Proc. nº 409/2016-A
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 16 de Março de 2017
Descritores:
-Art. 103º do CPAC
-Acção para a determinação à prática de acto legalmente devido.
-Requisitos
SUMÁRIO:
I. A alínea c), do nº1, do art. 103º, do CPAC tem por base a recusa de decisão. Recusa que significará uma posição expressa da entidade competente em se negar a conhecer o pedido, apresentando uma justificação para o efeito.
II. A justificação para a recusa pode ter múltiplas causas. Umas poderão ser de carácter puramente procedimental/formal que possam impedir – ou que poderiam ter impedido no momento próprio – o conhecimento do pedido, tal como sucede, por exemplo, com a incompetência ou ilegitimidade. Outras, poderão assentar nalgum fundamento de discricionariedade quanto à oportunidade de decidir, quanto à determinação dos pressupostos do exercício da competência ou até quanto à própria escolha discricionária ou à liberdade de apreciação.
Proc. nº 409/2016-A
Acordam no Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M.
I - Relatório
“A, Limitada”, sociedade comercial em Macau, na Av. da XXX, nº XXX, Edifício XXXXXX, Xº e Xº andares, instaurou neste TSI “acção para determinação da prática de acto legalmente devido” contra o Chefe do Executivo da RAEM.
O pedido formulado foi o de que se determine ao réu à prática de acto que aprecie a pretensão da autora manifestada num requerimento que oportunamente lhe dirigiu acerca da troca de terrenos da autora situados na zona do Plano da Taipa Norte por outros do Governo.
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Na oportunidade, o tribunal suscitou a eventual excepção de incompetência, vindo porém a decidir que o conhecimento do pedido pertencia ao TSI (fls. 231-234).
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Prosseguindo os autos, o MP viria a pronunciar-se sobre o pedido e, acolhendo a tese do R., opinou no sentido da improcedência da acção por falta de um dos requisitos para o pleno êxito desta acção.
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Cumpre decidir.
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II - Os Factos
1 - A A. é uma sociedade comercial que tem por objecto o investimento imobiliário, designadamente a aquisição, construção e alienação de prédios, conforme certidão do registo comercial que se junta como documento n.º 1, e que à semelhança dos demais se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos.
2 - Ainda em 1998, a A. e o Governo de Macau iniciaram negociações para a troca de terrenos da A., em regime de propriedade perfeita, por terrenos do Governo de Macau, uns em regime de propriedade perfeita e outros em regime de concessão por arrendamento;
3 - No decurso de negociações, a DSSOPT enviou à A., por ofício n.º 306/6306.01/DSODEP/99, de 19/07/99, a minuta de contrato de troca de três terrenos particulares com a área global de 15.942m2, em regime de propriedade perfeita, sitos na Povoação de ......, na ilha da Taipa (cedidos pelo concessionário), por cinco lotes de terreno do Plano da Taipa Norte, com a área global de 9.755m2, em regime de propriedade perfeita (cedidos ao concessionário), e ainda da concessão à A., em regime de arrendamento, dos lotes TN9b, BT29b1 e BT29b2 do Plano da Taipa Norte e da Baixa da Taipa, com a área global de 3.132m2, sitos junto à Avenida ......, na Ilha da Taipa.
4 - Em 02/05/2001 e 03/10/2003 a A. apresentou nova proposta a solicitar a viabilidade do ajustamento parcial da proposta anterior e o ajustamento da minuta de contrato de acordo com os critérios aprovados pelo despacho do SATOP de 31 de Agosto de 1998, nos seguintes termos:
• A cedência pela A. de dois terrenos, com a área global de 12.755m2, em regime de propriedade perfeita, sitos na Povoação de ......, na ilha da Taipa, descritos na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 10*** e sob o n.º 13***;
• A cedência à A. de cinco lotes do terreno do Plano da Taipa Norte, com a área global de 6.895m2, em regime de propriedade perfeita, designados por lotes TN7, TN10, TN13b, TN13c e TN13d;
• A concessão à A., em regime de arrendamento, de três lotes da terreno do Plano da Taipa Norte e da Baixa da Taipa, com a área global de 3.132m2, designados por lotes TN9b, BT29b1 e BT29b2.
