Processo n.º 94/2017 Data do acórdão: 2017-3-23 (Autos em recurso penal)
Assuntos:
– decisão sumária do recurso
– reclamação para conferência
– art.o 407.o, n.o 8, do Código de Processo Penal
S U M Á R I O
O art.o 407.o, n.o 8, do Código de Processo Penal permite a reclamação para conferência da decisão sumária do recurso.
O relator,
Chan Kuong Seng
Processo n.º 94/2017
(Autos de recurso em processo penal)
(Reclamação para conferência da decisão sumária do recurso)
Recorrente/reclamante (1.º arguido): A
ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA REGIÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL DE MACAU
I – RELATÓRIO
Por acórdão proferido em 18 de Outubro de 2016 a fls. 424 a 438v do Processo Comum Colectivo n.º CR2-16-0210-PCC do 2.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base, ficou condenado o 1.º arguido A, aí já melhor identificado, como co-autor material de um crime consumado de usura para jogo com exigência ou aceitação de documentos de identificação do devedor para garantia, p. e p. pelos art.os 14.º e 13.º, n.º 1, da Lei n.º 8/96/M, de 22 de Julho, com circunstância agravante prevista no art.º 22.º da Lei n.º 6/2004, de 2 de Agosto, na pena de dois anos e nove meses de prisão, com pena acessória de proibição de entrada em estabelecimentos de casino de Macau pelo período de três anos, e ainda como autor material de um crime consumado de reentrada ilegal, p. e p. pelo art.º 21.º da Lei n.º 6/2004, na pena de seis meses de prisão, e em cúmulo jurídico dessas duas penas, na pena única de três anos de prisão efectiva, com manutenção da mesma pena acessória, e, finalmente, operado o cúmulo jurídico das penas dos acima referidos dois crimes com a punição então imposta no Processo Sumário n.º CR3-16-0104-PSM, na pena única de três anos e três meses de prisão efectiva, com proibição de entrada em estabelecimentos de casino de Macau pelo período de três anos.
Inconformado, veio o 1.º arguido recorrer para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), para pedir, em primeiro lugar, a convolação do crime de usura para jogo com exigência ou aceitação de documentos para o crime somente de usura para jogo (porquanto, no caso, a ilicitude do acto de obtenção dos documentos de identificação da pessoa devedora do empréstimo para jogo deveria ser considerada afastada pelo consentimento prestado pela própria devedora, consentimento este relevante nos termos do art.º 37.º, n.º 1, do Código Penal (CP), por estar em causa um interesse disponível e não estarem comprometidos os bons costumes), e, depois, fosse como fosse, a redução da pena do crime de usura para jogo com exigência ou aceitação de documentos para menos de dois anos e três meses de prisão, e da pena única dos dois crimes por que vinha condenado nesta vez no aresto recorrido para menos de dois anos e seis meses de prisão (dado que, sobretudo, o crime de usura com exigência ou aceitação de documentos só foi praticado mediante o consentimento da própria devedora, o que revelaria menor grau de ilicitude e culpa, o próprio recorrente também é ofendido por não lhe ser viável reclamar os valores emprestados à pessoa jogadora devedora) (cfr. com detalhes, a motivação de fls. 455 a 464 dos presentes autos correspondentes).
Ao recurso, respondeu o Ministério Público (a fls. 476 a 480 dos autos) no sentido de manutenção do julgado.
Subido o recurso, a Digna Procuradora-Adjunta emitiu parecer (a fls. 531 a 532v), pugnando pela manifesta improcedência do recurso.
Por decisão sumária do ora relator, exarada em 28 de Fevereiro de 2017 (a fls. 568 a 570) à luz dos art.os 407.º, n.º 6, alínea b), e 410.º, n.º 1, do Código de Processo Penal (CPP), foi rejeitado o recurso.
Veio agora o 1.º arguido recorrente reclamar dessa decisão para conferência, através do correspondente pedido (apresentado a fls. 583 a 592), nele reiterando materialmente o entendimento já veiculado na motivação do recurso então apresentada, para pedir a sua condenação apenas em sede do art.º 13.º da Lei n.º 8/96/M, ou a redução da pena.
A Digna Procuradora-Adjunta opinou (a fl. 594) pela improcedência da reclamação.
