打印全文
Processo nº 947/2016
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. A, arguido com os sinais dos autos, respondeu no T.J.B., vindo a ser condenado pela prática como autor de 1 crime de “ofensa qualificada à integridade física”, p. e p. pelos art°s 140°, 137°, n.° 1 e 129°, n.° 2, al. h), todos do C.P.M., na pena de 90 dias de multa, à taxa diária de MOP$100,00, perfazendo a multa de MOP$9.000,00 ou 60 dias de prisão subsidiária, e no pagamento de uma indemnização por danos não patrimoniais, no montante total de MOP$1.000,00, ao ofendido dos autos; (cfr., fls. 283 a 286-v que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

*

Inconformado, o arguido recorreu.

Assaca ao Acórdão recorrido os vícios de “erro notório na apreciação da prova” e “excesso de pena”, pedindo também a redução do quantum da indemnização; (cfr., fls. 310 a 313-v).

*

Respondendo, diz o Ministério Público que o recurso não merece provimento; (cfr., fls. 317 a 318-v).

*

Neste T.S.I., juntou o Exmo. Representante do Ministério Público douto Parecer opinando também no sentido da improcedência do recurso; (cfr., fls. 373 a 374).

*

Nada obstando, e em conformidade com o consignado em sede de exame preliminar, (cfr., fls. 375-v a 376), realizou-se audiência de julgamento do recurso com a presença do arguido recorrente e no cumprimento do formalismo legal.

Cumpre agora decidir.

Fundamentação

Dos factos

2. Estão provados os factos como tal elencados no Acórdão recorrido a fls. 283-v a 284, e que aqui se dão como integralmente reproduzidos, (não havendo factos por provar).

Do direito

3. Insurge-se o arguido contra a decisão ínsita no Acórdão do T.J.B. que o condenou como autor da prática de 1 crime de “ofensa qualificada à integridade física”, p. e p. pelos art°s 140°, 137°, n.° 1 e 129°, n.° 2, al. h), todos do C.P.M., na pena de 90 dias de multa, à taxa diária de MOP$100,00, perfazendo a multa de MOP$9.000,00 ou 60 dias de prisão subsidiária, e no pagamento de uma indemnização por danos não patrimoniais, no montante total de MOP$1.000,00, ao ofendido dos autos.

E, como se deixou relatado, assaca ao aresto recorrido os vícios de “erro notório na apreciação da prova” e “excesso de pena”, pedindo também a redução do quantum da indemnização.

–– Comecemos, como se mostra lógico, pelo alegado “erro”.

De forma firme e repetida tem este T.S.I. considerado que: “O erro notório na apreciação da prova apenas existe quando se dão como provados factos incompatíveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou, ou que se retirou de um facto tido como provado uma conclusão logicamente inaceitável. O erro existe também quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada, as regras de experiência ou as legis artis. Tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores”.
De facto, “É na audiência de julgamento que se produzem e avaliam todas as provas (cfr. artº 336º do C.P.P.M.), e é do seu conjunto, no uso dos seus poderes de livre apreciação da prova conjugados com as regras da experiência (cfr. artº 114º do mesmo código), que os julgadores adquirem a convicção sobre os factos objecto do processo.
Assim, sendo que o erro notório na apreciação da prova nada tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto do Tribunal e aquela que entende adequada o Recorrente, irrelevante é, em sede de recurso, alegar-se como fundamento do dito vício, que devia o Tribunal ter dado relevância a determinado meio probatório para formar a sua convicção e assim dar como assente determinados factos, visto que, desta forma, mais não se faz do que pôr em causa a regra da livre convicção do Tribunal”; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 12.01.2017, Proc. n.° 498/2016, de 26.01.2017, Proc. n.° 776/2016 e de 16.02.2017, Proc. n.° 341/2016).

Como também já tivemos oportunidade de afirmar:

“Erro” é toda a ignorância ou falsa representação de uma realidade. Daí que já não seja “erro” aquele que possa traduzir-se numa “leitura possível, aceitável ou razoável, da prova produzida”.
Sempre que a convicção do Tribunal recorrido se mostre ser uma convicção razoavelmente possível e explicável pelas regras da experiência comum, deve a mesma ser acolhida e respeitada pelo Tribunal de recurso.
O princípio da livre apreciação da prova, significa, basicamente, uma ausência de critérios legais que pré-determinam ou hierarquizam o valor dos diversos meios de apreciação da prova, pressupondo o apelo às “regras de experiência” que funcionam como argumentos que ajudam a explicar o caso particular com base no que é “normal” acontecer.
Não basta uma “dúvida pessoal” ou uma mera “possibilidade ou probabilidade” para se poder dizer que incorreu o Tribunal no vício de erro notório na apreciação da prova; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 12.01.2017, Proc. n.° 382/2016, de 19.01.2017, Proc. n.° 549/2016 e de 26.01.2017, Proc. n.° 744/2016).