5 - Em 01/03/2004 e 12/05/2004, a A. apresentou os estudos prévios de aproveitamento dos lotes TN9b, BT29b1 e BT29b2 para aprovação,
6 - Em 11/10/2004, a A. apresentou requerimento ao Gabinete do SOPT a solicitar a autorização da troca da parcela “B11”, com 2.079m2, da Taipa Norte, pelos lotes BT29b1 e BT29b2, com 2.232m2, da Baixa Taipa;
7 - Em 29/11/2005, foi elaborada a Informação n.º 57/DSODEP/2005, na qual se propôs o indeferimento do pedido da A. de 11/10/2004;
8 - Em 29/12/2005, foi emitido despacho do Senhor Secretário para os Transportes e Obras Públicas, exarado na Informação n.º 57/DSODEP/2005, no qual foi solicitada a continuação do processo de troca de terrenos com a A. e a aprovação das condições contratuais da minuta do contrato de troca;
9 - Por Ofício n.º 17/6306.02/DSODEP/2006, de 05/01/2006, foi enviada à A. a nova minuta de contrato de troca de terrenos, na qual se previa a troca de dois terrenos particulares com a área global de 12.755m2, em regime de propriedade perfeita, sitos na Povoação de ......, na ilha da Taipa (cedidos pela A.), por cinco lotes de terreno do Plano da Taipa Norte, com a área global de 6.895m2, em regime de propriedade perfeita (cedidos à A.), e ainda da concessão à A., em regime de arrendamento, dos lotes TN9b, BT29b1 e BT29b2 do Plano da Taipa Norte e da Baixa da Taipa, sitos junto à Avenida ......, na Ilha da Taipa;
10 - Por requerimento de 17/08/2006, a A. apresentou uma proposta de loteamento e solicitou a respectiva autorização e a revisão da minuta do contrato de troca tendo em conta todos os encargos financeiros, a proposta de melhoria do ordenamento urbano e a importância que o empreendimento representa no apoio aos empresários locais;
11 - 21 de Agosto de 2006, foi solicitada por aqueles serviços, ao Departamento de Planeamento Urbanístico (DPUDEP), DINDEP e ao ex-DTRDEP, a emissão de pareceres sobre o requerimento da A. de 15/08/2006, com um estudo de loteamento, conforme ponto 14 da Informação nº 025/DSODEP/2015, de 09/02/2015 (p. 6);
12 - Por requerimento dirigido em 27/07/2012 ao Senhor Secretário para os Transportes e Obras Públicas com entrada n.º 92047/2012, a A. solicitou o prosseguimento dó processo de troca de terrenos situados na Taipa Norte, de acordo com a proposta de loteamento apresentado em 17/08/2006, e a respectiva revisão da minuta do contrato de troca de terrenos;
13 - Em 20/08/2012, a DSSOPT solicitou ao Departamento de Planeamento Urbanístico (DPUDEP) a emissão de parecer sobre o planeamento de aproveitamento daqueles terrenos.
14 – Foi elaborada a Proposta nº 025/DSODEP/2015, de 9/02/2015 pela técnica superior da Direcção de Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes, de cujo teor se destaca m os parágrafos que seguem:
«(…) 19. Desde que a revisão do planeamento urbanístico da Taipa Norte tem vindo a ser estudada pelo DPUDEP, a apreciação da proposta sobre a troca de terrenos sitos na Taipa Norte, apresentada em 2006 pela Sociedade “A” ficou suspensa.
20. Conforme a informação fornecida pelo DPUDEP, os lotes BT29b1 e BT29b2 serão aproveitados com a construção de habitação pública, e não se envolvem na troca de terrenos sitos na Taipa Norte, uma vez que cada lote sito na Taipa Norte será procedido à regularização da situação de terrenos no âmbito do novo plano da Taipa Norte.
21. Conforme as informações de registo da CRP, os dois terrenos particulares encontram-se descritos na CRP sob o n.ºs 10*** e 13*** e inscritos a favor da A, Lda. sob os n.ºs 8*** e 109***. (Anexo 17)
22. De acordo com Acórdão do Tribunal de Última Instância da Região Administrativa Especial de Macau (RAEM) em 2006, a RAEM continua a reconhecer os direitos de propriedade privada de terrenos anteriormente existente, no entanto, não é possível constituir nova propriedade privada de terrenos depois da criação da Região, sob pena de violar a disposição do Artigo 7.º da Lei Básica. (Anexo 18)
23. Ao mesmo tempo, nos termos do n.º 1 do Artigo 84.º da Lei n.º 10/2013 (Lei de Terras), os direitos sobre os terrenos disponíveis objecto de troca só podem ser concedidos em regime de arrendamento ou ocupação por licença, consoante o fim a que se destinem, por isso, não é possível para continuar a seguir a minuta de contrato anterior.
