Processo nº 117/2017
(Autos de recurso penal)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
Relatório
1. A, (1°) arguido com os restantes sinais dos autos, respondeu no T.J.B., vindo a final, a ser condenado como co-autor da prática em concurso real de 10 crimes de “burla de valor consideravelmente elevado”, p. e p. pelo art. 211°, n.° 1 e 4, al. a) do C.P.M., na pena de 2 anos e 9 meses de prisão cada, (assim como no pagamento das indemnizações no Acórdão discriminadas à assistente dos autos, “B, S.A.”).
Em cúmulo jurídico com as penas que lhe tinham sido aplicadas no âmbito do Processo CR2-15-0108-PCC, fixou-lhe o Tribunal a pena única de 6 anos de prisão; (cfr., fls. 313 a 323 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).
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Inconformado, o arguido recorreu, imputando à decisão recorrida o vício de “erro na aplicação do direito”, pugnando pela sua condenação como co-autor de “1 crime de peculato na forma continuada”, pedindo também a redução da pena; (cfr., fls. 334 a 339-v).
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Respondendo, diz o Ministério Público que o recurso não merece provimento; (cfr., fls. 350 a 355).
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Neste T.S.I., juntou o Exmo. Representante do Ministério Público o seguinte douto Parecer:
“Vem A impugnar o acórdão de 11 de Outubro de 2016, proferido no âmbito do processo comum colectivo CR2-16-0132-PCC, que, pela prática de dez crimes de burla qualificada da previsão do artigo 211.°, n.°s 1 e 4, alínea a), do Código Penal, o condenou na pena de 5 anos de prisão, resultante do cúmulo jurídico das dez penas parcelares de 2 anos e 9 meses, e que, operando o cúmulo das penas aplicadas neste processo com aquelas que haviam sido impostas no processo CR2-15-0108-PCC, fixou em 6 anos o tempo global de prisão a cumprir pelo recorrente.
Na motivação e respectivas conclusões, o recorrente questiona a qualificação jurídica dos factos delituosos que lhe foram imputados o número de crimes que a sua actuação integra, bem como a medida da pena, que considera excessiva.
Não creio que lhe assista razão, tal como o Ministério Público já fez questão de vincar na resposta à motivação do recurso.
Quer no que toca à qualificação jurídica dos factos, quer quanto à questão de saber se estamos perante uma unidade ou uma pluralidade de infracções, o acórdão teve o cuidado de justificar e explicitar a sua opção, com a qual estamos inteiramente de acordo.
As condutas integram crimes de burla porque foi utilizado artificio fraudulento pelos agentes, recorrente e demais co-autores, para ludibriar a ofendida, iludindo a vigilância por esta montada precisamente com o fito de dificultar a fraude e actuando na aparência de que o desfalque era resultado da álea inerente ao jogo. E, posto que se possa vislumbrar uma resolução inicial de colaboração entre os vários arguidos para atingirem o objectivo final de conseguirem apropriar-se de um montante elevado de dinheiro, certo é que, o esquema de rotação dos intervenientes nas operações, a diversidade dos montantes seleccionados em cada operação, as várias mesas de jogo utilizadas, a necessidade de adaptação às circunstâncias que em cada momento se depararam em função da afluência do público, constituem circunstâncias que, entre outras, obrigaram à renovação, em cada caso, do processo de motivação e de execução, o que, por um lado, confere respaldo à tese da pluralidade de infracções adoptada pelo acórdão e, por outro, afasta a hipótese de crime continuado. No que a esta hipótese respeita, como o acórdão bem explicou, a realização plúrima do tipo não ocorreu num quadro de solicitação exterior susceptível de diminuir acentuadamente a culpa, o que era de todo imprescindível, nos termos do artigo 29.°, n.° 2, do Código Penal, para se poder falar de crime continuado.
Quanto à medida concreta da pena constata-se que, contrariamente ao que vem afirmado pelo recorrente, o acórdão atendeu às circunstâncias a que, nos termos do artigo 65.°, n.° 2, do Código Penal, se impunha atender, como se vê da respectiva fundamentação. Não podia, obviamente, considerar o recorrente primário, em face do seu certificado de registo criminal junto ao processo, aliás reforçado pela certidão junta a fls. 376 e seguintes. De resto, o recorrente limita-se a afirmar que deveria ter sido julgado por todos os factos no mesmo processo, mas não aponta qualquer norma ou princípio que, no caso de julgamentos separados relativos a factos próximos no tempo, obrigue à desconsideração, no segundo processo, dos antecedentes criminais resultantes do primeiro julgamento.
