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Processo n.º 738/2016
(Recurso Cível)

Relator: João Gil de Oliveira
Data : 9/Março/2017


ASSUNTOS:

- Incidente de verificação do valor da causa; tributação.

    
    SUMÁRIO :
   A tributação do incidente de verificação do valor cai na previsão do art. 15º e não na do n.º 1, al. r) do art. 14º do RCT, em face da indeterminabilidade da utilidade económica daí decorrente.
  
             O Relator,
             João A. G. Gil de Oliveira


Processo n.º 738/2016
(Recurso Civil)
Data : 9/Março/2017

Recorrente : A

Objecto do Recurso : Despacho que indeferiu reclamação da conta


    ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
    I – RELATÓRIO
    1. A, mais bem identificada pelos sinais nos autos à margem cotados, em que é Primeira Ré e Recorrente, tendo sido notificada do despacho de fls. 4190, que admite o recurso por si interposto do despacho de fls. 4179 que indefere a reclamação da conta n.º 3693, vem, por este meio, , apresentar a respectiva ALEGAÇÃO, concluindo como segue:
    1. O critério geral de determinação do valor da causa (e o dos incidentes, quando outro não se ache expressamente previsto na lei) acha-se consagrado n.º 1 do Artigo 247° do Código de Processo Civil: "A toda a causa é atribuído um valor certo, expresso em moeda em curso legal em Macau, o qual representa a utilidade económica do pedido."
    2. No incidente de fixação do valor da causa o que está em causa é a discordância da parte para com o valor atribuído à causa pela outra, com único fundamento de que o valor atribuído pela outra parte à causa não está em conformidade com os critérios legais.
    3. Dir-se-á, ao contrário, que, para que o valor do incidente de verificação do valor da acção pudesse ser o valor que se pretende que a acção tenha, seria necessário que da procedência de tal incidente pudesse resultar, para qualquer das partes, uma alteração da utilidade económica da acção. Ora, aquilo que pode resultar da procedência do incidente de verificação de valor é apenas a conformação do valor da acção com a utilidade económica do pedido na mesma deduzido, e não uma alteração do valor dessa mesma utilidade.
    4. Com um incidente de fixação de valor da causa o interesse imediato prosseguido pela parte que suscita a questão é a alteração do valor fixado pela outra parte, em cumprimento dos critérios legais para a sua fixação
    5. Se o que está em causa na determinação do valor da causa é a utilidade económica do pedido, da apreciação pelo Tribunal do incidente de verificação do respectivo valor não resulta qualquer utilidade económica para qualquer das partes!
    6. O efeito único e exclusivo de tal incidente é a determinação da real utilidade económica da causa, não tendo a procedência ou improcedência do incidente de verificação do valor da causa, considerado em si mesmo, qualquer utilidade de cariz subjectivo para as partes.
    7. Não existindo qualquer utilidade económica num incidente de fixação do valor ou, existindo, é indeterminável a utilidade económica imediata do incidente de fixação do valor da causa, forçoso será aplicar ° disposto no artigo 15.º devendo V. Exas. (sic) "fixar a taxa de Justiça em função da complexidade, do processado a que deu causa ou da sua natureza manifestamente dilatoria, entre metade de 1 UC e 10 UC."
    8. Um dos possíveis efeitos prático-processuais do incidente de verificação do valor da causa é o da diferente tributação da causa. Dir-se-ia, assim, que a utilidade do referido incidente de fixação do valor da causa seria uma finalidade tributária, i.e., a resultante da alteração do valor tributário e, consequentemente, das custas devidas aos Cofres da Justiça.
    9. Se a sua específica utilidade, afinal, se traduz na diferente tributação da acção -ou, mais precisamente, no aumento do valor da taxa de justiça aplicável à causa, a utilidade económica do incidente deveria ser determinada pela diferença entre a tributação da acção resultante da aplicação do valor atribuído à causa pelos Autoras e a que resultaria da aplicação valor que a ora Recorrente pretendeu que - por via do incidente - fosse atribuído à causa.
    10. A diferença aritmética entre ambos é de MOP83.693.200,00
    11. É., por conseguinte, este o valor que corresponde à utilidade económica do incidente nos termos do critério supra enunciado, devendo ser este o valor do incidente de fixação do valor da causa, nos termos do conjuntamente disposto nos artigos 247.° 248.º e 255.°, todos do CPC.
    12. A que corresponde uma taxa de justiça de MOP 182.400,00.
    13. Aplicando-se, nos termos do disposto no Artigo 14.°/1 al. r) do RCT, uma redução de 1/4 a taxa de justiça da tabela, com o que a taxa de justiça correspondente seria 1/4 de MOP 182.400,00 = MOP 45.600,00 (quarenta e cinco mil e seiscentas patacas).
