Processo nº 130/2017
Data do Acórdão: 23MAR2017
Assuntos:
Título executivo
Exigibilidade da dívida exequenda
SUMÁRIO
1. Por força do princípio da liberdade negocial, num contrato de empréstimo, as partes podem subordinar a eficácia da obrigação de reembolso da dívida a um acontecimento futuro e incerto.
2. Se for caso disso, enquanto não se verificar o tal acontecimento, não é exigível a obrigação de reembolso.
O relator
Lai Kin Hong
Processo nº 130/2017
Acordam em conferência na Secção Cível e Administrativa no Tribunal de Segunda Instância da RAEM:
I
B, intentou a acção executiva para pagamento de quantia certa contra C, acção essa que corre os seus termos no Tribunal Judicial de Base sob nº CV1-16-0152-CEO.
Serve de base à execução como título executivo um escrito particular.
Por despacho da Exmª Juiz a quo, foi liminarmente indeferida a execução nos termos seguintes:
B intentou a presente execução ordinária para pagamento de quantia certa contra C alegando, em síntese, que o executado lhe pediu emprestado o montante global de HKD900.000,00 e que assumiu essa dívida através de documento particular, junto aos autos a fls. 8.
Cumpre apreciar, tendo em mente o disposto no artigo 695.º, n.º 1, primeira parte, do Código de Processo Civil.
Como decorre do disposto no artigo 12.º, n.º 1 do Código de Processo Civil a acção executiva tem por base um título, pela qual se determinam os seus fins e os seus limites.
O título executivo contém o acertamento ou determinação do direito que se pretende fazer valer, sendo pois, o ponto de partida da acção executiva, na medida em que a realização coactiva da prestação pressupõe a anterior definição dos elementos (subjectivos e objectivos) da relação jurídica de que ela é objecto (vide Lebre de Freitas, A acção executiva, Coimbra Editora, 1993, pág. 29).
No caso sub iudice o título que serve de base à presente execução é o documento junto aos autos a fls. 8 traduzido para português a fls. 18.
Segundo resulta do artigo 677.º, alínea c) do Código de Processo Civil podem servir de base à execução os documentos particulares, assinados pelo devedor, que importem constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante seja determinado ou determinável nos termos do artigo 689.º
Da análise desse documento particular verificamos que o executado assume efectivamente que contraiu um empréstimo, à exequente, no valor supra referido tendo-se comprometido a fazer o respectivo reembolso aquando da venda da sua residência sita em Macau, Praça de Ávila, n.º ..., edf ...... Kok, ....º andar ... e o lugar de estacionamento sito no edifício ......, sendo a parte A a primeira pessoa a receber o pagamento (...).
Trata-se de um título executivo, celebrado em 13 de Julho de 2015, que garante, por ora, a necessária certeza e liquidez da obrigação exequenda mas que, considerado isoladamente, nos coloca a dúvida sobre a exigibilidade dessa obrigação. O credor (exequente) só pode exigir o cumprimento desta obrigação quando o devedor (executado) tiver vendido os imóveis supra referidos.
Nessas situações - em que a obrigação não é exigível em face do título executivo - incumbe ao exequente dar cumprimento ao disposto no artigo 686.º do Código de Processo Civil e alegar factos de onde se extraia que a condição estipulada pelas partes já se verificou e que, ainda assim, o devedor não cumpriu com a sua obrigação, impulsionando dessa forma a fase pré-executiva prevista na citada norma legal.
Sucede, porém, que a exequente se limita a invocar, genericamente, o facto de ter exigido, por escrito, ao executado que cumprisse a obrigação de pagamento e nada é mencionado relativamente ao facto de a condição imposta, como prazo para esse pagamento, já se ter verificado.
Pelos fundamentos expostos, estamos perante uma situação de manifesta falta de título executivo, por se desconhecer se é ou não exigível a obrigação, razão pela qual, e ao abrigo do disposto no artigo 695.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, se indefere liminarmente o requerimento executivo.
