Processo nº 320/2016
(Autos de recurso civil)
Data: 23/Março/2017
Assunto: Conhecimento de mérito no saneador
SUMÁRIO
O juiz deve conhecer do pedido ou de excepções peremptórias se a actividade instrutória posterior for irrelevante para a decisão final, se não a puder modificar.
No caso vertente, ainda que os factos alegados pelos recorrentes fossem provados, os mesmos não teriam qualquer virtualidade de alterar a decisão final, daí que em prol dos princípios da economia e da celeridade processuais, não valerá a pena percorrer toda a tramitação processual até final, se os elementos carreados à fase do saneamento já são suficientes para se dar uma decisão de mérito.
O Relator,
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Tong Hio Fong
Processo nº 320/2016
(Autos de recurso civil)
Data: 23/Março/2017
Recorrentes:
- B e C (Réus)
Recorridos:
- D e F (Autores)
Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:
I) RELATÓRIO
Inconformados com a sentença que julgou procedente a acção intentada por D e F, Autores e ora recorridos, e em consequência, foram os mesmos reconhecidos como donos e legítimos proprietários da fracção autónoma referida nos autos, dela interpuseram os Réus ora recorrentes recurso ordinário para este TSI, em cujas alegações formularam as seguintes conclusões:
“1. 被上訴判決為初級法院民事法庭第一庭於2015年11月6日作出的清理判決。該清理判決判處原告(被上訴人)之請求全部成立。
2. 除表示應有之尊重外,基於被上訴判決錯誤適用《民事訴訟法典》第429條第1款b項之規定,上訴人不同意上述尊敬的初級法院法官閣下作出之清理判決。
3. 上訴人認為清理判決中並不具有充份證據立即審理案件之實體問題。
4. 在上述被上訴判決中提及上訴人C僅簽署了預約買賣合同,且其實際之意願為與G共同簽署動產買賣公證書,購入該單位作家庭居所之事實或許有其重要性,但並沒有任何法律的可行性。
5. 然而,對於上訴人C從沒有作出任何書面或口頭表示將有關購入該單位之權利轉讓予G單獨作出,且家庭內各成員均知悉該單位實際上屬於被告C及G共同及平均持有之物業,上訴人認為需要結合證人證言方可判定事實的原委並作出最終決定。
6. 而且,更重要的是即使在預約合同中曾指出過有關購入上訴物業之權利可以轉讓予或聯同G先生或其他第三者承受,但從上訴人C簽署預約買賣合同變成為由G簽署樓宇買賣公證書的情況,似乎當中簽署人關係的改變及兩個合同之間的關聯性,需要透過更多的證據去分析,但被上訴判決似乎並沒有對此作出考慮。
7. 故此,上訴人認為應透過審判聽證階段,以深入了解及考慮上訴人及其家庭成員之關係及兩個合同之間之連結關係,尤其上訴人已列為證人之女兒H之證言,從而取得更多資訊以判斷涉案單位之實際擁有人。
8. 此外,上訴人同樣認為應透過審判聽證階段,聽取被上訴人列為證人之當時與上訴人C簽署預約買賣合同之賣家I的證言,以便更加清楚當時準備及簽署樓宇買賣公證書的實際情況。
9. 另外,被上訴判決中亦曾指出被上訴人購入涉案單位之價金比巿價較低的事實及被上訴人從沒有到涉案單位視察的事實,並不足以指出被上訴人及G之間關於涉案單位之買賣具有不尋常的情況。
10. 然而,上訴人同樣認為對上述事實作出單獨考量的情況下,或許並不足以指出雙方之間不尋常的行為,故應該同時考慮上訴人在答辯狀中第17至21點所提及之事實,但被上訴判決似乎並沒有對此作出考量。
11. 所以,上訴人認為基於以上各項提出之事實,因當中出現之問題尚未釐清之前,不應該在清理批示階段即作出決定,應將有關之事實經過審判聽證,聽取事件中利害關係人及相關人士之說法後,方作出最後之決定。