Aqui chegados, vejamos.

A “questão” preende-se com o facto do Tribunal a quo ter dado como “provado” que o arguido dos autos “sofre de esquizofrenia do tipo paranóide, mas não estava em estado esquizofrénico no momento da ocorrência do facto” e que “agiu livre, voluntária e conscientemente ao agredir o agente …, sabendo que este estava a exercer funções policiais”; (cfr., ponto III e IV da “matéria de facto”).

E, em síntese, diz o recorrente que esta “matéria” é, no mínimo, “estranha”, e que se devia antes concluir que se encontrava “com problemas mentais no momento da ocorrência dos factos”, alegando que o “relatório de psiquiatria” pelo Colectivo a quo invocado na fundamentação da sua convicção não devia permitir uma decisão nos termos em que se decidiu dado que foi apenas realizado 2 meses após os factos.

Não se acolhe o assim entendido.

Desde já importa ter presente que o dito “relatório” não foi o único elemento de prova de que se serviu o Colectivo a quo para formar a sua convicção, já que, em audiência de julgamento, prestou também declarações o ofendido que, como em sede de fundamentação consignou o Tribunal, “relatou o modo como ocorreram os factos”; (cfr., “fundamentação”, a fls. 284).

Por sua vez, e notando-se que nos presentes autos são dois os relatórios no mesmo sentido, (cfr., fls. 22 a 23 e 220 a 223), importa ponderar no seu “valor probatório”, isto, atento o especialmente estatuído no art. 149°, n.° 1 do C.P.P.M. – onde se prescreve que “O juízo técnico, científico ou artístico inerente à prova pericial presume-se subtraído à livre apreciação do julgador” – e que, como bem se nota na Resposta do Ministério Público, o perito que elaborou o dito relatório acompanhou o arguido desde o dia da ocorrência, e estava na posse do seu “processo clínico”, não se mostrando assim de dar relevância ao apontado “desfasamento temporal” entre a “ocorrência” e o próprio “relatório”, (ou melhor, a sua “data”, até porque a aludida “data” não implica que o “exame” tenha sido feito no mesmo dia).

Por fim, (e afigurando-se-nos ser do conhecimento geral), não se pode olvidar também que, (pelo menos), certas doenças e perturbações mentais, (nomeadamente, a aqui em causa), não se manifestam de forma “contínua” ou “permanente”, havendo períodos, mais ou menos longos, em que o indivíduo em questão pode-se encontrar, (também, mais ou menos), afectado pela mesma, o que não deixa de se mostrar ser uma “conclusão” razoável e compatível com a situação dos autos, sendo, igualmente de notar que, seja como for, não basta uma mera “afirmação” para se anular toda a prova que o Tribunal ponderou e avaliou para decidir da forma que decidiu.

Assim, e concluindo-se que mais não faz o recorrente que “afrontar a convicção do Tribunal”, que se apresenta clara, lógica e em harmonia com os elementos de prova existentes nos autos, limitando-se a alegar matéria de facto que em audiência de julgamento não logrou provar, há que negar provimento ao recurso na parte em questão.

–– Quanto à “pena”.

Pede o ora recorrente que seja condenado no “mínimo legal”: 10 dias de multa à taxa de MOP$50,00 por dia, e no pagamento de uma indemnização de MOP$500,00 ao ofendido.

Vejamos.

Considerando a “matéria de facto” dada como provada, (nomeadamente, em causa estando uma “agressão, a soco, a um agente policial em exercício funções”), atento o estatuído no art. 45°, n.° 1 e 65° do C.P.M., e ponderando no limite (mínimo e) máximo da multa em questão, (10 a 480 dias), não se mostra de considerar excessiva a multa de 90 dias que ao recorrente foi aplicada.

Quanto à “taxa diária”, importa aqui atentar no n.° 2 do citado art. 45° do C.P.M., onde se prescreve que:

“Cada dia de multa corresponde a uma quantia entre 50 e 10 000 patacas, que o tribunal fixa em função da situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos pessoais”.

