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Acórdão do Tribunal de Última Instância
da Região Administrativa Especial de Macau



Recurso de decisão jurisdicional em matéria administrativa
N.° 42 / 2006

Recorrente: A
Recorrido: Secretário para a Economia e Finanças








1. Relatório
   A interpôs recurso contencioso perante o Tribunal de Segunda Instância contra o despacho do Secretário para a Economia e Finanças de 7 de Fevereiro de 2006, pedindo que seja anulado o acto administrativo.
   Por acórdão proferido no processo n.° 98/2006, o Tribunal de Segunda Instância negou provimento ao recurso.
   Deste acórdão vem A recorrer agora para o Tribunal de Última Instância, apresentando as seguintes conclusões nas suas alegações:
   “1. O recorrente não concorda com o seguinte trecho do acórdão: ‘pois esta estipulação de ‘21 anos de idade’ na al. b) é a mesma idade limite prevista no n.º 8 do mesmo art.º 206.º (como a al. c) estipula ‘24 anos de idade’ como a idade limite), e esta devida interpretação jurídica também coincide com o significado da expressão pretendida pela versão portuguesa ‘dos 18 aos 21 anos de idade’ (até aos 24 anos) da al. b) (e da al. c)).’ Eis os argumentos.
   2. Na expressão ‘Dos 18 aos 21 anos de idade’, da al. b), n.º 6, art.º 206.º, do referido Estatuto, está colocado um ‘a (至, chegar)’ antes de ‘os 21 anos de idade’, enquanto na expressão ‘Até aos 24 anos’, da al. c), do n.º 6 do mesmo artigo, está colocado um ‘até (不超過, não ultrapassar, não superior)’ antes de ‘os 24 anos’. É bastante óbvio que, numa ciência extremamente rigorosa e lógica como a de Direito, se duas palavras de sentidos inteiramente diferentes são usadas para expressar duas idades aparecidas em duas alíneas do mesmo número, do mesmo artigo e da mesma lei, teremos ou não razão para acreditar que as duas “coincidem” no significado que pretendem expressar?
   3. Na língua chinesa contemporânea, uma das interpretações do carácter ‘至’ é ‘到 (chegar)’ que, como uma conjunção, quando ligam duas regiões ou duas números, pode expressar certa distância, sendo que a região ou o número que seguem tal carácter estão compreendidos. Por consequência, como na expressão ‘Dos 18 aos 21 anos de idade’, da al. b), do n.º 6, art.º 206.º, do referido Estatuto, está colocada a conjunção ‘a (至)’ antes de ‘os 21 anos de idade’, está muito claro que o ‘21 anos(vigésimo primeiro ano)’ está compreendido.
   4. Quanto ao termo ‘até (不超過, não ultrapassar)’, compreende-se simplesmente com a letra. Então, o que significa a expressão ‘até aos 24 anos’? No aniversário dos 24 anos, completa-se 24 anos de idade. No dia seguinte do aniversário, ultrapassa-se, em um dia, a idade de 24 anos. Por isso, a expressão ‘Até aos 24 anos’ tem como limite o dia do aniversário de 24 anos. Dessa forma, a expressão no art.º 206.º n.º 6 al. b) do Estatuto ‘... conferem direito ... até aos 24 anos’ significa que o referido direito perde-se no dia imediatamente posterior ao aniversário de 24 anos de idade.
   5. Como o vigente Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública foi elaborado em português antes do retorno de Macau, vamos considerar o caso partindo da sua versão de língua portuguesa. Na expressão ‘Dos 18 aos 21 anos de idade’, da al. b), n.º 6, do art.º 206.º, da versão portuguesa do referido Estatuto, está colocado um ‘a (至, chegar)’ antes de ‘os 21 anos de idade’, e este ‘a’ significa ‘至’ em chinês que indica uma certa distância, por exemplo, se dois números estão ligados por ‘a’, o segundo número está incluído, ou seja, o tempo de ‘os 21 anos de idade’ está compreendido.
   6. Na expressão ‘Até aos 24 anos’, da al. c), n.º 6 , art.º 206.º do Estatuto (no acórdão foi erradamente escrita como ‘Até aos 24 anos – SIC) está colocado um ‘até’ antes de ‘os 24 anos’, e este ‘até’ também significa ‘(至, chegar)’, também indica uma certa distância, mas o seu sentido é inteiramente diferente do sentido de ‘a’, pois ‘até’ tem o sentido de ‘cessa aqui’, de forma que ‘os 24 anos’ é o ponto de término ou limite, ou seja, o dia do aniversário de 24 anos constitui o limite.
   7. A sintetização dos últimos cinco pontos demonstra que, na expressão ‘Dos 18 aos 21 anos de idade’ da al. b), n.º 6, art.º 206.º, do referido Estatuto, a idade de ‘os 21 anos de idade’ está nitidamente compreendida e, como não se usou a expressão ‘até aos 21 anos’, não pode estar excluído o dia seguinte do aniversário dos 21 anos de idade. Entretanto, o significado das expressão ‘até aos 24 anos’, da al. c), é inteiramente diferente da al. b), pois indica que perde-se o respectivo direito no dia seguinte do dia de aniversário dos 24 anos de idade.
