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--- Decisão Sumária nos termos do art.º 407º, n.º 6 do C.P.P.M. (Lei n.º 9/2013). ----------------
--- Data: 22/3/2017 -----------------------------------------------------------------------------------------
--- Relator: Dr. José Maria Dias Azedo -----------------------------------------------------------------

Processo nº 259/2017
(Autos de recurso penal)

(Decisão sumária – art. 407°, n.° 6, al. b) do C.P.P.M.)

Relatório

1. Por Acórdão datado de 09.12.2016 do Colectivo do T.J.B. decidiu-se:
- condenar B, arguido com os sinais dos autos, como autor da prática de 1 crime de “ofensa à integridade física por negligência”, p. e p. pelo art. 142°, n.° 1 do C.P.M. e art. 93°, n.° 1 da Lei n.° 3/2007, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão suspensa na sua execução por 2 anos; e, no que toca ao “pedido civil” enxertado nos autos, decidiu-se,
- condenar a demandada civil “COMPANHIA DE SEGUROS DA C (MACAU), S.A.”, (C保險(澳門)股份有限公司), a pagar ao demandante D (D), e a título de indemnização pelos seus danos não patrimoniais, a quantia de MOP$300.000,00 e juros; (cfr., fls. 355 a 361-v que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).
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Inconformada, a demandada seguradora recorreu para – em conclusões e em síntese – imputar ao Acórdão recorrido o vício de “excesso de quantum na dita indemnização por danos não patrimoniais”; (cfr., fls. 367 a 374).

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Respondeu o demandante pugnando pela improcedência do recurso; (cfr., fls. 379 a 389).

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Adequadamente processados os autos, vieram os mesmos conclusos para efeitos do estatuído no art. 407° do C.P.P.M..

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Em sede de exame preliminar constatou-se da “manifesta improcedência” do presente recurso, e, nesta conformidade, atento o estatuído no art. 407°, n.° 6, al. b) e 410°, n.° 1 do C.P.P.M., (redacção dada pela Lei n.° 9/2013, aplicável aos presentes autos nos termos do seu art. 6°, n.° 1 e 2, al. 2), e tendo-se presente que a possibilidade de “rejeição do recurso por manifesta improcedência” destina-se a potenciar a economia processual, numa óptica de celeridade e de eficiência, visando, também, moralizar o uso (abusivo) do recurso, passa-se a decidir.

Fundamentação

2. Como resulta do que se deixou relatado, vem a demandada seguradora já identificada recorrer do Acórdão prolatado pelo Colectivo do T.J.B., insurgindo-se tão só contra o segmento decisório que fixou em MOP$300.000,00 o quantum indemnizatório pelos “danos não patrimoniais” do demandante, ora recorrido.

Sendo apenas esta a “questão” a apreciar e decidir, e como se deixou adiantado, evidente se apresenta que o presente recurso terá que fracassar.

Vejamos.

Como é sabido, os “danos não patrimoniais” são aqueles que afectam a personalidade, o corpo ou a vida, na sua dimensão complexa biológica e mental, física e psíquica, e que, nos termos do art. 489°, n.° 1 do C.C.M., “pela sua gravidade, merecem a tutela do direito”.

Sobre esta matéria, teve já este T.S.I. oportunidade de se pronunciar, considerando-se, nomeadamente, que “a indemnização por danos não patrimoniais tem como objectivo proporcionar um conforto ao ofendido a fim de lhe aliviar os sofrimentos que a lesão lhe provocou ou, se possível, lhos fazer esquecer.
Visa, pois, proporcionar ao lesado momentos de prazer ou de alegria, em termos de neutralizar, na medida do possível, o sofrimento moral de que padeceu”, (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 03.11.2016, Proc. n.° 759/2016, de 13.12.2016, Proc. n.° 923/2016 e de 23.02.2017, Proc. n.° 118/2017), sendo também de considerar que em matérias como as em questão, inadequados são “montantes simbólicos ou miserabilistas”, (vd., M. Cordeiro, in “Tratado de Direito Civil Português”, II, Direito das Obrigações, III, pág. 755, onde se afirma que “há que perder a timidez quanto às cifras…”), não sendo igualmente de se proporcionar “enriquecimentos ilegítimos ou injustificados”, (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 14.04.2016, Proc. n.° 238/2016, de 12.05.2016, Proc. n.° 326/2016 e de 13.12.2016, Proc. n.° 923/2016), exigindo-se aos tribunais, com apelo a critérios de equidade, um permanente esforço de aperfeiçoamento atentas as circunstâncias (individuais) do caso.