12. 綜上所述,上訴人認為不應該適用《民事訴訟法典》第429條第1款b項之規定,請求廢止被上訴判決,並繼續進行本訴訟程序之清理階段,以及往後之訴訟階段至訴訟終結為止。
13. 倘若上訴理由成立,在不妨礙尊敬的法官閣下另有其他見解下,則同時請求如下:
14. 根據初級法院民事法庭於2015年12月16日發出之證明書的內容,上訴人C就涉案單位提起針對被上訴人及原物業登記證明上顯示之所有權人G及其配偶J提起第CV2-15-0074-CAO號之宣告之訴的通常訴訟程序。
15. 上訴人C在上述通常宣告案當中請求宣告被上訴人與原物業登記證明上顯示之所有權人G及其配偶J之買賣涉案單位之行為無效或撤銷有關買賣行為,或基於確定不履行口頭協議而判處解除協議,返還定金及契費連已到期之利息總值澳門幣四十四萬五千五百二十九元四角(MOP$445,529.40),並判處不少於澳門幣三百萬元(MOP$3,000,000.00)以賠償G因不履行協議而對上訴人造成之損失及自提交起訴狀後至完全支付為止之利息,或基於G不當得利返還定金和契費連已到期之利息總值澳門幣四十四萬五千五百二十九元四角(MOP$445,529.40)及自提交起訴狀後至完全支付為止之利息,並判處該案中各被告支付由該案而生之訴訟費用。(附件1之內容在此視為完全轉錄)。
16. 為此,倘若上述由上訴人C提起之通常宣告案被裁定請求成立,並宣告有關買賣無效或可撤銷,則被上訴人於本案中提起的請求將因其並沒有透過買賣獲得所有權而不具條件被裁定成立。
17. 參閱終審法院第33/2015號合議裁判及中級法院第180/2002號合議庭裁判,基於上訴人C提起之通常訴訟程序仍然存在勝訴的可能性,而上述通常宣告案之決定對本案之最終裁決具有決定性的影響,故此上述通常宣告案應構成本訴訟程序之先決訴訟。
18. 雖然本訴訟程序已進行至清理階段,但倘上訴人C提起之通常宣告一旦被判得直,而本訴訟程序仍然繼續並最終同樣裁定被上訴人請求成立時,則會使涉案獨立單位之處理變得更加複雜,同時可能會針對涉案獨立單位衍生其他額外的訴訟程序。
19. 所以,為著上訴人的利益及訴訟經濟效益,請求法官閣下按照《民事訴訟法典》第223條第1款之規定,命令中止本案訴訟程序至第CV2-15-0074-CAO號通常宣告案之確定裁判作出為止。”
Concluem, pedindo a revogação da sentença recorrida, bem como a suspensão da instância até que haja decisão do mérito com trânsito em julgado no Processo CV2-15-0074-CAO.
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Devidamente notificados, responderam os recorridos, pugnando pela negação de provimento ao recurso.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.
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II) FUNDAMENTAÇÃO
Findos os articulados, foi dada o seguinte despacho saneador-sentença:
“DD e a sua mulher cônjuge F F, propuseram a presente acção declarativa, sob a forma ordinária, contra BB, e sua mulher CC, todos com os demais sinais identificadores constantes dos autos, para reivindicar a fracção melhor identificada no artigo 1º da petição inicial.
Contestaram os RR, nos seguintes termos que aqui se resumem por brevidade de exposição:
- em 07/01/2010, a ré, C e I(I) celebraram um contrato promessa de compra e venda tendo por objecto a fracção reivindicada;
- na data da celebração do contrato promessa, a ré, C pagou imediatamente ao I e esposa, K(K), cento e cinquenta mil dólares de Hong-Kong, como sinal;
- nesse contrato promessa consignou-se que “O outorgante A concorda que o outorgante B pode alienar o direito do prédio adquirido, acima referido ou assumir em nome colectivo com Sr. G (G) ou com terceiros.”