24. Nos termos da alínea b) do n.º 2 do Artigo 103.º do Código do Procedimento Administrativo, o órgão competente para a decisão pode declarar o procedimento extinto quando a finalidade a que este se destinava ou o objecto da decisão se revelarem impossíveis ou inúteis.
25. Tendo em conta os pontos 19 a 24 desta informação, submete-se a presente proposta à consideração superior a fim de:
25.1. arquivar o pedido de troca de terrenos sitos na zona do plano da Taipa Norte, efectuado pela A, Lda.;
25.2. comunicar à Sociedade de Investimento “A” Lda. Sobre os pontos #22 e #23 e que deve requerer a nova planta de condições urbanísticas com vista ao aproveitamento dos terrenos particulares da Sociedade, situados na zona do Plano da Taipa Norte, tendo em conta que já foi aprovada a revisão do planeamento urbanístico da Taipa Norte”.
15 – O Secretário para os Transportes e Obras Públicas, em 2/04/2015, proferiu o seguinte despacho:
“Concordo com o proposto em 25 desta Informação” (fls. 123).
16 – Foi enviada à autora o Ofício n.º 299/6306.01/DSODEP/2015 da DSSOPT, de 23/04/2015 (fls. 136 dos autos e fls. 21 a 23) .
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III – O Direito
1 - A autora parte do pressuposto de que o acto de arquivamento do procedimento administrativo, no qual se vinha discutindo desde há largos anos a possibilidade de uma troca de terrenos seus sitos na Taipa por um da RAEM com a Administração, também ali sito, e que lhe seria cedido sob a forma de concessão em regime de arrendamento, tendo em vista a sua aptidão construtiva, terminou com uma recusa de apreciação da pretensão.
Na sua contestação, a entidade demandada sustentou a inexistência dos requisitos necessários para a propositura da acção.
O mesmo defendeu o digno Magistrado do MP, nos termos que a seguir se transcrevem:
“ (…) Antes de mais, importa salientar que, ao aprovar o proposto em 25 da informação a que alude, o acto está a apropriar, fazendo-o seu, o conteúdo integral desse ponto 25, ou seja, o ponto 25 propriamente dito e os demais passos da informação nos quais o referido ponto 25 se louva e para os quais remete. Pois bem, esse ponto 25 convoca, como fundamentação das propostas que faz, quanto consta dos pontos 19 a 24. E destes crê-se resultar claro que a troca dos terrenos em causa não pode ser feita, não sendo, por isso, viável dar seguimento à minuta contratual anterior. A troca não pode ser feita porque os lotes BT29b1 e BT29b2 estão destinados a construção de habitação pública (ponto 20), não é possível constituir nova propriedade privada de terrenos após a criação da Região, sob pena de violação do artigo 7.º da Lei Básica (ponto 22), e os direitos sobre os terrenos disponíveis objecto de troca só podem ser concedidos em regime de arrendamento ou ocupação por licença, nos termos do artigo 84.º, n.º 1, da Lei de Terras. Em face destes motivos, que - bem ou mal, não está aqui em discussão - apontam inequivocamente para a inviabilidade legal de operar a pretendida troca, sustenta-se que não é possível dar andamento à minuta contratual e propõe-se o arquivamento do pedido de troca de terrenos.
Tendo sido isto o que foi aprovado ou homologado pelo despacho de 2 de Abril de 2015, temos para nós que o respectivo acto envolve seguramente o indeferimento da requerida troca de terrenos. Mesmo que não se fale concretamente em indeferimento, é essa a decisão que manifestamente se evidencia do acto, a partir do arrazoado que adoptou como seu.
E sendo assim, como cremos, falece o pressuposto da recusa de apreciação da pretensão em que se ancora a petição inicial, não sendo, em tais circunstâncias, admissível o recurso à acção para determinação da prática de acto administrativo legalmente devido.
Resta acrescentar que, na presente acção, dada a sua finalidade e os seus pressupostos (artigos 103.º e 104.º do Código de Processo Administrativo Contencioso), está vedada a declaração de nulidade do acto, tal como vem peticionado subsidiariamente.
Ante o exposto, vai o nosso parecer no sentido da improcedência da acção.”
A posição do Ministério Público é também aquela que nos parece a mais correcta, pelo que a sufragamos e fazemos nossa, com a devida vénia.
Com efeito, se o fundamento da acção se baseava, expressamente, no disposto no art. 103º, nº1, al. c), do CPAC, então isso se deve à circunstância de alegadamente ter sido praticado “um acto administrativo de recusa de apreciação de pretensão”.