Na verdade, a reparação dos “danos não patrimoniais” não visa uma “reparação directa” destes, pois que estes – “danos não patrimoniais” – são insusceptíveis de serem contabilizados em dinheiro, sendo pois que com o seu ressarcimento se visa tão só viabilizar um lenitivo ao lesado, (já que é impossível tirar-lhe o mal causado).

Trata-se de “pagar a dor com prazer”, através da satisfação de outras necessidades com o dinheiro atribuído para compensar aqueles danos não patrimoniais, compensando as dores, desgostos e contrariedades com o prazer derivado da satisfação das referidas necessidades.

Visa-se, no fundo, proporcionar à(s) pessoa(s) lesada(s) uma satisfação que, em certa medida possa contrabalançar o dano, devendo constituir verdadeiramente uma “possibilidade compensatória”, devendo o montante de indemnização ser proporcionado à gravidade do dano, ponderando-se na sua fixação todas as regras de prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, da criteriosa ponderação das realidades da vida; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 03.11.2016, Proc. n.° 759/2016, de 13.12.2016, Proc. n.° 923/2016 e de 23.02.2017, Proc. n.° 118/2017).

Porém, e como sabido é, o C.C.M., não enumera os “danos não patrimoniais”, confiando ao Tribunal o encargo de os apreciar no quadro das várias situações concretas e atento o estatuído nos seus art°s 489° e 487°; (em recente Ac. da Rel. de Guimarães de 19.02.2015, Proc. n.° 41/13, in “www.dgsi.pt”, consignou-se que “são de ponderar circunstâncias várias, como a natureza e grau das lesões, suas sequelas físicas e psíquicas, as intervenções cirúrgicas eventualmente sofridas e o grau de risco inerente, os internamentos e a sua duração, o quantum doloris, o dano estético, o período de doença, situação anterior e posterior da vítima em termos de afirmação social, apresentação e autoestima, alegria de viver, a idade, a esperança de vida e perspectivas para o futuro, entre outras …”).

Nos temos do n.° 3 do art. 489° do dito C.C.M.: “o montante da indemnização é fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 487.º; (…)”.

Por sua vez, prescreve o art. 487° deste mesmo Código que: “quando a responsabilidade se fundar na mera culpa, pode a indemnização ser fixada, equitativamente, em montante inferior ao que corresponderia aos danos causados, desde que o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso o justifiquem”.

Aqui chegados, e (cremos nós), clarificada a natureza, sentido e alcance dos “danos não patrimoniais” assim como das razões para a sua “indemnização”, certo sendo que como igualmente temos entendido, “Quando o cálculo da indemnização haja assentado decisivamente em juízos de equidade, não deve caber ao Tribunal ad quem a determinação exacta do valor pecuniário a arbitrar, devendo centrar a sua censura na verificação dos limites e pressupostos dentro dos quais se situou o referido juízo de equidade tendo em conta o “caso concreto””, (cfr., v.g., os Acs. de 14.04.2016 e de 12.05.2016, Proc. n.° 238/2016 e 326/2016), e não se olvidando também que na ausência de uma definição legal o julgamento pela equidade é sempre o produto de uma decisão humana que visará ordenar determinado problema perante um conjunto articulado de proposições objectivas, distinguindo-se do puro julgamento jurídico por apresentar menos preocupações sistemáticas e maiores empirismo e intuição, (cfr., M. Cordeiro in, “O Direito”, pág. 272 e o recente Ac. da Rel. do Porto de 21.02.2017, Proc. n.° 2115/04, in “www.dgsi.pt”), que dizer?

