Processo nº 52/2017
(Autos de recurso civil)
Data: 30/Março/2017
Assuntos: Contrato-promessa
Incumprimento definitivo
SUMÁRIO
Provado que o Réu, na qualidade de promitente-vendedor num contrato-promessa, alienou a fracção autónoma que prometera vender ao Autor, na qualidade de promitente-comprador, a um terceiro, tendo este efectuado o respectivo registo em tempo útil, pode concluir-se que aquele deixou de conseguir vender o imóvel ao Autor nos termos prometidos, verificando-se, assim, inequivocamente o incumprimento contratual por parte do Réu.
O Relator,
________________
Tong Hio Fong
Processo nº 52/2017
(Autos de recurso civil)
Data: 30/Março/2017
Recorrente:
- A (Réu)
Recorrido:
- B (Autor)
Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:
I) RELATÓRIO
Inconformado com a sentença que julgou procedente a acção intentada pelo Autor B, ora recorrido, nos termos da qual foi o Réu A, ora recorrente, condenado a pagar àquele a quantia de HKD$4.000.000,00, acrescida de juros legais, dela interpôs o Réu recurso ordinário para este TSI, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
“1. O presente recurso vem interposto da sentença proferida a fls. 134 a 141 que não mereceu a aquiescência do aqui Recorrente pois, condenou o recorrente ao pagamento de HKD$4.000.000,00 ao recorrido.
2. O Tribunal a quo, salvo o devido respeito, não andou bem.
3. Entendeu o Tribunal a quo que está provado que, antes de 19/07/2013, o A. por várias vezes, tentou pedir ao Réu para marcar data para a outorga do contrato definitivo, mas sem sucesso.
4. Mas, não está provado que o Réu não respondeu aos pedidos do A. e desligou o telefone móvel, seu único meio de contacto fornecido ao A.
5. O que não impediu o Tribunal a quo de concluir que o Réu estava em mora nos termos do art. 794º, n.º 1 do CC.
6. Salvo o devido respeito não se alcança como se conclui pela mora do Réu, quando é o próprio Tribunal a quo que julgou não provado o facto que o Réu não respondeu aos pedidos do A.
7. Quando quatro parágrafos abaixo, o Tribunal a quo, conclui em sentido contrário: “Ora, por não estar provada a conversão da mora em incumprimento, não se pode concluir que o Réu não cumpriu definitivamente o contrato ao não celebrar o contrato definitivo com o Autor da data prevista no contrato-promessa.”
8. Dada esta conclusão não se percebe como é que o Tribunal a quo condena o Réu no pagamento do dobro do sinal.
9. Ao julgar que não consta dos factos assentes algo relativo à conversão da mora do Réu em incumprimento, o Tribunal a quo não pode, quatro parágrafos à frente, aplicar o n.º 2 do art. 436º, n.º 2 do CC.
10. Ou seja, não havendo prova nos autos da conversão da mora do Ré em incumprimento, não lhe pode ser imputável esse incumprimento definitivo.
11. Pelo que não pode o Réu ser condenado ao pagamento do sinal em dobro ao Autor.
12. O Tribunal a quo violou os arts. 436, n.º 1 e 2 do Código Civil.”
Conclui, pedindo a revogação da sentença recorrida.
*
Devidamente notificado, não ofereceu o recorrido resposta.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.
***
II) FUNDAMENTAÇÃO
A sentença recorrida deu por assente a seguinte factualidade:
O A. e o R. assinaram no documento constante a fls. 6 e verso dos autos, cujo teor se transcreve nos termos seguintes (alínea A) dos factos assentes):
“物業臨時買賣合約
本合約訂於二O一三年六月十九日
合約第一方為A 持有澳門身份證編號...
通訊地址: … (以上稱為賣方)
合約第二方為B (持有護照編號...)