- essa cláusula indicava que a ré, C tinha o direito de alienação ou aquisição do prédio acima referido em compropriedade com G, ou com terceiros;
- a vontade da ré, C era a celebração da escritura pública de compra e venda do imóvel em nome colectivo com o G, servindo a fracção em causa como domicílio de família;
- a ré nunca manifestou por qualquer forma, escrita ou oral, de que o direito da fracção em causa poderia ser alienada apenas ao G;
- G também sabia que o objectivo de aquisição da fracção em causa era para domicílio da família, e que só possuía 1/2 da propriedade;
- depois da celebração do contrato de promessa, os dois réus deslocaram ao Banco da China para constituição de hipoteca sobre o imóvel, e informaram o empregado do banco que C e G seriam creditados comuns;
- na altura o banco considerou que a ré, C tinha atingido uma idade avançada e não possuía rendimentos pelo que não podia usar o seu nome como creditada, tendo constado o nome de H(H) na qualidade de fiadora para garantir o empréstimo;
- a ré, C sempre julgou que era uma das comproprietárias da fracção em causa, enquanto o filho e a filha prestavam auxílio para o tratamento de empréstimo bancário;
- todos os membros da família sabiam que na realidade a fracção em causa pertencia aos réus, C e G em comum e em partes iguais;
- durante vários anos os dois réus e os filhos, todos ali residiam, servindo essa fracção como domicílio de família;
- esta fracção é avaliada no mercado com valor de seis milhões e trinta mil dólares de Hong-Kong (HKD6,030,000), tendo o Autor adquirido a mesma por um valor muito inferior, de 3,189,900 patacas;
- antes de 04/01/2015, o autor nunca visitou a fracção em causal
- o acto entre autor e G, acima referido foi bastante anormal;
- o autor sabia bem que na realidade a fracção em causa não pertence apenas a uma pessoa registada, ou seja o G, e sim existe na verdade outro co-proprietário;
- o G é proprietário registado, mas sabia bem que na realidade possui apenas a metade da propriedade da fracção em causa, o que violou o artigo 882º do Código Civil, porque vendeu os bens de outro sem reunir a respectiva legitimidade.
Concluem, pois, os RR que a compra e venda em questão deve ser julgada nula.
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Na réplica apresentada, os AA pugna pela improcedência das excepções deduzidas.
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Com interesse para a decisão desta acção encontra-se provada, por acordo das partes e prova documental autêntica, cuja falsidade não foi arguida, a seguinte matéria de facto:
A) Pela Apresentação n.º 190 de 29.12.2014, inscrição n.º 29****G, foi registada em nome dos AA a fracção autónoma “FR/C”, sita em Macau, na Rua de ...... n.º ..., edf. ......, rés-do-chão “...”, descrita na CRP sob o n.º 2****, a fls. 146 do Livro 847, e inscrito na matriz predial da DSF n.º 3****, conforme certidão predial junta a fls. 20 a 67, que aqui se dá por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais.
B) Os AA inscreveram a aludida fracção a seu favor com base numa escritura pública de compra e venda celebrada em 19 de Dezembro de 2014, outorgada por G e mulher J, na qualidade de vendedores, em conformidade com o documento junto a fls. 7 a 9 dos autos que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
C) No dia 05 de Janeiro de 2015, G e J, requereram a Notificação Judicial Avulsa dos ora Réus, com expressa notificação para desocuparem a referida fracção autónoma no prazo de 30 dias a contar da realização da notificação, conforme expediente relativo à Notificação Judicial Avulsa averbada sob o n.º 01/2015 junta a fls. 10 a 19 e que aqui se dá por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais
D) Os Réus vivem na fracção aludida em A) e negam-se a desocupá-la e a entregá-la aos Autores.
E) Em 07/01/2010, a ré, C e I(I) celebraram um acordo escrito que denominaram de contrato de promessa de compra e venda, da fracção autónoma aludida em A), em conformidade com o teor do documento junto a fls. 107 a 108 dos autos e que aqui se dá por integralmente reproduzido.
F) Na data da celebração do acordo aludido em E) a ré, C pagou ao I e esposa, K(K), cento e cinquenta mil dólares de Hong-Kong.
G) No aludido acordo escrito ficou consignado que “O outorgante A concorda que o outorgante B pode alienar o direito do prédio adquirido, acima referido ou assumir em nome colectivo com Sr. G (G) ou com terceiros.”
H) Com base numa escritura pública de compra e venda outorgada em 12.03.2010, em que foram vendedores I e mulher K, e comprador G, constante de fls. 19 do livro 551 do Notário Privado L, ficou inscrita a favor deste último pela Ap. n.º 90 de 30/03/2010, inscrição n.º 19****G, a fracção autónoma aludida em A).
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Expostos os factos importa enquadrá-los com o direito aplicável.
Estamos face a uma acção de reivindicação, em que a causa de pedir tem natureza complexa, sendo constituída pelo acto ou facto jurídico concreto que gerou o direito de propriedade na esfera jurídica dos Autores e ainda pelos factos demonstrativos da violação desse direito (uma ocupação abusiva, um simples impedimento de utilização da coisa, etc.)
Domínio do autor e posse do réu são normalmente considerados os elementos característicos da reivindicação. Na acção de reivindicação, há um indivíduo que é titular do direito de propriedade que não possui, há um possuidor ou detentor que não é titular daquele direito. “Esta acção é exercida pelo proprietário não possuidor contra o detentor ou possuidor que não é proprietário.”