   8. Por que é que o legislador colocou termos diferentes antes das duas idades? Uma análise racional dá a resposta: para diferenciar duas situações específicas na aplicação da lei. Se só houvesse a al. b) e não houvesse a al. c) no n.º 6 do art.º 206.º do Estatuto, muito provavelmente surgiriam controvérsias na interpretação da al. b). Porém, o aparecimento da al. c) não só evidencia a inexistência da ‘coincidência do significado que pretendem expressar’ sustentada pelo acórdão do Tribunal de Segunda Instância, mas também forma um contraste na interpretação das duas alíneas, além de servir como prova para a correcta interpretação da al. b ).
   9. O recorrente não concorda com a seguinte frase do acórdão: ‘Nestes termos, não se deve interpretar extensivamente a expressão ‘aos 21 anos de idade’ para ‘até antes de completar 22 anos de idade’. Ao compreender a expressão ‘aos 21 anos de idade’ como sendo ‘até antes de completar 22 anos de idade’ da al. b), n.º 6, do art.º 206.º do Estatuto, o recorrente não fez nenhuma interpretação extensiva, mas sim, uma interpretação razoável destas alíneas da lei segundo o sentido das letras tanto da língua chinesa como da língua portuguesa contemporâneas. Ademais, nas entrelinhas do n.º 6, art.º 206.º do Estatuto: ‘Os descendentes dos 18 aos 21 anos de idade, se estiverem a frequentar o ensino secundário complementar ou equivalente conferem direito ao subsídio de família desde que não exerçam profissão remunerada’, lê-se: ‘Os descendentes de 22 ou mais anos, mesmo que estejam a frequentar o ensino secundário complementar ou equivalente e não exerçam profissão remunerada, não conferem direito ao subsídio de família’.
   10. O recorrente concorda muito com a primeira metade do seguinte parágrafo do acórdão: ‘De facto, se a al. b) fosse expressa de uma forma mais clara e nítida, como por exemplo, ‘dos 18 anos para cima até antes de completar 21 anos de idade’, a actual divergência na interpretação desta norma poderia talvez ser evitada. Mas, em todo caso, nos termos do critério de interpretação da lei, contido art.º 8.º, n.ºs 2 e 3, do Código Civil, no caso do pensamento da lei estar ‘imperfeitamente expresso’ na letra, o intérprete da lei deve ‘presumir que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados’.’.
   11. Isso porque, se a expressão da lei fosse feita com letras mais claras, esta controvérsia na interpretação da lei poderia absolutamente ser evitada. Entretanto, à luz do critério da interpretação da lei expresso nos n.ºs 2 e 3 do art.º 8.º do Código Civil de Macau, não existe nenhuma imperfeição na expressão da letra jurídica das al.s b) e c), n.º 6, art.º 206.º do Estatuto. E ao compreender uma lei, devemos considerar, com pensamento lógico, porque é que, em duas alíneas do mesmo número, mesmo artigo, da mesma lei, dois termos de sentidos inteiramente diferentes são usados para expressar duas idades. Não podemos distorcê-los forçadamente como os dois ‘coincidem’ no significado que pretendem expressar.
   12. Além disso, ao abrigo do critério da interpretação da lei estipulado no art.º 8.º, n.º 1, do Código Civil de Macau, como não se pode considerar a unidade do sistema jurídico nas alíneas da lei em discussão, nem há outros textos de documento ou lei que ajudem a inteirar-se da situação em que a lei foi produzida, não se pode determinar o pensamento legislativo do então, de forma que desta vez, só se pode fazer a interpretação segundo o sentido da letra da lei. Na realidade, as expressões da al.s b) e c) do n.º 6 do art.º 206.º do Estatuto na versão portuguesa são absolutamente inequívocas, o que, junto com a confirmação da versão chinesa, permite-nos perceber a extrema fidelidade da versão chinesa que traduz exactamente o sentido do texto original português.
   13. De facto, se na al. b), n.º 6, do art.º 206.º do Estatuto fosse usada a expressão ‘Dos 18 até os 21 anos de idade’, e na versão chinesa fosse traduzida como ‘18 歲以上但不超過21歲 (da idade dos 18 anos para cima até a que não ultrapassa 21 anos)’, o recorrente concordaria muito com a opinião do Colectivo do Tribunal de Segunda Instância.”
   Pedindo que sejam confirmados os vícios do acórdão recorrido com a anulação ou revogação deste de acordo com a lei.
   