    14. A regra geral quanto ao valor dos incidentes é o de que os mesmos têm o valor da causa a que respeitam, salvo se o incidente tiver realmente valor diverso do valor da causa
    15. Pelo que, na hipótese em que V. Exas. não entendam conforme demonstrado nos capítulos precedentes, é forçoso concluir que o incidente de valor não tem realmente um valor diverso do valor da causa, sendo o seu valor, obrigatoriamente, o valor da causa a que diz respeito, tal como fixado pelo tribunal.
    16. Com o que, o valor do incidente de fixação do valor da causa terá, forçosamente, de ser o valor da causa, tal como detenninado pelo despacho de fls. 3036 e ss. dos Autos, i.e. o valor do incidente deverá ser de MOP. 1.000.001,00 (um milhão e uma Pataca).
    17. Não existe, nem no Código de Processo Civil, nem do Regulamento das Custas nos Tribunais, qualquer norma especial quanto à determinação do valor de um incidente de fixação de valor da causa, sendo aplicável o regime do artigo 255.° CPC.
    18. Como ensina o Exmo. Professor Doutor ALBERTO DOS REIS1 (sic) "Em regra o valor dos incidentes é o da causa a que respeitam. Esta regra não sofre excepção quando o processo do incidente se encorpora no da acção, isto é, quando os actos e termos do incidente são processados nos próprios autos da acção, como sucede geralmente."
    19. O incidente do valor da acção correu nos próprios autos, e não por apenso ao mesmo, tendo sido objecto de decisão no próprio saneador-sentença proferido nos autos.
    20. Com o que, em cumprimento do disposto no artigo 255.°, n.º 1, do CPC, deverá ser fixado o valor do incidente por referência à causa a que respeita.
    21. Fixando-se o valor do incidente por referência ao valor da causa em MOP. 1.000.001,00 e aplicado ao referido incidente a taxa de justiça da tabela reduzida a 1/4 (artigo 14.°, n.º 1, alínea r) do RCT) no valor de MOP 2.900,00 (duas mil e novecentas Patacas).
    22. Não pode dizer-se, para obstar às conclusões a que se chegou em cada um dos capítulos anteriores, que o facto de a ora Recorrente ter, cm cumprimento do disposto no artigo 256.°, n.° 1, do CPC oferecido outro valor em substituição do indicado pelas Autoras, é esse o valor da utilidade económica do incidente.
    23. A ora Recorrente impugnou o valor da causa indicado pelas Autoras por entender que o objecto da acção era diferente do indicado pelas Autoras.
    24. Contudo, foi entendimento do próprio Tribunal a quo, tal como resulta do próprio saneador-sentença (que, lembre-se, transitou em julgado), que o valor indicado pela ora Recorrente para a acção estava incorrecto.
    25. No entendimento do Tribunal recorrido, o objecto da causa não eram os actos translativos da propriedade sobre as acções da ora Recorrente, e, consequentemente, a ora Recorrente terá indicado erradamente o objecto da acção e quantificado, também incorrectamente, a utilidade económica do pedido contra si deduzido
    26. Com o que, no próprio entendimento do Tribunal a quo, o valor oferecido na Contestação - tanto para a causa, como para o incidente - não tinha qualquer ligação com o objecto da causa, muito menos tendo qualquer ligação com a utilidade económica imediata e real da acção ou do incidente
    27. Com o que é de concluir que o valor proposto pela ora Recorrente em substituição do valor indicado pelas Autoras é de todo em todo irrelevante para efeitos de determinação do valor do incidente de fixação do valor da causa, pois que, não tenham qualquer conexão com o pedido e, mais concretamente, com o beneficio pretendido pelas partes com a causa, tal valor não traduziria qualquer interesse económico para as partes e, consequente, base relevante para a respectiva tributação.
    28. Dispõe o n.º 2 do artigo 5.° do RCT que (sic) "O valor declarado pelas partes é atendido quando não seja inferior ao que resultar dos critérios legais."
    29. Resulta do artigo supra transcrito é que quando as partes acordem num valor da causa não inferior ao valor resultante dos critérios legais, dever-se-á atender ao valor acordado pelas partes para efeitos de tributação.
    30. Situação que não se verifica nos presentes autos.
    31. Com o que não se verifica o requisito e pressuposto de aplicação da norma do artigo 5.°, n.º 2, do RCT, não podendo o tribunal a quo utilizar tal artigo como fundamento para (sic) "cobrar o máximo".
    Normas jurídicas violadas pela decisão de que ora se recorre (indicação feita nos termos do disposto da alínea a) do n.º 2 do artigo 598.° do Código de Processo Civil): artigos 247.°, 248.°, 255.° e 258.°, todos do Código de Processo Civil, e artigos 5.° e 15.° do Regime de Custas nos Tribunais.
    Nestes termos, pede que seja o presente recurso julgado procedente, por provado e legalmente fundado, e, em consequência, seja a conta reformada em conformidade.
    

