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Processo nº 250/2017
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. Por Acórdão datado de 27.10.2016 do Colectivo do T.J.B. decidiu-se condenar B ou B1 (B), arguido com os sinais dos autos, como autor da prática de 1 crime de “ofensa grave à integridade física por negligência”, p. e p. pelo art. 142°, n.° 3 e 138°, al. d) do C.P.M. e art. 93°, n.° 1 da Lei n.° 3/2007, na pena de 1 ano e 9 meses de prisão suspensa na sua execução por 2 anos, e na pena acessória de inibição de condução por 1 ano.

Em relação ao “pedido de indemnização civil” pelo ofendido C (C) enxertado no processo, decidiu o Colectivo julgá-lo parcialmente procedente, condenando a demandada “COMPANHIA DE SEGUROS DA D (MACAU), S.A.”, (D保險(澳門)股份有限公司), a lhe pagar a quantia total de MOP$686.535,67 e juros; (cfr., fls. 325 a 334 que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

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Inconformada, a demandada seguradora recorreu para (tão só) imputar ao Acórdão recorrido o vício de “excesso de quantum na indemnização por danos não patrimoniais”; (cfr., fls. 349 a 357).

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Oportunamente, veio também o ofendido demandante interpor “recurso subordinado”, pedindo que o quantum da indemnização pelos seus “danos não patrimoniais” fosse fixado em valor não inferior a MOP$800.000,00; (cfr., fls. 361 a 364).

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Nada parecendo obstar, passa-se a decidir.

Fundamentação

Dos factos

2. Estão provados e não provados os factos como tal elencados no Acórdão recorrido a fls. 325-v a 328, e que aqui se dão como integralmente reproduzidos.

Do direito

3. Como resulta do que até aqui se deixou relatado, dois são os recursos trazidos à apreciação deste T.S.I..

Certo sendo que o âmbito do(s) recurso(s) é dado pelas conclusões pelo(s) recorrente(s) extraídas da respectiva motivação, e que são apenas as questões pelo(s) recorrente(s) suscitadas e sumariadas nas conclusões que o Tribunal de recurso tem de apreciar – cfr., v.g., G. Marques da Silva in “C.P.P.” III, pág. 355 – sem prejuízo das de conhecimento oficioso, que no caso também não ocorrem, vejamos.

In casu, fixou o Colectivo a quo o quantum de MOP$500.000,00 como indemnização pelos “danos não patrimoniais” pelo ofendido (demandante) sofridos.

E, em síntese, diz a recorrente demandada seguradora que excessivo é este montante, devendo ser objecto de redução, para um valor não superior a MOP$200.000,00, considerando, por sua vez, o ofendido demandante, (no seu “recurso subordinado”), que “curto” é o mesmo montante, pedindo o seu aumento para outro que não deve ser inferior a MOP$800.000,00, (notando-se ser este o mesmo valor constante do pedido civil inicialmente apresentado).

–– Sendo assim este T.S.I. chamado a decidir (tão só) a questão do montante a fixar a título de “indemnização pelos danos não patrimoniais” do ofendido, continuemos, começando-se, como é lógico, pelo “recurso (principal) da demandada”.

Pois bem, em sede de “danos não patrimoniais”, firme tem sido o entendimento deste T.S.I. no sentido de que “a indemnização por danos não patrimoniais tem como objectivo proporcionar um conforto ao ofendido a fim de lhe aliviar os sofrimentos que a lesão lhe provocou ou, se possível, lhos fazer esquecer.
Visa, pois, proporcionar ao lesado momentos de prazer ou de alegria, em termos de neutralizar, na medida do possível, o sofrimento moral de que padeceu”, (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 03.11.2016, Proc. n.° 759/2016, de 13.12.2016, Proc. n.° 923/2016 e de 23.02.2017, Proc. n.° 118/2017), sendo também de considerar que em matérias como as em questão, inadequados são “montantes simbólicos ou miserabilistas”, (vd., M. Cordeiro, in “Tratado de Direito Civil Português”, II, Direito das Obrigações, III, pág. 755, onde se afirma que “há que perder a timidez quanto às cifras…”), não sendo igualmente de se proporcionar “enriquecimentos ilegítimos ou injustificados”, (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 14.04.2016, Proc. n.° 238/2016, de 12.05.2016, Proc. n.° 326/2016 e de 13.12.2016, Proc. n.° 923/2016), exigindo-se aos tribunais, com apelo a critérios de equidade, um permanente esforço de aperfeiçoamento atentas as circunstâncias (individuais) do caso.

Na verdade, a reparação dos “danos não patrimoniais” não visa uma “reparação directa” destes, pois que estes – “danos não patrimoniais” – são insusceptíveis de serem contabilizados em dinheiro, sendo pois que com o seu ressarcimento se visa tão só viabilizar um lenitivo ao lesado, (já que é impossível tirar-lhe o mal causado).

Trata-se de “pagar a dor com prazer”, através da satisfação de outras necessidades com o dinheiro atribuído para compensar aqueles danos não patrimoniais, compensando as dores, desgostos e contrariedades com o prazer derivado da satisfação das referidas necessidades.

Visa-se, no fundo, proporcionar à(s) pessoa(s) lesada(s) uma satisfação que, em certa medida possa contrabalançar o dano, devendo constituir verdadeiramente uma “possibilidade compensatória”, devendo o montante de indemnização ser proporcionado à gravidade do dano, ponderando-se na sua fixação todas as regras de prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, da criteriosa ponderação das realidades da vida; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 03.11.2016, Proc. n.° 759/2016, de 13.12.2016, Proc. n.° 923/2016 e de 23.02.2017, Proc. n.° 118/2017).

