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Proc. nº 471/2016
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 09 de Março de 2017
Descritores:
-Acidente de Viação
-Danos não patrimoniais
-Dores

SUMÁRIO:

I. As dores representam danos não patrimoniais que, quando graves e merecedores da tutela do direito, são indemnizáveis segundo juízos de equidade, tendo em conta as circunstâncias do caso concreto.

II. Se é conveniente evitarem-se compensações meramente simbólicas, a verdade é que não pode o tribunal deixar de, na equidade que prossegue, ter em conta o quadro material que emerge do julgamento da matéria de facto.





Proc. nº 471/2016

Acordam no Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M.

I - Relatório
A, casado, titular do BIRPM n.º…, de nacionalidade chinesa, residente em Macau, na…, instaurou Acção Ordinária contra: -----
1º - B, solteiro, maior, de nacionalidade chinesa, titular da carta de condução n.º…, emitida pela Direcção dos Serviços para os Assuntos de Tráfego, residente em Macau na…, telefone n.º…; -----
2º - C, casado, de nacionalidade chinesa, residente em Macau, na…; -----
3ª - Companhia de Seguros de X, S.A. (X保險股份有限公司), com sede em Macau na…; -----
Pedindo que fosse julgada procedente por provada a presente acção, e em consequência, fossem os Réus condenados a pagarem-lhe solidariamente:
1. A quantia de MOP1.232.064,00 relativa a danos patrimoniais, acrescida de juros de mora à taxa legal a contar desde a data da citação até efectivo e integral pagamento;
2. A quantia de MOP400.000,00 relativo a danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora a contra da data da decisão final, até efectivo e integral pagamento; e
3. Todas as despesas hospitalares, de assistência médica e medicamentosas que, atendendo às circunstâncias supervenientes, o Autor venha futuramente a realizar em montantes que vierem a ser liquidados em execução de sentença.
*
O autor requereu a intervenção principal provocada do Fundo de Garantia Automóvel e Marítimo (FGAM).
*
O FGAM, a fls. 396, requereu o depoimento de parte do autor, do 1º, 2º e 3º RR a determinados quesitos.
O tribunal, porém, indeferiu o depoimento de parte do autor aos arts. 32º, 33º e 35º da BI, do 1º réu aos arts. 55º a 59º e do 2º réu aos arts. 60º a 64º (despacho de fls. 543 e vº).
*
Contra tal despacho, o FGAM apresentou recurso jurisdicional, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
«I. Confissão e depoimento de parte são realidades jurídicas distintas, sendo este mais abrangente do que aquela, pois que é apenas um meio de prova admissível mesmo relativamente a factos que não sejam desfavoráveis ao depoente;
II. O depoimento de parte é de certo uma via de conduzir à confissão judicial; todavia mostra-se ultrapassada a concepção restrita de tal depoimento vocacionado exclusivamente àquela obtenção, já que o mesmo tem um campo de aplicação muito mais vasto;
III. O Tribunal, no depoimento de parte e em termos gerais, não está espartilhado pelo escopo da confissão, podendo ali colher ainda elementos para a boa decisão da causa de acordo com o princípio da "livre apreciação da prova";
IV. Em determinadas circunstâncias concretas admite-se que a prova por depoimento de parte, embora não formalmente confessória, possa convencer o julgador da realidade de um facto, desfavorável, ao depoente;
V. Um facto positivo tem sempre, como inverso, um facto negativo; e se aquele é favorável à parte, este há de ser-lhe necessariamente desfavorável;
VI. O depoimento do autor sobre um facto que este tenha o ónus de alegar e provar pode conduzir à conclusão de que esse facto não se verificou, o que constitui consequência desfavorável ao depoente;
VII. Do mesmo modo, o depoimento do réu sobre um facto negativo que lhe é favorável pode conduzir à conclusão de que esse facto se verificou, o que terá consequências desfavoráveis ao réu-depoente;
VIII. O artigo 354.º do Código Civil, ao estatuir que o reconhecimento de factos desfavoráveis, que não possa valer como confissão, vale como elemento probatório que o tribunal apreciará livremente, amplia desde logo o objectivo do depoimento de parte, que vai além de tentativa de confissão judicial provocada;
IX. Deve ser admitido o depoimento de parte sobre factos que, aparentemente favoráveis, possam ser susceptíveis de ser reconhecidos negativamente pelo depoente;
X. Deve ainda ser admitido o depoimento de parte quando este meio se mostra processualmente adequado ao apuramento da verdade e para a boa decisão da causa;
XI. Facto pessoal não é apenas o facto practicado pela parte, compreendendo toda a factualidade em seu redor e de que ela se tenha pessoalmente apercebido, mas também tudo aquilo que é razoável presumir que ela tenha ou deva ter conhecimento;
