Processo nº 67/2017
(Autos de Recurso Civil e Laboral)
Data: 16 de Março de 2017
ASSUNTO:
- Marca
- Capacidade distintiva
SUMÁRIO:
- A marca é um sinal distintivo de produtos e serviços de uma empresa dos de outras empresas, daí que o seu registo exige a capacidade distintiva.
- A expressão “Masters of Cuisine” é uma expressão genérica e usual na linguagem corrente ou nos hábitos leais e constantes do comércio, servindo para designar ou com o fim de designar a boa qualidade de produtos alimentícios, pelo que não possui capacidade distintiva para o efeito do registo como marca nos termos das al. b) e c) do nº 1 do artº 199º do RJPI.
O Relator,
Ho Wai Neng
Processo nº 67/2017
(Autos de Recurso Civil e Laboral)
Data: 16 de Março de 2017
Recorrente: A Entertainment Limited
Recorrida: B Limited
ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
I – Relatório
Por sentença de 27/07/2016, julgou-se improcedente o recurso interposto pela Recorrente A Entertainment Limited.
Dessa decisão vem recorrer a Recorrente, alegando, em sede de conclusão, o seguinte:
1) As marcas N/89946 a N/89950 ("MASTERS OF CUISINE") pretendidas registar pela requerente (ora Recorrida) são compostas única e exclusivamente por palavras de uso comum e corrente - vocábulos hoje utilizados para diversos fins desde que se queira assinalar que estamos perante produtos ou serviços de "excelência" e, nessa medida, não devem ser monopolizadas;
2) O sinal "MASTERS OF CUISINE" traduz-se numa expressão descritiva de uso banal para todo e qualquer bem ou serviço de comércio relacionado com a indústria da alimentação em geral, carecida de eficácia distintiva e isto, desde logo, porque é passível de ser utilizada por todos os agentes que actuam no mesmo sector de actividade;
3) "MASTERS OF CUISINE" é um slogan comercial, que pode ser usado por todos, todos os dias e em todo o mundo, não é assim adequado para constituir uma marca pois não se consegue individualizar em relação aos produtos que pretende assinalar;
4) Aceitar o registo do sinal "MASTERS OF CUISINE", perante a sua natureza comum e publicitária, assim garantido um exclusivo no seu uso à requerente (ora Recorrida), teria como contrapartida negar aos demais agentes económicos que usassem uma expressão que é vulgar ver-se empregada em relação a vários produtos ou serviços relacionados com a indústria da alimentação em geral;
5) O sinal registando é uma expressão publicitária que nada identifica e assim não distingue a origem dos produtos que a requerente (ora Recorrida) eventualmente pretenda oferecer dos produtos dos demais agentes económicos que se dediquem ao ramo alimentar e de turismo, incluindo restauração;
6) O sinal "MASTERS OF CUISINE" traduz-se, assim, numa expressão descritiva de uso banal para todo e qualquer bem ou serviço de comércio alimentício ou de restauração, carecida de eficácia distintiva e isto, desde logo, porque é passível de ser utilizada por todos os agentes que actuam nesses sectores de actividade;
7) A expressão "MASTERS OF CUISINE" carece de toda e qualquer capacidade distintiva como marca, sendo portanto o objecto das marcas N/89946 a N/89950 insusceptível de protecção, constituindo esse um fundamento geral de recusa, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 9.°, aplicável ex vi da alínea a), do n.º 1, do artigo 214.º e ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 197.°, todos do RJPI;
8) A expressão "MASTERS OF CUISINE" é também constituída por sinais que indicam a origem e a qualidade de prestação dos produtos, constituindo esse um fundamento de recusa previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 199° do RJPI; e
9) A expressão "MASTERS OF CUISINE" é ainda constituída por sinais e indicações usuais e de linguagem corrente no comércio em geral e no comércio em especial das empresas que operam nos sectores e indústrias do turismo, alimentação e restauração e alojamento hoteleiro na RAEM, constituindo esse igualmente um fundamento de recusa nos termos na alínea c) do n.º 1 do artigo 199º do RJPI.
