Processo nº 934/2016(I)
(Autos de recurso penal)
(Incidente)
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:
Relatório
1. No âmbito dos presentes Autos de Recurso Penal proferiu o ora relator a seguinte “decisão sumária”:
“Relatório
1. A, com os restantes sinais dos autos, respondeu no T.J.B., vindo a ser condenada pela prática como autora material e em concurso real de 1 crime de “difamação” e 1 outro de “injúria”, p. e p. pelos art°s 174°, n.° 1 e 175°, n.° 1 do C.P.M., fixando-lhe a Mma Juiz as penas parcelares de 2 meses e 15 dias e 1 mês de prisão, respectivamente, e, em cúmulo jurídico, a pena única de 3 meses de prisão, suspensa na sua execução por 1 ano e 6 meses, na condição de, no prazo de 6 meses, pagar MOP$3.800,00 à assistente dos autos; (cfr., fls. 524 a 535-v que, como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).
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Inconformada, a arguida recorreu para (tão só) imputar à decisão recorrida o vício de “erro notório na apreciação da prova”, pedindo a sua consequente absolvição; (cfr., fls. 562 a 580).
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Respondendo, diz o Ministério Público que o recurso não merece provimento; (cfr., fls. 587 a 594).
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Neste T.S.I., juntou o Ilustre Procurador Adjunto douto Parecer pugnando também pela improcedência do recurso; (cfr., fls. 606 a 608).
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Em sede de exame preliminar constatou-se da manifesta improcedência do presente recurso, e, nesta conformidade, atento o estatuído no art. 407°, n.° 6, al. b) e 410°, n.° 1 do C.P.P.M., (redacção dada pela Lei n.° 9/2013, aplicável aos presentes autos nos termos do seu art. 6°, n.° 1 e 2, al. 2), passa-se a decidir.
Fundamentação
Dos factos
2. Estão provados e não provados os factos como tal elencados na sentença recorrida a fls. 528-v a 530-v, e que aqui se dão como integralmente reproduzidos.
Do direito
3. Como se deixou relatado, vem a arguida recorrer da sentença que a condenou como autora da prática em concurso real de 1 crime de “difamação” e 1 outro de “injúria”, p. e p. pelos art°s 174°, n.° 1 e 175°, n.° 1 do C.P.M., nas penas parcelares de 2 meses e 15 dias e 1 mês de prisão, respectivamente, e, em cúmulo jurídico, na pena única de 3 meses de prisão, suspensa na sua execução por 1 ano e 6 meses, na condição de, no prazo de 6 meses, pagar MOP$3.800,00 à assistente dos autos.
Assaca à decisão recorrida o vício de “erro notório na apreciação da prova”, pedindo a sua absolvição.
Porém, e como se nos apresenta evidente, não tem razão, totalmente inviável sendo a sua pretensão.
De facto, e como temos repetidamente afirmado, “O erro notório na apreciação da prova existe quando se dão como provados factos incompatíveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou, ou que se retirou de um facto tido como provado uma conclusão logicamente inaceitável. O erro existe também quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada, as regras de experiência ou as legis artis. Tem de ser um erro ostensivo, de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores”.
De facto, “É na audiência de julgamento que se produzem e avaliam todas as provas (cfr. artº 336º do C.P.P.M.), e é do seu conjunto, no uso dos seus poderes de livre apreciação da prova conjugados com as regras da experiência (cfr. artº 114º do mesmo código), que os julgadores adquirem a convicção sobre os factos objecto do processo.
Assim, sendo que o erro notório na apreciação da prova nada tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto do Tribunal e aquela que entende adequada o Recorrente, irrelevante é, em sede de recurso, alegar-se como fundamento do dito vício, que devia o Tribunal ter dado relevância a determinado meio probatório para formar a sua convicção e assim dar como assente determinados factos, visto que, desta forma, mais não se faz do que pôr em causa a regra da livre convicção do Tribunal”; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 03.11.2016, Proc. n.° 759/2016, de 07.12.2016, Proc. n.° 177/2016 e de 12.01.2017, Proc. n.° 498/2016).
Como também já tivemos oportunidade de afirmar:
“Erro” é toda a ignorância ou falsa representação de uma realidade. Daí que já não seja “erro” aquele que possa traduzir-se numa “leitura possível, aceitável ou razoável, da prova produzida”.
Sempre que a convicção do Tribunal recorrido se mostre ser uma convicção razoavelmente possível e explicável pelas regras da experiência comum, deve a mesma ser acolhida e respeitada pelo Tribunal de recurso.
