Processo nº 185/2017
(Autos de recurso penal)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
Relatório
1. Por decisão de 15.11.2016 do T.J.B. declarou-se extinto, por prescrição, o procedimento criminal pela (eventual) prática de 1 crime de “burla”, p. e p. pelo art. 211°, n.° 3 do C.P.M., pelo Ministério Público imputado aos (1°, 2°, 3° e 4a) arguidos A, B, C e D com os restantes sinais dos autos; (cfr., fls. 432 a 434 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).
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Inconformado com o assim decidido em relação ao (2°) arguido B, o Ministério Público recorreu.
Na sua motivação de recurso e conclusões aí a final produzidas, afirma – em síntese – que a decisão, na parte recorrida, padece de “erro na aplicação do direito”, incorrendo em violação do art. 113°, n.° 1, al. d) do C.P.M.; (cfr., fls. 437 a 439-v).
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Respondendo, pugna o (2°) arguido recorrido pela confirmação da decisão recorrida; (cfr., fls. 448 a 451).
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Neste T.S.I., e em sede de vista juntou o Ilustre Procurador Adjunto o seguinte douto Parecer:
“Na Motivação de fls.437 a 439v. dos autos, a ilustre magistrada do M.°P.° delimita o presente recurso no douto despacho proferido pela MMa Juiz presidente do colectivo (vide. fls.432 a 434 dos autos), na parte de declarar a prescrição do procedimento penal em relação ao 2° arguido B.
Sem prejuízo do habitual e elevado respeito pela douta posição da MMa Juiz presidente a quo no despacho recorrido, subscrevemos inteiramente as criteriosas explanações na aludida Motivação.
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1. No caso sub iudice, é indisputável que em 02/09/2005 ocorreu o facto pelo qual o 2° recorrente foi acusado de ter praticado, em co-autoria material, um crime de burla p.p. pelo disposto no n.°3 do art.211 do Código Penal de Macau, o limite máximo da moldura penal aí estabelecida consiste na pena de prisão até 5 anos.
De acordo com o preceituado na alínea c) do n.°1 do art.110° e n.°1 do art.111° do CPM, o prazo de prescrição é de 10 anos contados desde o dia em que o facto se tiver consumado. Daqui decorre naturalmente que no vertente caso, a partir de 02/09/2005 se iniciou a contagem do prazo de prescrição é de 10 anos.
2. Note-se que em 03/02/2006 foi aplicada a medida de coacção do TIR ao 2° arguido (vide. fls.203 dos autos), e no mesmo dia ele prestou declaração de consentir ser julgado à revelia e ser lido o auto de interrogatório contra si lavrado no M.°P.° (vide. fls.206 dos autos).
No seu despacho datado de 29/01/2016 (cfr. fls.311 dos autos), a MMa Juiz titular marcou a data para julgamento em 15/11/2016.
Por força das disposições nas alíneas a) e d) do n.°1 do art.118° do CPM, aquele despacho de aplicação da medida de coacção bem como essa decisão de marcação do dia de julgamento conduzem inelutavelmente à interrupção da prescrição. Isto é, existem duas interrupções.
3. Importa ter presente que:
- O tempo decorrido desde o início da contagem até à 1ª interrupção, ocorrendo respectivamente em 02/09/2005 e 03/02/2006, é muito menos a 10 anos para efeito de prescrição;
- O tempo decorrido entre as sobreditas duas interrupções não se completou 10 anos, tendo lugar em 03/02/2006 e 29/01/2016 – este dia é a data do despacho de marcação da data de julgamento;
- O tempo compreendido desde o início da contagem até à data do despacho em escrutínio, respectivamente em 02/09/2005 e 15/11/2016, não chega a atingir ao prazo contemplado no n.°2 do art.113° do CPM;
- O tempo decorrido desde a 2ª interrupção até à data do despacho em questão, respectivamente em 29/01/2006 e 15/11/2016, igualmente é muito menos a 10 anos.
Tal factualidade patenteia inequivocamente que não se verifica in casu a prescrição do procedimento penal respeitante ao 2° arguido, mesmo se suponha que não surge entretanto nenhuma suspensão da prescrição.
Por todo o expendido acima, propendemos pela procedência do presente recurso”; (cfr., fls. 463 a 464).
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Cumpre decidir.