10) É errado afirmar-se (como se faz na aliás douta sentença recorrida) que o deferimento dos pedidos de registo de marca "MASTERS OF CUISINE" não confere à requerente o exclusivo de usar cada um dos termos que compõem aquela expressão e portanto não prejudica que outros possam requerer outros pedidos de registo de marca usando os mesmos termos (combinados de outra maneira ou adicionando-lhes algo mais). O que a Recorrente pugna nestes autos é que não pode ser concedido (à requerente, ora Recorrida ou a qualquer outra entidade que formule um pedido de registo de marca nos mesmos termos) o direito de uso exclusivo da exacta expressão "MASTERS OF CUISINE" como marca.
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A Recorrida B Limited respondeu à motivação do recurso acima em referência nos termos constante a fls. 149 a 157 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, pugnando pela improcedência do recurso.
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Foram colhidos os vistos legais.
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II – Factos
Vêm provados os seguintes factos pelo Tribunal a quo:
- A Direcção dos Serviços de Economia concedeu a B Ld o registo das marcas N/89946 a N/89950, consistentes na seguinte expressão, “Masters of Cuisine” as classes id. nos apensos.
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III – Fundamentação
O presente recurso consiste em apreciar a expressão “Masters of Cuisine” possui ou não a capacidade distintiva, susceptível de ser objecto do registo como marca para as classes 29ª a 33ª.
Como se sabe, a marca é um sinal distintivo de produtos e serviços de uma empresa dos de outras empresas.
A constituição da marca, em princípio, é livre. Pode ser constituída por um sinal ou conjunto de sinais nominativos, fonéticos, figurativos ou emblemáticos, ou por uma e outra coisa conjuntamente. Pode ser ainda composta pelo formato de um produto ou da respectiva embalagem (artº 197º do RJPI).
Todavia, esta liberdade de composição da marca não é ilimitada.
A lei estabelece, a este respeito, várias restrições, uma das quais é justamente a constituição da marca tem de ser dotada de eficácia ou capacidade distintiva.
Assim, a marca não pode ser exclusivamente composta por sinais ou indicações que possam servir no comércio para designar a espécie, a qualidade, a quantidade, o destino, o valor, o lugar de origem, a época de produção dos produtos ou que se tenham tornado usuais na linguagem corrente ou nos hábitos leais e constantes do comércio (artº 199º do RJPI).
Referem-se aqui, nas palavras do Prof. Ferrer Correia, os chamados sinais descritivos dos produtos.
Para o mesmo autor, os sinais descritivos dos produtos só não poderão preencher, de per si, o conteúdo da marca se forem usados sem modificação. A proibição já não valerá quando, através de alterações gráficas e fonéticas, se lhes atribua um conteúdo original e distintivo.
No caso em apreço, a marca em causa é composta simplesmente pela expressão “Masters of Cuisine”, o que significa em português, salvo outra melhor tradução, “Mestres em Comidas”.
E visam assinalar as seguintes classes de serviços e produtos:
N/89946, para os produtos da classe 29, designadamente: “Conservas alimentícias, carne, peixe e aves, incluindo ninho de andorinha e barbatana de tubarão; extractos de carne; frutos e legumes em conserva, secos e cozinhados; geleias, incluindo geleia de tartaruga, doces, compotas, molhos de frutos; ovos, leite e produtos lácteos; óleos e gorduras alimentares; molhos para saladas; conservas; frutos secos, leite e lacticínios; sopas, preparações para sopas, pós para sopas, misturas para sopas, sopas enlatadas, sopas congeladas, ingredientes para fazer sopas (todas não medicinais); recheios; produtos alimentares em forma de pastas ou cremes para barrar; suplementos alimentares e suplementos nutritivos (excepto para uso medicinal); produtos naturais sendo preparações de plantas (excepto para uso medicinal); suplementos contendo plantas (excepto para uso medicinal)”;