Improcede, pois, a argumentação do recorrente, pelo que, salvo melhor juízo, deverá ser negado provimento ao recurso”; (cfr., fls. 464 a 465).
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Cumpre decidir.
Fundamentação
Dos factos
2. Estão provados e não provados os factos como tal elencados no Acórdão recorrido a fls. 316-v a 319, e que aqui se dão como integralmente reproduzidos.
Do direito
3. Vem o arguido recorrer do Acórdão do T.J.B. que o condenou como co-autor da prática em concurso real de 10 crimes de “burla de valor consideravelmente elevado”, considerando que se incorreu em “erro de direito”, pugnando pela sua condenação como co-autor de “1 crime de peculato na forma continuada”, e pedindo também a redução da pena.
Vejamos.
–– Quanto à questão de saber se em causa está o crime de “burla” ou de “peculato”, entende a maioria deste Colectivo que bem andou o Tribunal a quo, afastando a qualificação jurídico-penal pelo crime de “peculato”, (como pela assistente era imputado), e considerando que adequada era a decisão no sentido de em causa estar o crime de “burla”, p. e p. pelo art. 211° do C.P.M..
De facto, tendo em conta a factualidade dada provada, e da qual, em síntese, resulta que o arguido se encarregava de “alterar a aposta feita (para pagar o prémio)”, transferindo as fichas pelos outros arguidos colocadas em local de “aposta perdedora” para o de “aposta ganhadora”, (para assim poder pagar o prémio), entende-se que houve “meio enganoso sobre factos que provocou para obter enriquecimento ilegítimo causando prejuízo patrimonial à assistente”, o que evidencia a correcção da decisão proferida.
–– Apreciemos agora se a conduta do ora recorrente integra a prática de 1 “crime continuado”.
Pois bem, a “questão” não é nova, e, ainda, recentemente, perante “situações análogas”, foi tratada por este T.S.I., v.g., nos Acs. arestos de 26.05.2016, Proc. n.° 1044/2015, e de 19.01.2017, Proc. n.° 870/2016, com intervenção do mesmo Colectivo que, agora, novamente, sobre ela se debruça.
Aí, considerou-se (essencialmente) o que segue:
“Nos termos do art. 29° do C.P.M.:
“1. O número de crimes determina-se pelo número de tipos de crime efectivamente cometidos, ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente.
2. Constitui um só crime continuado a realização plúrima do mesmo tipo de crime ou de vários tipos de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico, executada por forma essencialmente homogénea e no quadro da solicitação de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente”.
E como também já tivemos oportunidade de consignar:
“A realização plúrima do mesmo tipo de crime pode constituir: a) um só crime, se ao longo de toda a realização tiver persistido o dolo ou resolução inicial; b) um só crime, na forma continuada, se toda a actuação não obedecer ao mesmo dolo, mas este estiver interligado por factores externos que arrastam o agente para a reiteração das condutas; c) um concurso de infracções, se não se verificar qualquer dos casos anteriores”; (cfr., também, o Ac. deste T.S.I. de 27.09.2012, Proc. n.° 681/2012, de 25.10.2012, Proc. n.° 653/2011 e de 28.02.2013, Proc. n.° 1006/2012).
Do mesmo modo, Maia Gonçalves, (referindo-se a idêntico artigo do C.P. Português), considera que com o preceito em questão – o art. 30° – se perfilha “o chamado critério teleológico para distinguir entre unidade e pluralidade de infracções, atendendo-se assim ao número de tipos legais de crime efectivamente preenchidos pela conduta do agente, ou ao número de vezes que essa conduta preencheu o mesmo tipo legal de crime. (...) É claro que embora o artigo o não diga expressamente, não se abstrai do juízo de censura (dolo ou negligência). Depois de apurada a possibilidade de subsunção da conduta a diversos preceitos incriminadores, ou diversas vezes ao mesmo preceito, tal juízo de censura dirá a última palavra sobre se, concretamente, se verificam um ou mais crimes, e se sob a forma dolosa ou culposa. Isto se deduz do uso do advérbio efectivamente e dos princípios basilares sobre a culpa”; (vd., “C.P.P. Anotado”, 8ª ed., pág. 268).
