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Processo nº 180/2017 Data: 09.03.2017
(Autos de recurso penal)

Assuntos : Crime de “tráfico de estupefacientes”.
Teoria da margem da liberdade.
Medida da pena.



SUMÁRIO

1. Na determinação da medida da pena, adoptou o Código Penal de Macau no seu art. 65°, a “Teoria da margem da liberdade”, segundo a qual, a pena concreta é fixada entre um limite mínimo e um limite máximo, determinados em função da culpa, intervindo os outros fins das penas dentro destes limites.

2. Sendo o arguido pessoa que se encontra em Macau de passagem, como “turista”, tendo em atenção que quando interceptado para identificação tentou a fuga, vindo a ser detido e encontrado na posse de 13 embalagens de estupefaciente, (4 com Cocaína, e 9 com Metanfetamina), e que se encontrava com 5 telemóveis, havendo em 3 deles registos relacionados com “transacções de estupefacientes”, (muito) intenso é o seu dolo, demonstrando também a factualidade (certa) “organização” (e planeamento) assim como “dimensão” da sua “actividade”, tudo a tornar inadequada uma pena de 3 anos e 3 meses de prisão (tão próxima do mínimo).

O relator,

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José Maria Dias Azedo



Processo nº 180/2017
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. B, arguido, natural do Mali, com os restantes sinais dos autos, respondeu em audiência colectiva no T.J.B., vindo a ser condenado como autor da prática de 1 crime de “tráfico de estupefacientes”, p. e p. pelo art. 8°, n.° 1 da Lei n.° 17/2009, na pena de 3 anos e 3 meses de prisão; (cfr., fls. 251 a 254-v que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

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Do assim decidido, vem o Ministério Público recorrer, pedindo a aplicação de uma pena “não inferior a 4 anos e 9 meses de prisão”; (cfr., fls. 262 a 263-v).

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Respondeu o arguido, pugnando pela improcedência do recurso; (cfr., fls. 278 a 290).

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Neste T.S.I., juntou o Ilustre Procurador Adjunto o seguinte douto Parecer:

“Na Motivação de fls.262 a 263v. dos autos, a digna magistrada do M.°P.° solicitou que o douto Acórdão de fls.251 a 254v. seria revogada e substituída pelo Venerando TSI, e a condenação do arguido/recorrido na pena não inferior a quatro anos e nove meses de prisão efectiva.
Em sede da fundamentação, a ilustre colega recorrente invocou à colação quatro acórdãos emanados por esse Alto Tribunal, bem como a quantidade total e espécie dos estupefacientes, a intensidade do dolo, e a tendência cada vez mais gravosa do tráfico de droga por indivíduos não residentes nos recentes vários anos.
Ressalvado o muito respeito pela opinião diferente, inclinamos a entender que merece provimento o presente recurso.
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Em primeiro lugar, salienta à vista a quantidade dos drogas detidos pelo arguido a propósito de pô-los em comércio e de ganhar lucro, como bem observou e frisou a ilustre colega na 3ª conclusão da Motivação – «3. 根據「已證事實」第三項,嫌犯持有可卡因1.75克,甲基苯丙胺6.52克,也就是說,嫌犯持有約9天份量的可卡因,及約33天份量的甲基苯丙胺。»
Ora, é bem patente e inegável que o arguido agiu com dolo directo e intenção lucrativa. E, a colaboração dele com órgão de polícia criminal é pouco relevante para a descoberta da verdade material em virtude de ser detido em flagrante delito.
Com efeito, o douto Tribunal a quo referiu conscientemente que «按照上述的量刑標準,同時考慮到在本個案中的具體情節,尢其嫌犯為初犯,但其犯罪故意程度高、涉案的毒品量不少且其販毒行為對社會安寧及公共健康帶來非常負面的影響;……». Pois bem, não se descortina outra circunstância que tenha virtude atenuante, excepto que o arguido seja primário.
Nestes termos, e à luz da moldura consagrada no n.°1 do art.8° da Lei n.°17/2009 – a pena de prisão de 3 a 15 anos, não podemos deixar de entender que a pena de 3 anos e 3 meses de prisão efectiva cominada no aresto recorrido é inadequada e insuficiente para se realizar as finalidades de prevenção especial e da geral, infringindo assim as disposições no n.°1 do art.40° e no art.65° do Código Penal de Macau.
Daí resulta que a pena aplicada ao arguido deverá ser agravada.
Por todo o expendido acima, propendemos pela procedência do presente recurso”; (cfr., fls. 303 a 303-v).

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Nada parecendo obstar, passa-se a decidir.
Fundamentação

Dos factos

2. Estão provados e não provados os factos como tal elencados no Acórdão recorrido a fls. 251-v a 252-v, e que aqui se dão como integralmente reproduzidos.

Do direito

3. Insurgindo-se contra o Acórdão do T.J.B. que condenou o arguido dos autos como autor da prática de 1 crime de “tráfico de estupefacientes”, p. e p. pelo art. 8°, n.° 1 da Lei n.° 17/2009, na pena de 3 anos e 3 meses de prisão, pede, o Exmo. Magistrado ora recorrente, a “agravação” da pena fixada para uma pena “não inferior a 4 anos e 9 meses de prisão”.