N/89947, para os produtos da classe 30, designadamente: “Produtos de moagem; chá, cacau, produtos de cacau, incluindo bebidas à base de cacau; café, aromas de café, bebidas à base de café, preparações vegetais para substituição de café, café verde e chicórias; chocolate, bebidas à base de chocolate; cacau com leite, café com leite e chocolate com leite; sorvetes; pastelaria, incluindo bolos, biscoitos e biscoitarias, biscoitos de malte, bombons (incluindo caramelos e bombons com hortelã-pimenta), crepes, brioches, tostas, pastéis, incluindo de carne, empadas, sandwiches, decorações comestíveis para bolos, gomas, incluindo gomas de mascar, pastilhas, maçapão, pasta de amêndoas, amêndoas torradas, confeitaria à base de amêndoas, de amendoins; especiarias e bolos de especiarias, canela, temperos, incluindo açafrão, condimentos, incluindo caril, carvos-de-índia, curcuma para uso alimentar, noz-moscada; alcaçuz; doçarias para a decoração de árvores de Natal; cândi para uso alimentar, maltose, mel, melaço e xarope de melaço; sagú; arroz, massas, incluindo massas com ovos, aletria, tapioca e farinha de tapioca, esparguete, macarrão, ravioli; fermentos para massas e outros, levedura, matérias para engrossar gelados, pós para gelados, cremes gelados, fundentes, para confeitaria, amido e produtos amiláceos para uso alimentar, grãos de anis e anis estrelado, aromas - sem ser de óleos essenciais - e preparações aromáticas para uso alimentar, farinha de batata para uso alimentar, produtos de uso doméstico para activar a cozedura, engrossadores para a cozedura de produtos alimentares, sal de cozinha, sal para conservar os alimentos, glucose para uso alimentar, glúten para uso alimentar, hortelã-pimenta para a confeitaria, vanilina; flor de farinha, farinhas alimentares e comida à base de farinha; alimentos à base de aveia, farinha de aveia (cevadinha), flocos de aveia, aveia descascada, aveia esmagada, farinha de cevada; cevada descascada, cevada esmagada, fécula para uso alimentar, farinha de milho, flocos de milho, palhetas de milho (“corn flakes”), milho moído, milho torrado, milho torrado e aberto (“popcorn”), sêmola, farinha de trigo; petits-beurre e outros tipos de pão, incluindo ázimo, massa para bolos, pizas, pãezinhos; aromas, incluindo de baunilha, aromas para bebidas - sem ser de óleos essenciais -, aromas para bolos (óleos essenciais ou não), decorações comestíveis para bolos, formas para bolos, massa para bolos, pó para bolos, bolos de especiaria, pudins; produtos de uso doméstico para amaciar a carne; temperos; vinagres, incluindo vinagre de cerveja; molhos, incluindo molho ketchup; mostarda, farinha de mostarda; algas e outros condimentos; alcaparras; e gelo para refrescar”;
N/89948, para os produtos da classe 31, designadamente: “Produtos agrícolas, hortícolas, florestais e grãos (não compreendidos noutras classes); sementes de plantas, sementes e brotos, plantas brotadas da semente e outras plantas ou partes brotadas de semente para propagação; plantas e flores naturais; trigo; lúpulo (Cortex Phellodendri); animais vivos; frutos frescos; legumes frescos; fungos; produtos alimentares para animais; alimentos para animais; malte para fabrico de vinho; cereais; flores secas para decoração; milho; feijão (em estado bruto); micelios de cogumelos; alimentos para animais de estimação; amendoim; sementes de cereais; aditivos para alimentos para animais não medicinais”;
N/89949, para os produtos da classe 32, designadamente: “Cervejas, incluindo de malte e ou de gengibre; mosto de cerveja; águas, incluindo águas de mesa, águas minerais e águas gasosas, incluindo água de seltz e águas litinadas; sumos de frutos e ou vegetais e outras bebidas sem álcool, incluindo extractos de frutos sem álcool, bebidas à base de almece; produtos para o fabrico de águas, minerais e ou gasosas, preparações para fazer licores e outras bebidas, incluindo essências e xaropes, pós e pastilhas para bebidas e extractos de lúpulo para o fabrico de cerveja”; e
N/89950, para os produtos da classe 33, designadamente: “Bebidas alcoólicas (com excepção das cervejas), incluindo aguardentes, licores amargos, anis, anisete, araca, cidras, curaçau, genebra, hidromel, kirsch, seké, vinhos, whisky, extractos de frutos com álcool, álcool de hortelã-pimenta, essências alcoólicas, extractos alcoólicos, cocktails, espirituosos e, em geral, quaisquer bebidas destiladas e aperitivos”.
O Tribunal a quo entende que a expressão em causa possui capacidade distintiva para os serviços e produtos visados, nos termos e fundamentos seguintes:
“…
A questão a decidir reconduz-se a saber se ocorre motivo para recusar o registo das marcas composta pelos sinal “Master Of Cuisine”.