XII. A matéria constante do quesito 55.º integra factos de que o Autor deve ter conhecimento pessoal.
Nestes termos, deve ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se consequentemente o despacho de fls. 543, na parte ora posta em crise, com substituição por outro que admita o depoimento de parte do Autor aos quesitos 32.º, 33.º e 55.º, bem como o do 1.º Réu aos quesitos 55.º a 59.º; e, bem assim, o do 2.º Réu aos quesitos 60.º a 64.º, todos da Base Instrutória, com o que se fará JUSTIÇA».
*
Não houve resposta a este recurso.
*
O processo prosseguiu os seus termos, vindo a ser proferida sentença, onde foi julgada parcialmente procedente a acção, sendo em consequência absolvidos os 1º e 2º réus, bem como o interveniente FGAM, e condenada a 3ª ré, “Companhia de Seguros de X, SA” no pagamento ao autor da quantia de MOP$ 294.161,00 e RMB 4.372,88, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais.
*
Inconformado, o autor recorre da sentença, formulando as seguintes conclusões alegatórias:
«1- Pese embora o Tribunal conhecer as circunstâncias de tempo, modo e lugar como o acidente de viação ocorreu e os danos que o mesmo provocou no corpo e na saúde do Autor, não os levou devidamente em consideração, ao arbitrar a compensação de MOP$ 150.000,00;
2- Todas as consequências do acidente dadas como provadas causaram no Autor alterações ao seu normal nível de vida, dores, privações, profundo desgosto, ansiedade e mudança nos procedimentos diários pessoais, familiares e profissionais a que estava habituado, com a consequente diminuição da alegria de viver, facto notório, pois só quem passa por um acidente ou doença pode imaginar, e o Tribunal, com a sua experiência e conhecimentos, consegue suprir;
3- No tocante à determinação do quantum da indemnização do dano não patrimonial, a lei aponta nitidamente para uma valoração casuística, orientada por critérios de equidade;
4- Os danos sofridos pelo Autor merecem pela sua gravidade a tutela do direito;
5- É adequado e proporcional fixar-se ao Autor, a título de danos não patrimoniais, a compensação pecuniária de MOP400,000.00.
6- O Autor considera que foram violadas as normas constantes dos artigos 486.º, 489.º, 501.º, 556.º e 560.º do Código Civil.
7- No entendimento do Autor, os pontos referidos de 1 a 5 deveriam ter sido julgados de acordo com as normas mencionadas no ponto 6.
Termos em que com o douto suprimento de V. Excias deve ser dado provimento ao presente recurso, proferindo-se douto acórdão a condenar a 3.ª Ré, Companhia de Seguros de X, S.A., a pagar ao Autor a quantia de MOP$ 400,000.00 pelos danos não patrimoniais, mantendo-se inalterada a douta sentença quanto ao resto, como é de inteira Justiça».
*
A ré “Companhia de Seguros de X, SA” respondeu ao recurso, sem concluir, pugnando pelo improvimento do recurso.
*
Cumpre decidir.
