打印全文
Processo n.º 71/2017 Data do acórdão: 2017-3-9 (Autos em recurso penal)
Assuntos:
– reparação dos danos emergentes do acidente de trabalho
– não designação do médico assistente ao sinistrado
– médico de hospital privado
– art.o 31.º do Decreto-Lei n.º 40/95/M
– médico assessor da seguradora do acidente de trabalho
– decisão médica sobre a cura clínica do sinistrado
– art.os 37.º, n.º 2, e 49.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.o 40/95/M
– mecanismo de resolução da divergência
– junta médica
– art.º 36.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 40/95/M
– art.º 36.º, n.º 6, do Decreto-Lei n.º 40/95/M
– suspensão do pagamento das indemnizações
– art.os 28.º, n.os 1 e 5, e 52.º do Decreto-Lei n.o 40/95/M
– indemnizações da incapacidade temporária absoluta
– pagamento das despesas de tratamento médico
– atestados médicos e recibos de despesas de tratamento
– documentos comprovativos das prestações em espécie
– documentos comprovativos da incapacidade temporária
– falta de pagamento tempestivo das indemnizações
– responsabilidade contravencional
– art.o 66.o, n.o 1, alínea c), do Decreto-Lei n.o 40/95/M
– processo cível por acidente de trabalho
– abertura imediata do processo contravencional

S U M Á R I O
1. No caso, a responsabilidade da entidade patronal do trabalhador pela reparação dos danos emergentes do acidente de trabalho encontra-se transferida para a seguradora recorrente. E como ab initio a entidade empregadora não chegou a designar qualquer médico a assistir ao tratamento da lesão do seu trabalhador sinistrado nem a arguida contravencional ora recorrente o fez, a pessoa médica que concretamente procedeu ao tratamento do sinistrado num hospital privado de Macau fica considerada como médico assistente deste, nos termos conjugados dos art.os 31.º, n.o 1, n.º 2, alínea b), e n.º 3, do Decreto-Lei n.º 40/95/M, de 14 de Agosto, pelo que só cabe a esta pessoa médica (e não ao médico assessor da seguradora) decidir primeiro da já passagem, ou não, da situação de incapacidade temporária do trabalhador para a de sua incapacidade permanente (cfr. o que resulta nomeadamente do disposto nos art.os 37.º, n.º 2, e 49.º, n.º 1, desse Decreto-Lei).
2. A seguradora pode discordar do juízo de valor dessa pessoa médica em matéria de incapacidade temporária do sinistrado, mas, para o fazer, deveria activar o mecanismo de resolução da divergência previsto no art.º 36.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 40/95/M: fazendo submeter a sua discordância à decisão de uma junta médica constituída por um médico escolhido pelo sinistrado e outro escolhido pela própria seguradora, e se essa junta não chegasse a acordo, a divergência ficaria a ser resolvida nos termos do n.º 4 deste artigo, e isto tudo sem prejuízo da faculdade de submissão imediata do caso ao tribunal competente por qualquer dos interessados ou pela Direcção dos Serviços para os Assuntos Laborais (cfr. o n.º 6 do mesmo artigo).
3. A seguradora não pode, pois, ter feito suspender por iniciativa própria, ao arrepio do disposto nos art.os 28.º, n.os 1 e 5, e 52.º desse Decreto-Lei, o pagamento das indemnizações da incapacidade temporária absoluta e das despesas de tratamento médico do sinistrado, a pretexto de o médico assessor dela ter avaliado que o sinistrado já sofre da invalidez (da incapacidade permanente).
4. É que independentemente da discordância da seguradora do juízo de valor da pessoa médica assistente do sinistrado acerca do estado ainda da incapacidade temporária deste, ou sobre a ainda não cura clínica deste, e até antes da resolução definitiva dessa divergência, os atestados médicos e os recibos de despesas de tratamento médico passados pelo referido hospital relevam totalmente como documentos comprovativos das prestações em espécie e do estado ainda de incapacidade temporária do sinistrado para o trabalho, respectivamente referidos nos art.os 28.º, n.º 5, e 52.º, n.º 2, do Decreto-Lei, e como foram atempadamente recebidos pela seguradora, esta deve cumprir o seu dever de pagamento tempestivo das indemnizações das prestações em espécie em causa e da incapacidade temporária absoluta do sinistrado, sob pena de incorrer em responsabilidade contravencional por falta de pagamento das mesmas, nos termos por que vinha acusada no subjacente processo contravencional, sob a égide do art.o 66.o, n.o 1, alínea c), do Decreto-Lei.