Fundamentação
2. Vem o Ministério Público recorrer da decisão atrás referida, na parte que diz respeito ao (2°) arguido B, afirmando que prescrito não está o procedimento criminal em relação a este arguido e que a decisão recorrida viola o estatuído no art. 113°, n.° 1, al. d) do C.P.M..
Sem demoras vejamos.
Com relevo para a decisão importa atentar no que segue:
- os factos subsumíveis ao (eventual) crime de “burla” imputado ao (2°) arguido, ora recorrido, ocorreram em 02.09.2005;
- em 03.02.2006, ao (2°) arguido em questão foi aplicada a medida de coacção de Termo de Identidade e Residência, tendo, nesta mesma data, declarado consentir que a audiência de julgamento tivesse lugar na sua ausência no caso de estar impossibilitado de comparecer; (cfr., fls. 205 e 206, e art. 315°, n.° 2, do C.P.P.M.);
- em 25.09.2015 deduziu o Ministério Público a acusação (de fls. 214 a 216) e, em 16.12.2015, pelo Mmo Juiz do T.J.B. foi proferido despacho de recebimento da acusação; (cfr., fls. 239 e art. 293° do C.P.P.M.);
- em 27.01.2016 foi designada a data para a audiência de julgamento; (cfr., fls. 311).
Ponderando no estatuído no art. 110°, n.° 1, al. c) do C.P.M. – onde se prevê que o “prazo de prescrição do procedimento” para o crime de “burla” nestes autos em questão, (punível com pena de prisão até 5 anos), é de 10 anos – considerando que o mesmo se iniciou no dia 03.02.2006, (com a aplicação ao arguido de uma medida de coacção), e que nenhuma (outra) causa da sua suspensão ou interrupção entretanto ocorreu, entendeu o Tribunal a quo que extinto (já) estava o dito prazo, assim o declarando na sua decisão de 15.11.2016, agora objecto do presente recurso.
Por sua vez, entende o Ministério Público (recorrente) que outra deve ser a decisão.
Considerando (também) o dia 03.02.2006 como o início do prazo de prescrição de 10 anos, entende que o mesmo se interrompeu em 27.01.2016, com o “despacho que designou a data para a audiência de julgamento”, isto, atento o facto de, no caso, ter o arguido consentido que a audiência de julgamento pudesse ter lugar na sua ausência se àquela não pudesse comparecer, afirmando haver assim violação do art. 113°, al. d) do C.P.M..
Pois bem, nos termos do art. 113° do C.P.M.:
“1. A prescrição do procedimento penal interrompe-se:
a) Com a notificação para interrogatório do agente como arguido;
b) Com a aplicação de uma medida de coacção;
c) Com a notificação do despacho de pronúncia ou equivalente; ou
d) Com a marcação do dia para julgamento no processo de ausentes.
2. Depois de cada interrupção começa a correr novo prazo de prescrição.
3. A prescrição do procedimento penal tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo normal de prescrição acrescido de metade; mas quando, por força de disposição especial, o prazo de prescrição for inferior a 2 anos, o limite máximo da prescrição corresponde ao dobro desse prazo”.
Face ao teor do transcrito comando legal, e como se pode ver do que consta das suas alíneas b) e d), é verdade que a prescrição do procedimento penal interrompe-se “com aplicação de uma medida de coacção” e “com a marcação do dia para julgamento no processo de ausentes”.
E, nesta conformidade, se o prazo de 10 anos de prescrição do procedimento criminal começou a correr em 02.09.2005, (data da prática dos factos que integravam o crime), o mesmo interrompeu-se em 03.02.2006, com a aplicação ao arguido ora recorrido da medida de coacção, (T.I.R.), havendo que se contar 1 novo prazo de 10 anos a partir desta data.
Assim sendo – notando-se também que tanto a “acusação” como o seu “recebimento”, não chegaram a ser notificados ao arguido, não se podendo assim considerar tais “factos” como originadores de uma nova “interrupção” (do novo prazo) – que dizer da “marcação do dia para julgamento”?
Cremos que a razão está do lado da Mma Juiz a quo.
É que, como se vê da citada “alínea d”, para a (uma nova) interrupção da prescrição, não basta a (mera) “marcação do dia para julgamento”, mas sim a dita marcação “em processo de ausentes”.
Ora, os presentes autos não tem a natureza de “processo de ausentes”.