通訊地址: … (以上稱為買方)
合約之第三方為XX置業 地址在澳門…(以上稱為物業代理)。
合約三方茲同意條款如下:
1. 買賣方通過物業代理同意以下條款出售及購入位於澳門… X樓X座之物業。
物業標示編號: ...連同車位----個車位號碼為----樓----號。
物業標示編號: ...以上稱該物業。
2. 該物業成交價為港幣: 叁佰伍拾----萬----仟----佰----拾----圓正。(HKD3500000)
買方須按下述方式付款予賣方:
(a) 於簽訂本合約之同時即付臨時訂金港幣: 弍佰----拾----萬----仟----佰----拾----圓正。(HKD2000000)
(b) 於簽署正式合約之時或之前,即2013年6月19日。
加付訂金港幣: 弍佰----拾----萬----仟----佰----拾----圓正。(HKD2000000)
(c) 再付訂金餘款於20 年 月 日。
即港幣: 佰 拾 萬 仟 佰 拾 圓正。(HKD)
(d) 於完成簽立正式契約或付清樓款尾數時即2013年7月19日。
乙方必須一次過以澳門銀行發出之本票付清賣方,即港幣壹佰伍拾----萬----仟----佰----拾----圓正。(HKD1500000)
3. 該物業是以免除所有負擔或債項之情況下售予買方,買方之提名人或其承讓人。
4. 買賣完成時,賣方須將該物業交吉予買方/買方同意連同該物業現有之租約一起購入該物業。
5. 買賣雙方同意委託其代表律師洛圖雙方各自負責其律師費。
6. 賣方是以確認人身份出售該物業。
7. 如買方未能履行本合約之條款完成買賣,賣方除將買方已付之訂金沒收外,並有權將該物業再行售予他人,惟賣方不可再為此向買方追究任何責任或要求任何賠償或特定履行。
8. 如賣方在收取訂金後,反悔不賣,則須雙倍賠償訂金予買方,即港幣: 佰 萬 拾 仟圓正。(HKD )
9a. 基於代理在促成該物業買賣中所提供之服務,代理有權向賣方收取港幣(HKD120000)並向買方收取港幣: (HKD120000)作為佣金,分別為賣方及買方之佣金。
9b. 賣方佣金及買方佣金需於簽訂臨時買賣合約時先付佣金壹半,即港幣: (HKD ) 另壹半於簽署律師樓合約或完成交易時清付,二O 年 月 日,即港幣: (HKD )
10a. 無論在任何情況下,若賣方或買方未能履行本合約之條款賣出或買入該物業,則毁約的一方須即時付予代理(賣方及買方之佣金總數)為港幣: (HKD )作為賠償代理之損失。
10b. 如買賣雙方在簽署本合約後未得代理書面同意下達成協議取消本合約所涉及的交易,買賣雙方將需在交易取消時即時各自負責支付代理根據本合約第8條各自所需負責的佣金及費用。
11. 該物業是以現狀售予買方。
12. 本買賣包括附表內所列之動產、傢俬及裝修。
13. 此合約取代三方過往所有之談判、聲稱、理解及協議。
14. 茲聲明本合約之代理為買賣雙方代理/只是賣方代理/只是買方代理。
15. 賣方同意於簽立樓契時,買方可指定以第三者名義登記簽立樓契或授權書方式簽立樓契將單位交吉予乙方。
16. 附注:_________________________________________
_________________________________________________
_________________________________________________
簽名 印章 簽名 _
賣方簽署接受 代理簽署接受 (XX置業) 買方簽署接受
簽署人姓名 A 簽署人姓名 B
身份證號碼 ... 身份證號碼 ...
賣方收到買方臨時訂金港幣: 2000000(銀行:中國銀行支票No….)
賣方簽收: 簽名”
Através da escritura pública outorgada em 9 de Abril de 2014, a fracção autónoma “…”, sita em Macau, na …, descrita na Conservatória do Registo Predial com o n.º ..., foi alienada pelo R. a C, tendo sido apresentado o respectivo registo em 15 de Abril de 2014 (alínea B) dos factos assentes).
Mediante o acordo constante na al. A) dos Factos Assentes, em 19 de Junho de 2013, o Réu prometeu vender ao Autor a fracção autónoma referida na al. B) dos Factos Assentes (resposta ao quesito da 1º da base instrutória).
E o Autor prometeu comprar ao Réu a mesma fracção autónoma (resposta ao quesito da 2º da base instrutória).
O valor da aquisição do imóvel estava cifrado em HKD$3.500.000,00 (resposta ao quesito da 3º da base instrutória).
O A. pagou ao R. de sinal a quantia de HKD$2.000.000,00 por meio de ordem de caixa cuja cópia está junto a fls. 7 dos autos (resposta ao quesito da 4º da base instrutória).
A escritura de compra e venda foi marcada para o dia 19 de Julho de 2013, data em que deveria ser pago o remanescente do preço no valor de HKD$1.500.000,00 (resposta ao quesito da 5º da base instrutória).
Com a aproximar da data para a celebração da escritura pública o A. por diversas vezes interpelou, sem sucesso, o R. para a marcação da data acordada (resposta ao quesito da 6º da base instrutória).
Até à data, o A. nunca recuperou o cheque que deu ao R., nem recebeu deste o sinal em dobro (resposta ao quesito da 8º da base instrutória).
Provado o que consta da resposta ao quesito 4º (resposta ao quesito da 11º da base instrutória).”