5. A eventual existência de um processo cível por acidente de trabalho não preclude a necessidade de abertura, de imediato, do subjacente processo contravencional contra a seguradora, nem faz adiar a decisão deste processo contravencional, uma vez que as normas acima citadas do Decreto-Lei se destinam a proteger o sinistrado na obtenção, para já, de meios necessários ao tratamento da sua lesão sofrida em consequência do acidente de trabalho, e ao sustento económico dele durante o período do tratamento.
O relator,
Chan Kuong Seng

Processo n.º 71/2017
(Autos de recurso penal)
Recorrente: A







ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Inconformada com a sentença proferida em 9 de Novembro de 2016 a fls. 215 a 218v dos autos de Processo Contravencional Laboral n.º LB1-16-0083-LCT do Tribunal Judicial de Base, que a condenou pela prática de uma infracção contravencional (devido à falta de pagamento das prestações em espécie, in casu, ao trabalhador sinistrado B) p. e p. pelos art.os 28.º, n.º 5, e 66.º, n.º 1, alínea c), do Decreto-Lei n.º 40/95/M, de 14 de Agosto, na pena de MOP2.000,00 (duas mil patacas) de multa, e de uma infracção contravencional (por falta de pagamento das indemnizações por incapacidade temporária do mesmo trabalhador) p. e p. pelos art.os 52.º, n.º 2, e 66.º, n.º 1, alínea c), desse Decreto-Lei, na pena de MOP5.000,00 (cinco mil patacas) de multa, e, finalmente, na multa total de MOP7.000,00 (sete mil patacas), veio a arguida transgressora A, recorrer para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), para pedir a alteração dessa sentença nos termos pretendidos e vertidos na sua motivação (apresentada a fls. 230 a 236 dos presentes autos correspondentes), aí sumariada de seguintes moldes:
– <<[…]
I. Entendeu o Tribunal a quo que a ora Recorrente cometeu uma contravenção prevista e punível nos termos do disposto dos Artigo 28°, nº5 e Artigo 66°, nº1, c) do Decreto-Lei nº40/95/M «Regime Jurídico da Reparação por Danos Emergentes de Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais», a cada contravenção aplicando-se uma multa de MOP2,000.00;
II. Entendeu ainda, o Tribunal a quo que a ora Recorrente cometeu uma contravenção prevista e punível nos termos do disposto dos Artigo 52°, nº2 e Artigo 66°, nº1, c) do Decreto-Lei nº40/95/M «Regime Jurídico da Reparação por Danos Emergentes de Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais», a cada contravenção aplicando-se uma multa de MOP5,000.00;
III. Assim, entendeu o Tribunal a quo que as duas contravenções são punidas em concurso, aplicando-se uma multa de MOP$7,000.00.
IV. Não pode a Recorrente conformar-se com a sentença proferida pelo douto Tribunal Judicial de Base que condenou a ora Recorrente no pagamento de uma multa no valor de MOP$7,000.00, nos seguintes termos:
V. Ficou provado que existe já um processo de Acidente de Trabalho a correr os seus termos no Juízo Laboral do Tribunal Judicial de Base de Macau, o que se traduz, no entender da ora Recorrente, numa excepção prevista na lei, da litispendência, motivo pelo qual, deveria ter sido a Recorrente absolvida no pedido contravencional.
VI. Mesmo que não se admita a existência da excepção acima referida, sempre se diga que o meio processualmente adequado, considerando o que prescreve a Lei Laboral e ainda o entendimento do mesmo Tribunal a quo em processos semelhantes, é o processo por acidente de trabalho.