Custas pelo exequente.
Notifique.
Inconformada com o indeferimento liminar da execução, veio a exequente interpor dele o recurso, pedindo e concluindo que:
1. 本上訴標的為題述卷宗第19頁至第20頁的初端駁回批示,尊敬的 原審法院認為 “Da análise desse documento particular verificamos que o executado assume efectivamente que contraiu um empréstimo, à exequente, no valor supra referido tendo-se comprometido a fazer o respectivo reembolso aquando da venda da sua residência sita em Macau. Praça de Àvila. n.º .... edf. ...... Kok, ....º andar ... e o lugar de estacionamento sito no edifício ......, sendo a parte A a primeira pessoa a receber o pagamento (...).”
2. 尊敬的 原審法院認為因未能知悉上述債務的條件(即出售相關單位及車位) 是否成就,故此作出初端駁回。
3. 除了表示應有的尊重外,上訴人認為尊敬的 原審法院對執行名義的中文表 述存在錯誤理解。
4. 正如尊敬的 原審法院認為 “Trata-se de um título executivo, celebrado em 13 de Julho de 2015, que garante, por era, a necessária certeza e liquidez da obrigação exequenda mas que, considerando isoladamente, nos coloca a dúvida sobre a exigibilidade desse obrigação.”,故此在本上訴中上訴人只針對債務的 可要求履行性作出闡述,而對於債務的確定性及確切定出這兩個執行名義的要件,上訴人不再詳述。
5. 根據本案的執行名義的行文,中文表述為「(...)甲方聲明以無息借貸款項給予乙方,乙方同意承諾將居住澳門羅飛勒前地(燒灰爐口) ...號,......閣...樓...座之單位及......花園車位出售時先清還該借款,甲方為第一收款人 (...)」(粗體及底線為我們所加)
6. 上述執行名義所提及的甲方為本案的上訴人(即請求執行人),而乙方為本 案的被上訴人(即被執行人)。
7. 從上述中文表述「先清還該借款」以及「甲方為第一收款人」,明顯地可以看出被上訴人作出上述承諾是為了給予上訴人一個保證,使上訴人確信被上訴人即使出售其單位及車位,所取得的償金亦會先用於償還債務。
8. 如果要符合尊敬的 原審法院的理解,中文表述應為「乙方同意承諾相關借款於乙方將居住澳門羅飛勒前地(燒灰爐口) ...號,......閣...樓...座之單位及......花園車位出售時償還借款」又或「甲方同意承諾相關借款於乙方將澳門羅飛勒前地(燒灰爐口) ...號,......閣...樓...座之單位及......花園車位出售時到期」,而非「出售時先清還該借款,甲方為第一收款人」。
9. 本案的執行名義中並沒有設定了「被上訴人出售相關單位及車位」的債務履 行的停止條件,所以不適用《民事訴訟法典》第688條第1款。
10. 不能否認,本案的執行名義上沒有訂定債務到期日。
11. 根據《民法典》第766條之規定,如沒有訂定給付期,債權人可隨時要求履行債務。
12. 於2016年2月3日與被上訴人簽署本案的執行名義後,上訴人一直要求被上訴人還款,但被上訴人沒有還款並一直推搪。
13. 上訴人更於2016年3月14日透過律師向被上訴人發出書面催告,催告中通知被上訴人2016年3月18日為借款到期日,以及通知被上訴人須於該到期日起計5日內償清借款,否則將透過訴訟主張權利。
14. 被上訴人亦已於2016年3月17日簽收上述書面催告。
15. 如此,相關債務已因催告而到期,即可要求被上訴人履行,符合《民事訴訟 法典》第686條所規定的債之可要求履行性。
16. 基於此,因執行名義的相關債務已確定金額為港幣玖拾萬元(HKD 900,000.00),而且債務已透過催告而到期,符合《民事訴訟法典》第686條所規定之債之確定、確切定出及可要求履行的法定前提,構成一執行名義。
17. 為了訴訟上的謹慎辯護,即使不認為上述債務已作催告而未可要求履行,根 據《民事訴訟法典》第688條第3款,有關債務亦視為於傳喚被上訴人時到期。
18. 如此,只要透過傳喚,相關債務即可符合《民事訴訟法典》第686條所規定的債之可要求履行性。
19. 根據《民事訴訟法典》第688條第3款,債務因傳喚而到期,亦符合《民事訴訟法典》第686條所規定之債之確定、確切定出及可要求履行的法定前提,構成一執行名義。
基於此,謹請尊敬的 法官閣下裁定本上訴理由成立,並作出以下判處:
1. 廢止被上訴批示;
2 接受執行之最初聲請並決定繼續本訴訟;以及
3. 根《民事訴訟法典》第375條第1款準用同一法典第395條第4款第一部份之規定要求尊敬的 原審法院命令通知被上訴人可選擇對執行提出異議。
Foram colhidos os vistos, cumpre conhecer.