O princípio da livre apreciação da prova, significa, basicamente, uma ausência de critérios legais que pré-determinam ou hierarquizam o valor dos diversos meios de apreciação da prova, pressupondo o apelo às “regras de experiência” que funcionam como argumentos que ajudam a explicar o caso particular com base no que é “normal” acontecer.
Não basta uma “dúvida pessoal” ou uma mera “possibilidade ou probabilidade” para se poder dizer que incorreu o Tribunal no vício de erro notório na apreciação da prova; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 22.09.2016, Proc. n.° 528/2016, de 29.09.2016, Proc. n.° 630/2016 e de 12.01.2017, Proc. n.° 382/2016).
No caso – e como bem se vê da extensa e cuidada fundamentação pelo Tribunal a quo exposta na sentença ora recorrida, (cfr., fls. 530-v a 532-v) – a apreciação da prova apresenta-se-nos equilibrada e sensata, explicitando-se, de forma clara e lógica, os motivos que levaram à convicção e decisão em questão, não se vislumbrando qualquer desrespeito a (qualquer) regra sobre o valor da prova tarifada, regra de experiência ou legis artis, mostrando-se de concluir que mais não faz a recorrente que afrontar a (livre) convicção do Tribunal, formada em conformidade com o estatuído no art. 114° do C.P.P.M., o que, como é óbvio, não colhe.
Entende a recorrente que o decidido não está em sintonia com alegadas “passagens”, (“excertos”) de depoimentos prestados em audiência.
Ora, em nada se mostra de alterar a solução que se deixou adiantada.
Importa não olvidar que os fundamentos pelos quais o Tribunal de julgamento (T.J.B.), confere credibilidade a determinadas provas e não a outras dependem, sempre, de um juízo de valoração efectuado com base na imediação, ainda que condicionado pela aplicação das regras da experiência comum. A imediação, que se traduz no contacto pessoal entre o Juiz e os diversos meios de prova, confere ao julgador (em primeira instância) os meios de apreciação da prova pessoal de que o Tribunal de recurso não dispõe.
Com efeito, na apreciação do depoimento das testemunhas e das declarações dos arguidos atribui-se relevância aos aspectos verbais, mas também se pode considerar a desenvoltura do depoimento, a comunicação gestual, o refazer do itinerário cognitivo, os olhares para os advogados antes, durante e depois da resposta, os gestos, movimentos e toda uma série de circunstâncias, insusceptíveis ou de difícil captação pelo Tribunal de recurso, constituindo indicadores importantes e eventualmente reveladores da sua postura processual, e assim, (possívelmente) reveladores de desconforto, predisposição para a efabulação, etc…
Como temos realçado repetidamente, ao Tribunal cabe determinar como os factos se passaram, exista ou não univocidade no teor dos depoimentos e declarações.
O convencimento da entidade a quem compete julgar, depende assim de uma conjugação de elementos tão diversos como (v.g.), a espontaneidade e rapidez das respostas, a coerência e pormenorização do discurso, a emoção ou expressão exteriorizada, a extensão e consistência do depoimento assim como da “matéria seu objecto”, (factos recentes, pessoais, …), havendo, sempre, de se ter ainda em conta a sua compatibilidade com a demais prova relevante.
A circunstância de alguém, por erro ou propositadamente, produzir uma ou outra declaração desconforme com a realidade, não significa, necessariamente, que seja falsa toda a sua narrativa, não estando o Tribunal “obrigado” à inutilização de todo um depoimento por uma contradição com outros elementos probatórios. Desde que nessa parte o raciocínio seja compreensível, o Tribunal poderá aceitar como verdadeiros certos segmentos das declarações ou do depoimento e negar fiabilidade a outros, distinguindo o que merece credibilidade porque consentâneo com outros elementos de prova, do que lhe surge como mera efabulação emocional ou, mesmo, como mero erro de percepção.
Por sua vez, há que ter presente que as declarações da ofendida, só por si, podem ser suficientes para criar nos julgadores a convicção de que determinados factos aconteceram e que deles foi o arguido seu autor; (neste sentido, cfr., v.g., o Ac. da Rel. de Guimarães de 02.05.2016, Proc. n.° 92/15, in “www.dgsi.pt”).
Com efeito, mostra-se pois adequado o entendimento no sentido de que para avaliar da racionalidade e da não arbitrariedade (ou impressionismo) da convicção sobre os factos, há que apreciar, por um lado, a fundamentação da decisão quanto à matéria de facto, (os fundamentos da convicção), e, por outro, a natureza das provas produzidas e dos meios, modos ou processos intelectuais utilizados e inferidos das regras da experiência comum para a obtenção de determinada conclusão; (cfr., v.g., o Ac. da Rel. de Coimbra de 09.03.2016, Proc. n.° 436/14).