VII. Entende a ora Recorrida que existe uma duplicação de acções propostas pela DSAL, pois ao dar inicio ao processo por acidente de trabalho e concomitantemente ao presente processo contravencional, entendemos estar perante uma repetição da causa, identidades de sujeitos processuais e do pedido, e ainda da identidade de causa de pedir.
VIII. Sendo que, o meio processual adequado para dirimir a questão do pagamento das despesas médicas e da indemnização por ITA, no ordenamento jurídico de Macau, é, sem dúvida alguma, o processo de acidente de trabalho.
IX. Não devendo V. Exas. Olvidar o facto de que a ora Recorrente sempre pagou as despesas médicas e a indemnização por ITA ao sinistrado, e apenas cessou tais pagamento quando obteve um relatório médico que atestava que o mesmo já se encontrava recuperado.
X. Aliás, a ora Recorrente considera que não estando ainda definida a sua responsabilidade no presente acidente de trabalho, a qual está a ser discutida no autos de acidente de trabalho que correm os seus termos no presente tribunal a quo, não pode a mesma ser condenada ao pagamento de uma indemnização sobre a qual ainda não há decisão de ser a mesma devida.
XI. Correndo o risco de no processo de acidente de trabalho ser absolvida, ou condenada ao pagamento de uma indemnização por um período inferior ao alegado pelo trabalhador, e então ter de intentar uma acção judicial para reaver o excesso do que haja pago.
XII. Tal facto vai contra o Principio da economia processual e da celeridade da justiça.
XIII. Mais, já este Tribunal a quo decidiu em casos semelhantes pela absolvição da ora Recorrente do pedido, considerando existir litispendência e intempestividade dos processos contravencionais, vide os acórdão proferidos nos processos LB1-16-0058-LCT e LB1-16-0048-LCT.
XIV. Caso V. Exas. não entendam estarmos perante um processo ferido pela excepção de litispendência ou mesmo intempestivamente apresentado, sempre se diga que o meio processualmente adequado, considerando o que prescreve a Lei Laboral e ainda o entendimento do mesmo Tribunal a quo em processos semelhantes, é o processo por acidente de trabalho.
XV. No presente caso, a responsabilidade contravencional da ora Recorrente assentaria numa responsabilidade objectiva, a qual não pode ser fonte de responsabilidade em matérias relacionadas com os princípios do direito criminal.
XVI. Por outro lado, a DSAL, para proceder à aplicação das multas supra mencionadas, tomou por base relatórios médicos "particulares" para justificar a obrigatoriedade da ora Recorrente continuar a pagar os valores relativos à indemnização pela ITA, quando tem ao seu alcance a possibilidade de iniciar um processo próprio, o processo especial por acidente de trabalho, onde os relatórios médicos elaborados são oficiais, com médicos nomeados perante o MP e perante o Tribunal.
XVII. Nesta conformidade, entendemos que os relatórios médicos referidos pela DSAL, deverão ter o mesmo valor que qualquer outro relatório médico obtido nesta fase, não devendo tal relatório servir de suporte para a previsão legal que consta do artigo 28° nº 5 do Decreto-lei 40/95/M, quando este refere ao documento comprovativo.
XVIII. Assim, deveria a DSAL lançar mão do processo próprio (acidente de trabalho), onde de forma expressa, se encontram previstas as situações em que poderão ser atribuídas indemnizações provisórias, conforme previsto no artigo 62° do CPT.
XIX. Entendemos que só após a existência de um processo pró acidente de trabalho e caso a Seguradora ou entidade patronal aquilo a que forem condenadas a pagar, aí sim, deverá surgir o processo contravencional.
XX. Este Tribunal a quo, também já se pronunciou num caso semelhante pela absolvição da ora Recorrente do pedido, vide o acórdão proferido no processo LB1-16-0068-LCT.
XXI. Por último, a Recorrente considera que, se de hoje em diante a DSAL proceder à autuação das entidades seguradores em todos os casos semelhantes, iremos assistir a uma clara duplicação de processos, o que poderá levar, em última instância, a um avolumar desmesurado de processos no Juízo Laboral.