*
A questão que se coloca no presente recurso é saber se houve incumprimento por parte do Réu ora recorrente.
Alega o recorrente que, não obstante estar provado que o Autor ora recorrido tentou pedir àquele para marcar data para a outorga do contrato definitivo mas sem sucesso, não se logrou, no entanto, a prova de que o recorrente não respondeu aos pedidos do Autor, nomeadamente por ter aquele desligado o telemóvel, seu único meio de contacto fornecido ao Autor, daí que entende não pode ser imputável ao recorrente o incumprimento definitivo.
Salvo o devido respeito, julgamos não assistir razão ao recorrente.
Em boa verdade, o contrato-promessa tem apenas simples eficácia obrigacional, dele derivando a obrigação de celebrar o contrato definitivo.
Consagra-se no artigo 752º, nº 1 do Código Civil que “O devedor cumpre a obrigação quando realiza a prestação a que está vinculado.”
Só é admitida a resolução do contrato fundada na lei ou em convenção (artigo 426º, nº 1 do CC).
Decidiu-se no Acórdão do Venerando Tribunal de Última Instância, no âmbito do Processo nº 44/2011, de 30 de Novembro de 2011 que “devem também, considerar-se aplicáveis ao contrato-promessa as regras respeitantes ao incumprimento definitivo das obrigações, atrás mencionadas, designadamente, as relativas à perda do interesse do credor, ao termo essencial e à declaração do devedor de não querer cumprir.”
Em primeiro lugar, o contrato pode ser resolvido quando se verifica impossibilidade culposa do cumprimento, nos termos previstos no artigo 790º, nº 1 do Código Civil:
“Tornando-se impossível a prestação por causa imputável ao devedor, é este responsável como se faltasse culposamente ao cumprimento da obrigação.”
Por outro lado, o credor também tem direito a resolver o contrato se, em consequência da mora do devedor, aquele perder o interesse que tinha na prestação, ou esta não for realizada dentro do prazo que razoavelmente for fixado pelo credor (artigo 797º, nº 1 do Código Civil).
Decidiu-se também no Acórdão deste TSI, no Processo nº 443/2009, o seguinte:
“Verifica-se o incumprimento definitivo da prestação quando esta se torna impossível para sempre.
Só esta relevará para efeitos, nomeadamente para efeitos de resolução - artigos 797º e 790º do CC.
Assim, a prestação, que era realizável no momento em que a obrigação se constituiu, impossibilita-se subsequentemente, em termos definitivos. O devedor fica portanto, de vez, impedido de cumprir a prestação, pelo menos na forma específica. Assim sucede nas prestações de «dare» se a coisa perece ou se extravia sem possibilidade de recuperação; e nas prestações de «facere» se o facto prometido se torna irrealizável, como se se promete vender um imóvel que entretanto é expropriado ou alienado a terceiro.
Como definitiva se considera também a impossibilidade da prestação, se antes de cessar o impedimento, em si transitório, a prestação deixa de ter utilidade para o credor.”
Conforme resulta da fundamentação da sentença recorrida, “está provado que, por escritura pública outorgada em 9 de Abril de 2014, o Réu alienou a fracção autónoma que prometera vender ao Autor a um terceiro tendo o respectivo registo sido apresentado em 15 de Abril de 2014. Assim, com esse acto, o Réu deixou de conseguir vender o imóvel ao Autor nos termos prometidos. Pelo que, houve inequivocamente incumprimento contratual por parte do Réu”.
Importa ter presente que, no caso vertente, não obstante não se lograr a prova de que houve conversão da mora do recorrente em incumprimento definitivo, mas provada está uma outra causa de incumprimento definitivo que é a alienação definitiva da fracção autónoma que o recorrente, na qualidade de promitente-vendedor, prometera vender ao recorrido, na qualidade de promitente-comprador, a um terceiro, tendo este já efectuado devidamente o respectivo registo, isso significa que a prestação a que o recorrente estava adstrito já se tornou impossível para sempre.
Nesta conformidade, andou bem a sentença recorrida ao considerar que se verifica o incumprimento definitivo e condenar o recorrente no pagamento do sinal em dobro, acrescido dos respectivos juros legais.
***
III) DECISÃO
Face ao exposto, acordam em negar provimento ao recurso interposto pelo recorrente A, confirmando a sentença recorrida.
Custas pelo recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário de que o mesmo beneficia.
Registe e notifique.
***
RAEM, 30 de Março de 2017
Tong Hio Fong
Lai Kin Hong
João A. G. Gil de Oliveira
Recurso Cível 52/2017 Página 1