“Posto que para que uma conduta seja considerada delituosa se torna necessário que para além de antijurídica seja, igualmente, culposa, a culpa apresenta-se - assim - como elemento limite da unidade da infracção, pois que sendo vários os juízos de censura, outras tantas vezes o mesmo tipo legal de crime se torna aplicável, de onde se nos depare uma pluralidade de infracções.
Assente, então, que sempre que se verifique uma pluralidade de resoluções criminosas, se verifica uma pluralidade de juízos de censura, a dificuldade residirá, apenas, em verificar se numa determinada situação concreta existe pluralidade de resoluções criminosas ou se o agente age no desenvolvimento de uma única e mesma motivação criminosa”.
Isto é, o critério teleológico (e não naturalístico) adoptado pelo legislador na destrinça entre unidade e pluralidade de infracções, pressupõe o juízo de censurabilidade, pelo que haverá tantas infracções quantas as vezes que a conduta que o preenche se tornar reprovável.
No mesmo sentido, e em relação ao Código de 1886 afirmava já E. Correia que:
“Se a actividade do agente preenche diversos tipos legais de crime, necessariamente se negam diversos valores jurídicos e estamos, por conseguinte, perante uma pluralidade de infracções. Mas porque a acção, além de antijurídica, tem de ser culposa, pode acontecer que uma actividade subsumível a um mesmo tipo mereça vários juízos de censura. Tal sucederá no caso de à dita actividade corresponderem várias resoluções, no sentido de determinações de vontade, de realização do projecto criminoso”, e que “certas actividades que preenchem o mesmo tipo legal de crime e às quais presidiu pluralidade de resoluções devem ser aglutinadas numa só infracção, na medida em que revelam considerável diminuição da culpa. Tal sucederá, quando a repetição da actividade for facilitada, de modo considerável, por uma disposição exterior das coisas para o facto”; (cfr., “Direito Criminal”, Vol. 2, págs. 201, 202, 209 e 210, e ainda em “Unidade e Pluralidade de Infracções”, pág. 338).
Por sua vez, e tratando mais especificamente da matéria do “crime continuado”, também já teve este T.S.I. oportunidade de afirmar que:
“O conceito de crime continuado é definido como a realização plúrima do mesmo tipo ou de vários tipos de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico, executada por forma essencialmente homogénea e no quadro da solicitação de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente”, e que, a não verificação de um dos pressupostos da figura do crime continuado impõe o seu afastamento, fazendo reverter a figura da acumulação real ou material”; (cfr., v.g., o Ac. deste T.S.I. de 21.07.2005, Proc. n.°135/2005, de 28.02.2013, Proc. n.° 1006/2012, de 23.10.2014, Proc. n.° 531/2014 e mais recentemente de 14.01.2016, Proc. n.° 1067/2015).
Também recentemente, por douto Acórdão de 24.09.2014, Proc. n.° 81/2014, (e com abundante doutrina sobre a questão), voltou o Vdo T.U.I. a afirmar que:
“O pressuposto fundamental da continuação criminosa é a existência de uma relação que, de fora, e de maneira considerável, facilite a repetição da actividade criminosa, tornando cada vez menos exigível ao agente que se comporte de maneira diferente, isto é, de acordo com o direito”, e que,
“Os tribunais devem ser particularmente exigentes no preenchimento dos requisitos do crime continuado, em especial na diminuição considerável da culpa do agente, por força da solicitação de uma mesma situação exterior”.
Aqui chegados, vejamos.
Pois bem, em síntese, a matéria de facto dada como provada dá-nos conta que o ora recorrente, que nas datas da prática dos factos em questão trabalhava nas mesas de jogo do “Casino C”, e após sugestão de um outro indivíduo a quem devia HKD$70.000,00, aceitou em colaborar com o mesmo num plano para “desviar” quantias do casino aquando do desempenho das suas funções.
O plano implicava que o arguido, quando se encontrasse a trabalhar, e quando por aquele ou outro indivíduo solicitado para trocar fichas de jogo, entregasse um valor superior ao das fichas que lhe tinham sido entregues, beneficiando depois de parte dos “ganhos” obtidos.
Na sequência do assim “acordado”, e desde meados do mês de Outubro de 2013 até meados de Janeiro de 2014, desenvolveu o arguido a descrita conduta, efectuando um total de “79 trocas de fichas” (com montantes variados), causando um prejuízo total de HKD$407.900,00 e vindo ele a beneficiar de HKD$40.000,00 como recompensa pela sua participação na execução do plano.