Dispõe o artº197 do RJPI que “só podem ser objecto de registo ao abrigo do presente diploma, mediante um título de marca, o sinal ou conjunto de sinais susceptíveis de representação gráfica, nomeadamente palavras, incluindo nomes de pessoas, desenhos, letras, números (....), que sejam adequados a distinguir os produtos ou serviços de uma empresa dos de outras empresas”.
Emerge deste enunciado legal, pois, que a marca deve, por definição e no cumprimento do seu escopo, ter relevantes capacidades distintivas, deve, pois, ser idónea per si, de individualizar uma espécie de produtos ou serviços.
Mais, a benefício da decisão, refere a lei, no artº199 nº1, al.c) do referido diploma, que “não são susceptíveis de protecção os sinais ou indicações que se tenham tornado usuais na linguagem corrente ou nos hábitos leias e constantes do comércio”
Nas palavras de Américo Carvalho, pretende-se com aqueles proibição “que não seja atribuído o exclusivo a alguém, de sinais ou denominações, cuja livre disponibilidade é necessário para que os empresários actuem eficientemente no mercado”.
Adianta.
“Na verdade, os sinais que se tenham tornado correntes na linguagem ou nos hábitos leais e constantes, não diftrem das marcas compostas exclusivamente por sinais que possam servir no comércio para designar a espécie, a qualidade do produto. Estes sinais têm de ser acessíveis a todos os comerciantes e dos quais nenhum pode ter o exclusivo” - Cfr. Autor cit., in Direito de Marcas, pág.253 e 254.
Isto posto, visto o teor da expressão em causa, outrossim o sentido da decisão, nos termos da qual não fica a Able com o uso exclusivo das expressões registandas (permitindo-se o uso por concorrentes desde que aditados de outro elemento que os diferencie da marca resgistanda), não vemos como dar provimento ao recurso.
A expressão (marca) sub judice vista no seu conjunto é susceptível de distinguir e marcar os produtos que visa assinalar em concreto, ou seja, de natureza alimentar, não obstante se lhe reconhecer maior vocação marcária para a restauração.
As marcas são compostas pela junção de palavras que, apesar de poderem ser consideradas de uso comum, quotidiano e banal, na conjugação em que surgem, por referência aos produtos que visa assinalar, adquirem capacidade distintiva, sendo que a sua natureza publicitária não é motivo para que lhe seja negado registo.
É consistente, igualmente, a referência feita pela DSE de que o conceito “capacidade distintiva”, não é absoluto, mas antes relativo. Releva, pois, não uma análise abstracta, mas uma abordagem concreta em face dos produtos que a marca visa assinalar e uma outra já registada (inexistente no caso).
Pelo exposto, fazendo nossos os demais argumentos da DSE constantes das suas decisões, improcede o recurso.
...”.
Salvo o devido respeito, não podemos sufragar o entendimento do Tribunal a quo.
Para nós, a expressão “Masters of Cuisine” é uma expressão genérica e usual na linguagem corrente ou nos hábitos leais e constantes do comércio, servindo para designar ou com o fim de designar a boa qualidade de produtos alimentícios, pelo que não possui capacidade distintiva para o efeito do registo como marca nos termos das al. b) e c) do nº 1 do artº 199º do RJPI.
Não ignoramos que o pedido de registo das marcas em referência foi deferido pela DSE sem no entanto conferido ao seu titular o direito de uso exclusivo das palavras “Masters” e “Cuisine”, porém, este facto nada altera a própria natureza da expressão em causa no sentido de não possuir a capacidade distintiva.
Por outro lado, afigura-se que o não uso exclusivo só se reporte às palavras “Masters” e “Cuisine” em si, o que já não acontece com a expressão “Masters of Cuisine” no seu conjunto como marca.
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IV – Decisão
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em conceder provimento ao recurso interposto, revogando a sentença recorrida e recusando o pedido do registo das marcas em referência.
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Custas pela Recorrida em ambas as instâncias.
Notifique e registe.
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RAEM, aos 16 de Março de 2017.
Ho Wai Neng
José Cândido de Pinho
Tong Hio Fong
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67/2017