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--- Decisão Sumária nos termos do art.º 407º, n.º 6 do C.P.P.M. (Lei n.º 9/2013). ----------------
--- Data: 7/3/2017 ------------------------------------------------------------------------------------------
--- Relator: Dr. José Maria Dias Azedo -----------------------------------------------------------------

Processo nº 129/2017
(Autos de recurso penal)

(Decisão sumária – art. 407°, n.° 6, al. b) do C.P.P.M.)

Relatório

1. Por Acórdão do T.J.B. de 06.12.2016 decidiu-se absolver os (1° e 2°) arguidos, B ou B1 (B) e C (C), com os sinais dos autos, da imputada prática de 1 crime de “usura para jogo com exigência ou aceitação de documento”, p. e p. pelos art°s 13° e 14° da Lei n.° 8/96/M e art. 219°, n.° 1 do C.P.M., condenando-se os mesmos arguidos como co-autores da prática 1 crime de “sequestro”, p. e p. pelo art. 152°, n.° 1 do C.P.M., na pena (individual) de 1 ano e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução por 2 anos; (cfr., fls. 178 a 184-v que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).

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Inconformado, o Ministério Público recorreu, alegando – em síntese – que o Colectivo do T.J.B. incorreu em “erro de direito”, isto, quanto à decisão tomada em audiência de julgamento de não proceder à leitura das declarações pelo 2° arguido antes prestadas na Polícia Judiciária, e, desta forma, em consequente “erro notório na apreciação da prova”; (cfr., fls. 190 a 193).

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Em resposta, pugna o (2°) arguido C pela improcedência do recurso; (cfr., fls. 197 a 208).

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Neste T.S.I., juntou o Ilustre Procurador Adjunto o seguinte douto Parecer:

“Na Motivação de fls.190 a 193 dos autos, a digna magistrada do Ministério Público interpôs recurso de duas decisões, pretendendo «綜上所述,請求中級法院 法官閣下裁定上訴理由成立,宣告原審法院於2016年11月17日在上述案件庭審中作出不宣讀第二嫌犯於檢察院確認司法警察局所作的聲明內容的決定違反《刑事訴訟法典》第338條第1款a)項之規定,予以撤銷;並宣告被上訴裁判違反《刑事訴訟法典》第112條之規定,存在《刑事訴訟法典》第400條第2款c)項所述的瑕疵。根據《刑事訴訟法典》第415條之規定,再次調查證據,包括卷宗內第二嫌犯同意宣讀之聲明內容,如認為不可能對案件作裁判,根據同一法典第418條之規定,命令移送卷宗以重新審判。» Quid júris?
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1. Meio de impugnação adequado
Ora, da Acta de fls.176 a 177v. consta que «鑒於第二嫌犯C已作出同意在其缺席的情況下進行審判的聲明 (卷宗第75頁) ……而第二嫌犯之辯護人表示反對宣讀卷宗第19頁至第20頁第二嫌犯於司法警察局所作的訊問筆錄內容,由於第二嫌犯C在檢察院所作的聲明中 (卷宗第68背頁) 並沒有載明轉錄有關上述司法警察局的訊問筆錄內容,故有關的具體內容不能被視為在檢察院所作之聲明中的組成部份。» e «因此,經合議庭商討後,現決定不宣讀卷宗第19頁至第20頁有關第二嫌犯C於司法警察局所作的訊問筆錄內容。» E, segue-se logo a informação de «此時,檢察院代表即場表示提出上訴。»
1.1- Ora, o contexto da dita Acta patenteia que o recurso intercalar tem por objecto a decisão de não proceder à leitura do «auto de interrogatório do arguido» de fls.19 e 20 dos autos, esse auto contém a transcrição narrativa da declaração do 2° arguido C (C) na P.J. (不宣讀卷宗第19頁至第20頁有關第二嫌犯C於司法警察局所作的訊問筆錄內容).
1.2- Ressalvado o respeito pela visão diferente, inclinamos a entender que a sobredita decisão posta em crise no recurso intercalar não pode ser subsumida na previsão de quaisquer disposições nos arts.106° e 107° do CPP, nem implica a utilização de prova nula.
Sendo assim, e nos termos do preceito no art.105° do CPP mediante a interpretação a contrario sensu, essa decisão em escrutínio não é origem nem está ferida de nulidade cuja impugnação carece de reclamação ou de arguição ao Tribunal a quo.
Deste modo e em esteira da brilhante orientação jurisprudencial de que «Em princípio, da nulidade reclama-se; dos despachos recorre-se» (cfr. Acórdão do venerando TUI no Processo n.°27/2006), parece-nos que o recurso é, decerto, o meio idóneo e apropriado para impugná-la.
1.3- A menção de «經合議庭商討後,現決定……» dá-se a entender que foi o próprio tribunal Colectivo a quo quem tomara a deliberação ou acórdão de não leitura da declaração prestada pelo 2° arguido na Polícia Judiciária. Significa isto que existe in casu uma decisão judicial expressa que determina em si mesma a não leitura da declaração do 2° arguido na Polícia Judiciária.
Sucede ainda que face a interposição do recurso logo manifestada pela ilustre colega, o Tribunal a quo não procedeu à reparação, pelo contrário, decretou o acórdão de absolver os dois arguidos do crime p.p. pelo disposto no art.14° da Lei n.°8/96/M em conjugação com art.13° desta Lei e n.°1 do art.219° do CPM. O que evidencia que no acórdão final como acto subsequente, o Tribunal a quo considerou como regular aquela decisão de não leitura.
Tudo isto justifica a aplicação ao vertente caso da sensata jurisprudência fixada pelo Alto TUI no acórdão acima citado, cujos sumários lê-se «II– Quando uma nulidade processual é coberta por despacho judicial, aquela é consumida por este, pelo que a impugnação a efectuar será do despacho, por via de recurso, sem prejuízo das regras de preclusão.» e «III– Para que se verifique a situação prevista na conclusão anterior não basta que um despacho judicial pressuponha o conhecimento do vício, para que este se possa considerar por ele implicitamente coberto. Isso só sucederá, nas hipóteses em que por despacho subsequente o juiz expressamente haja considerado como regular o acto respectivo.»
1.4- Chegando aqui, podemos concluir sossegadamente que são insubsistentes as 1ª a 4ª conclusões da Resposta do 2° arguido (cfr. fls.198 a 208 dos autos), a decisão impugnada no recurso intercalar não adquire força de caso julgado formal ou material, sendo susceptível de sindicância pelo Venerando TSI no presente recurso.
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2. Reprodução de declarações do arguido
Recorde-se que a decisão de não leitura tem como pressuposto que no «auto de interrogatório do arguido» do M.°P.° (vide. fls.68 e verso), não há declaração expressa de reproduzir a declaração do 2° arguido na PJ, e de outro lado, o defensor desse arguido julgado à revelia se opôs à leitura da sua declaração na PJ, embora o mesmo arguido tivesse já requerido a leitura de autos de interrogatório feitos perante o M.°P.° (vide. fls.75 dos autos).
Bem vistas as coisas, colhemos que a questão mais nuclear traduz em a declaração do 2° arguido na PJ dever ou não ser considerada parte integrante da sua declaração prestada no M.°P.°? devido à falta da manifestação expressa de reproduzir aquela declaração do 2° arguido.
Na nossa óptica, é verdade que durante o interrogatório no seio do M.°P.°, cabe a arguido confirmar, negar ou corrigir, parcial ou integralmente, as suas declarações na PJ ou PSP, e incumbe a magistrado do M.°P.° decidir se reproduza ou não as anteriores declarações de arguido. Daí flui que a confirmação integral por arguido da sua anterior declaração na PJ ou PSP não implica ou determina a reprodução da mesma.
E, inclinamos a entender que a vontade do M.°P.° de reproduzir as anteriores declarações de arguido deve ser expressamente declarada no seu auto de interrogatório do arguido, embora tal declaração não necessite de observar qualquer forma sacramental. Assim, a mera menção (no auto de interrogatório do arguido lavrado no M.°P.°) daquela confirmação integral do arguido não equivale à manifestação da vontade (do M.°P.°) da reproduzir as anteriores declarações de arguido.
Nesta linha de consideração, e com elevado respeito pela opinião da ilustre colega, parece-nos que é legalmente mais defensável a posição do Tribunal a quo, consubstanciada em «由於第二嫌犯C在檢察院所作的聲明中 (卷宗第68背頁) 並沒有載明轉錄有關上述司法警察局的訊問筆錄內容,故有關的具體內容不能被視為在檢察院所作之聲明中的組成部份» e «因此,經合議庭商討後,現決定不宣讀卷宗第19頁至第20頁有關第二嫌犯C於司法警察局所作的訊問筆錄內容。»
O que implica que, segundo nos se afigura, a desatenção pelo Tribunal a quo da declaração do 2° arguido na PJ não germina o erro notório na apreciação de prova, nem infringe as disposições legais a que alude a ilustre colega na referida Motivação.
Por todo o expendido acima, propendemos pela improcedência do recurso em apreço”; (cfr., fls. 219 a 221).