II
A única questão levantada nesta lide recursória é a de saber se, face ao teor do título executivo, é exigível a dívida exequenda.
Serve de título executivo o seguinte documento particular:
借貸聲明書
第一方:B(B)持有澳門永久性居民身份證編號73XXXXX(X)
(以下簡稱為甲方)
第二方:C(C)持有澳門永久性居民身份證編號12XXXXX(X)現居住澳門羅飛勒前地(燒灰爐口)...號, ......閣...樓...座。
(以下簡稱為乙方)
茲因甲、乙雙方經過友好協商,現甲方B(B)同意貸款港幣玖拾萬圓正(HKD$900,000. 00)予乙方C(C),雙方於二零一六年二月三日在本XXXX大律師事務所簽立借貸聲明書,甲方聲明以無息借貸款項給予乙方,乙方同意承諾將居住澳門羅飛勒前地(燒灰爐口)...號,......閣...樓...座之單位及......花園車位出售時先清還該借款,甲方為第一收款人,並在出售上述單位時先通甲方的代理人D小姐,雙方同意借貸聲明書條款,共同遵照執行;
雙方同意在XXXX大律師樓事務所簽立此借貸聲明書,本聲明書一式三份,各執壹份為據,一份由律師事務所存檔。
第一方簽署人:(B簽名)
第二方簽署人:(C簽名)
見證人:(律師事務所簽名及蓋章) 日期:二零一五年七月十三日於澳門
Declaração de Concessão de Empréstimo
Parte A: B, titular do Bilhete de Identidade de Residente Permanente de Macau nº 73XXXXX(X) (abaixo designado por parte A)
Parte B: C, titular do Bilhete de Identidade de Residente Permanente de Macau nº12XXXXX(X), actualmente residente em Macau, Praça de Ávila, nº..., edf. “...... Kok”, ...º andar .... (abaixo designado por parte B)
Por acordo amigável estabelecido entre ambas as partes, a Parte A B concorda em conceder um empréstimo de HK$900.000,00 à parte B C, tendo ambas as partes celebrado uma declaração de concessão de empréstimo no escritório de advogado Dr. XXXX, na qual a parte A declarou conceder empréstimo sem estipulação de juros à Parte B, enquanto a Parte B prometeu efectuar o pagamento de reembolso da respectiva dívida à Parte A aquando da venda a sua residência sita em Macau, Praça de Ávila, nº..., edf. “...... Kok”, ...º andar ... e o lugar de estacionamento sito no edifício ......, sendo a Parte A a primeira pessoa a receber o pagamento, e na altura da venda das acima referidas fracções, comunicará primeiramente a sra. D, representante da Parte A. Ambas as partes concordam com os termos da declaração de concessão de empréstimo, que será cumprida conjuntamente pelas ambas as partes.