***
II – Os Factos
Na sentença foi dada por provada a seguinte factualidade:
«Da Matéria de Facto Assente:
- No dia 22 de Fevereiro de 2011, por volta das 14H46, ocorreu um acidente de viação na Avenida Dr. Sun Yat-Sen, na direcção da Alameda Dr. Carlos D' Assumpção para a Avenida do Governador Jaime Silvério Marques, em Macau, perto do poste de iluminação pública n.º 168D10 (alínea A) dos factos assentes).
- No qual foram intervenientes o automóvel ligeiro, com a chapa de matrícula MM-XX-XX, conduzido pelo Réu B e o peão A, ora Autor da presente acção (alínea B) dos factos assentes).
- Foi emitida pela 3ª R a apólice n.º…, cujo original se encontra a fls. 183 dos autos, por um período de um ano, desde 21 de Maio de 2010 até 20 de Maio de 2011 (alínea C) dos factos assentes).
- A propriedade do veículo automóvel ligeiro de passageiros, com a chapa de matrícula MM-XX-XX, estava registada desde 12 de Junho de 2007 a favor de D, e desde 19 de Julho de 2007 até pelo menos à data do acidente, referido em al. A., a favor do 2º Réu. (fls. 124 dos autos) (alínea D) dos factos assentes).
*
Da Base Instrutória:
- Naquele dia 22 de Fevereiro de 2011, na hora e local indicados em A) dos factos assentes, o 1º Réu circulava na via de trânsito onde ocorreu o acidente e direcção quando, embateu no Autor que estacionara o seu veículo automóvel no local (resposta ao quesito 1º da base instrutória).
- O 1º Réu embateu com a parte lateral dianteira esquerda do veículo automóvel MM-XX-XX no pé do Autor provocando a sua queda no pavimento (resposta ao quesito 5º da base instrutória).
- O embate causou a queda imediata do Autor tendo este ficado prostrado no chão, com dificuldades em se movimentar em virtude dos ferimentos provocados pelo acidente (resposta ao quesito 8º da base instrutória).
- Na sequência do acidente o Autor foi transportado de ambulância para o Hospital Kiang Wu a fim de receber tratamento, tendo ficado internado nesta unidade hospitalar (resposta ao quesito 9º da base instrutória).
- Aquando da ocorrência do acidente o estado do tempo era bom (resposta ao quesito 10º da base instrutória).
- O piso encontrava-se seco (resposta ao quesito 11º da base instrutória).
- A densidade do trânsito era baixa (resposta ao quesito 12º da base instrutória).
- Não havia quaisquer problemas de visibilidade (resposta ao quesito 13º da base instrutória).
- No hospital Kiang Wu foi diagnosticado ao Autor uma fractura do metatarso do pé direito (resposta ao quesito 15º da base instrutória).
- O Autor sofreu ainda diversas escoriações por todo o corpo e ferimento no pescoço, tudo em virtude do embate (resposta ao quesito 16º da base instrutória).
- Face ao tipo e grau de fractura, a lesão provocou ao Autor dores (resposta ao quesito 17º da base instrutória).
- O Autor teve de ficar com o pé imobilizado (resposta ao quesito 18º da base instrutória).
- Em virtude da fractura que sofreu no pé, consequência directa e necessária do acidente, o Autor permaneceu internado no Hospital Kiang Wu entre os dias 22 de Fevereiro de 2011 e 16 de Março de 2011, num total de 23 dias, a fim de receber os tratamentos para a sua reabilitação (resposta ao quesito 19º da base instrutória).
- A imobilização do pé do Autor obrigou a aquisição de muletas no valor de MOP$120,00 (resposta ao quesito 20º da base instrutória).
- As diversas sessões de fisioterapia a que o Autor se teve desajeitar em Zhuhai e que se mostraram necessárias para a sua recuperação (resposta ao quesito 21º da base instrutória).
- Desde a data do acidente, no dia 22 de Fevereiro de 2011, até 9 de Outubro de 2011, as despesas com consultas, tratamentos e medicamentos necessários para a sua recuperação do Autor ascendem a MOP$27.441,00 e RMB4.372,88, como se extrai das tabelas infra (resposta ao quesito 22º da base instrutória).