2. O recurso não foi contra-alegado:
    
    3. O Exmo Senhor Procurador-Adjunto oferece o seguinte douto parecer:
    Nos termos dos arts. 247° a 261º do CPC, a verificação do valor de causa constitui um incidente da instância típico.
    Repare-se que no caso sub judice, a quantia proposta pela ora recorrente no incidente de verificação do valor de causa não foi aceite pelo tribunal a quo como valor de causa, nem produz repercussão para determinar a forma do processo e em relação da causa com a alçada.
    Nesta linha de ponderação, e ainda por não se divisar a utilidade económica dessa quantia para a recorrente, afigura-se-nos que a mesma não deve ser considerado sendo valor do próprio incidente de verificação do valor de causa para efeitos de cálculo as custas devidas pelo mesmo incidente e, na nossa modesta opinião, a efectiva utilidade económica de incidente de verificação do valor de causa é indeterminável.
    Sendo assim, e atendendo que na estrutura do CPC, tal incidente fica ao lado dos demais mencionados no art. 15º do Regime das Custas nos Tribunais em vigor, inclinamos a entender que ao caso sub specie se devia aplicar este norma legal. Daí decorre a procedência do recurso por alegações fls.4205 a 4227 dos autos
***
    Por todo o expendido acima, propendemos pela procedência do recurso em apreço.
    
    4. Foram colhidos os vistos legais.
    
    II - Despacho recorrido:
    É do seguinte teor o despacho recorrido:
    “A folhas 4151 a 4164 vem a requerente A reclamar da contagem das custas pelo decaimento no incidente de verificação do valor da causa, entendendo que a contagem das custas devidas por este incidente não pode ter por base o pressuposto de que a utilidade económica do incidente seja determinável e de que, sendo-o, a mesma utilidade deva ser igual ao valor que a acção teria após a procedência desse incidente, concluindo a reforma da conta nos termos peticionados a fls. 4156 que aqui se dá por integralmente reproduzidos.
    A folhas 4164 a 4169 vem a requerida B, aliás, B1 reclamar da conta pela imputação a si das custas:
    
    a) atinentes à reconvenção que deduziu;
    b) atinentes ao desentranhamento da tréplica; e
    c) pela totalidade das custas do recurso que interpôs a fls. 3117.
    concluindo a reforma da conta nos termos peticionados a fls. 4165 a 4168 que aqui se dá por integralmente reproduzidos.
    Pelo contador foi prestada informação e o Ilustre Magistrado do Ministério Público emitiu parecer.
    Cumpre assim apreciar e decidir.