XXII. Pelo que consideramos o Tribunal a quo violou a lei ao não absolver a ora Recorrente dos presentes autos, e após a apreciação dos argumentos apresentados, por parte desse Venerando Tribunal da Segunda Instância deverá ser proferido douto Acórdão que julgue procedente o presente recurso, devendo a ora Recorrida se absolvida do pedido.
[…]>>.
Ao recurso, respondeu a Digna Delegada do Procurador junto do Tribunal recorrido no sentido de improcedência da argumentação da recorrente (cfr. a resposta de fls. 240 a 246).
Subido o recurso para este TSI, opinou a Digna Procuradora-Adjunta em sede de vista dos autos, pugnando pela manutenção da decisão recorrida (cfr. o parecer de fls. 254 a 255v).
Feito o exame preliminar e corridos os vistos, cumpre decidir do recurso.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
Do exame dos autos, sabe-se que:
– 1) A sentença ora recorrida ficou proferida a fls. 215 a 218v dos autos, segundo a respectiva fundamentação fáctica, e na sua essência no que é pertinente à solução do presente recurso:
– o trabalhador B, quando se encontrava a trabalhar no dia 20 de Novembro de 2014, por conta e sob instrução e comando do seu patrão, ficou ferido no olho direito, e como tal de imediato comunicou isto ao seu patrão e foi ao Hospital Kiang Wu para se submeter à operação cirúrgica no olho e aí ficou internado;
– a responsabilidade pela reparação dos danos por causa desse acidente tinha sido transferida pelo dito patrão à A (arguida transgressora ora recorrente), a qual já pagou ao referido trabalhador sinistrado as indemnizações por incapacidade temporária absoluta (ITA) referente ao período de 21 de Novembro a 23 de Dezembro de 2014 e de 7 de Fevereiro a 8 de Julho de 2015 (num total de 185 dias de faltas ao trabalho por doença), bem como as despesas de tratamento médico do período de 20 de Novembro de 2014 a 8 de Julho de 2015;
– ao mesmo trabalhador foram emitidos pelo Hospital Kiang Wu atestados para efeitos de justificação de faltas ao trabalho por doença no período de 9 de Julho a 25 de Setembro de 2015, período este correspondente à indemnização da ITA no valor de MOP63.200,00, e ao mesmo trabalhador foram passados também por esse Hospital recibos de despesas de tratamento médico referentes ao período de 10 de Julho a 24 de Setembro de 2015 no valor total de MOP1.988,00;
– a arguida transgressora recebeu atempadamente os atestados médicos e recibos de despesas de tratamento médico do mesmo trabalhador referentes ao período de 9 de Julho a 25 de Setembro de 2015, mas tem vindo a recusar as indemnizações respeitantes a esse período de tempo;
– a arguida transgressora recusa a feitura dessas indemnizações, porque o médico assessor dela já avaliou que o trabalhador sofre da invalidez, pelo que declarou ela que só iria proceder às indemnizações em causa depois de aguardar pela decisão judicial sobre essa matéria;
– a arguida transgressora, agindo livre, voluntária e conscientemente, praticou a conduta acima referida, sabendo que isto não era permitida por lei;
– até 12 de Outubro de 2016, a arguida transgressora ainda não chegou a apresentar à Direcção dos Serviços para os Assuntos Laborais (DSAL) o relatório de avaliação da invalidez do trabalhador, feito pelo dito médico assessor dela.
– 2) Em 10 de Agosto de 2015, a arguida transgressora subscreveu uma carta dirigida à entidade patronal do trabalhador sinistrado, comunicando que como o médico assessor da própria arguida já avaliou, em 8 de Julho de 2015, que esse trabalhador sofre de invalidez nos termos do Decreto-Lei n.º 40/95/M, as indemnizações ficam por enquanto paradas no dia 8 de Julho de 2015 (cfr. o teor da carta a que alude a fl. 111).