- Que (resposta ao quesito 23º da base instrutória):
Items
Data
MOP
Custo Internamento
22-02-2011
3.864,00
Custo internamento hospitalar
22-02-2011 a 26-02-2011
5.209,00
Custo internamento hospitalar
27-02-2011 a 03-03-2011
2.862,00
Custo internamento hospitalar
04-03-2011 a 08-03-2011
4.140,00
Custo internamento hospitalar
09-03-2011 a 16-03-2011
5.545,00
Consulta Kiang Wu
24-03-2011
100,00
Consulta Kiang Wu
24-03-2011
393,00
Consulta Kiang Wu
29-03-2011
144,00
Medicamentos

180,00
Consulta Kiang Wu
14-04-2011
144,00
Consulta Kiang Wu
29-04-2011
309,00
Raio X
29-04-2011
50,00
Consulta Kiang Wu
13-05-2011
152,00
Consulta Kiang Wu
28-05-2011
386,00
XX醫務所
31-05-2011
200,00
XX醫務所
01-06-2011
200,00
XX醫務所
02-06-2011
200,00
Consulta KiangWu
11-06-2011
351,00
Consulta KiangWu
25-06-2011
223,00
Consulta Kiang Wu
09-07-2011
228,00
Consulta Kiang Wu
01-09-2011
425,00
Consulta KiangWu
01-09-2011
193,00
Consulta KiangWu
06-09-2011
204,00
Consulta Kiang Wu
06-09-2011
710,00
Consulta Kiang Wu
14-09-2011
385,00
Consulta KiangWu
23-09-2011
485,00
Consulta KiangWu
27-09-2011
159,00

Total
27.441,00















- Que (resposta ao quesito 24º da base instrutória)
Items
Data
RMB
Consulta em Zhuhai
25-03-2011
470,00
“”
11-04-2011
60,00
“”
12-04-2011
60,00
“”
15-04-2011
80,00
“”
16-04-2011
80,00
“”
19-04-2011
80,00
“”
20-04-2011
80,00
“”
22-04-2011
80,00
“”
23-04-2011
80,00
“”
01-05-2011
80,00
“”
02-05-2011
80,00
“”
06-05-2011
80,00
“”
15-05-2011
80,00
“”
18-05-2011
80,00
“”
21-05-2011
80,00
“”
22-05-2011
80,00
“”
03-06-2011
80,00
“”
04-06-2011
80,00
“”
05-06-2011
160,00
“”
12-06-2011
80,00
“”
18-07-2011
80,00
“”
20-07-2011
80,00
“”
22-07-2011
80,00
“”
31-07-2011
80,00
“”
01-08-2011
80,00
“”
03-08-2011
80,00
“”
04-08-2011
80,00
“”
05-08-2011
80,00
“”
07-08-2011
80,00
“”
14-08-2011
80,00
“”
22-08-2011
80,00
“”
27-08-2011
80,00
“”
29-08-2011
80,00
“”
30-08-2011
80,00
“”
01-09-2011
80,00
“”
25-09-2011
80,00
“”
26-09-2011
80,00
“”
27-09-2011
80,00
“”
28-09-2011
60,00
“”
29-09-2011
80,00
Consulta em Zhongshan
30-09-2011
222,88
Consulta em Zhuhai
30-09-2011
80,00
“”
02-10-2011
80,00
“”
03-10-2011
80,00
“”
04-10-2011
80,00
“”
05-10-2011
80,00
“”
09-10-2011
140,00

Total
4.372,88
- Não obstante ter sido dado como curado o Autor continua a sentir dores no pé (resposta ao quesito 25º da base instrutória).
- Em virtude do acidente o Autor ficou de baixa médica, incapacitado para o trabalho, durante um período de 168 dias, a que acrescem 23 dias de internamento hospitalar (resposta ao quesito 28º da base instrutória).