Isto é, para a autora aquele acto do Secretário do Governo limita-se a mandar arquivar o pedido de troca de terrenos, sem apreciar o mérito e a legalidade da sua pretensão.
É certo que a referida alínea tem por base a recusa de decisão (é diferente a recusa da prática de acto, a que alude a línea b), do nº1). Recusa que significará uma posição expressa da entidade competente em se negar a conhecer o pedido, apresentando uma justificação para o efeito.
Em tais situações, portanto, a Administração opta por se negar a decidir o caso dizendo porquê. Logo, não existe uma pronúncia sobre o mérito da pretensão, mas existe uma pronúncia para a recusa em tomar a decisão (parece ser este o sentido também de Paula Barbosa, A acção de condenação no acto administrativo legalmente devido, a.a.f.d.l., 2007, pág. 60-61).
E a justificação para a recusa pode ter múltiplas causas. Umas poderão ser de carácter puramente procedimental/formal que possam impedir – ou que poderiam ter impedido no momento próprio – o conhecimento do pedido, tal como sucede, por exemplo, com a incompetência ou ilegitimidade. Outras, poderão assentar nalgum fundamento de discricionariedade quanto à oportunidade de decidir, quanto à determinação dos pressupostos do exercício da competência ou até quanto à própria escolha discricionária ou à liberdade de apreciação (Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Comentário…cit., pág. 448; Tb. Mário Aroso de Almeida, O Novo Regime do Processo…cit., pág. 215-216).
Ora, nada disso aqui está presente. Com efeito, o acto em apreço, ao remeter para a Informação/Proposta que o antecede, mostra claramente que o seu autor quis tomar, e verdadeiramente tomou, uma decisão (ao menos implícita; sobre o conceito de acto implícito, ver Lino Ribeiro e José C. Pinho, Código do Procedimento Administrativo de Macau, pág. 636) sobre o mérito da pretensão da autora. E o sentido dessa decisão é este: não satisfazemos o pedido de troca de terrenos, não só por, após a transferência administrativa de Macau, e conforme posição do TUI, não ser possível adquirir a propriedade de terrenos da RAEM, mas ainda por os direitos sobre os terrenos agora só poderem ser concedidos em regime de arrendamento ou ocupação por licença, consoante o fim a que se destinem, e não por troca.
E com essa justificação, isto é, por não ser possível satisfazer a pretensão da autora (daí a invocação do art. 103º, nº2, al. b), do CPA), o procedimento seria “arquivado”.
Portanto, o que verdadeiramente subjaz a esta decisão é uma apreciação intencional sobre o mérito do pedido de troca de terrenos e só por ter sido alcançada a conclusão de que tal era impossível é que o procedimento seria extinto. Foi o mesmo que dizer que, pelas razões expostas, o “pedido em causa era improcedente”.
Dito isto, de modo nenhum nos podemos conformar com a ideia de que a situação integre a previsão da referida alínea c), do nº1, do art. 103º.
O que significa que não se verifica o requisito de procedibilidade invocado para o uso desta acção.
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2 - Aliás, e mesmo que se não ache que o mérito da pretensão da autora não foi apreciado e decidido desta maneira, nem por isso cremos que a situação cairia sob a alçada da norma invocada.
Na verdade, como se disse, o pressuposto da acção é a recusa nos termos já apreciados. Ora, se não considerarmos que houve acto (ao menos implícita) sobre o mérito da pretensão de permuta de terrenos, no mínimo teremos que olhar para aquela decisão como um acto que declara extinto o procedimento por impossibilidade jurídica do seu objecto.
Mas assim sendo, nesta perspectiva, sempre estaríamos perante um acto administrativo de declaração de extinção do procedimento administrativo, o qual, por ser lesivo e não satisfazer expressamente a pretensão do requerente e o colocar sem tutela administrativa, haveria de ser objecto de recurso contencioso autónomo (Lino Ribeiro e José C. Pinho, Código…cit., pág.522).
Enfim, por qualquer destas razões estamos perante circunstâncias que levam à improcedência da acção.
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IV – Decidindo
Face ao exposto, acordam em julgar improcedente a acção e absolver o réu do pedido.
Custas pelo autor, com taxa de justiça em 5UC.
TSI, 16 de Março de 2017
Fui presente (Relator) Joaquim Teixeira de Sousa José Cândido de Pinho
(Primeiro Juiz-Adjunto) Tong Hio Fong
(Segundo Juiz-Adjunto) Lai Kin Hong
409/2016-A 1