O facto de o arguido em questão ter autorizado o julgamento sem a sua presença (para o caso de ao mesmo não poder comparecer), não converte (automáticamente) os presentes autos em “processo de ausentes”, (pelo menos, para efeitos de prescrição), e, assim, apenas com a sua (efectiva) “notificação” da referida data para o julgamento se poderia considerar novamente interrompido o prazo de prescrição.
Como nota L. Henriques, comentando a “alínea d” em questão:
“Este tipo de procedimento toma na devida conta a circunstância de o arguido, levado a julgamento, se encontrar “incontactável” para receber as notificações que sejam devidas.
Quando assim acontece, o que conta para efeitos de interrupção da prescrição é já não a notificação da data da audiência (que se impossibilitou) mas a do próprio despacho que designou essa data, demonstrativo de que a intenção do Estado, apesar da incontactabilidade do arguido, é que este seja julgado e avaliado pela sua conduta criminal”; (in, “Anot. e Com. ao C.P.M.”, Vol. II, pág. 534).
Verificando-se que a notificação da data do julgamento foi apenas expedida por C.R./A.R. em 19.04.2016, (cfr., fls. 314), há que consignar que decorrido estava o (novo) prazo de 10 anos, correcta se apresentando a decisão recorrida.
Outra questão não havendo a apreciar, resta decidir.
Decisão
3. Nos termos e fundamentos expostos, em conferência, acordam negar provimento ao recurso.
Sem tributação por dela estar o Recorrente isento.
Honorários ao Exmo. Defensor do arguido no montante de MOP$1.800,00.
Registe e notifique.
Nada vindo de novo, e após trânsito, remetam-se os autos ao T.J.B. com as baixas e averbamentos necessários.
Macau, aos 16 de Março de 2017
José Maria Dias Azedo
Tam Hio Wa
Chan Kuong Seng (com declaração de voto)
Declaração de voto ao Acórdão de 16 de Março de 2017 do
Tribunal de Segunda Instância no Processo n.º 185/2017
Discordo do acórdão hoje proferido por este Tribunal de Segunda Instância nos presentes autos recursórios n.o 185/2017, porquanto entendo que em relação ao 2.º arguido, não está ainda prescrito o procedimento criminal processado nos subjacentes autos penais, por razões seguintes, em súmula:
– a este arguido foi aplicada, em 3 de Fevereiro de 2006, a medida de coacção da prestação do termo de identidade e residência (TIR), o que significa que aquando da prestação efectiva do seu TIR nesse mesmo dia (a fls. 205 a 205v dos autos), a ele já foi dado conhecimento da sua obrigação, nomeadamente, de “não mudar de residência nem dela se ausentar por mais de 5 dias sem comunicar a nova residência ou o lugar onde possa ser encontrado” (art.º 181.º, n.º 2, do Código de Processo Penal);
– e nessa mesma data, ele declarou (a fl. 206 dos autos), nos termos permitidos pelo art.º 315.º, n.º 2, deste Código, consentir que a audiência de julgamento tivesse lugar na sua ausência;
– por isso, ele não é um arguido revel (para os efeitos a relevar dos art.os 316.º e 317.º do Código de Processo Penal), e como tal o processo, em relação a ele, também não é um “processo de ausente”;
– daí que a devolução (a fl. 251 dos autos) (ainda que com fundamento na “insuficiência do endereço”) da carta (com registo postal datado de 30 de Setembro de 2015 – cfr. a fl. 219v) de notificação da acusação (deduzida em 25 de Setembro de 2015 a fls. 214 a 216) desse 2.º arguido, então expedida para a residência por ele declarada no TIR, não pode relevar jusprocessualmente como “a ainda não notificação” dele da acusação;
– devendo, assim, considerar-se jusprocessualmente que ele já foi notificado, por via postal, da acusação, o prazo da prescrição já ficou suspenso a partir da notificação da acusação, pelo período máximo de três anos enquanto estiver pendente o processo, nos termos conjugados do art.º 112.º, n.º 1, alínea b), primeira parte, e n.º 2, do Código de Processo Penal.
Procede, pois, na minha opinião, o recurso do Ministério Público, com todas as consequências legais daí advenientes.
Macau, 16 de Março de 2017.
O primeiro juiz-adjunto,
Chan Kuong Seng
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