Ambas as partes concordam em celebrar a presente declaração de concessão de empréstimo no escritório de advogado Dr. XXXX, que será elaborada em triplicado, a Parte A e a Parte possuem, cada uma delas, uma cópia, sendo a terceira arquivada no escritório de advogado.
A Parte A: B
A Parte B: C
Testemunha: (assinatura) (carimbo) (XXXX)
Data: Em Macau, aos 13 de Julho de 2015.
Trata-se de um documento particular assinado pela exequente e a executada que nele esta reconhece uma dívida no valor de HKD$900.000,00.
A Exmª Juiz a quo entende que a dívida é certa e líquida, não sendo todavia exigível.
Não é exigível porque ambas as partes, a credora e a devedora, ora exequente e executada, acordaram fazer sujeitar a eficácia da obrigação de reembolso à verificação de uma condição suspensiva, isto é, quando a devedora vender a sua residência sita em Macau, sita na Praça de Ávila, nº ..., Edif. ...... Kok, ...º andar-... e o lugar de estacionamento no edifício .......
Discordando do assim entendido no despacho recorrido, vem a recorrente defender que não foi correctamente interpretada a cláusula constante do título executivo, que diversamente do que entendeu a Exmª Juiz a quo, deveria ter sido interpretada no sentido de que “mesmo que a devedora venha a vender a fracção autónoma e o lugar de estacionamento, os preços obtidos com a venda serão prioritariamente consignados ao reembolso da dívida (被上訴人即使出售其單位及車位,所取得的償金亦會先用於償還債務)”.
Ora, lida a cláusula em causa e comparada a sua tradução para português feita pelo pessoal da tradução do TJB, com base na qual a Exmª Juiz laborou, não verificamos discrepância alguma entre o sentido que pode ser extraído do texto original redigido em chinês e o da respectiva tradução para português.
Na verdade, ante a cláusula em que se estipula que “a Parte B (ora executada) prometeu efectuar o pagamento de reembolso da respectiva dívida à Parte A (ora exequente) aquando da venda da sua residência sita em Macau, na Praça de Ávila, nº ..., Edif. ...... Kok, ...º andar-... e o lugar de estacionamento sito no edif. ......, sendo a Parte A a primeira pessoa a receber o pagamento, e na altura da venda das acima referidas fracções, comunicará primeiramente a Sra. D, representante da Parte A.”, não temos dúvidas de que, mediante a inserção dessa cláusula acessória, ambas as partes quiseram subordinar o vencimento da obrigação de reembolso a um acontecimento futuro e incerto, que é justamente a futura venda da fracção autónoma e do lugar de estacionamento.
Cláusula essa que, não obstante algo estranha, é-nos perfeitamente admissível por força do princípio da liberdade negocial.
Aliás esse entendimento nosso coincide exactamente com o da Exmª Juiz a quo.
Assim sendo, não se nos afigura outra solução melhor do que a de louvar aqui a decisão recorrida e, nos termos autorizados pelo artº 631º/5 do CPC, remeter para os Doutos fundamentos invocados na decisão recorrida, julgando improcedente o recurso da exequente e confirmando a decisão recorrida.
Em conclusão:
3. Por força do princípio da liberdade negocial, num contrato de empréstimo, as partes podem subordinar a eficácia da obrigação de reembolso da dívida a um acontecimento futuro e incerto.
4. Se for caso disso, enquanto não se verificar o tal acontecimento, não é exigível a obrigação de reembolso.
Tudo visto, resta decidir.
III
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em negar provimento ao recurso
Custas pela recorrente.
Registe e notifique.
RAEM, 23MAR2017
(Relator)
Lai Kin Hong
(Primeiro Juiz-Adjunto)
João A. G. Gil de Oliveira
(Segundo Juiz-Adjunto)
Ho Wai Neng
Ac. 130/2017-7