Da reclamação de contas apresentada pela A
    A reclamante A pretende que a contagem das custas pelo decaimento no incidente de verificação do valor da causa seja calculada com a aplicação da norma prevista no artigo 15.º do RCT e não como fez o contador pela norma do artigo 14.º n.º 1 al. r).
    A norma do artigo 14.º n.º 1 al. r) dispõe o seguinte: "A taxa de justiça é reduzida a um quarto nos seguintes casos: (…) r) outas questões legalmente designadas ou configuradas como incidentes, sem prejuízo do disposto no artigo seguinte".
    E o artigo 15.° do RCT dispõe que "Nas ocorrências estranhas ao desenvolvimento normal da lide que devam ser tributadas segundo os princípios que regem a condenação em custas e na incompetência, nos impedimentos, nas suspeições, na habilitação, na falsidade, na produção antecipada de prova, no desentranhamento de documentos e noutras questões incidentais cuja efectiva utilidade económica não seja determinável, a taxa de justiça é fixada pelo juiz em função da sua complexidade, do processado a que deu causa ou da sua natureza manifestamente dilatória, entre metade de 1 UC e 10 UC.".
    Ora, o incidente do valor da causa é um dos incidentes especificados no CPC (artigos 247.° a 261.° do CPC), e conjugado com o disposto na al. r) do n.º 1 do artigo 14.° do RCT onde se refere: "outas questões ... configuradas como incidentes" (o sublinhado é nosso), dúvidas não restarão que há-de aplicar a norma do artigo 14.° n.º 1 al. r).
    Anota-se que a redução prevista no n.° 2 do mesmo preceito não opera ope legis, mas sim ope judieis.
    Não tendo na altura fixada pelo Tribunal, não tem o reclamante direito à referida redução.
    Por outro lado, realça-se que o incidente do valor está ligado à utilidade económica da acção e não influencie determinantemente o valor tributário da acção.
    Ademais, reza o artigo 5.º n.º 2 do RCT que o valor declarado pelas partes é atendido quando não seja inferior ao que resultar dos critérios legais. Por seu turno o n.º 3 do mesmo preceito diz que as custas são calculadas pelo valor do pedido inicial, ainda que este venha a ser reduzido por iniciativa do autor ou do tribunal ou por acordo das partes. Nesta perspectiva, a regra legal manda nos resquícios de cobrar o máximo.
    Tendo a Reclamante feito para que a acção tivesse um valor superior, não faria sentido que o valor oferecido pela Reclamante não tivesse utilidade económica aquando da discussão do objecto da lide que tinha decorrido.
    Nestes termos, improcede-se a reclamação requerida, uma vez que nenhum reparo merece quanto à conta elaborada.
    Custas pelo incidente, fixando-se em 3 UC a cargo da A.”
    
    III - FUNDAMENTOS
    1. A recorrente reclamou da conta na parte em que lhe foi imputada uma taxa de justiça arbitrada em função do valor que defendia que a acção devia ter, em sede de incidente de verificação do valor da causa.
    O Mmo Juiz decidiu manter esse valor, nos termos do despacho acima proferido, e é desse despacho que vem interposto o presente recurso.
    A questão que se coloca é a de saber se deve ser aplicado ao incidente a taxa prevista no art. 14º do RCT, em particular, a previsão do n.º1, r)
    - “1. A taxa de justiça é reduzida a um quarto nos seguintes casos:
    (…)
    r) Outras questões legalmente designadas ou configuradas como incidentes, sem prejuízo do disposto no artigo seguinte. (…)”
     ou, se a situação cai na previsão do artigo 15º
    - “Nas ocorrências estranhas ao desenvolvimento normal da lide que devam ser tributadas segundo os princípios que regem a condenação em custas e na incompetência, nos impedimentos, nas suspeições, na habilitação, na falsidade, na produção antecipada de prova, no desentranhamento de documentos e noutras questões incidentais cuja efectiva utilidade económica não seja determinável, a taxa de justiça é fixada pelo juiz em função da sua complexidade, do processado a que deu causa ou da sua natureza manifestamente dilatória, entre metade de 1 UC e 10 UC.” -
    