   O recorrido apresentou as seguintes conclusões nas suas alegações:
   “1. Não assiste ao recorrente, como fundamento de recurso, a sindicância de vício de um acórdão proferido pelo Tribunal de Segunda Instância e que negou provimento à sua pretensão.
   2. Os fundamentos vertidos nas alegações de recurso apresentadas pelo recorrente estão em desconformidade com o pedido formulado pelo mesmo.
   3. A divergência entre recorrente e recorrido é de interpretação do direito e não de aplicabilidade do direito, posto que a interpretação que decorre do preceito legal controvertido (cfr. art.º 206.º, n.º 6, al. b) do ETAPM) e, cujo sentido é minimamente expresso, corresponde ao limite temporal de 21 anos e não 22 anos menos um dia, conforme é próprio das normas fechadas.”
   Pedindo que seja julgado improcedente o recurso e confirmada a decisão recorrida.
   
   A Procuradora-Adjunta do Ministério Público junto deste Tribunal emitiu o seguinte parecer:
   “Inconformado com a decisão do Tribunal de Segunda Instância que julgou improcedente o seu recurso contencioso, o recorrente A (甲) veio interpor recurso ao Tribunal de Última Instância.
   Na decisão recorrida, o Tribunal de Segunda Instância sustenta que, ao abrigo da al. b), n.º 6, art.º 206.º do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública, a idade limite ‘aos 21 anos de idade’, para a atribuição do subsídio de família em relação aos descendentes, deve ser interpretada como ‘até antes de completar 21 anos’.
   Por sua vez, o recorrente considera que a referida idade limite deve ser entendida como ‘até antes de completar os 22 anos’, ou seja, o ‘21º anos (vigésimo primeiro ano)’ está compreendido.
   A questão chave formulada no presente recurso reside na interpretação da idade limite estipulada na norma do referido artigo destinada a determinar a idade do descendente do trabalhador da administração pública para a atribuição do subsídio de família, quer dizer, como se compreende o sentido do legislador na expressão ‘aos 21 anos de idade’.
   