Ora, no caso sub iudice pretendem os Autores o reconhecimento do direito de propriedade sobre o prédio urbano que identificam no artigo 1º da sua petição inicial.
Invocam os Autores, para fundar a sua pretensão, a aquisição por contrato, como forma de aquisição do direito de propriedade, da fracção objecto do litígio. Dispõe efectivamente o artigo 1242º, a) do Código Civil que o momento da aquisição do direito de propriedade é, no caso de contrato, o designado nos artigos 402º e 403º. Normas essas que, conjugadas com as dos artigos 865º, 866º e 869º, da mesma codificação, nos permitem concluir que os AA se tornaram proprietários da dita fracção no momento em que celebraram a escritura pública de compra e venda que se deu como assente em B).
De acordo com o artigo 1229º do Código Civil o proprietário goza de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição das coisas que lhe pertencem, dentro dos limites da lei e com observância das restrições por ela impostas.
O titular deste direito subjectivo poderá, pois, exigir judicialmente de qualquer possuidor ou detentor da coisa que reconheça o seu direito de propriedade e que restitua aquilo que não lhe pertence (cfr. artigo 1235º, n.º 1 do Código Civil).
Os RR pretendem impedir a restituição da fracção com a alegação de que a Ré mulher é comproprietária na mesma, qualidade que adquiriu com base num contrato promessa de compra e venda celebrado em 07/01/2010, com anteriores proprietários, complementado por um acordo verbal que fez com o seu filho G.
Ora, ressalvando sempre melhor juízo, cremos que é manifesto que as pretensões dos RR não têm qualquer viabilidade jurídica.
Os factos que os RR narram poderiam ter relevância para, eventualmente, pôr em causa a compra e venda celebrada em 12.03.2010, na qual foram vendedores I e mulher K e comprador, apenas, G.
Consolidado esse negócio, os ora AA adquiriram a fracção FR/C de quem era efectivamente proprietário registado, ou seja, G que, note-se, nem sequer é parte nos presentes autos.
São, pois, desprovidas de qualquer efeito jurídico, pelo menos nesta causa, as alegações de que a vontade da ré, C era a de celebrar uma escritura pública de compra e venda em compropriedade com o G, servindo a fracção em causa como domicílio de família, que a Ré nunca tenha manifestado, por qualquer forma, escrita ou oral, que o direito da fracção em causa poderia ser alienada apenas ao G e que este soubesse que o objectivo de aquisição da fracção em causa era o domicílio da sua família alargada e que, por esse facto, só possuía 1/2 da propriedade.
O G não é Réu nesta acção…
Por outro lado, o facto alegado de que a fracção tem um valor de mercado de seis milhões e trinta mil dólares de Hong-Kong (HKD6,030,000), e que o Autor a adquiriu por um valor muito inferior, de MOP3,189,900, por si só, dado que está desacompanhado de outros factos que pudessem sustentar a simulação dessa compra e venda, também não terá a virtualidade de impedir que o direito de propriedade dos AA seja exercido. Claro está, sempre no pressuposto de que em juízo estivessem todos os titulares dessa relação material controvertida que, como já se afirmou, não estão.
Como é sabido para que haja simulação de um negócio é necessário que sejam alegados factos que preencham três requisitos: divergência entre a vontade declarada e a vontade real, intuito de enganar terceiros e o acordo simulatório. Nada é alegado neste sentido…
Mesmo que se provasse que antes de 04/01/2015, o autor nunca visitou a fracção em causa, que o acto entre autor e G, acima referido foi bastante anormal (sem prejuízo da conclusão que a expressão encerra) e que o autor sabia bem que na realidade a fracção em causa não pertence apenas à pessoa registada, nenhum efeito jurídico poderia o tribunal extrair desta matéria para evitar a procedência da acção.
Note-se que não se poderá considerar «fundada na invocação da figura da simulação da declaração negocial a acção de invalidação do negócio jurídico em que os factos invocados na petição inicial são insuficientes para o preenchimento dos pressupostos legais da simulação, previstos no art. 240º do CC, por se não mostrar alegado pelo autor um facto integrador do núcleo essencial da causa de pedir: ter a divergência intencional e bilateral entre a vontade real e a declarada o intuito de enganar (ou de enganar e prejudicar) terceiros.»