    2. Somos a acolher a posição do Exmo Senhor Procurador-Adjunto com base nos argumentos que adiante se explicitarão.
    Desde logo a própria norma inserta na al. r) do n.º 1 do art. 14º, salvaguarda a aplicação do artigo seguinte, ou seja, do art. 15º, por sua vez aplicável às questões incidentais cuja efectiva utilidade económica não seja determinável.
    Não está em causa a determinabilidade do valor – sobre esse não parece haver qualquer dúvida, seja no montante oferecido, seja no montante do valor da acção, seja no valor das taxas que devam ser pagas em função daqueles dois valores atrás referidos -, mas sim a determinabilidade da utilidade económica para a parte que pugna para que a acção tenha um determinado valor.
    Afastamos logo a postura que perpassa pela informação do contador, ao referir que quem lutou para que a acção tivesse um determinado valor, deve suportar os custos inerentes a essa pretensão em função do valor defendido, o que soa a algum “revanchismo” e não se coaduna com as regras aplicáveis. Se a parte decaiu no incidente, deve pagar sim, mas pelo devido, e a sua condenação em custas não se pode traduzir num castigo desmesurado e injusto.
    A este propósito, interessa desde já destacar que a correcção do valor para o adequar aos fins e utilidade decorrente da causa e discussão da lide não é apenas um problema das partes, mas da própria lei que impõe até que oficiosamente se possa corrigir o valor e fazer a acção correr e ser contada em termos de adequação do respectivo valor aos critérios que se mostram definidos na lei processual.
    Uma outra observação e que também se regista neste momento, que não nos parece deva ser descurada em toda a análise subequente, é o facto de o art. 255º do CPC determinar que o valor dos incidentes é o da causa a que respeitam que, no caso, é a de MOP1.000.001,00.

3. Importa, então, averiguar se aquele incidente cai na previsão do artigo 15º do RCT, situação salvaguardada pelo art. 14º, n.º r), como se viu.
Ora, neste particular aspecto, não conseguimos vislumbrar uma utilidade económica para a parte que pugna para que a acção tenha um determinado valor e não outro. Se pugna por uma quantia superior àquela que foi oferecida pela outra parte, não se vê onde esteja a utilidade económica, para si, dessa lide, na certeza de que, em princípio, o que daí decorre até será uma desvantagem, para si e para a parte contrária, traduzida na obrigatoriedade de maiores preparos para ambas as partes e, quanto a custas, nunca se sabe do desfecho final, podendo essa pretensão virar-se contra o próprio.
E se pensarmos em que uma parte pede menos do que a oferecida pela contraparte, então, também logo aí se observa que não advém dessa lide qualquer utilidade económica, traduzida em qualquer vantagem ou sacrifício imposto, em termos quantificáveis, porquanto não faria sentido que o valor do incidente, em caso de decaimento, se aferisse por um valor inferior àquele que decorre do valor fixado à causa, procurado até, eventualmente, para pagar menos custas na acção.
Daqui decorre que nos confrontaríamos em situações semelhantes com critérios diferentes: no primeiro caso, o valor para determinação da taxa seria o do pedido no incidente; no segundo caso, o do valor da acção, senão um valor abaixo deste, em função do valor oferecido no incidente, senão pelo benefício que retiraria dessa alteração de valor.
Nestes casos, os de o requerente do incidente de verificação do valor contrapor um valor inferior, aí sim, configuramos a possibilidade de ele se mover por uma razão economicista, pretendendo pagar menos custas na acção, descortinando-se nessa pretensão uma utilidade económica, mas determinável pelo benefício almejado e já não pelo valor oferecido.

Por regra, os resultados que se obtêm pela fixação de determinado valor – independentemente de se considerar a existência de um valor processual e de um valor tributário – têm principal incidência na fixação da alçada e na convocação de certos tribunais e instâncias para a resolução do litígio, o que, por si só também não concede nem retira utilidade económica a essa aferição.
    
