imagem e prestígio da Administração Pública e da Polícia Judiciária, antes aproveitou, dolosamente, do facto falso de ser “polícia” para ameaçar a queixosa. Apesar de a queixosa não ter optado por proceder criminalmente contra o mesmo, não muda a natureza da infracção e da conduta do arguido. Estes factos também demonstraram que o arguido não tinha cumprido o disciplinar prevista e punida no n.º 1 e na alínea e) do n.º 2 do artigo 313º do ETAPM.
Tendo analisado todas as provas constantes do presente processo disciplinar, sobretudo a natureza de infracção, a grau de infracção bem como o prejuízo causado à boa imagem da Administração Pública e da Polícia Judiciária, conforme as disposições do artigo 316º do ETAPM, e em exercício da competência atribuída pelo artigo 321º, decidi a aplicação de pena de multa de 20 dias do vencimento ao arguido A.
Cabe à Divisão de Ligação entre Polícia e Comunidade e Relações Públicas da PJ a responsabilidade de notificar o arguido sobre o assunto.”
Inconformado, dele interpôs o recorrente recurso hierárquico ao Exm.º Secretário para a Segurança.
A 19.5.2015, o Exm.º Secretário para a Segurança proferiu o despacho com o seguinte teor:
“O recorrente, A, assistente técnico administrativo principal, impugna o despacho do director da Polícia Judiciária de 15 de Janeiro do recorrente ano, que o puniu com a pena disciplinar de multa correspondente a 20 dias de vencimento nos termos do artigo 313º, n.ºs 1 e 2 e) do estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública, aprovado pelo Decreto-Lei 87/89/M, de 21 de Dezembro, com referência, ainda, ao n.º 1 do seu artigo 279º. Para tanto invoca erro nos pressupostos de facto que densificam a violação dos deveres de que se prevalece o despacho punitivo na sua fundamentação.
Compulsados os autos de processo disciplinar colhe-se a convicção de que o arguido, ora recorrente, adoptou uma conduta que não prestigia a instituição onde exerce funções públicas, a Polícia Judiciária, outrossim, prejudica a sua imagem, bem como a da administração pública, em geral, não obstante serem factos da sua vida privada.
Para a formação desta decisão convoca-se, também, a recomendação do Comissariado Contra a Corrupção, quanto à conduta privada dos trabalhadores que exercem funções públicas, alertando-os para o facto de “para além do cumprimento dos deveres funcionais legalmente previstos, deverem prestar atenção à sua conduta pessoal, evitando pôr em causa a sua integridade e o bom nome do serviço/instituição”.
Assim, dando como reproduzido, e aqui integrado, o teor do despacho punitivo do director da Polícia Judiciária, com o qual se concorda, usando da competência que que me advém do artigo 341º, n.º 3 do referido ETAPM, com referência ao artigo 162º do CPA, decido Negar Provimento ao presente Recurso Hierárquico, mantendo o despacho recorrido.
Notifique o recorrente do presente despacho e, bem assim, de que o mesmo cabe recurso contencioso para o Tribunal de Segunda Instância, no prazo de 30 dias, contados a partir da notificação.”
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O caso
A entidade recorrida considerou que o recorrente incorreu na violação do dever geral previsto no nº 1 do artigo 279º do ETAPM, na medida em que o mesmo não teve uma conduta digna nem contribuiu para o prestígio da Administração Pública, antes cometeu actos de ameaça contra a sua ex-namorada e perturbações contra uma amiga, afectando, em consequência, gravemente a boa imagem e prestígio da Administração Pública e da Polícia Judiciária.
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Analisemos agora os fundamentos do recurso.
Do alegado vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto
Alega o recorrente que o acto fere de vício de erro nos pressupostos de facto, dado que no seu entender, os fundamentos de facto utilizados pela entidade recorrida para justificar a aplicação da pena disciplinar não correspondiam à verdade.