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Em sede de exame preliminar constatou-se da “manifesta improcedência” do presente recurso, e, nesta conformidade, atento o estatuído no art. 407°, n.° 6, al. b) e 410°, n.° 1 do C.P.P.M., (redacção dada pela Lei n.° 9/2013, aplicável aos presentes autos nos termos do seu art. 6°, n.° 1 e 2, al. 2), e tendo-se presente que a possibilidade de “rejeição do recurso por manifesta improcedência” destina-se a potenciar a economia processual, numa óptica de celeridade e de eficiência, visando, também, moralizar o uso (abusivo) do recurso, passa-se a decidir.

Fundamentação

Dos factos

2. Estão provados e não provados os factos como tal elencados no Acórdão recorrido a fls. 179-v a 181, e que aqui se dão como integralmente reproduzidos.

Do direito

3. Como se deixou relatado, o presente recurso pelo Ministério Público trazido a este T.S.I. tem como objecto um “despacho pelo Tribunal a quo proferido em audiência de julgamento” e o “Acórdão” a final prolatado, e em relação ao qual se assaca o vício de “erro notório na apreciação da prova”.

Como se deixou adiantado, o recurso apresenta-se-nos “manifestamente improcedente”, sendo de rejeitar, passando-se a expor, ainda que abreviadamente, este nosso ponto de vista.

–– Sendo que na opinião do Recorrente é o vício de “erro” consequência do decidido com o “despacho (de 17.11.2016)”, é de se começar por este.

Ora, importa saber se acertada foi a decisão de, em audiência, não se proceder à leitura das declarações pelo 2° arguido antes prestadas na Polícia Judiciária.

E, independentemente do demais, há que atentar que, não estando o arguido presente, (o mesmo) estava (legalmente) representado pelo seu Defensor Oficioso que, pronunciando-se sobre a questão, manifestou discordância em relação à dita leitura; (cfr., fls. 177).

E, parente isto, em nossa opinião, apenas uma solução era possível: (precisamente) a tomada pelo Tribunal a quo.

Com efeito, (e como já tivemos oportunidade de consignar no âmbito do Proc. n.° 881/2015, Decisão Sumária de 08.01.2016), se se reconhece ao Defensor o poder de, em situação idêntica, (ausência do arguido), autorizar a leitura, (e não se vê motivos para assim não se entender; cfr., v.g., o Ac. do T.U.I. de 29.09.2000 e de 11.05.2005, Proc. n.° 13/2000 e 8/2005, e do T.S.I. de 19.07.2012, Proc. n.° 573/2012), não se vislumbram razões para que, nas mesmas circunstâncias, o Defensor, a quem compete assegurar a defesa do arguido ausente, se possa opor ou que efectivamente se oponha à leitura, inexistindo assim, e por estes motivos, fundamento para se revogar a decisão proferida e recorrida, (especialmente, numa situação em que se decidiu – favorávelmente – pela absolvição do arguido, como foi o caso dos autos).

De facto, como – com que base legal – pretender-se “vincular” o arguido a uma “declaração” prestada em sede de Inquérito, antes de deduzida estar a acusação, e como no caso sucede, a mais de 1 ano da audiência, sem se reconhecer nenhuma capacidade de intervenção ao seu Defensor?

Ora, afigura-se-nos evidente a resposta, e de concluir que ainda que em sede de Inquérito tenha o arguido autorizado a leitura das suas declarações em audiência de julgamento para o caso de nela não (poder) comparecer, não deve o Tribunal proceder à sua leitura se, em audiência, o Defensor do arguido a esta leitura se opuser, e que, se se reconhece ao Defensor o poder de, em situação idêntica, (ausência do arguido), autorizar a leitura das suas declarações antes prestadas, não se vislumbram razões para que, nas mesmas circunstâncias, possa também o Defensor – a quem compete assegurar a defesa do arguido ausente – opor-se à dita leitura.

–– Aqui chegados, sendo de manter a decisão de indeferimento do pedido de leitura das declarações do (2°) arguido, e constatando-se que o invocado “erro notório” assenta (precisamente) na omissão de leitura das aludidas declarações, impõe-se reconhecer que, também nesta parte, improcede o recurso.

Com efeito, se bem andou o Tribunal a quo ao não (autorizar e) proceder à leitura das declarações pelo arguido antes prestadas, óbvio se apresenta também que não incorreu em nenhum “erro na apreciação da prova”, havendo que se decidir em conformidade.

Decisão

4. Em face do exposto, decide-se rejeitar o presente recurso.

Sem tributação, (dada a isenção do Recorrente).

Honorários ao Exmo. Defensor Oficioso no montante de MOP$1.800,00, (a suportar pelo G.P.T.U.I.).

Registe e notifique.

Nada vindo de novo, e após trânsito, devolvam-se os autos ao T.J.B. com as baixas e averbamentos necessários.

Macau, aos 7 de Março de 2017

José Maria Dias Azedo

Proc. 129/2017 Pág. 12

Proc. 129/2017 Pág. 7