Importa, ainda, consignar que a construção jurídica feita pelos RR – de que o G é proprietário registado, mas sabia bem que na realidade possui apenas a metade da propriedade da fracção em causa, o que violou o artigo 882º do Código Civil, porque vendeu os bens de outro sem reunir a respectiva legitimidade – também não tem viabilidade.
A Ré mulher foi outorgante apenas num contrato promessa de compra e venda. Como é sabido o contrato promessa de compra e venda produz efeitos obrigacionais e, como tal, não altera a titularidade da coisa prometida vender. Com efeito, aquando da celebração do contrato promessa, as partes não se obrigam a transferir a propriedade do bem mas apenas a celebrar um futuro contrato que concretize essa venda, venda essa que, no vertente caso, foi feita, integralmente, ao G, dela tendo sido excluída a ora Ré. Ao vertente caso nunca poderá ser aplicado o invocado artigo 882º do Código Civil.
Como ensina Paulo Olavo Cunha o regime da venda de bens alheios só se aplica quando haja realmente vontade de vender em interesse próprio uma coisa alheia, como própria (ainda que se desconheça a sua alienidade).
No caso só estaríamos perante uma venda de bem alheio se a aquisição da fracção, por G aos anteriores proprietários, I e mulher, tivesse sido impugnada pelos ora RR e se se tivesse concluído, ou pudesse concluir, que efectivamente a ora 1.ª Ré detinha a alegada metade.
Não tendo sido alegada qualquer causa válida de nulidade ou de anulabilidade da compra e venda efectuada pelos ora AA, torna-se também irrelevante apurar se mesmos estavam ou não de boa fé, aquando da aquisição… é manifesto que o artigo 284º do Código Civil (ou as regras específicas que a este propósito constam do regime de venda de bem alheio), não terão aplicação ao vertente caso.
Por fim, ponderamos que a factualidade descrita na contestação também não é apta a sustentar um eventual direito de retenção por parte dos RR, pelo que, efectivamente, estão reunidos todos os pressupostos de facto e de direito para a procedência da presente causa, o que se decidirá.
DECISÃO:
Pelo exposto, julgo a acção totalmente procedente, e, em consequência condeno os Réus a:
a) reconhecerem que os Autores são donos e legítimos proprietários da fracção autónoma “FR/C”, sita em Macau, na Rua de ...... n.º ..., edf. ......, rés-do-chão “...”, descrita na CRP sob o n.º 2****, a fls. 146 do Livro 847, e inscrito na matriz predial da DSF n.º 3****;
b) a restituírem-na aos AA.”
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Analisada a douta sentença de primeira instância que antecede, louvamos a acertada decisão com a qual concordamos e que nela foi dada a melhor solução ao caso, pelo que, considerando a fundamentação de direito doutrinária e jurisprudencial constante da sentença recorrida, cuja explanação sufragamos inteiramente, remetemos para os seus precisos termos ao abrigo do disposto o artigo 631º, nº 5 do CPC.
Apenas umas asserções.
Dizem os recorrentes que o Tribunal recorrido não deveria conhecer logo do mérito da causa, mas sim prosseguir os autos para melhor inteirar-se sobre o que efectivamente aconteceu entre a Ré C e o anterior proprietário da fracção, invocando que o Tribunal recorrido errou na aplicação do disposto na alínea b) o nº 1 do artigo 427º do Código de Processo Civil.
Salvo melhor entendimento, julgamos não lhes assistir razão.
Estatui-se na alínea b) do nº 1 desse artigo que “realizada a tentativa de conciliação ou, se ela não tive tido lugar, logo que findem os articulados ou tenha decorrido o prazo a que se referem os nºs 2 e 3 do artigo 427º, o juiz profere no prazo de 20 dias, e sendo caso disso, despacho destinado a conhecer imediatamente do mérito da causa, sempre que o estado do processo permitir, sem necessidade de mais provas, a apreciação, total ou parcial, do pedido ou dos pedidos deduzidos ou de alguma excepção peremptória”.
De facto, trata-se duma manifestação dos princípios da economia e da celeridade processuais, considerando que não valerá a pena percorrer toda a tramitação processual até final, se os elementos carreados à fase do saneamento já são suficientes para se dar uma decisão de mérito.
Como afirma Viriato de Lima1, “o juiz deve conhecer do pedido ou de excepções peremptórias se a actividade instrutória posterior for irrelevante para a decisão final, se não a puder modificar”.