   Segundo o art.º 206.º, n.º 6, do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública, os descendentes dos referidos trabalhadores conferem o direito ao subsídio de família desde que não exerçam profissão remunerada: a) Enquanto menores; b) dos 18 aos 21 anos de idade, se estiverem a frequentar o ensino secundário complementar ou equivalente; c) até aos 24 anos, se estiverem matriculados em qualquer curso médio ou superior, ou preparando pós-graduação, neste último caso apenas durante 1 ano.
   No n.º 8 do mesmo artigo, está estipulado que, se no decurso do ano lectivo os descendentes atingirem a idade limite para a atribuição do subsídio de família em relação ao curso que frequentam, o subsídio é mantido até ao término do ano lectivo.
   No presente caso, a descendente do recorrente nasceu no dia 6 de Outubro de 1983, completando a idade de 21 anos no dia 6 de Outubro de 2004; nos anos lectivos 2004/2005 e 2005/2006, estava matriculada respectivamente no 10º ano e no 11º ano de escolaridade ; e no dia 3 de Outubro de 2005, foi contratada como oficial por um instituto, auferindo uma remuneração mensal no valor de MOP 5.000,00.
   No entendimento da Administração, a descendente do recorrente só tem o direito de receber o subsídio de família até ao fim de Junho de 2005, data do término do ano lectivo 2004/2005.
   Entretanto, o recorrente sustenta que o direito da sua descendente ao subsídio de família só desaparece no dia 6 de Outubro de 2005, quando ela completa 22 anos de idade, porém, de acordo com o n.º 8 do art.º 206.º, a atribuição do seu subsídio de família deve ser mantida até ao dia do término do ano lectivo 2005/2006.
   Concordamos com o entendimento do Tribunal de Segunda Instância, considerando que na correcta interpretação da al. b), do n.º 6, art.º 206.º, do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau, a idade limite determinada idade deve ser ‘o dia em que completa os 21 anos’. Esta interpretação é relativamente razoável tanto segundo a expressão da versão portuguesa como de acordo com a da versão chinesa.
   Em primeiro lugar, a versão chinesa usou a expressão ‘年齡介乎十八歲至二十一歲’ para demarcar a idade em questão. Consideramos que nesta expressão não estão incluídos os descendentes que já completaram 21 anos de idade.
   Citemos como exemplo a medida da pena determinada pelo legislador no Código Penal. Como é sabido, em grande número de normas do Código penal, a expressão ‘ser punido com pena de prisão de ... a ... anos’ é usada para determinar a medida da pena. Por exemplo, no art.º 128.º, está estipulado que o crime de homicídio ‘é punido com pena de 10 a 20 anos’; no art.º 138.º estipula-se que o crime de ofensa grave à integridade física ‘é punido com pena de 2 a 10 anos’, enquanto no art.º 204.º, n.º 1, o crime de roubo ‘é punido com pena de prisão de 1 a 8 anos’, etc. Se fosse aceito o entendimento do recorrente, os crimes acima referidos poderiam ser punidos com penas de prisão superiores respectivamente a 20, 10 e 8 anos, o que está evidentemente incorrecto.
   E na versão de língua portuguesa, as expressões usadas são respectivamente ‘de 10 a 20 anos de prisão’, ‘de 2 a 10 anos’ de prisão e ‘de 1 a 8 anos’ de prisão. Tais expressões em português são idênticas à norma da al. b), n.º 6, do art.º 206.º do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau: ‘dos 18 a 20 anos de idade’.
   
   O recorrente afirma que a forma de expressão ‘até aos 24 anos de idade (不超過二十四歲)’, da al. c), n.º 6, do art.º 206.º, é diferente da expressão da al. b) do mesmo número, e esta diferença demonstra que a expressão ‘aos 21 anos de idade (至21歲)’, usada pelo legislador compreende a idade de 21 anos.
   É certo que as expressões respectivamente usadas na al. b) e na al. c) são diferentes, mas, disso resultaria necessariamente a conclusão do recorrente? A nossa resposta é negativa.
   Todos sabem que a língua usada na elaboração do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau não foi o chinês, e a versão chinesa foi traduzida da versão portuguesa, de forma que a diferença das expressões vem principalmente da diferença da versão portuguesa.
   Na versão portuguesa, a idade indicada na al. c) é ‘até aos 24 anos’, mas aqui não pode ser expressa com ‘aos’, pois o legislador não indica explicitamente o limite mínimo da referida idade, caso contrário, também poderia usar a mesma forma de expressão ‘de ... aos 24 anos’.
   Segundo o Dicionário Português-Chinês, que tem o Sr. Chen Yong Yi (陳用儀) como redator-chefe, Edição Shangwu (商務印書館), de Dezembro de 2001, o uso conjugado das palavras ‘a’ e ‘de’ expressa o término da duração do tempo, enquanto a palavra ‘até’ também tem o sentido de ‘到’ e ‘至’, pode ser conjugada com as palavras ‘desde’ ou ‘de’, e disso pode se ver que a palavra ‘até’ também expressa o término do tempo.
   Na norma do n.º 6 do art.º 206.º do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau, o legislador divide os descendentes a serem beneficiados com o direito ao subsídio de família em três faixas de idade: na primeira estão os menores, isto é, segundo o art.º 111.º do Código Civil, os que ‘não tiver ainda completado 18 anos de idade (未滿十八歲者)’; na segunda, encontram-se os que tem a ‘idade dos 18 aos 21 anos’(‘年齡介乎十八歲至二十一歲’者); e na terceira faixa, estão os que tem a idade de até aos 24 anos (‘年齡不超過二十四歲’), e aqui, como não indica explicitamente o limite mínimo da idade, não se pode adoptar a forma de ‘dos ... aos 24 anos de idade’ (年齡介乎…至二十四歲).
   Por outro lado, se o legislador determina os limites máximos de idade das al.s a) e c) respectivamente em ‘não completou ainda os 18 anos de idade’(‘未滿十八歲’) e ‘até aos 24 anos’(‘年齡不超過二十四歲’), uma consideração sob o prisma de lógica e da unidade leva a crer que na al. b), a idade limite também deve ser ‘não completou os 21 anos’ (‘未滿二十一歲’) ou ‘até aos 21 anos’ (‘年齡不超過二十一歲’),em vez de ‘até completar os 22 anos de idade’ (‘不滿二十二歲’),como o recorrente afirmou.
   
