Processo n.º 13/2017.                                                 Recurso extraordinário para fixação de jurisprudência em processo penal. 
Recorrente: A.
Recorrido: Ministério Público.
Assunto: Recurso extraordinário para fixação de jurisprudência em processo penal. Oposição de acórdãos. Consumação do crime de furto ou de roubo.
Data do Acórdão: 26 de Abril de 2017.
Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator), Song Man Lei e Sam Hou Fai.
SUMÁRIO:
     Não existe oposição de acórdãos sobre a mesma questão de direito entre os acórdãos de 7 de Dezembro de 2016, no Processo n.º 286/2016 e de 21 de Novembro de 2013, no Processo n.º 656/2013, ambos do Tribunal de Segunda Instância, pois a divergência entre os dois consiste numa interpretação dos factos, já que ambos os acórdãos não divergem quanto à questão de direito, opinando ambos que a subtracção no crime de furto só se consuma quando o domínio do agente da infracção sobre a coisa se torna relativamente estável. 
     
O Relator,
Viriato Manuel Pinheiro de Lima
   ACORDAM NO TRIBUNAL DE ÚLTIMA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU:
     
     I – Relatório 
     A, interpõe recurso extraordinário para fixação de jurisprudência do Acórdão de 7 de Dezembro de 2016, no Processo n.º 286/2016, do Tribunal de Segunda Instância (TSI), no qual foi arguido, com fundamento em o mesmo se encontrar em oposição com o Acórdão do mesmo Tribunal, de 21 de Novembro de 2013, no Processo n.º 656/2013.
     De acordo com o recorrente, a oposição entre os dois acórdãos consiste em saber quando se efectiva a subtracção para efeitos da consumação do crime de furto.
     Entende o recorrente que no acórdão fundamento se considerou que a subtracção no crime de furto traduz-se na conduta que faz com que a coisa saia do domínio de facto do precedente detentor ou possuidor, entrando no domínio do agente da infracção. E, assim, a subtracção só se efectiva quando o domínio do agente da infracção sobre a coisa se torna relativamente estável, aquela que ultrapassa os riscos imediatos da reacção da vítima.
     Para o mesmo recorrente, no acórdão recorrido entendeu-se diferentemente.
     A Ex.ma Procuradora-Adjunta, na resposta à motivação, pronuncia-se pela rejeição do recurso, pois que a divergência existente consiste numa interpretação dos factos, já que ambos os acórdãos não divergem quanto à questão de direito, opinando ambos que a subtracção no crime de furto só se consuma quando o domínio do agente da infracção sobre a coisa se torna relativamente estável. 
     No seu parecer, a Ex.ma Procuradora-Adjunta manteve a posição já assumida na resposta à motivação.
     
     
     II - Fundamentos
     1. Requisitos do recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, em processo penal.
     Cabe proferir a decisão a que se refere o n.º 1 do artigo 423.º do Código de Processo Penal, isto é, decidir se o recurso deve prosseguir ou se deve ser rejeitado, por ocorrer motivo de inadmissibilidade ou por não existir oposição de julgados.
     Seguimos aqui o que dissemos no acórdão de 23 de Setembro de 2015, no Processo n.º 59/2015.
     Dispõe o artigo 419.º do Código de Processo Penal, na redacção introduzida pelo artigo 73.º da Lei n.º 9/1999, de 20.12:
     “Artigo 419 º
     Fundamento do recurso
     
     1. Quando, no domínio da mesma legislação, o Tribunal de Última Instância proferir dois acórdãos que, relativamente à mesma questão de direito, assentem em soluções opostas, o Ministério Público, o arguido, o assistente ou a parte civil podem recorrer, para uniformização de jurisprudência, do acórdão proferido em último lugar.
     2. É também admissível recurso, nos termos do número anterior, quando o Tribunal de Segunda Instância proferir acórdão que esteja em oposição com outro do mesmo tribunal ou do Tribunal de Última Instância, e dele não for admissível recurso ordinário, salvo se a orientação perfilhada naquele acórdão estiver de acordo com a jurisprudência já anteriormente fixada pelo Tribunal de Última Instância.
     3. Os acórdãos consideram-se proferidos no domínio da mesma legislação quando, durante o intervalo da sua prolação, não tiver ocorrido modificação legislativa que interfira, directa ou indirectamente, na resolução da questão de direito controvertida.
     4. Como fundamento do recurso só pode invocar-se acórdão anterior transitado em julgado”.
     