Daí, a decisão da sua condenação como (co-)autor de um mesmo número de – 79 – crimes.
Porém, sendo esta a “situação fáctica” que se retira dos presentes autos, cremos que a decisão recorrida não é de manter.
Com efeito, da factualidade dada como provada resulta que o que existiu foi “uma única decisão/resolução” (assumida) no sentido de levar a cabo um “plano de trocas de fichas” de forma repetida e duradoura, (sempre que existissem as condições consideradas adequadas), aproveitando o período e tipo de trabalho do arguido/recorrente que lhe dava (pleno) acesso a um grande número de fichas de jogo de valor variado, sendo assim de se considerar que o que em causa está é uma “unidade de infracções”.
Na verdade, temos como adequado que se uma actividade criminosa for toda ela subsumível a um mesmo tipo legal, o número de infracções (“efectivamente cometidas”) dependerá do das resoluções que o agente tiver tomado: se uma (só), um só crime, se mais que uma, vários crimes, só neste caso – de pluralidade de resoluções – se colocando o problema da continuação criminosa.
Como se consignou no Ac. da Rel. de Lisboa de 20.01.1990, Proc. n.° 1258993, in B.M.J. 398°-575, “havendo uma só resolução e um só tipo legal violado, embora por várias vezes (tantas quantas os actos através das quais o facto se realiza), não se ultrapassa, em princípio, o domínio da unidade comum de infracções”.
Nesta conformidade, constatando-se a existência de uma única “resolução”, e assim, uma “unidade de infracções”, assim se decidirá; (no mesmo sentido, e em relação ao crime de “burla”, vd., v.g., o Ac. do S.T.J. de 18.02.1986, Proc. n.° 038214, in B.M.J. 354°-314 onde se consignou que “embora haja uma pluralidade de lesados, haverá um só crime se não houver uma pluralidade de juízos de censura mas antes uma única resolução”, e o já citado Ac. deste T.S.I. de 28.02.2013, Proc. n.° 1006/2012).
(…)”.
Ora, aqui chegados, e afigurando-se-nos que o entendimento assumido se apresenta como adequado, sendo assim de manter, à vista está a solução.
Com efeito, estamos perante uma idêntica situação de conluio entre o “croupier”, ora recorrente, e os outros 3 co-arguidos, que aproveitando-se das funções que aquele exercia no casino e do acesso que assim tinha às fichas de jogo para, abusivamente, “pagar prémios” – a apostas ainda que perdedoras/ou inválidas, (porque apenas feitas após se saber o resultado) – agindo em conformidade com um “plano inicialmente traçado” entre todos os arguidos, de desenvolver esta conduta sempre que o ora recorrente estivesse em serviço e lhes fosse possível, a fim de, assim, apoderarem-se da maior quantia que conseguissem.
Verificando-se assim que – como se disse – o que existiu foi “uma única decisão/resolução”, constata-se que, também no caso dos autos, nos confrontamos com uma “unidade de infracções”, havendo que se alterar o decidido em conformidade.
–– Quanto à “pena”.
Pois bem, aqui, e tal como se consignou também no atrás transcrito aresto deste T.S.I. de 25.06.2016, há que ter em conta que havendo uma “unidade de infracções”, importa considerar a “totalidade da quantia desviada” que, in casu, se cifra em HKD$6.410.000,00.
E, nesta conformidade, atenta a moldura penal aplicável – 2 a 10 anos de prisão; cfr., art. 211°, n.° 1 e 4, al. a) do C.P.M. – e ponderando nos critérios dos art°s 40° e 65° do C.P.M., notando-se que fortes são as necessidades de prevenção deste tipo de criminalidade, cremos que adequada se apresenta a pena de 5 anos de prisão.
Em sede de cúmulo jurídico com as penas aplicadas no processo n.° CR2-15-0108-PCC – duas penas de 1 ano e 9 meses de prisão – ponderando-se nos critérios do art. 71° do C.P.M., e não se olvidando que pelo T.J.B. foi aplicada uma pena única de 6 anos de prisão, há que decidir pela sua confirmação, sob pena de violação do “princípio da proibição da reformatio in pejus” consagrado no art. 399° do C.P.P.M..
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Por fim, uma nota.