Em regra, exige-se que os factos que sirvam de motivo de um acto administrativo devem ser verdadeiros, de modo que o órgão decisor possa actuar de forma livre e esclarecida, sem que a sua vontade seja viciada.
Mas pode acontecer que a Administração tenha deixado de ponderar os factores invocados pelo recorrente, ou que os motivos utilizados pela entidade recorrida para justificar a sua decisão não correspondam à realidade.
Olhemos para o presente caso concreto.
Defende o recorrente que não se vê nos autos como se possa afirmar, com alto grau de probabilidade, que o mesmo proferiu ameaça verbal e nada fez para esclarecer à sua ex-namorada B de que C não era sua amante e de que não a deveria perturbar.
Vejamos por partes, e comecemos pelo caso da ameaça verbal.
Consta do despacho recorrido que, segundo as provas recolhidas, depois da ex-namorada de nome B entrar na residência do recorrente, estava ela, o recorrente e uma mulher desconhecida a tentar ficar com a declaração do empréstimo. Nessa altura, provou-se que houve um conflito violento na residência do recorrente, em face dos danos verificados no portão da residência. Mais se provou que o recorrente efectuou uma ameaça verbal contra a sua ex-namorada, tendo ainda aquele afirmado ser “polícia” para ameaçar a queixosa com este facto falso, assim se concluindo que o seu comportamento não só provocou perturbações na sua ex-namorada, como também transmitiu uma imagem negativa da Administração Pública e da Polícia Judiciária em particular.
Em boa verdade, podemos verificar que a prova servida pela entidade recorrida para chegar à conclusão de que o recorrente teria ameaçado a sua ex-namorada B consistia unicamente nas declarações desta.
Senão vejamos.
A ex-namorada B fez uma denúncia junto da PJ na madrugada do dia 22/9/2012, alegando ter deslocado à residência do recorrente por volta das 23 horas do dia 22/9/2012, e enquanto estavam a discutir o problema da dívida, disse B que recebeu do recorrente a seguinte ameaça: “Vou pedir à minha namorada para arranjar alguém da associação secreta para te bater, tem cuidado quando andas na rua e cuidado que vais ficar presa, prepara-te e arranja um advogado para te ajudar. Não tenho medo que vais fazer queixa à polícia, vais ser como os cães da esquadra, já trabalho na polícia há mais de 20 anos, vais ver que vou pôr-te na prisão!”
Começamos por dizer que houve lapso na indicação do dia em que os factos foram cometidos, pois, tendo a ex-namorada apresentada a denúncia na madrugada do dia 22/9/2012 (fls. 2 do P.A.), os factos teriam necessariamente de ocorrer na noite do dia 21/9/2012, e nunca no dia 22/9/2012.
De facto, para além das próprias declarações da referida senhora B, ora ex-namorada do recorrente, com a qual o recorrente mantinha relações pouco amigáveis, nenhuma outra prova consistente permita chegar à conclusão de que o recorrente lhe teria dito as tais afirmações ameaçadoras.
Refere-se no despacho elaborado pela Polícia Judiciária, o qual faz parte integrante do despacho recorrido, que a prova resulta ainda da análise dos registos de chamadas, das mensagens e das fotografias guardadas no telemóvel da ex-namorada do recorrente, mas salvo o devido respeito por melhor opinião, tais elementos não lograram provar nada.
Em primeiro lugar, no referente aos registos de chamadas, apenas se registaram chamadas telefónicas (umas atendidas e outras não atendidas) efectuadas entre o recorrente e a sua ex-namorada no dia 21/9/2012, não sendo as mesmas suficientes para provar os factos relatados na acusação.
O mesmo acontece em relação às fotografias guardadas no telemóvel da ex-namorada do recorrente, por não terem as mesmas qualquer relevância.