Dest’arte, e em nossa apreciação, revela-se perfeitamente justificada a opção e decisão do T.J.B., não existindo o imputado vício decisório por erro ostensivo.
Por fim, uma última nota.
Não se olvida que diz (ainda) a recorrente que o Tribunal se socorreu de uma “prova nula”, referindo-se, se bem ajuizamos, aos documentos que constam a fls. 84 e 85.
Ora, como é evidente, e – bem – nota o Ilustre Procurador Adjunto no seu douto Parecer, há manifesto equívoco.
Os documentos em questão não estão cobertos por qualquer tipo de “segredo profissional”, até por que nenhuma “relação”, (profissional ou outra), havia entre a pessoa que os emitiu, (a recorrente), e a que os recebeu, (e que é um dos mandatários da assistente).
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Tudo visto, resta decidir.
Decisão
4. Em face do exposto, decide-se rejeitar o presente recurso.
Pagará a recorrente a taxa de justiça que se fixa em 3 UCs, e como sanção pela rejeição do recurso o equivalente a 3 UCs; (cfr., art. 410°, n.° 3 do C.P.P.M.).
Honorários ao Exmo. Defensor no montante de MOP$1.800,00.
Registe e notifique.
Nada vindo de novo, e após trânsito, devolvam-se os autos ao T.J.B. com as baixas e averbamentos necessários.
(…)”; (cfr., fls. 610 a 615-v que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).
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Oportunamente, veio a arguida reclamar do decidido, insistindo no entendimento que em sede do seu recurso tinha deixado exposto; (cfr., fls. 631 a 638).
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Pronunciando-se sobre a pretensão pelo arguido apresentada diz o Ilustre Procurador Adjunto:
“O magistrado do M.°P.° junto desse Venerando Tribunal vem, relativamente à Reclamação, aduzida pela recorrente A, da douta decisão sumária (cfr. fls.610 a 615v. dos autos), apresentar a sua RESPOSTA nos termos e com os fundamentos seguintes:
Na Reclamação de fls.631 a 638 dos autos, a recorrente reiterou o erro notório na apreciação de prova, argumentando que os depoimentos dos dois agentes policiais como testemunhas na audiência de julgamento são desconformes com os deles na fase de instrução, não podia ser meio de prova o fax enviado ao advogado da assistente, e os factos provados se basearam apenas em provas indirectas – sem prova directa.
Em boa verdade, todos estes argumentos encontram arrogados na Motivação (cfr. fls.562 a 580 dos autos), e depois, vêem judiciosamente analisados e ponderados pelo MM° Juiz Relator na douta decisão sumária em escrutínio, negando provimento ao recurso da referida recorrente.
Ressalvado o elevado respeito pelos esforço e empenho dispensados pelo ilustre defensor oficioso, temos por indiscutível que não pode deixar de ser improcedente a Reclamação em apreço, visto não se descortinar que a douta decisão sumária em questão não padece de qualquer nulidade ou erro de julgamento”; (cfr., fls. 647 a 647-v).
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Colhidos os vistos legais dos Mmos Juízes-Adjuntos, passa-se a decidir.
Fundamentação
2. No uso da faculdade que lhe é legalmente reconhecida pelo art. 407°, n°. 8 do C.P.P.M., vem a arguida reclamar da decisão sumária nos presente autos proferida.
Porém, em resultado de uma análise aos autos efectuada, mostra-se de concluir que evidente é que não se pode reconhecer mérito à sua pretensão, muito não se mostrando necessário aqui consignar para o demonstrar.
Com efeito, a decisão sumária agora reclamada apresenta-se clara e lógica na sua fundamentação – nela se tendo efectuado correcta identificação e tratamento das questões colocadas – e acertada na solução.
Na verdade, patente se mostra que justo e adequado foi o decidido na sentença do T.J.B. objecto do recurso pelo ora reclamante trazido a este T.S.I., o que, por sua vez, implica, a necessária e natural conclusão de que deve ser confirmada, o mesmo sucedendo com a decisão sumária que neste sentido decidiu.
Dest’arte, inevitável é a improcedência da reclamação apresentada.
Decisão
3. Nos termos que se deixam expostos, em conferência, acordam julgar improcedente a reclamação apresentada.
Custas pela reclamante com taxa de justiça que se fixa em 3 UCs.
Honorários ao Exmo. Defensor no montante de MOP$800,00.
Macau, aos 16 de Março de 2017
José Maria Dias Azedo
Chan Kuong Seng
Tam Hio Wa
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