Nos termos do art. 392° do C.P.P.M.:
“1. Sem prejuízo do disposto no artigo seguinte, o recurso interposto de uma sentença abrange toda a decisão.
2. Salvo se for fundado em motivos estritamente pessoais, o recurso interposto:
a) Por um dos arguidos, em caso de comparticipação, aproveita aos restantes;
b) Pelo arguido, aproveita ao responsável civil;
c) Pelo responsável civil, aproveita ao arguido, mesmo para efeitos penais.
3. Em caso de comparticipação, o recurso interposto contra um dos arguidos não prejudica os demais”.
Nesta conformidade, e tendo em atenção o estatuído no n.° 2, al. a) e 3 do transcrito comando legal, o atrás decidido quanto à qualificação jurídico-penal da conduta do ora recorrente como a prática de 1 só crime de “burla” do art. 211°, n.° 1 e 4, al. a) do C.P.M., aproveita os (1°, 3° e 4°) co-arguidos não recorrentes, D, E e F que nesta conformidade passam a ficar condenados.
Aqui chegados, tendo presente o estatuído no art. 393°, n.° 3 do C.P.P.M., e ponderando na factualidade dada como provada e nos critérios do art. 40° e 65° do C.P.M., cremos que igualmente adequada se mostra a pena de 5 anos de prisão para cada um destes (2°, 3° e 4°) arguidos.
Contudo, tendo em conta o que em relação a estes 3 arguidos foi decidido pelo T.J.B., em cúmulo jurídico com as penas que aos mesmos foram aplicadas no âmbito do processo CR2-15-0108-PCC, e em respeito pelo aludido art. 399° do C.P.P.M., decide-se confirmar, também aqui, a pena individual e única de 5 anos e 3 meses de prisão que lhes foi aplicada.
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Tudo visto, e outra questão não havendo a apreciar, resta decidir.
Decisão
4. Nos termos e fundamentos expostos, acordam conceder parcial provimento ao recurso, alterando-se a qualificação jurídico-penal efectuada nos exactos termos consignados, ficando o ora recorrente A, e os (2°, 3° e 4°) arguidos não recorrentes, D, E e F, condenados como co-autores de 1 (um) crime de “burla”, p. e p. pelo art. 211°, n.° 1 e 4, al. a) do C.P.M., mantendo-se, no restante, o decidido pelo T.J.B..
Pelo seu decaimento, pagará o recorrente a taxa de justiça que se fixa em 5 UCs.
Registe e notifique.
Nada vindo de novo, e após trânsito, remetam-se os autos ao T.J.B. com as baixas e averbamentos necessários.
Macau, aos 16 de Março de 2017
José Maria Dias Azedo (Segue declaração de voto)
Chan Kuong Seng
Tam Hio Wa
Processo nº 117/2017
(Autos de recurso penal)
Declaração de voto
Não obstante ter relatado o acórdão que antecede, não subscrevo a decisão de se considerar que o crime pelo recorrente (e restantes co-arguidos) cometido é o de “burla”, p. e p. pelo art. 211° do C.P.M., afigurando-se-me que em causa está o crime de “peculato”, p. e p. pelo art. 340°, n.° 1 e 336°, n.° 2, al. c) do mesmo Código, (em concurso aparente com o de “abuso de confiança” do art. 199°).
Com efeito, sob a epígrafe “Burla”, prescreve o referido art. 211°, n.° 1 que: “Quem, com intenção de obter para si ou para terceiro enriquecimento ilegítimo, por meio de erro ou engano sobre factos que astuciosamente provocou, determinar outrem à prática de actos que lhe causem, ou causem a outra pessoa, prejuízo patrimonial é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa”.
E, como em recente Acórdão do T.U.I. se considerou: “São elementos deste crime:
- Intenção do agente de obter para si ou para terceiro enriquecimento ilegítimo (dolo específico);
- Determinação, por parte do agente, de outrem à prática de actos que lhe causem, ou causem a outra pessoa, prejuízo patrimonial;
- Esta determinação ter sido levada a cabo por meio de erro ou engano sobre factos que o agente astuciosamente provocou”.
Aí, notou-se também tratar-se de “um crime de dano, que só se consuma com a ocorrência de um prejuízo efectivo no património do sujeito passivo da infracção ou de terceiro”, salientando-se, ainda, que “Tratando-se de um crime material ou de resultado a consumação da burla passa, assim, por um duplo nexo de imputação objectiva: entre a conduta enganosa do agente e a prática, pelo burlado, de actos tendentes a uma diminuição do património (próprio ou alheio) e, depois entre os últimos e a efectiva verificação do prejuízo patrimonial”; (cfr., o Ac. de 02.03.2017, Proc. n.° 73/2015).