   Para finalizar, sob o ponto de vista meramente comparativo, o nosso entendimento também conta com o apoio na legislação de Portugal, origem jurídica de Macau.
   Segundo a al. c), n.º 1, do art.º 19.º do Decreto-Lei n.º 133-B/97 português, o subsídio familiar a crianças e jovens é concedido aos descendentes dos 18 aos 21 anos, se estiverem matriculados no ensino secundário ou curso equivalente.
   O legislador adoptou a expressão ‘dos 18 aos 21 anos’, idêntica à da al. b), n.º 6, art.º 206.º, do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau.
   Nas obras citadas pela Administração recorrida, os autores consideram que tal expressão compreende os descendentes de 18, 19 e 20 anos de idade, mas não compreende os de 21 anos de idade (vide Paulo Veiga e Moura, Função Pública – Regime Jurídico, Direito e Deveres dos Funcionários e Agentes, 2ª edição, 1.º volume, p. 293).
   
   Pelo exposto, consideramos que a interpretação feita pelo Tribunal recorrido sobre as respectivas normas é correcta, e que se deve negar provimento ao recurso interposto pelo recorrente.”
   
   
   Foram apostos vistos pelos juízes-adjuntos.
   
   
   
   2. Fundamentos
   2.1 O Tribunal de Segunda Instância considera provados os seguintes factos:
   “Através do Ofício n.º 074/EADCP/2005, de 9 de Novembro de 2005, o Sr. A foi notificado do despacho do Sr. Director dos Serviços de Finanças, datado de 7 de Novembro de 2005, que negava provimento à reclamação do acto que determinou a reposição de quantias indevidamente recebidas a título de subsídio de família de sua descendente B.
   Inconformado com o teor do referido despacho, o Sr. A, vem, através de ofício do seu serviço, datado de 9 de Novembro de 2005, sem referência, interpor o presente recurso hierárquico necessário ao Sr. Secretário para a Economia e Finanças do acto de indeferimento da reclamação, pedindo, a final, a manutenção do subsídio de família relativo à sua descendente B até ao dia 2 de Outubro de 2005, o que faz nos termos e com os fundamentos que aqui se dão por integralmente reproduzidos.
   Da análise do processo, resultam os seguintes factos:
   1. Em 6 de Outubro de 2004, B – filha do Sr. A, – completou a idade de 21 (vinte e um) anos;
   2. No ano lectivo 2004/2005, B estava matriculada no ensino complementar nocturno – 10º ano de escolaridade na Escola [...] de Macau;
   3. O ano lectivo de 2004/2005 começou a 1 de Setembro de 2004 e terminou a 30 de Junho de 2005, conforme o calendário escolar afixado através do Aviso da Direcção dos Serviços de Educação e Juventude, publicado no Boletim Oficial nº 11 - Série II, de l7 de Março de 2004;
   4. No presente ano lectivo, de 2005/2006, B está matriculada no ensino complementar nocturno – 11º ano de escolaridade na Escola [...] de Macau;
   5. Em Março de 2005, B iniciou funções num instituto, sem contrato1, com um horário de trabalho das 9.00 horas às 13.00 horas, auferindo uma remuneração no valor de MOP 20,00 (vinte patacas) por hora, o que perfaz uma média mensal de aproximadamente MOP 1.500,00 (mil e quinhentas);
   6. Em 15 de Março de 2005, o Sr. A, através de requerimento que deu entrada no seu serviço e foi posteriormente remetido à Direcção dos Serviços de Finanças, solicitou a manutençao do subsídio de família até ao final do ano lectivo, ou seja, até Junho de 2005, o qual foi deferido conforme o despacho da Senhora Directora dos Serviços de Finanças, substituta, datado de 18 de Agosto de 2005;
   7. Em 29 de Setembro de 2005, a Direcção dos Serviços de Finanças, através do ofícios 4640/SAP/DDP/DCP/2005, notificou o Sr. A para repor as quantias indevidamente recebias a título de subsídio de família, correspondentes aos meses de Julho a Setembro de 2005, em relação à sua descendentes B, invocando que o direito a auferir tal subsídio tinha cessado no final do mês do Junho de 2005, conforme o despacho da Senhora Directora dos Serviços de Finanças, substituta, datado de 18 de Agosto de 2005, emitido de acordo com o estabelecido pelo art.º 206.º, n.º 6, al. b) e n.º 8 do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau;
   8. Em 3 de Outubro de 2005, B foi contratada como oficial pelo I[...], auferindo uma remuneração mensal no valor de MOP 5,000.00 (cinco mil patacas);
   9. Em 4 de Outubro de 2005, o Sr. A apresentou uma reclamação do acto que determinou a reposição das quantias indevidamente recebias a título de subsídio de família nos meses de Julho a Setembro, à qual foi negada provimento por despacho do Director dos Serviços de Finanças, datado de 7 de Novembro de 2005.
   