Já no tocante às mensagens, é bom ver que no dia 21/9/2012, data em que a ameaça teria supostamente ocorrida, e no dia 22/9/2012, data em que a ex-namorada se dirigiu à PJ para efectuar denúncia, apenas se registaram as seguintes mensagens enviadas pelo recorrente para o posto telefónico da ex-namorada:
- 21/9/2012, 11:42:52 – “I know, now it is my problem! Of course! Who created my problem?”
- 22/9/2012, 01:49:36 – “You destroyed my house! You want comin to destroy more? No! Go home sleep please! Go home!”
- 22/9/2012, 02:33:29 – “You broke my house you want brake more?”
- 22/9/2012, 02:52:07 – “You broke my house you want brake more?”
- 22/9/2012, 02:55:52 – “You are bad. You don´t love me! I will give you're your money: $100,000.00 on November, 20th. You can show this message to police, but you have no right to come to my home and destroy everything like you just did!”
- 22/9/2012, 02:58:21 – “And call you husband to kick my door! What is this? That´s not fare!”
- 22/9/2012, 02:59:06 – “This is violent extortion!”
- 22/9/2012, 03:05:34 – “You destroyed my life and reputation!”
- 22/9/2012, 12:27:21 – “I called the police, too much…You can´t do that”
- 22/9/2012, 12:40:12 – “You will never see me again!”
- 22/9/2012, 12:43:11 – “Criminal”
- 22/9/2012, 14:04:53 – “My house video saw you and your husband come to hit my door. The neighbours are very angry for the noise, you broke my lock, you are a criminal dangerous!”
- 22/9/2012, 20:47:30 – “What are you doing, you are out of you mind, you destroy my door! Can you take it easy? Please!”
Atento o conteúdo das mensagens acima transcritas, fácil é concluir que nenhuma delas falava sobre o problema da ameaça.
O mesmo se verifica nas mensagens enviadas pela ex-namorada nesses dois dias ao recorrente, em que também não se abordou a questão:
- 21/9/2012, 11:27:15 – “yourself problem. No me ok”
- 22/9/2012, 01:50:53 – “hahaha you are liar I don´t go home”
- 22/9/2012, 01:51:42 – “I am call my boss go your home”
- 22/9/2012, 01:53:40 – “you hit me”
- 22/9/2012, 01:54:05 – “liar cheat my money”
- 22/9/2012, 01:54:17 – “very bad man”
- 22/9/2012, 01:58:18 – “no me is your girlfriend with youself. You lie to me”
- 22/9/2012, 02:34:59 – “you are very bad”
- 22/9/2012, 02:35:56 – “你與你的女朋友搶我的證局”

Em nossa modesta opinião, não se vislumbra que a entidade recorrida possa retirar das mensagens descritas qualquer elemento que permita um juízo de certeza sobre a prática do acto de ameaça pelo recorrente.

Mais, de acordo com o ponto 9 dos factos provados constantes da acusação, não resulta que o recorrente se tenha identificado como “polícia”, mas apenas que “trabalha na polícia há mais de 20 anos”, o que é bem diferente de dizer que é polícia.

Ora, vigora no âmbito do processo disciplinar o princípio da inocência do arguido, no sentido de competir ao titular do poder disciplinar o ónus da prova dos factos constitutivos da infracção imputada ao arguido.
E a demonstração desses factos constitutivos tem que assentar em factos que permitam um juízo de certeza sobre a prática da infracção, não se podendo a mesma bastar com ilações tiradas pelo instrutor de certos factos que, por si só, não sejam suficientes para tal.

Ora nos autos, face às considerações acima tecidas, podemos chegar à conclusão de que a única prova servida pela entidade recorrida para imputar a responsabilidade disciplinar ao recorrente, no concernente à prática do facto de ameaça, foi o depoimento da sua ex-namorada B, mas considerando o mau relacionamento entre ambos, que resultaria da quebra da relação de namoro e da falta de pagamento da dívida à sua ex-namorada, assim como o estado emocional pouco estável da mesma, somos a entender que o seu depoimento não merecia crédito.