Corridos os vistos, cumpre decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICA
A decisão sumária (de fls. 568 a 570) ora sob reclamação tem o seguinte teor essencial:
– <<[…]
2. Do exame dos autos, sabe-se o seguinte:
O acórdão ora recorrido consta de fls. 424 a 438v dos autos, cujo teor integral – que inclui a matéria de facto dada por provada (aliás não impugnada pelo próprio 1.º arguido na sua motivação do recurso) e a fundamentação jurídica da correspondente decisão condenatória – se dá por aqui integralmente reproduzido.
Da fundamentação fáctica do aresto recorrido, resulta que o 1.º arguido recorrente praticou o crime de usura para jogo com exigência ou aceitação de documentos em co-autoria material com outros dois arguidos do mesmo processo penal, sendo todos os três arguidos pessoas clandestinas em Macau no momento de cometimento desse delito.
Segundo o facto provado 21 como tal descrito no texto decisório condenatório impugnado, o 1.º arguido exigiu da pessoa devedora a entrega dos documentos de identificação desta, para serem retidos pelos arguidos como garantia dos valores emprestados, com o que concordou a própria devedora.
E conforme a fundamentação fáctica do mesmo acórdão, o recorrente já não é delinquente primário, tendo ficado condenado, por três vezes sucessivas, em três processos penais correspondentes, por prática do crime de reentrada ilegal.
3. Sempre se diz que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao tribunal de recurso cumpre resolver só as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e ao mesmo tempo devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
O arguido coloca primeiro a questão da relevância do consentimento prestado pela pessoa devedora para o acto dele de exigência de documentos de identificação desta para garantia do empréstimo. Mas, não pode procede esta tese sua, porque é a própria norma do art.º 14.º da Lei n.º 8/96/M que pune o acto de “aceitação” ou “exigência” do respectivo devedor de documento de identificação… para servir de garantia, sendo evidente que o termo “aceitação” já afasta qualquer (“pretensa”, por parte do recorrente) relevância do consentimento prestado pela pessoa devedora.
E agora da medida da pena: após vistas todas as circunstâncias já apuradas pelo Tribunal Colectivo recorrido e descritas na fundamentação fáctica do seu acórdão com pertinência à tarefa da medida da pena, mostra-se evidente que aos critérios plasmados nos art.os 40.º, n.os 1 e 2, 65.º, n.os 1 e 2, e 71.º, n.os 1 e 2, todos do CP, a pena de prisão aí achada para o crime de usura para jogo com exigência ou aceitação de documentos e a pena de prisão única saída do cúmulo jurídico da pena deste crime e da pena do crime de reentrada ilegal já não podem admitir mais redução alguma, por serem já muito benévolas ao recorrente.
É, assim, de rejeitar o recurso, nos termos dos art.os 407.º, n.º 6, alínea b), e 410.º, n.º 1, do CPP, sem mais indagação por desnecessária, devido ao espírito do n.º 2 desse art.º 410.º.
4. Nos termos expostos, decide-se em rejeitar o recurso.
Custas do recurso pelo arguido, com três UC de taxa de justiça e três UC de sanção pecuniária (pela rejeição do recurso).
Macau, 28 de Fevereiro de 2017
[…]>>.
III – FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
O art.º 407.º, n.º 8, do CPP permite a reclamação para conferência da decisão sumária do recurso tomada pelo relator.
Pois bem, vistos todos os elementos processuais pertinentes já coligidos no ponto 2 do texto da decisão sumária ora sob reclamação pelo recorrente, é de improceder a reclamação sub judice, porquanto há que manter, nos seus precisos termos, a decisão sumária do recurso, por essa decisão do relator estar conforme com tais elementos processuais e o direito aplicável aí aplicado.
IV – DECISÃO
Dest’arte, acordam em julgar improcedente a reclamação do recorrente, mantendo a decisão sumária do seu recurso.
Para além das custas e montantes referidos no ponto 4 do texto da decisão sumária, pagará ainda o recorrente as custas do presente processado da reclamação (com duas UC de taxa de justiça).
Macau, 23 de Março de 2017.
_________________________
Chan Kuong Seng
(Relator)
_________________________
Tam Hio Wa
(Primeira Juíza-Adjunta)
_________________________
Choi Mou Pan
(Segundo Juiz-Adjunto)
Processo n.º 94/2017 Pág. 3/8