   Assim, cabe-nos apreciar:
   
   Questões Prévias
   O ordenamento da Região Administrativa e Especial de Macau (RAEM) concede aos particulares a faculdade de recorrerem hierarquicamente dos actos administrativos que, de algum modo, lesem os seus direitos e interesses legalmente protegidos, desde que validamente fundamentados perante a própria Administração Pública. Assim descrito, o recurso hierárquico pretende impugnar um determinado acto administrativo perante um superior hierárquico do órgão que o praticou.
   O procedimento administrativo obedece a um deteminado número de princípios fundamentais, de entre os quais se destaca o character escrito, que estabelece que os particulares deverão interpor o seu pedido através da apresentação de um requerimento escrito, do qual constem as várias menções indicadas no art.º 76.º do Código do Procedimento Administrativo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 57/99/M, de 11 de Outubro, doravante designado por CPA.
   Neste âmbito, antes do mais, cumpre-nos referir estarem preenchidos os requisitos legais para a admissibilidade do meio de reacção usado, considerando que o Sr. A é parte legítima, quer dizer, tem legitimidade para interpor o presente recurso hierárquico, sendo que o fez tempestivamente, isto é, dentro do prazo legal estabelecido, e tendo o mesmo sido interposto para o órgão competente. Mais, o acto ora impugnado é susceptível de recurso, não se conhecendo qualquer outra causa que obste à apreciação do recurso – cfr. art.º 55.º, art.º 147.º, n.º 1, art.º 155.º, n.º 1 e art.º 160.º de CPA.
   