– 3) A entidade patronal e a arguida transgressora não chegaram a indicar algum médico para assistir ao tratamento médico da lesão do trabalhador sinistrado (cfr. o que resulta do processado anterior dos presentes autos, a contrario sensu);
– 4) Pelo menos até inclusivamente 25 de Setembro de 2015, não existe nenhum documento emitido pela pessoa médica do Hospital Kiang Wu que assistiu ao tratamento do trabalhador sinistrado, no sentido de que a lesão deste já tenha desparecido totalmente ou de que essa lesão tenha passado a apresentar-se como insusceptível de modificação com adequada terapêutica (cfr. o que resulta do processado anterior dos presentes autos, a contrario sensu).
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
De antemão, cumpre notar que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao tribunal de recurso cumpre resolver só as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e ao mesmo tempo devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
No caso, a seguradora recorrente ficou acusada no subjacente processo contravencional laboral, por não ter procedido ao pagamento das despesas de tratamento médico do trabalhador sinistrado nem ao pagamento das indemnizações da ITA deste trabalhador, respeitantes ao período de 9 de Julho a 25 de Setembro de 2015.
Na motivação do recurso sub judice, alegou ela, em essência, que:
– existindo já um processo de acidente de trabalho (que é um meio processual adequado para dirimir a questão do pagamento das despesas médicas e da indemnização por ITA) a correr os seus termos no Tribunal Judicial de Base, ela deveria ser absolvida da acção contravencional, devido à excepção por litispendência em causa; e seja como for, há uma duplicação de acções contra ela, com repetição da causa, identidades de sujeitos processuais e do pedido, e ainda da identidade da causa de pedir;
– ela só cessou o pagamento das despesas médicas e da indemnização por ITA, apenas porque e quando obteve um relatório médico que atestava que o trabalhador já se encontrava recuperado, e estando a correr um processo de acidente de trabalho, do qual ela poderá vir sair absolvida ou condenada ao pagamento de uma indemnização por um período inferior ao alegado pelo trabalhador, o pagamento imediato das quantias como tal pretendidas pelo trabalhador irá acarretar, ao arrepio dos princípios da economia processual e celeridade da justiça, a necessidade de propositura de uma acção judicial para reaver o excesso do que haja pago, daí que só depois de eventual condenação dela no processo de acidente de trabalho é que poderá surgir a responsabilidade contravencional dela no não pagamento das indemnizações por despesas médicas e ITA do trabalhador;
– os relatórios médicos referidos pela DSAL deverão ter o mesmo valor que qualquer outro relatório médico, não devendo servir de suporte para a previsão legal de “documento comprovativo” aludido no art.º 28.º, n.º 5, do Decreto-Lei n.º 40/95/M.
Pois bem, no caso dos autos, a responsabilidade da entidade patronal do trabalhador pela reparação dos danos emergentes do acidente de trabalho em causa encontra-se transferida para a seguradora ora recorrente. E como ab initio a entidade empregadora do trabalhador sinistrado não chegou a designar qualquer médico a assistir ao tratamento da lesão do trabalhador nem a arguida ora recorrente o fez, a pessoa médica que concretamente procedeu ao tratamento do trabalhador no Hospital Kiang Wu fica considerada como médico assistente deste, nos termos conjugados do art.o 31.º, n.os 1 e 2, alínea b), e 3, do Decreto-Lei n.º 40/95/M, pelo que só cabe a esta pessoa médica do Hospital Kiang Wu (e, pois, não pode caber ao médico assessor da seguradora ora recorrente) decidir primeiro da já passagem, ou não, da situação de incapacidade temporária do trabalhador para a de incapacidade permanente do mesmo (cfr. o que resulta nomeadamente do disposto nos art.os 37.º, n.º 2, e 49.º, n.º 1, desse Decreto-Lei, ainda que o coeficiente de incapacidade do trabalhador fixado fique sujeito a homologação do tribunal).
