Processo nº 183/2017/A
(Autos de Suspensão de Eficácia)
Data: 09 de Março de 2017
ASSUNTO:
- Suspensão de eficácia
- Requisitos legais
SUMÁRIO:
- Só há lugar à suspensão de eficácia quando os actos tenham conteúdo positivo, ou tendo conteúdo negativo, apresentem uma vertente positiva e a suspensão seja circunscrita a esta vertente.
- É necessário verificar-se cumulativamente (salvo as situações excepcionais legalmente previstas) os seguintes requisitos:
a) A execução do acto cause previsivelmente prejuízo de difícil reparação para o requerente ou para os interesses que este defenda ou venha a defender no recurso;
b) A suspensão não determine grave lesão do interesse público concretamente prosseguido pelo acto; e
c) Do processo não resultem fortes indícios de ilegalidade do recurso.
- O acompanhamento dos pais ao filho é muito importante durante a fase de infância, uma vez que estamos aí perante um ser muito sensível, cujo crescimento deve ser amparado, sendo imprevisíveis as sequelas e os malefícios que uma quebra das referências parentais pode arrostar, configurando-se assim um prejuízo de difícil reparação para efeitos de suspensão de eficácia.
O Relator,
Processo nº 183/2017/A
(Autos de Suspensão de Eficácia)
Data: 09 de Março de 2017
Requerente: Jesus Horacio Diaz
Entidade Requerida: Secretário para a Segurança
ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
Jesus Horacio Diaz, melhor identificado nos autos, vem requerer a suspensão da eficácia do despacho do Secretário para a Segurança, de 07/12/2016, pelo qual se determinou a medida de interdição de entrada por um período de 3 anos.
Alega para tanto, no essencial, que a execução deste acto lhes causará prejuízos de difícil reparação; a suspensão da execução não acarreta qualquer prejuízo para o interesse público; e inexistem indícios de ilegalidade na interposição do recurso.
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A Entidade Requerida veio opor-se à pretensão do Requerente, por entender o pedido não preencher o requisito legal previsto na al. a) do nº 1 do artº 121º do CPAC.
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O Mº Pº é de parecer pela improcedência do pedido.
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O Tribunal é o competente.
As partes possuem a personalidade e a capacidade judiciárias.
Mostram-se legítimas e regularmente patrocinadas.
Não há questões prévias, nulidades ou outras excepções que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
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Factos provados:
Com base nos documentos juntos aos autos, considera-se prova da a seguinte factualidade com interesse à boa decisão da causa:
- No dia 21/12/2016 foi o ora Requerente notificado do despacho proferido pelo Exmo. Senhor Secretário para a Segurança, datado do dia 07/12/2016, que o interditou de entrar na Região Administrativa Especial de Macau, pelo período de 3 anos, nos termos do disposto nos artigos 12.º, n.º 2 alínea 2), n.ºs 3 e 4, da Lei 6/2004, por remissão para o artigo 4.º, n.º 2 alínea 2), da Lei 4/2003.
- O Requerente foi condenado no Tribunal Judicial de Base, em cúmulo jurídico, a 7 meses de prisão - suspensa por um ano -, pelo facto de ter constituído relação de trabalho com indivíduos que não eram titulares de documentos exigidos por lei para serem admitidos como trabalhadores, ou seja, por emprego ilegal.
- À data da prática dos factos que consubstanciaram o processo-crime acima em referência, o ora Requerente tinha requerido junto da Administração um pedido de autorização de residência pelo facto de estar casado com uma residente local.
- O pedido foi indeferido pela Administração, tendo o Requerente recorrido contenciosamente dessa decisão, correndo termos no Tribunal de Segunda Instância sob o número Proe. n.º 800/2015, não existindo ainda uma decisão final.
- O Requerente manteve-se na Região, através de sucessivas prorrogações de vistos, que lhe foram sendo concedidas pelo Exmo. Sr. Secretário para a Segurança.
- A filha do Requerente nasceu em 22/07/2016 na RAEM.
- Tanto a filha e como a sua mãe são residentes permanentes da RAEM, onde têm o centro de vida.
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Enquadramento jurídico:
Dispõe o artº 120º do CPAC que só há lugar à suspensão de eficácia quando os actos tenham conteúdo positivo, ou tendo conteúdo negativo, apresentem uma vertente positiva e a suspensão seja circunscrita a esta vertente.
No caso em apreço, o acto administrativo em causa consiste na determinação a medida de interdição de entrada por um período de 3 anos, daí que é um acto positivo.