   Do Direito
   Com o objectivo de averiguar a viabilidade da pretensão do Sr. A, merece-nos particular atenção a questão de sabermos se a situação apresentada se enquadra dentro da previsão das normas aplicáveis, ou seja, do preceituado nos art.ºs 205.º e seguintes do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 87/89/M, de 21 de Dezembro, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 62/98/M, de 28 de Dezembro, doravante designado por ETAPM.
   O subsídio de família é atribuído aos funcionários e agentes da Administração Pública de Macau que preencham os pressupostos especificados pelo legislador, dos quais salientamos, nomeadamente, os seguintes requisitos relativos a descendentes, que devem ser verificados cumulativamente:
   a) Idade entre os 18 e os 21 anos;
   b) Frequência do ensino secundário complementar, ou equivalente;
   c) Não exercício de uma profissão remunerada.
   Face aos dados pessoais que constam do processo, bem como ao dispositivo legal que regula a atribuição do subsídio de família aos trabalhadores da Administração Pública, consagrado nos art.ºs 205.º e seguintes do ETAPM, quer na sua versão original, em língua portuguesa, como na tradução em língua chinesa, não restam dúvidas de que a idade limite para atribuição do referido subsídio é de 21 (vinte e um) anos, sendo que no caso de B estes se completaram no dia do seu vigésimo primeiro aniversário, ou seja, em 6 de Outubro de 2004 – data até à qual preencheu todos os requistios.
   Tal como o próprio requerente afirma, ‘dos 18 aos 21 anos de idade significa o prazo compreendido entre...’, que, mais uma vez, tanto na versão original, em língua portuguesa, como na tradução em língua chinesa, quer dizer ‘o espaço temporal compreendido’, ou melhor, ‘o espaço temporal entre’, isto é, após ter completado os dezoito anos até ao dia que perfaz os vinte e um anos.
   Não obstante, o referido preceito legal também estabelece que ‘se no decurso do ano lectivo os descendentes atingirem a idade limite para a atribuição do subsídio de família em relação ao curso que frequentam, o subsídio é mantido até ao termo do ano lectivo’ – cfr. art.º 206.º, n.º 8 do ETAPM.
   Ao abrigo deste regime, foi concedida uma prorrogação da atribuição do subsídio de família ao Sr. A, em relação à descendente B, até ao termo do ano lectivo 2004/2005, isto é, até 30 Junho de 2005 – cfr. despacho da Senhora Directora dos Serviços de Finanças, substituta, datado de 18 de Agosto de 2005.
   A norma em questão não permite qualquer outra leitura que não seja a que claramente dispõe, não existindo, portanto, fundamento legal para se prolongar o referido subsídio ‘até ao dia anterior a completar vinte e dois anos’, como pretende o requerente.
   Neste enquadramento, mesmo que B esteja matriculada no ensino complementar no presente ano lectivo de 2005/2006, a data da inscrição foi posterior àquela em que completou 21 (vinte e um) anos de idade, o que se torna, por si, num facto impeditivo para a concessão do subsídio de família.
   
   Conclusão
   Pelo exposto, da análise dos factos apresentados e salvo melhor entendimento, somos da opinião de que deve ser negado provimento ao presente recurso por não existirem razões de facto ou de direito que o justifiquem.
   Em consequência, manter-se-á o acto recorrido, ou seja, o despacho do Senhor Director dos Serviços de Finanças, datado de 7 de Novembro de 2005, mediante o qual foi negado provimento à reclamação do Sr. A sobre o acto que determinou a reposição das quantias indevidamente recebidas a título de subsídio de família, correspondentes aos meses de Junho a Setembro de 2005, em relação à sua descendente B.”
   
   
   2.2 O limite máximo da idade – o sentido da norma constante da al. b) do n.º 6 do art.º 206.º do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau
   O recorrente requereu subsídio de família por sua filha, que estava a frequentar escola secundária e completou 21 anos em 6 de Outubro de 2004. O respectivo subsídio foi concedido até ao fim do ano lectivo 2004 / 2005, ou seja, até 30 de Junho de 2005. Para o recorrente, quanto aos requisitos da concessão do subsídio de família por descendentes, o limite máximo da idade previsto na al. b) do n. 6 do art.º 206.º do Estatuto dos Trabalhadores da Administração Pública de Macau (ETAPM) deve ser entendido como antes de completar os 22 anos. Assim, o subsídio devia ser concedido até ao fim do ano lectivo 2005 / 2006 em que a sua filha estava a frequentar ao completar os 22 anos.
   
   Prescreve-se assim o n.º 6 do art.º 206.º do ETAPM:
   “6. Os descendentes conferem direito ao subsídio de família desde que não exerçam profissão remunerada:
   a) Enquanto menores;
   b) Dos 18 aos 21 anos de idade, se estiverem a frequentar o ensino secundário complementar ou equivalente;
   c) Até aos 24 anos, se estiverem matriculados em qualquer curso médio ou superior, ou preparando pós-graduação, neste último caso apenas durante 1 ano.”
   
   O recorrente alega que o sentido da expressão “至......嵗” constante da referida al. b) é diferente do da “不超過......” constante da al. c), considerando que os números a seguir de “至” em chinês ou “a” devem estar incluídos, ou seja, abrange os 21 anos. “不超過” em chinês ou “até” significa o limite máximo, sendo este limite o dia em que perfaz 24 anos.
   