- Em consequência do internamento e das baixas médicas que se seguiram, o Autor esteve sem poder trabalhar entre os dias 22 de Fevereiro de 2011 e 10 de Outubro de 2011, num total de 191 dias, como se constata da tabela infra (resposta ao quesito 29º da base instrutória):
Items
Data
Dias
Internamento no Hospital Kiang Wu
22-02-2011 a 16-03-2011
23
Atestado médico (Kiang Wu)
17-03-2011 a 30-03-2011
14
Baixa médica (Kiang Wu)
31-03-2011 a 13-04-2011
14
Baixa médica (Kiang Wu)
14-04-2011 a 27-04-2011
14
Baixa médica (Kiang Wu)
29-04-2011 a 12-05-2011
14
Baixa médica (Kiang Wu)
13-05-2011 a 26-05-2011
14
Baixa médica (Kiang Wu)
28-05-2011 a 10-06-2011
14
Baixa médica (Kiang Wu)
11-06-2011 a 24-06-2011
14
Baixa médica (Kiang Wu)
25-06-2011 a 08-07-2011
14
Baixa médica (Kiang Wu)
09-07-2011 a 22-07-2011
14
Baixa médica (Kiang Wu)
01-09-2011 a14-09-2011
14
Baixa médica (Kiang Wu)
15-09-2011 a 28-09-2011
14
Baixa médica (Kiang Wu)
27-09-2011 a 10-10-2011
14

Total
191
- À data do acidente, o Autor era e ainda é empresário do ramo de obras de decoração (resposta ao quesito 30º da base instrutória).
- Exercendo a sua actividade profissional por conta príopria através da empresa de que é proprietário (resposta ao quesito 31º da base instrutória).
- À data do acidente, pelo trabalho da decoração que o próprio Autor executava nas suas próprias empreitadas, o Autor auferia um rendimento médio diário de, pelo menos, MOP$700,00 (resposta ao quesito 32º da base instrutória).
- Durante 191 dias o Autor não podia fazer o trabalho referido na resposta ao quesito 32º e, por isso, deixou de auferir o rendimento referido na resposta ao quesito 32º (resposta ao quesito 33º da base instrutória).
- Para tratar das lesões e da fractura sofrida pelo Autor, este teve de se sujeitar a diversas consultas médicas (resposta ao quesito 35º da base instrutória).
- O Autor ainda sente dores em virtude de acidente que sofreu (resposta ao quesito 36º da base instrutória).
- O Autor corria, andava de bicicleta e fazia exercício físico com regularidade, actividade que, pelo menos, deixou durante 191 dias desde a data do acidente (resposta ao quesito 41º da base instrutória).
- O Autor é casado e tem a seu cargo o cônjuge, os pais e dois filhos, sendo um estudante (resposta ao quesito 45º da base instrutória).
- O embate provocou uma ligeira rachadura no pára-brisa e danificou o espelho retrovisor do veículo automóvel MM-XX-XX (resposta ao quesito 52º da base instrutória).
- O 1º Réu e os seus familiares despenderam MOP$17.100,00 no pagamento de parte das despesas médicas do Autor (resposta ao quesito 53º da base instrutória).
- O Autor entrou na via de trânsito na via onde ocorreu o acidente para verificar se a porta do seu veículo estacionado no local estava bem fechada (resposta ao quesito 54º da base instrutória).
- A zona daquela via de trânsito onde ocorreu o acidente é estreita, com cerca de 2,5 metros de área livre de circulação, pois encontra-se ladeada à esquerda por parques de estacionamento para automóveis e, à direita, por um separador sobre elevado com cerca de 20-30 cm de altura, que faz a divisão entre a via principal de circulação automóvel e a rua para estacionamento ou destinada a quem pretende virar à esquerda (resposta ao quesito 55º da base instrutória).
- O Autor sabia que a via de trânsito na via onde ocorreu o acidente era estreita (resposta ao quesito 57º da base instrutória).