    4. O critério geral de determinação do valor da causa acha-se consagrado n.º 1 do Artigo 247º do Código de Processo Civil: "A toda a causa é atribuído um valor certo, expresso em moeda em curso legal em Macau, o qual representa a utilidade económica do pedido."
    Compreende-se o estabelecimento deste critério que vai constituir um filtro no recurso à intervenção dos tribunais, ao mesmo tempo que se estabelece uma proporcionalidade entre os custos e os benefícios que devem estar presentes no acesso e na prestação de qualquer serviço e, assim, também, no da Justiça.
    A determinação do valor da causa pauta-se por critérios objectivos, traduzindo por norma uma patrimonialidade inerente aos benefícios almejados, havendo casos, porém, em que por se tratar de interesses imateriais, não é possível a tradução numa correspondência material determinável, ficando aí a sua aproximação a uma tradução patrimonial na disponibilidade do titular do interesse prosseguido em juízo, mas não deixando a lei de ficcionar um valor que lhe proporcione o maior leque possível de opções na tutela judicial dos interesses que pretende fazer valer em juízo, nomeadamente no acesso ao recurso ou aos tribunais que em seu entender lhe ofereçam maiores garantias de uma tutela judicial plena e mais eficaz, como resulta do art. 254º do CPC.
    
    Na verdade, configuram-se diferentes finalidades que, em abstracto, podem ser prosseguidas pela parte que deduz o incidente de verificação do valor: determinação da forma do processo da acção; estrutura do tribunal de primeira instância que procede ao julgamento da matéria de facto; admissibilidade de recurso ordinário das decisões proferidas; estrangulamento da parte contrária em vista dos custos da demanda, em particular se se se beneficia do apoio judiciário; benefício em termos de custas, etc.
    Tais finalidades serão umas, legítimas, outras, não tanto, mas a maioria - salvaguardando a que se traduz em pretender pagar menos custas, como acima se disse - não traduz uma utilidade económica directa ou indirecta. Estas finalidades, subjectivamente consideradas, perdem relevância, a partir do momento em que os critérios do valor da acção estão traçados na lei terão, como decorre dos artigos 247º, 248º, 249º, 251º, 252º, 253º.
    Ora, com um incidente de fixação de valor da causa o interesse imediato prosseguido pela parte que suscita a questão é a alteração do valor fixado pela outra parte, em cumprimento dos critérios legais para a sua fixação e se assim é, se o que está em causa na determinação do valor da causa é a própria utilidade económica do pedido, da apreciação pelo Tribunal do incidente de verificação do respectivo valor não resulta para as partes qualquer utilidade económica, antes o primeiro interesse seja o da correspondência entre o valor oferecido e o valor que a causa deve ter perante aqueles critérios legais.
    O que pode resultar da procedência do incidente de verificação de valor é apenas a conformação do valor da acção com a utilidade económica do pedido na mesma deduzido e desse procedimento tendente à alteração do valor não se divisa uma utilidade económica em si mesma.
    