   No presente caso, a questão que se impõe resolver é a interpretação da referida al. b).
   Embora possa ser mais precisa a linguagem em chinês da norma, “dos 18 aos 21 anos de idade” constante da referida alínea deve ser entendido como dos 18 anos até completar os 21 anos, não podendo considerar como até antes de completar os 22 anos.
   Literalmente, a idade fixada tem por limite o dia em que se completar o respectivo ano de idade. Tal limite não comporta o sentido que engloba o período de todo o ano daquela idade. Por exemplo, o limite mínimo é de 18 anos, então o ponto de início do prazo não pode ser entendido como todo o ano dos 18 anos. Na linha da interpretação do recorrente, o limite mínimo da idade não passaria a antes de completar os 19 anos?
   Nos períodos fixados conforme as idades previstos nas mencionadas alíneas b) e c), tal como as outras disposições do ETAPM relacionadas com as idades, têm sempre por limites os dias respectivos, mas não todo o ano da determinada idade. Segundo o entendimento do recorrente, do dia do aniversário dos 21 anos até véspera do aniversário dos 22 anos é sempre ter 21 anos. “de ... aos 21 anos” significa mesmo que antes de completar os 22 anos. Assim, aparece logo uma dúvida: não entrará já no âmbito de “de ... aos 21 anos” no dia do aniversário dos 21 anos? Se a intenção do legislador fosse fixar o limite máximo da idade para antes de completar os 22 anos, porque não fixa directamente como “até 22 anos”?
   Os prazos fixados pelo legislador têm necessariamente os momentos de início e fim. Mesmo que sejam fixados em semanas, meses ou anos, os inícios e fins dos prazos referem sempre a um dada altura de um determinado dia, não sendo possível com a referência a um período de todo o ano. Conforme o art.º 272.º do Código Civil sobre cômputo do termo, o prazo fixado em semanas, meses ou anos, a contar de certa data, termina às 24 horas do dia que corresponda, dentro da última semana, mês ou ano, a essa data (al. c) do artigo).
   Por isso, “aos 21 anos” significa no dia em que completa os 21 anos.
   No ETAPM, o art.º 11.º, n.º 1 determina que “os limites mínimo e máximo de idade para admissão na função pública são, respectivamente, dezoito e cinquenta anos.”; o art.º 44.º, n.º 2 prescreve que “o limite máximo de idade para o exercício de funções públicas é de 65 anos”; o art.º 262.º, n.º 1, al. a) manda que são obrigatoriamente desligados do serviço para efeitos de aposentação os funcionários ou agentes que “atinjam o limite de 60 ou 65 anos de idade”, conforme haja ou não lugar a bonificação do tempo de serviço; e o art.º 263.º, n.º 1, al. a) estatui que há lugar a aposentação voluntária quando o funcionário ou agente que “declare desejar aposentar-se após 30 anos de serviço contados para efeitos de aposentação e tenha 55 ou mais anos de idade”. Os limites de idades fixados nas referidas normas referem sempre ao dia em que completa a respectiva idade.
   
   A estatuição “dos 18 aos 21 anos de idade” e “até aos 24 anos” tem como limite o momento em que se completa 21 ou 24 anos de idade. Não se pode considerar que fossem diferentes os critérios da fixação dos dois limites máximos da idade só por ter sido empregadas expressões diferentes – “de ... a ...”, “até ...” – tal como foi alegado pelo recorrente. É perfeitamente normal a utilização de linguagem diferente para exprimir os sentidos normativos diferentes, por não ser iguais os períodos de idade previstos nas duas alíneas, na primeira refere ao período entre duas idades, na segunda fixa apenas o limite máximo da idade. Nada obsta, mesmo com esta divergência, que o mesmo momento determinativo do limite máximo dos dois prazos – o dia em que se completa o ano.
   
   Assim, improcedem os fundamentos do recorrente.
   
   
   
   3. Decisão
   Face ao exposto, acordam em negar provimento ao recurso jurisdicional.
   Custas pelo recorrente com a taxa de justiça fixada em 5 UC.
   
   
   
   
   Aos 13 de Dezembro de 2007.






Os juízes:Chu Kin
Viriato Manuel Pinheiro de Lima
Sam Hou Fai

A Procuradora-Adjunta
presente na conferência: Song Man Lei


1 A celebração de contrato escrito não é obrigatória para a aquisição de bens ou serviços de valor inferior a MOP 500,000,00 (quinhentas mil patacas) ou quando o prazo de entrega ou execução seja inferior a seis meses – cfr. art.º 12.º, n.º 1, al. b) do Decreto-Lei n.º 122/84/M, de 15 de Dezembro.
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Processo n.° 42 / 2006 22