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Relativamente ao segundo caso investigado, refere-se no despacho da Polícia Judiciária o qual faz parte integrante do despacho recorrido, que o recorrente nada fez para esclarecer à sua ex-namorada B de que C não era sua amante e de que não a deveria perturbar.
Melhor dizendo, a entidade recorrida entendeu que o recorrente instigou a sua ex-namorada B no sentido de que esta perturbasse a vida de C ou que o recorrente não fez nada para modificar a convicção errada de B de que C era sua namorada.
Salvo o devido respeito por melhor opinião, somos a entender que os elementos carreados ao processo disciplinar igualmente não permitam chegar a tal conclusão. Senão vejamos.
Segundo os elementos constantes do processo disciplinar, provado está que C dirigiu-se ao Núcleo de Atendimento e Reclamações da PJ no dia 30/9/2013, participando que estava a ser perturbada pela B devido a problemas passionais que o recorrente tinha com a B.
Disse aquela senhora em declarações que conheceu o recorrente em Agosto de 2013, e a partir de então mantinha uma relação de amizade com o mesmo.
Mais adiantou que no dia 30/9/2013, por volta das 9 horas da manhã, quando ela chegou ao edifício onde trabalhava, aproximou-se dela B, ex-namorada do recorrente, que na altura estava à sua espera e perguntou-lhe, com voz agressiva, se era verdade que no dia 29/9/2013 ela teria estado o dia inteiro com o recorrente e se confirmava que teriam feito sexo por cinco vezes naquele dia. Como as palavras e o barulho que B fez chamaram atenção das pessoas que por aí passavam, C sentiu-se constrangida.
Sobre o referido caso, não foi ouvida a ex-namorada B em declarações, devido ao facto de ela ter manifestado a vontade expressa de desistir de queixa apresentada contra o recorrente e não estar disponível para prestar declarações.
E segundo as declarações do recorrente, disse que a sua ex-namorada perguntava constantemente onde ele tinha ido ou com quem estava, não lhe tendo o recorrente respondido ou disse que estava com amigos. Mais disse que tentou por várias vezes esclarecer junto da sua ex-namorada no sentido de não existir qualquer relação especial com a C, mas aquela nunca queria confiar nas suas palavras.
Face aos elementos de prova carreados aos autos, nomeadamente o conteúdo dos depoimentos dos diversos intervenientes, não se pode concluir, com razoável certeza, que o recorrente teria usado uma forma velada para que a sua ex-namorada B acreditasse que C tinha tido um relacionamento amoroso com ele, levando-a a causar perturbações constantes à senhora Wong, ou que o recorrente nada teria feito para modificar a convicção errada de B de que C era sua namorada.
Com base na prova constante do processo disciplinar, baseada sobretudo em depoimentos, tudo aponta que, sendo a sua ex-namorada uma pessoa que sofria de ciúme obsessivo, esta fez tudo contra a C por sua própria iniciativa, suspeitando que seria a nova namorada do recorrente.
Conforme dito acima, em processo disciplinar, à semelhança do que sucede no processo penal, não cabe ao arguido provar a sua “inocência”, mas sim compete ao titular do poder disciplinar o ónus da prova dos factos constitutivos.
Não logrando cumprir tal ónus, outra solução não resta senão julgar procedente o recurso contencioso, anulando o acto recorrido com fundamento em erro nos pressupostos de facto, ao abrigo dos artigos 124º do CPA e 21º do CPAC.
***
III) DECISÃO
Face ao exposto, acordam em julgar procedente o recurso contencioso e, em consequência, anulando o acto recorrido.
Sem custas por a entidade recorrida beneficiar da respectiva isenção legal.
Registe e notifique.
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RAEM, 2 de Março de 2017
Tong Hio Fong
Lai Kin Hong
João A. G. Gil de Oliveira

Fui presente
Mai Man Ieng



Recurso Contencioso 602/2015 Página 1