- Quando foi comprado o veículo automóvel MM-XX-XX em 2007, a compradora, D, adquiriu logo o seguro nos termos da lei, sendo a mesma mãe do 1º Réu e mulher do 2º Réu com quem D está casada no regime de comunhão geral de bens (resposta ao quesito 60º da base instrutória).
- Um mês depois da compra do veículo, o 2º Réu pretendeu tratar de uma licença da circulação no Interior da China para o veículo automóvel MM-XX-XX (resposta ao quesito 61º da base instrutória).
- Por isso, em 19 de Julho de 2007, D tratou das formalidade para que o 2º Réu passasse a figurar no título de registo de propriedade como proprietário do veículo automóvel MM-XX-XX (resposta ao quesito 62º da base instrutória).
- Depois de tratadas as formalidades referidas na resposta ao quesito 62º, o 2º Réu não notificou a 3ª Ré, mas os prémios de seguro definidos pela 3ª Ré, desde há vários anos e até à ocorrência do acidente, continuaram a ser pagos (resposta ao quesito 63º da base instrutória).
- A 3ª Ré tem recebido os prémios de seguro referidos na resposta ao quesito 63º (resposta ao quesito 64º da base instrutória).
- Em 21 de Maio de 2007, D, portadora do BIRM n.º…, celebrou com a 3ª R. um contrato de seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel (fls. 180 dos autos) (resposta ao quesito 65º da base instrutória).
- Ao abrigo do acima referido contrato de seguro foi emitida a apólice n.º … (fls. 181 dos autos) (resposta ao quesito 66º da base instrutória).
- Depois da tratadas as formalidade referida na resposta ao quesito 62º, nem D ou o 2º Réu avisou a 3ª Ré acerca deste facto (resposta ao quesito 67º da base instrutória).
- Nem transferiu o referido contrato de seguro titulado pela apólice n.º … para outro veículo (resposta ao quesito 68º da base instrutória).
- D obteve a sua licença de condução de veículos ligeiros em 13 de Outubro de 1997, não tendo declarado quaisquer outros condutores para o veículo automóvel MM-XX-XX (resposta ao quesito 69º da base instrutória).
- O 2º Réu obteve a sua licença de condução de veículos ligeiros em 12 de Janeiro de 1998 (resposta ao quesito 70º da base instrutória).
- O 2º Réu e D autorizaram o 1º Réu a conduzir o veículo automóvel MM-XX-XX (resposta ao quesito 72º da base instrutória).».
***
III – O Direito
1 – Introdução
De acordo com o disposto no art. 638º, nº2, do CPC, apenas apreciaremos o recurso interlocutório apresentado pelo Fundo de Garantia Automóvel de Macau, caso a sentença não seja confirmada.
*
2 – Do recurso da sentença interposto pelo autor
O recurso da sentença é limitado à parte em que foi decidida a improcedência parcial do pedido de condenação da 3ª ré, Seguradora, no pagamento da indemnização por danos não patrimoniais no valor de MOP$ 400.000,00 (recorde-se, a sentença apenas atribuiu a esse título a quantia de MOP$ 150.000,00).
Acha o recorrente que nesta parte a decisão não pode manter-se e merece ser revogada, tendo em atenção que as lesões lhe causaram alterações ao seu normal nível de vida, dores, privações, profundo desgosto, ansiedade e mudança nos procedimentos diários pessoais, familiares e profissionais a que estava habituado, com a consequente diminuição da alegria de viver, facto notório, pois só quem passa por um acidente ou doença pode imaginar, e o Tribunal, com a sua experiência e conhecimentos, consegue suprir.
Todavia, a fundamentação de que o recorrente se serve para ilustrar o recurso não tem base fáctica de apoio.
Com efeito, se a Base Instrutória incluía factos que era preponderantes para este efeito (ver os arts. 40º, 41º, 42º, 43º e 44º), todos eles se perderam na resposta negativa que lhes foi dada.