Pois bem, no caso dos presentes autos, da audiência de julgamento resultou (nomeadamente) provado que:

“A colisão do veículo do arguido com o motociclo do lesado, provocou a queda deste, causando ferimentos no pé direito e braço direito do lesado – cfr. relatórios médicos a fls. 27 e 41 dos autos, e relatórios juntos com o requerimento do lesado, de 24 de Março de 2015.
Como consequência imediata, o lesado sofreu indescritíveis dores.
O demandante foi socorrido e transportado para o Centro Hospitalar Conde de S. Januário, sujeitando-se a tratamentos médicos e fisioterápicos.
Pese embora lhe tenham sido prescritos 30 dias para recuperação, o certo é que o lesado, volvidos dois anos após o acidente, ainda sente limitações e dores quase constantes, tendo ficado com sequelas permanentes.
Em resultado do acidente e dos ferimentos causados, e pese embora os prolongados tratamentos, ao longo destes dois anos, o lesado ainda sente muitas dores no seu pé direito.
Por isso, muitas vezes sente dores no pé mesmo quando em descanso e sem movimentos, em especial com as alterações climatéricas.
As dores são persistentes quando se desloca a pé.
Por via da sua profissão, e lesado trabalha uniformizado e com botas, o uso das quais lhe acentua as dores, sendo forçado a tirar a bota do pé direito durante alguns minutos, para aliviar as dores.
Tais condições incapacitantes forçaram o lesado a alterar diversas rotinas da sua vida, de modo que teve de deixar de praticar desportos, que fazia com muita frequência, o que acabou por privá-lo de muitos momentos de auto-realização em actividades saudáveis, e de camaradagem, com os seus colegas e amigos.
A vida social do lesado e, por decorrência, a sua auto-estima, ficaram, pois, prejudicadas, acarretando uma enorme perda de qualidade de vida.
Com efeito, o lesado frequentava as sessões semanais de manutenção, na Polícia, as quais consistiam em especial no exercício da corrida (“jogging”), o que teve de deixar de fazer.
Também semanalmente o lesado participava dos jogos de futebol, integrando a equipa de futebol da Polícia, o que teve de deixar de fazer.
Igualmente, o lesado era frequentador assíduo dos trilhos de Coloane, onde fazia longas caminhadas, quer com colegas polícias, quer com os seus filhos, o que também foi forçado a deixar, por via das dores ao caminhar.
Em resultado, sente-se diminuído perante os seus colegas e amigos, e deixou de poder participar em actividades desportivas com os seus filhos, empobrecendo o convívio familiar e a sua própria saúde.
Ficou marcado para o resto dos seus dias com as sequelas do acidente, tendo de suportar uma deficiência permanente, que o impedirá de desfrutar plenamente a sua vida, e deixando de poder continuar a praticar certo tipo de desportos de que era amante, entre os quais o futebol e a corrida”; (cfr., fls. 356 a 357).

E, nesta conformidade, sem prejuízo de melhor entendimento, e não se olvidando que o ofendido tem cerca de 50 anos de idade e que a média de vida em Macau ronda os 80 anos, nenhum motivo nos parece que existe para se considerar excessivo o quantum (de MOP$300.000,00) fixado a título de indemnização pelos seus danos não patrimoniais, impondo-se, assim, a rejeição do presente recurso dada a sua manifesta improcedência.

Decisão

3. Em face do exposto, decide-se rejeitar o presente recurso.

Custas pela recorrente, com taxa de justiça que se fixa em 3 UCs, e como sanção pela rejeição do recurso, o equivalente a 3 UCs; (cfr., art. 410°, n.° 3 do C.P.P.M.).

Registe e notifique.

Nada vindo de novo, e após trânsito, devolvam-se os autos ao T.J.B. com as baixas e averbamentos necessários.

Macau, aos 22 de Março de 2017

José Maria Dias Azedo
Proc. 259/2017 Pág. 2

Proc. 259/2017 Pág. 1