E tendo presente o assim estatuído temos como adequado o entendimento segundo o qual a “pena de multa” não deve ser encarada de ânimo leve pelos condenados, pois que (também) se destina a satisfazer as “finalidades da punição”, não constituindo uma mera despesa – corrente – do condenado ou do seu agregado familiar; (nesse sentido, cfr., v.g., o Ac. da Rel. do Porto de 01.06.2016, Proc. n.° 1187/08, in “www.dgsi.pt”).

Porém, imperativa é pois uma adequada ponderação quanto ao “património do condenado”, porém, como “verdadeira pena”, não pode converter-se em “cómodo negócio”, havendo de constituir algum “sacrifício (económico)” para o condenado, sem que, contudo, se transforme num “rigor injusto” e de impossível cumprimento.

Importa ter em conta que uma pena de multa que, a final, represente um “valor insignificante” (ou simbólico), não tem quaisquer potencialidades para lograr as “finalidades da punição”, (tal com elas estão legalmente previstas no art. 40° do C.P.M.), nem contribuirá para que a comunidade sinta que a ordem jurídica tutela adequadamente os seus interesses, (sendo mesmo caso para dizer que nem mesmo o arguido sentirá que o “crime não compensa”, havendo o risco de vir a considerar até que “vale a pena”, podendo-se repetir, face à suavidade da justiça criminal).

Daí que se devem evitar penas de multa fixadas junto ao seu mínimo, devendo-se reservar estas para arguidos com comprovada “situação económica difícil”.

No caso, como se viu, fixou o Colectivo a quo a taxa diária de MOP$100,00, pedindo agora o recorrente a sua redução para o mínimo, ou seja, MOP$50,00.

E, então, “quid iuris”?

Pois bem, antes de mais, há que dizer que o Tribunal a quo fixou a referida taxa diária de MOP$100,00, sem que da “decisão da matéria de facto” conste qualquer elemento acerca da “situação económica e financeira do arguido”, justificando-se o entendimento no sentido de ter incorrido em “insuficiência da matéria de facto provada para a decisão”, vício que, sendo insanável, acarreta o reenvio dos autos para novo julgamento nos termos do art. 418° do C.P.P.M.; (cfr., em situação próxima, o Ac. deste T.S.I. de 21.01.2016, Proc. n.° 901/2015).

Sucede porém que, no caso, o presente recurso foi julgado em audiência, (com a presença do arguido), onde se pode confirmar o que dos autos já consta em vários documentos – cfr., v.g., a Declaração de Identidade prestada na P.S.P. a fls. 17, a acusação do Ministério Público a fls. 99 a 100, o despacho de pronúncia a fls. 165 a 167-v, o Relatório Social de fls. 192 a 194, no Termo de Identidade e Residência a fls. 203 e no próprio Acórdão recorrido, aquando da sua identificação, a fls. 283 – e que é o facto de arguido se encontrar “desempregado”, “sem ocupação profissional remunerada”.

E, colmatando-se assim a apontada “lacuna”, dando-se tal “situação” como provada, razoável parece a pretensão apresentada pelo ora recorrente de se reduzir a taxa diária para o seu mínimo legal; (MOP$50,00).

*

Por fim, quanto à indemnização por danos não patrimoniais, cabe apenas dizer que, como temos vindo a entender, atento o montante em questão, não é o decidido passível de recurso; (cfr., art. 390°, n.° 2 do C.P.P.M.).

*

Tudo visto, resta decidir.

Decisão

4. Nos termos e fundamentos expostos, em conferência, acordam julgar parcialmente procedente o recurso, ficando o arguido condenado na multa de 90 dias, à taxa diária de MOP$50,00, perfazendo uma multa de 4.500,00, mantendo-se, no restante, o decidido pelo T.J.B..

Pelo seu decaimento, pagará o recorrente a taxa de justiça de 3 UCs.

Honorários ao Exmo. Defensor do arguido no montante de MOP$3.500,00.

Registe e notifique.

Nada vindo de novo, e após trânsito, remetam-se os autos ao T.J.B. com as baixas e averbamentos necessários.

Macau, aos 9 de Março de 2017
José Maria Dias Azedo
Tam Hio Wa
Chan Kuong Seng (não subscrevo, porém, o entendimento de existência do vício do art.º 400.º, n.º 2, alínea a), do CPP (por “falta de referência, na matéria de facto provada, à situação económica e financeira do arguido”), porque opino que este vício não é de conhecimento oficioso, e mesmo que assim não se entendesse, não se verificaria este vício no caso dos autos, porque todo o objecto probando já foi investigado pelo Tribunal “a quo”).

Proc. 947/2016 Pág. 14

Proc. 947/2016 Pág. 15