Ora nos autos, os Autores ora recorridos pedem a reivindicação da fracção registada em seu nome e por eles adquiridos junto do seu anterior proprietário G através de escritura pública de compra e venda, enquanto os Réus ora recorrentes pretendem impedir a sua restituição alegando a Ré mulher ser comproprietária dessa mesma fracção por ter adquirido com base num contrato-promessa de compra e venda celebrado com antigos proprietários, complementado por um acordo verbal que fez com o seu filho G.
Em boa verdade, ainda que os factos alegados pelos recorrentes fossem provados, os mesmos não teriam qualquer virtualidade de alterar a decisão final, isto porque não sendo o seu filho G Réu nesta acção, para além de que nem a compra e venda realizada entre este G e os antigos proprietários da fracção, nem a realizada entre aquele e os Autores foram objecto de impugnação pelos Réus, a solução que seria dada a final continuava a ser a mesma.
Pelo que improcedem as razões dos recorrentes quanto a esta parte.
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Os recorrentes pedem agora que seja ordenada a suspensão da instância, ao abrigo do disposto no artigo 223º, nº 1 do Código de Processo Civil, alegando que em determinada altura foi intentada uma outra acção no TJB pedindo, entre outros, a nulidade ou a anulação do acto de compra e venda outorgado entre G e os Autores, sendo relevante, na sua perspectiva, aguardar o trânsito em julgado da decisão proferida naquela nova acção.
Consagra-se nessa disposição legal que “o tribunal pode ordenar a suspensão quando a decisão da causa estiver dependente do julgamento de outra já proposta ou quando ocorrer outro motivo justificado”.
Ora bem, é bom ver que se trata de uma nova questão que não foi suscitada nem abordada na primeira instância, mas nada impede que este Tribunal aprecie o pedido caso se verifiquem os respectivos requisitos.
Alega a recorrente mulher na outra acção que pagou metade do preço para a aquisição da fracção em causa, a qual está registada em nome do seu filho G. Mais refere que tendo o seu filho vendido a fracção aos ora recorridos, violou com a sua conduta o acordo firmado entre o mesmo e a recorrente mulher, pedindo, em consequência, a nulidade ou a anulação da compra e venda da fracção autónoma em causa outorgada entre G e os ora recorridos, e subsidiariamente, a condenação de G no pagamento de quantias pecuniárias.
Ora bem, salvo o devido respeito por melhor opinião, não se descortina a existência de alguma relação de prejudicialidade entre as duas acções.
Nos presentes autos, trata-se de saber se os recorridos são proprietários da fracção autónoma em causa, enquanto na outra se discute se a recorrente mulher pagou metade do preço para a aquisição da referida fracção e se existe alguma causa de nulidade ou de anulabilidade do negócio jurídico celebrado entre o seu filho e os recorridos.
É verdade que, se a acção intentada pela recorrente vier a ser julgada procedente, eventualmente será declarada nula ou anulada a compra e venda do imóvel em causa e, em consequência, o bem imóvel voltará a pertencer ao filho G. E neste caso, a decisão a proferir-se não acarretará qualquer relevância jurídica para a recorrente mulher, na medida em que, não tendo sido impugnada a compra e venda outorgada entre este G e os antigos proprietários, aquele continuará a ser o proprietário da fracção em causa.
Isso significa que, lograda a prova da violação do acordo firmado entre a recorrente mulher e o seu filho G, este será apenas responsável pelos prejuízos causados à mesma.
Aqui chegados, por não estar a decisão da presente acção cível necessariamente dependente da decisão a proferir em outra acção, não se verifica o requisito da prejudicialidade para que possa ser suspensa a presente instância, improcedendo, pois, as razões dos recorrentes, negando-se provimento ao recurso.
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III) DECISÃO
Face ao exposto, acordam em negar provimento ao recurso interposto pelos recorrentes B e C, confirmando a sentença recorrida.
Custas pelos recorrentes, em ambas as instâncias, sem prejuízo do apoio judiciário de que os mesmos beneficiam.
Registe e notifique.
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RAEM, 23 de Março de 2017
(Relator) Tong Hio Fong
(Primeiro Juiz-Adjunto) Lai Kin Hong
(Segundo Juiz-Adjunto) João A. G. Gil de Oliveira
1 Manual de Direito Processual Civil, CFJJ, 2005, pág. 390
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Recurso Cível 320/2016 Página 7