Constata-se pois que para além do (imprescindível) “elemento subjectivo” (no que toca à “intenção do agente”), são “elementos objectivos” típicos deste crime: o “erro ou engano sobre os factos”, o “prejuízo patrimonial” (para a vítima ou outrem), e o “duplo nexo de causalidade” entre as condutas dos sujeitos activo, (o agente), e passivo, (a vítima), e entre a conduta deste e o respectivo resultado.
No caso dos autos, e como da factualidade dada como provada se colhe, o ora recorrente, “croupier” no casino da assistente, engendrou (com os restantes 3 co-arguidos) um plano que levaram a cabo, e que, em síntese, consistia no seguinte: estes, como jogadores, encarregavam-se de fazer apostas na mesa de jogo em que o recorrente se encontrava de serviço, cabendo-lhe assegurar que as apostas sairiam vencedoras, nem que para isso tivesse que as alterar, passando as fichas colocadas em local de “aposta perdedora” para o de “aposta ganhadora”.
Sendo o jogo o de “Bacará”, o recorrente, após já se saber do resultado do jogo, tirava as fichas pelos co-arguidos colocadas no local do “player” ou “banker” e punha no do “banker” ou “player”, consoante o resultado do jogo, pagando, seguidamente, a aposta em conformidade, (como se inicialmente feita na casa vencedora).
Verifica-se, assim, que o “plano” era, todo ele, executado pelo recorrente e restantes 3 co-arguidos, sem nenhuma – a mínima – intervenção da ofendida (ora assistente) que, sem dúvida, como entidade que explora o casino, sofreu o prejuízo patrimonial reportado nos autos.
Porém, e como cremos que sem esforço se alcança, a ora assistente, (pelo menos, “física” ou “pessoalmente”), não praticou nem um só acto que seja causa de tal prejuízo.
Aliás, (a assistente), é (completamente) alheia a todo o “desenrolar do plano”, (desde o seu início até à sua integral consumação), suportando, apenas, o “prejuízo”.
E, desta forma, (e para abreviar), adequado (também) não nos parece de considerar que, na situação dos autos, assumia (simultaneamente) o arguido o estatuto de sujeito “activo” e “passivo”, (de “agente” e “vítima”), provocando e incorrendo, intencionalmente, em erro ou engano, e, depois, (com pleno conhecimento deste “estado de coisas”), pagando.
Ora, é verdade que o “pagamento” é feito “em representação” (ou “por conta”) da assistente.
Porém, sem nenhum “acordo” ou “vontade”, (expressa ou tácita ou ainda que viciada) da assistente, e tendo apenas como pressuposto as funções profissionais do recorrente, (abusivamente exercidas), e o resultado das regras do jogo que implicam o pagamento de prémios às “apostas vencedoras”
Inexistem assim os atrás aludidos “nexos de causalidade”, inviável se nos apresentando desta forma a integração da factualidade (provada) como a prática do crime de “burla”.
Dest’arte, atento o preceituado no art. 340° do C.P.M. onde se prevê o crime de “peculato”, e considerando que, em boa verdade, a “troca de fichas para a aposta (ou casa) vencedora” constituía apenas o “meio” para encobrir e justificar um indevido (e abusivo) “pagamento do prémio”, afigura-se-nos que mais adequado é considerar que o que efectivamente sucedeu foi que os arguidos “apropriaram-se” de quantias da assistente, simulando (inexistentes) “apostas vencedoras e consequentes pagamentos de prémios”, a fim de ocultar o referido “prejuízo” e para não serem descobertos.
Nesta conformidade, e (se bem ajuizamos), em harmonia com o decidido no douto Ac. de T.U.I. de 22.07.2016, Proc. n.° 42/2016, mostra-se-nos que se devia qualificar a conduta do recorrente – e restantes arguidos – como a prática (em co-autoria) do crime de “peculato” (em concurso aparente com o de “abuso de confiança”, retirando-se as devidas consequências legais).
Daí, a presente declaração.
Macau, aos 16 de Março de 2017
José Maria Dias Azedo
Proc. 117/2017 Pág. 26
Proc. 117/2017 Pág. 25