Porém, e como sabido é, o C.C.M., não enumera os “danos não patrimoniais”, confiando ao Tribunal o encargo de os apreciar no quadro das várias situações concretas e atento o estatuído nos seus art°s 489° e 487°; (em Ac. da Rel. de Guimarães de 19.02.2015, Proc. n.° 41/13, in “www.dgsi.pt”, consignou-se que “são de ponderar circunstâncias várias, como a natureza e grau das lesões, suas sequelas físicas e psíquicas, as intervenções cirúrgicas eventualmente sofridas e o grau de risco inerente, os internamentos e a sua duração, o quantum doloris, o dano estético, o período de doença, situação anterior e posterior da vítima em termos de afirmação social, apresentação e autoestima, alegria de viver, a idade, a esperança de vida e perspectivas para o futuro, entre outras …”).

Nos temos do n.° 3 do art. 489° do dito C.C.M.: “o montante da indemnização é fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 487.º; (…)”.

Por sua vez, prescreve o art. 487° deste mesmo Código que: “quando a responsabilidade se fundar na mera culpa, pode a indemnização ser fixada, equitativamente, em montante inferior ao que corresponderia aos danos causados, desde que o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso o justifiquem”.

Aqui chegados, e (cremos nós), clarificada a natureza, sentido e alcance dos “danos não patrimoniais” assim como das razões para a sua “indemnização”, certo sendo que como igualmente temos entendido, “Quando o cálculo da indemnização haja assentado decisivamente em juízos de equidade, não deve caber ao Tribunal ad quem a determinação exacta do valor pecuniário a arbitrar, devendo centrar a sua censura na verificação dos limites e pressupostos dentro dos quais se situou o referido juízo de equidade tendo em conta o “caso concreto””, (cfr., v.g., os Acs. de 14.04.2016 e de 12.05.2016, Proc. n.° 238/2016 e 326/2016), e não se olvidando também que na ausência de uma definição legal o julgamento pela equidade é sempre o produto de uma decisão humana que visará ordenar determinado problema perante um conjunto articulado de proposições objectivas, distinguindo-se do puro julgamento jurídico por apresentar menos preocupações sistemáticas e maiores empirismo e intuição, (cfr., M. Cordeiro in, “O Direito”, pág. 272 e o recente Ac. da Rel. do Porto de 21.02.2017, Proc. n.° 2115/04, in “www.dgsi.pt”), que dizer?

Pois bem, dos autos resulta que do acidente em questão, ocorrido em 04.09.2014 – e em relação ao qual foi o arguido, segurado pela ora recorrente, o único e exclusivo culpado – resultou para o ofendido, fracturas ósseas várias, (nomeadamente, na 2ª a 7ª e 9ª costela e clavícula), lesões no pulmão (direito), tendo o mesmo ofendido ficado internado no hospital por 1 mês, onde foi tratado, e para onde teve que se deslocar várias outras vezes para (continuação do) tratamento e acompanhamento, sofrendo, ainda hoje, 3% de incapacidade parcial permanente, tendo (muita) dificuldade em levantar o braço/mão direita; (cfr., fls. 326 a 327-v).

Sofreu igualmente o ofendido, como é óbvio e resulta (directamente) das regras de experiência, dores (fortes) com as lesões e tratamento a que foi submetido, padeceu de angústias quanto ao seu estado de saúde e possibilidade/capacidade de recuperação, (atente-se que as lesões causaram “perigo para a sua vida”), tendo também suportado inconvenientes vários no seu dia-a-dia, enquanto internado e posteriormente, em consultas, até a sua recuperação, notando-se que ainda padece de 3% de incapacidade permanente, e que, à data do acidente, em 2014, tinha 59 anos de idade, sendo, como sabido é que, em Macau, a média de vida ronda os 80 anos de idade.

E, parente isto, e sem prejuízo de melhor entendimento, não nos parece que existam motivos para se reconhecer razão à seguradora recorrente quando pede a redução do quantum (de MOP$500.000,00) fixado a título de indemnização pelos “danos não patrimoniais” do ofendido, (para quantia não superior a MOP$200.000,00).

Improcede, assim o recurso.

–– Do “recurso subordinado”.

Considerando reduzida a quantia de MOP$500.000,00, pede o ofendido MOP$800.000,00, como inicialmente peticionado.

Ora, ponderando no que até aqui se deixou relatado, nas lesões e sofrimento do ofendido, e não se olvidando que se a indemnização pelos danos não patrimoniais não deve ser “simbólica”, também não deve proporcionar “enriquecimentos ilegítimos”, cremos que bem andou o Colectivo a quo ao fixar em MOP$500.000,00 o montante a arbitrar, assim improcedendo o presente recurso.

Decisão

4. Nos termos e fundamentos expostos, em conferência, acordam negar provimento ao “recurso principal” da “COMPANHIA DE SEGUROS DA D (MACAU), S.A.”, e ao “recurso subordinado” do ofendido C.

Custas pelos recorrentes na proporção dos seus decaimentos.

Registe e notifique.

Nada vindo de novo, e após trânsito, remetam-se os autos ao T.J.B. com as baixas e averbamentos necessários.

Macau, aos 23 de Março de 2017

(Relator)
José Maria Dias Azedo

(Primeiro Juiz-Adjunto)
Chan Kuong Seng

(Segunda Juiz-Adjunta)
Tam Hio Wa
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