    Digamos que há aqui um valor supra subjectivo que deve ser prosseguido pelo tribunal e, tanto assim, que o valor processual pode não corresponder ao valor tributário, podendo o juiz vir mais tarde, em face de novos elementos, vir a fixar um outro valor, diferente até daquele que tenha sido tacitamente acordado ou tido por assente – cfr. artigos 257º/1, 259º, 260º do CPC -, podendo até, aquando da realização da conta ser fixado um novo valor à acção – vd. art. 11º do RCT e 259º e 260º do CPC.
    Atente-se no facto de este incidente de fixação oficiosa do valor da causa estar abrangido por uma isenção objectiva de taxa de justiça, como flui do art. 3º /1/j) do RCT, o que reforça a ideia do que vínhamos dizendo, isto é, de que o apuramento do real valor da acção deve corresponder a factores objectivos e cuja indagação vai ao encontro de um superior interesse que decorre da aplicação das regras respeitantes a essa determinação, não podendo ficar essa indagação na disponibilidade das partes. Daí que o interesse na real determinação do valor da causa, indo ao encontro da indagação sobre a real utilidade dos interesses que se fazem valer na acção, não se traduzem em qualquer utilidade com valor económico determinável “a se”.
Há ainda outro argumentos de interpretação histórica e sistemática que corroboram a interpretação que ora se acolhe e ajuda a integrar o erro em que se terá laborado..
Em termos de direito comparado, passando os olhos pelo regime de custas português, inspirador do nosso ordenamento, observa-se que o incidente de verificação do valor da causa não está incluído no grupo dos incidentes tipificados e tributados em função de uma redução percentual da taxa de justiça, mas sim no “caldeirão” do art. 16º, onde se prevê residualmente uma tributação entre uma variação mínima e máxima de unidades de conta (art. 16º do Código das Custas judiciais, na versão do Código de 96 e em termos próximos do regime que rege no nosso ordenamento), tal como acontece entre nós, não deixando o Cons. Salvador de Costa de se pronunciar sobre o incidente em causa, de verificação do valor, incluindo-o nesta previsão.2
Assim continua a ser no actual Regulamento das Custas judiciais, onde o incidente de verificação de valor é taxado com 1 Uc (vd. Tabela II).
A prática concretizada no presente caso assenta num entendimento que vem do velho Código das Custas Judiciais do Ultramar, revogado pelo art. 11º do Dec.-lei n.º 63/99/m, informado por uma outra filosofia tributária e mesmo assim sem que as disposições normativas dispusessem expressamente nesse sentido, em cujo âmbito o comentador Barros Mouro3 - mesmo assim pronunciando-se sobre o regime então vigente em Portugal - defendia o critério que cegamente se pretendeu transpor para o novo regime de custas da RAEM.
Aliás, já o n.º 21 do art. 7º do velho Código de 1961, pré-vigente em Macau, previa a tributação dos incidentes nos termos estabelecidos nas leis do Processo em função do valor do processo em que surgissem, a não ser que por sua natureza, tivessem valor diferente e de que os autos constassem os elementos necessários para o determinar.
Daqui resultava já um critério que vem a iluminar o legislador actual e os códigos referidos, em termos de direito comparado, fazendo relevar o critério da determinabilidade do valor ou da utilidade económica do incidente, apartando-o do valor da acção.

Mostra-se assim desnecessário discorrer sobre qual o valor base sobre que deveria incidir a taxa de justiça, se o valor da acção (por aplicação do art. 255º/1 do CPC), se a diferença entre as taxas pagas e as que seriam devidas devendo essa ponderação ser feita ao abrigo do citado art. 15º do RCT, portanto, entre metade de 1 UC e 10UCs, devendo ordenar-se a reformulação da conta em conformidade com o ora decidido e a taxa que nessa conformidade se entenda ser concretamente de aplicar.
Não se fixará a taxa, nesta sede, por se entender que o tribunal a quo, onde o juiz condenou em custas a recorrente pelo incidente, deve ter pronúncia prévia sobre essa fixação, não sendo aqui aplicável o mecanismo da substituição, já que tal fixação se deve inserir no procedimento relativo à contagem do processo.
    IV – DECISÃO
    Pelas apontadas razões, acordam em conceder provimento ao recurso, e, revogando a decisão recorrida, devendo ser fixada a taxa de justiça ao incidente nos termos do artigo 15º do RCT de forma a reformular-se a conta em conformidade.
    Sem custas, vista a decisão proferida a favor do recorrente.
Macau, 9 de Março de 2017,
João A. G. Gil de Oliveira
Ho Wai Neng
José Cândido de Pinho


1 José Alberto dos Reis, in Comentário ao Código de Processo Civil, Vol. 3.°, Coimbra Editora, Coimbra, 1946, Páginas 667-668.
2 - Código das Custas judiciais, Anotado e Comentado, Almedina, 9.ª ed., 177
3 - Código das Custas Judiciais, 7.ª ed., Coimbra Editora, 51
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