Vejamos.

Temos vindo a entender que “Na determinação da medida da pena, adoptou o Código Penal de Macau no seu art.º 65.º, a “Teoria da margem da liberdade”, segundo a qual, a pena concreta é fixada entre um limite mínimo e um limite máximo, determinados em função da culpa, intervindo os outros fins das penas dentro destes limites”; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 07.12.2016, Proc. n.° 177/2016, de 12.01.2017, Proc. n° 498/2016 e de 19.01.2017, Proc. n.° 530/2016).

Acompanhando o Tribunal da Relação de Évora temos igualmente considerado:

“I - Também em matéria de pena o recurso mantém o arquétipo de remédio jurídico, pelo que o tribunal de recurso deve intervir na pena (alterando-a) apenas e só quando detectar incorrecções ou distorções no processo de determinação da sanção.
II - Por isso, o recurso não visa nem pretende eliminar alguma margem de apreciação livre reconhecida ao tribunal de 1ª instância nesse âmbito.
III - Revelando-se, pela sentença, a selecção dos elementos factuais elegíveis, a identificação das normas aplicáveis, o cumprimento dos passos a seguir no iter aplicativo e a ponderação devida dos critérios legalmente atendíveis, justifica-se a confirmação da pena proferida”; (cfr., o Ac. de 22.04.2014, Proc. n.° 291/13, in “www.dgsi.pt”, aqui citado como mera referência, e Acórdão do ora relator de 07.12.2016, Proc. n.° 177/2016, de 13.12.2016, Proc. n.° 258/2016 e 12.01.2017, Proc. n.° 795/2016).

Recentemente, e no mesmo sentido decidiu este T.S.I. que: “Não havendo injustiça notória na medida da pena achada pelo Tribunal a quo ao arguido recorrente, é de respeitar a respectiva decisão judicial ora recorrida”; (cfr., o Ac. de 24.11.2016, Proc. n.° 817/2016).

Parente isto, que dizer?

Ora, ponderando na factualidade dada como provada, cremos que a pena agora em questão se apresenta excessiva e injustificadamente benevolente.

Eis o porque deste nosso entendimento.

Nos termos do art. 40° do C.P.M.:

“1. A aplicação de penas e medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.
2. A pena não pode ultrapassar em caso algum a medida da culpa.
3. A medida de segurança só pode ser aplicada se for proporcionada à gravidade do facto e à perigosidade do agente”.

Face ao transcrito comando legal, e tendo presente o tipo e natureza de crime em questão – e nos seus graves prejuízos para a saúde pública – inquestionável é que (muito) fortes são as razões de prevenção criminal geral.

Assim, em causa estando um arguido que quando interceptado para identificação por agentes da P.S.P., tentou a fuga, vindo a ser detido depois de perseguido, e na sequência, surpreendido na posse de um total de 13 embalagens de estupefaciente, (4 com Cocaína, e 9 com Metanfetamina), que, (segundo se provou), a pedido de um suposto “MALVIN”, (sem mais elementos de identificação), devia entregar a uma outra “pessoa desconhecida”, afigura-se-nos evidente que inadequada se mostra a pena fixada.

Com efeito, o crime em questão é punido com uma pena de “3 a 15 anos de prisão”, e a pena decretada, de 3 anos e 3 meses de prisão, (tão só, a 3 meses do mínimo legal), apresenta-se, como se referiu, excessiva e injustificadamente benevolente.

Não se olvida que, em causa, não está uma “grande quantidade de estupefaciente”, já que apreendidas foram 1,75g de Cocaína e 6,52g de Metanfetamina, o mesmo sendo de dizer em relação ao arguido, que, do que se provou, assente não está ser um “grande traficante”.

Todavia, tratando-se de uma pessoa que se encontra em Macau de passagem, como turista, tendo em atenção a fuga tentada, o número de embalagens (13) que o arguido trazia consigo (e a sua variedade), e o facto (provado) de se encontrar com 5 telemóveis, havendo em 3 deles registos relacionados com “transacções de estupefacientes”, torna claro o seu dolo, (muito) intenso, demonstrando também (certa) “organização” (e planeamento) assim como “dimensão” da sua “actividade”, tudo a tornar inadequada uma pena tão próxima do mínimo, afigurando-se-nos de acolher a pretensão do Exmo. Recorrente, e assim de conceder provimento ao recurso com a alteração da pena para a de 4 anos e 9 meses de prisão.

Decisão

4. Nos termos e fundamentos expostos, em conferência, acordam conceder provimento ao recurso.

Custas pelo arguido com a taxa de justiça de 4 UCs.

Registe e notifique.

Nada vindo de novo, e após trânsito, devolvam-se os autos com as baixas e averbamentos necessários.

Macau, aos 9 de Março de 2017

(Relator)
José Maria Dias Azedo

(Primeiro Juiz-Adjunto)
Chan Kuong Seng

(Segunda Juiz-Adjunta)
Tam Hio Wa
Proc. 180/2017 Pág. 4

Proc. 180/2017 Pág. 3