Para a procedência do pedido, não basta ser um acto positivo, ou sendo negativo, com conteúdo positivo.
É ainda necessário reunir outros requisitos legais, a saber:
“a) A execução do acto cause previsivelmente prejuízo de difícil reparação para o requerente ou para os interesses que este defenda ou venha a defender no recurso;
b) A suspensão não determine grave lesão do interesse público concretamente prosseguido pelo acto; e
c) Do processo não resultam fortes indícios de ilegalidade do recurso.” (nº 1 do artº 121º do CPAC).
Tais requisitos devem verificar-se cumulativamente para que o requerimento seja procedente, salvo as situações excepcionais legalmente previstas nos nºs 2 e 3 do artº 121º do CPAC.
No mesmo sentido, vejam-se os Acórdãos do Tribunal de Última Instância, de 25.4.2001, Proc. nº 6/2001, do Tribunal de Segunda Instância, de 22.2.2001, Proc. nº 30-A/2001, e do Supremo Tribunal Administrativo de Portugal, de 1.7.2003, Proc. nº 975/03.
No caso em apreço, não existem indícios, muito menos fortes, da manifesta ilegalidade do recurso contencioso interposto.
Verifica-se assim o requisito previsto na al. c) do nº 1 do artº 121º do CPAC.
Quanto ao outro requisito previsto na al. b) do mesmo preceito legal, isto é, a suspensão não determina grave lesão do interesse público, cumpre dizer que o mesmo é considerado verificado ao abrigo do disposto nº 1 do artº 129º do CPAC, por falta de alegação de tal lesão grave do interesse público na contestação por parte da Entidade Requerida e dos autos não consta qualquer elemento que demonstra essa grave lesão.
No que respeita ao requisito de prejuízo de difícil reparação (al. a) do nº 1 do artº 121º do CPAC), o Requerente alegou, essencialmente, os seguintes:
a) Com a medida de interdição, fica impossibilitado de acompanhar a família, em especial a filha nos primeiros anos de vida da criança, o que causará prejuízos de difícil reparação ao nível da família, já que um crescimento desacompanhado de um dos progenitores poderá acarretar para a criança consequências negativas em termos afectivos, sociais e económicos; e
b) Sendo proprietário de um restaurante na RAEM, fica também impossibilitado de acompanhar a gestão e o desenvolvimento do investimento que efectuou.
Quid iuris?
Antes de mais, cumpre-nos salientar que o legislador não exige a verificação efectiva do prejuízo de difícil reparação, basta a séria probabilidade, pois utiliza a palavra “previsivelmente” e não “efectivamente”.
Em relação ao prejuízo alegado na al. b), o Requerente não logrou provar nos autos que é proprietário de um restaurante na RAEM.
Ainda que provasse este facto, o prejuízo alegado também não poderia ser considerado como prejuízo de difícil reparação, uma vez que se trata simplesmente de um prejuízo económico quantificável.
No que respeita aos prejuízos alegados na al. a), cremos que, em termos de normalidade e senso comum, não seria difícil aceitar que tais prejuízos possam resultar, como consequência directa e necessária, da execução imediata do acto e, pela própria natureza dos mesmos, são, ao nosso ver, difíceis de reparação.
Pois, já temos a oportunidade de se pronunciar no acórdão de 12/01/2017, proferido no Processo de Suspensão de Eficácia nº 916/2016, no qual o ora Relator e o 1º Adjunto intervieram como 1º e 2º Adjuntos, que o acompanhamento dos pais é muito importante durante a fase de infância da criança, uma vez que “estamos aí perante um ser muito sensível, cujo crescimento deve ser amparado, sendo imprevisíveis as sequelas e os malefícios que uma quebra das referências parentais pode arrostar. A aplicação imediata da medida, levando à separação do casal, implica a separação do filho que, por via dela, ficará apartado do pai ou da mãe”.
São interesses imateriais que “devem prevalecer, numa situação provisória, temporária e cautelar, em termos de paralisação de eficácia de uma medida não conflituante com outros superiores interesses que em termos gerais e da sociedade se imponham e devam reconduzir à prossecução do bem-estar colectivo e social”.
Estão assim verificados todos os requisitos da suspensão de eficácia.
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Por tudo o exposto, acordam em deferir o presente pedido de suspensão da eficácia.
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Sem custas por a Entidade Requerida gozar da isenção subjectiva.
Registe e notifique.
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RAEM, aos 09 de Março de 2017.
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Ho Wai Neng Mai Man Ieng
_________________________ (Fui presente)
José Cândido de Pinho
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Tong Hio Fong
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183/2017/A