     Face a esta norma, trata-se de saber:
     - Se foram proferidos dois acórdãos que, relativamente, à mesma questão de direito, assentam em soluções opostas;
     - Se as decisões foram proferidas no domínio da mesma legislação;
     - Se o acórdão fundamento é anterior ao acórdão recorrido e se transitou em julgado;
     - Se do acórdão recorrido não era admissível recurso ordinário;
     - Se o recurso foi interposto no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado do acórdão proferido em último lugar, ou seja do acórdão recorrido (n.º 1 do artigo 420.º do Código de Processo Penal).
     
     2. Existência de dois acórdãos que, relativamente à mesma questão de direito, assentem em soluções opostas 
     Relativamente ao pressuposto fundamental em questão – existência de dois acórdãos que, relativamente, à mesma questão de direito, assentam em soluções opostas - tem-se considerado (por exemplo, no acórdão do TUI, de 11 de Março de 2009, no Processo n.º 6/2009) que:
     As decisões devem ser diversas, opostas, não necessariamente contraditórias.
     A oposição entre as decisões deve ser expressa e não meramente implícita. Não basta que numa das decisões possa ver-se aceitação tácita de doutrina contrária a outra decisão. 
     A questão decidida pelos dois acórdãos deve ser idêntica e não apenas análoga. A este respeito tem-se entendido que os factos fundamentais sobre os quais assentam as decisões, ou seja, os factos nucleares e necessários à resolução do problema jurídico, devem ser idênticos.
     A questão sobre a qual se verifica a oposição deve ser fundamental. Ou seja, a questão de direito deve ter sido determinante para a decisão do caso concreto. 
     A questão sobre a qual há oposição tem de ser uma questão de direito. Não pode ser uma questão de facto, até porque o TUI não aprecia, normalmente, matéria de facto.
     Se uma referência, de um Acórdão, sobre uma questão jurídica, não se consubstancia numa decisão, nunca pode haver oposição de acórdãos conducente a uma decisão uniformizadora de jurisprudência por parte do TUI (acórdão do TUI, de 31 de Março de 2009, no Processo n.º 6/2009).
     A parte preceptiva da decisão judicial é apenas a ratio decidendi, ou seja, a razão de decidir, a regra de direito considerada necessária pelo juiz para chegar à sua conclusão. Os obiter dicta (regras de direito que não são fundamentais para decidir, aquilo que é dito sem necessidade absoluta para tomar a decisão) não vinculam (acórdão do TUI, de 31 de Março de 2009, no Processo n.º 6/2009).
     
     3. O caso dos autos
     Na sua resposta à motivação do recorrente, a Ex.ma Procuradora-Adjunta sintetizou bem a questão fulcral.
     A divergência entre os dois acórdãos assenta numa diversa interpretação dos factos, dado que ambos estão de acordo quanta à questão de direito fundamental, que era a de saber quando se dá a consumação no crime de furto, isto é, quando se pode dizer que não se está perante mera tentativa da prática deste crime. Ambos consideraram, neste aspecto, que a subtracção no crime de furto traduz-se na conduta que faz com que a coisa saia do domínio de facto do precedente detentor ou possuidor, entrando no domínio do agente da infracção.
     É certo que parece haver entre os dois acórdãos alguma divergência, mas esta consiste numa interpretação dos factos, já que ambos os acórdãos não divergem quanto à questão de direito, opinando ambos que a subtracção no crime de furto só se consuma quando o domínio do agente da infracção sobre a coisa se torna relativamente estável. 
     Ou seja, não há oposição entre as decisões sobre a mesma questão de direito.
     Estamos, no fundo, perante uma divergência sobre matéria de facto.
     Está, pois, prejudicado o exame dos restantes requisitos do recurso.
     
     III - Decisão
     Face ao expendido, rejeita-se o recurso.
     Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 UC.
     
     Macau, 26 de Abril de 2017.
     
Juízes: Viriato Manuel Pinheiro de Lima (Relator) – Song Man Lei – Sam Hou Fai
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