Quer dizer, não se provou que seja agora, por via do acidente, uma pessoa deprimida, infeliz e angustiada (40º), que ande triste pelo facto de nunca mais ter podido andar de bicicleta, fazer desporto ou actividade física em virtude das dores (art. 41º), que apresente sofrimento psicológico, angústia, ansiedade (42º), que a fractura do pé pode provocar degenerescência articular, doença progressiva sem cura e causa de invalidez, perspectiva que lhe causa sofrimento psicológico e angústia (43º), que o facto de não ter contribuído para o sustento da família durante o período em que esteve incapacitado para o trabalho lhe provocou uma grande angústia (44º).
Resta, então, para densificar os danos não patrimoniais, a prova aos arts. 17º (“face ao tipo e grau de factura, a lesão provocou ao Autor dores”), 25º (“Não obstante ter sido dado como curado o Autor continua a sentir dores no pé”), 36º (“O Autor ainda sente dores em virtude do acidente que sofreu”).
Ou seja, de todo o acervo factual que o autor invocou na acção como suporte do pedido indemnizatório relativo aos danos não patrimoniais, apenas remanesceram aqueles que traduziram as dores que sofreu com a fractura do metatarso do pé direito.
Como se sabe, a indemnização por danos não patrimoniais tem como objectivo proporcionar um conforto ao ofendido a fim de lhe aliviar os sofrimentos que a lesão lhe provocou ou, se possível, lhos fazer esquecer, proporcionando-lhe momentos de prazer ou de alegria, em termos de neutralizar, na medida do possível, o sofrimento moral de que padeceu”, sendo também de considerar que inadequados são “montantes miserabilistas”, não sendo igualmente de se proporcionar “enriquecimentos ilegítimos ou injustificados (Acs. TSI, de 15/05/2014, Proc. nº 26/2014 e de 21/05/2015, Proc. nº 405/2015).
Ora, no caso em apreço as dores não foram quantificadas, nem sujeitas a uma valoração alegada e comprovada. Sabe-se simplesmente que o autor sentiu, e ainda sente, dores, sem quaisquer adjectivações ou qualificativos (não se sabe se foram “muitas”, se “fortes”, se “lancinantes”, se “incapacitantes”, etc., etc.).
Sem dúvida que as dores representam danos não patrimoniais que, quando graves e merecedores da tutela do direito, são indemnizáveis segundo juízos de equidade, tendo em conta as circunstâncias do caso concreto (Ac. TUI, de 13/04/2016, Proc. nº 86/2015; TSI, de 30/05/2013, Proc. nº 874/2012) e pelos critérios previstos no art. 489º do Código Civil (Ac. do TSI, de 1/03/2012, Proc. nº 239/2011).
E por outro lado, se é conveniente evitarem-se compensações meramente simbólicas, a verdade é que não pode o tribunal deixar de, na equidade que prossegue, ter em conta o quadro material que emerge do julgamento da matéria de facto.
E sendo assim, a atribuição na sentença impugnada da indemnização de MOP$ 150.000,00 não se nos afigura de modo nenhum displicente, aviltante ou ignominioso, antes se ajusta à situação apurada e aos parâmetros do art. 489º e 560º, nº6, do CC.
Posto isto, a sentença em crise, quanto a este aspecto, não merece qualquer censura.
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3 – Do recurso interlocutório
Tendo em conta o objecto do recurso jurisdicional interposto pelo autor da acção e mantendo-se intacta a sentença proferida pelo TJB, como acabámos de concluir, o resultado final obtido não interfere minimamente com a esfera jurídico/patrimonial do recorrido Fundo de Garantia Automóvel de Macau, que assim permanece inalterada.
Deste modo, fica prejudicada a apreciação do recurso interposto pelo ora recorrido FGAM.
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IV – Decidindo
Face ao exposto, acordam em negar provimento ao recurso, confirmando a sentença recorrida, e julgando prejudicado o conhecimento do recurso interlocutório.
Custas pelo recorrente.
TSI, 09 de Março de 2017




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