A seguradora pode discordar do juízo de valor dessa pessoa médica do Hospital Kiang Wu em matéria de incapacidade temporária do sinistrado, mas, para o fazer, deveria activar o mecanismo de resolução da divergência previsto no art.º 36.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 40/95/M: fazendo submeter a sua discordância à decisão de uma junta médica constituída por um médico escolhido pelo sinistrado e outro escolhido pela própria seguradora, e se essa junta não chegasse a acordo, a divergência ficaria a ser resolvida nos termos do n.º 4 deste artigo, e isto tudo sem prejuízo da faculdade de submissão imediata do caso ao tribunal competente por qualquer dos interessados ou pela DSAL (cfr. o n.º 6 do mesmo artigo).
O que a seguradora não pode ter feito é suspender por iniciativa própria, logo depois de 8 de Julho de 2015, ao arrepio do disposto nos art.os 28.º, n.os 1 e 5, e 52.º do Decreto-Lei, o pagamento das indemnizações da ITA e das despesas de tratamento médico do sinistrado, a pretexto de o médico assessor dela ter avaliado que o sinistrado já sofre da invalidez (da incapacidade permanente).
É que independentemente da discordância da seguradora do juízo de valor da pessoa médica assistente do sinistrado no Hospital Kiang Wu acerca do estado ainda da incapacidade temporária deste, ou sobre a ainda não cura clínica deste, e até antes da resolução definitiva (nos termos legais acima observados) dessa divergência em matéria da incapacidade temporária do sinistrado, os atestados médicos e os recibos de despesas de tratamento médico passados pelo Hospital Kiang Ku relevam totalmente como documentos comprovativos das prestações em espécie e do estado ainda de incapacidade temporária do sinistrado para o trabalho, respectivamente referidos nos art.os 28.º, n.º 5, e 52.º, n.º 2, do Decreto-Lei, e como foram atempadamente recebidos pela seguradora, esta deve cumprir o seu dever de pagamento tempestivo das indemnizações das prestações em espécie em causa e da ITA do sinistrado, sob pena de incorrer em responsabilidade contravencional por falta de pagamento das mesmas, nos termos por que vinha acusada no processo contravencional.
E a falada existência de um processo cível por acidente de trabalho não tem a pretendida virtude de precludir a necessidade de abertura, de imediato, do subjacente processo contravencional contra a seguradora, nem a pretensa virtude de fazer adiar a decisão do mesmo processo contravencional. E a razão é muito simples: a tese contrária sustentada pela recorrente, a valer nos termos por ela pretendidos, irá fazer tábua rasa de todas as normas acima citadas do Decreto-Lei n.º 40/95/M, destinadas a proteger o trabalhador sinistrado na obtenção, para já, de meios necessários ao tratamento da sua lesão sofrida em consequência do acidente de trabalho, e ao sustento económico dele durante o período desse tratamento. Daí que a tese de “economia processual” preconizada pela seguradora destrói, sem mais nem menos, todo o pensamento legislativo na emanação das normas legais acima identificadas.
No fundo, tudo resume-se numa frase: a entidade responsável pela reparação dos danos emergentes do acidente de trabalho tem que pagar primeiro, e atempadamente, as indemnizações por despesas de tratamento médico e ITA do trabalhador sinistrado, e só se admite a discussão, eventualmente, depois, em sede procedimental ou processual própria (nos termos acima observados), acerca da situação de, ainda ou não, incapacidade temporária do sinistrado.
Deve, pois, a seguradora ser, ante a factualidade descrita como provada no texto da sentença ora recorrida, condenada realmente nos precisos termos por que vinha acusada no subjacente processo contravencional.
Improcede, assim, o recurso, sem mais indagação, por ociosa ou prejudicada pela análise supra feita, sobre todo o remanescente alegado pela seguradora na sua motivação do recurso.
IV – DECISÃO
Dest’arte, acordam em julgar improcedente o recurso.
Custas pela recorrente, com oito UC de taxa de justiça.
Comunique ao trabalhador dos autos e à Direcção dos Serviços para os Assuntos Laborais.
Macau, 9 de Março de 2017.
_______________________
Chan Kuong Seng
(Relator)
_______________________
Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
_______________________
Choi Mou Pan
(Segundo Juiz-Adjunto)



Processo n.º 71/2017 Pág. 18/18