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Proc. nº 86/2017
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 04 de Maio de 2017
Descritores:
-Esbulho
-Posse violenta
-Restituição provisória de posse
-Regime de bens

SUMÁRIO:

I. Se alguém age sobre uma fracção imobiliária com corpus e animus, como titular exclusivo do direito de propriedade, que na realidade é, pode, ao abrigo dos arts. 1204º do Código Civil e 338º do CPC, pedir a restituição provisória de posse contra o ex-marido, que pela força e contra a vontade da requerente, a ocupou através de arrombamento e mudança de fechadura.

II. É bem próprio e exclusivo da requerente se ele foi adquirido na constância do casamento sem convenção antenupcial na República Popular da China, mas com dinheiro doado pelo seu pai destinado a esse único fim e com a intenção de que o bem viesse a pertencer apenas a si mesma.


Proc. nº 86/2017

Acordam no Tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M.

I - Relatório
A, divorciada, residente na Avenida XX, n.º XX, XX.º andar “XX”, intentou contra:
B, residente na Alameda XX, n.º XX, XX.º “XX”, Edifício XX, em Macau, ou em qualquer Posto Fronteiriço da RAEM, ---
Procedimento cautelar especificado de restituição provisória da posse e, cumulativamente, procedimento cautelar não especificado, pedindo:
a) Se ordene a restituição provisória da posse da fracção “F16” à requerente, se necessário com auxílio dos órgãos competentes e com recurso ao arrombamento da fechadura da porta e substituição da mesma (ao abrigo dos artigos 338.º e 339.º do CPC);
b) Caso assim se não entenda, se ordene a restituição provisória da posse da fracção “F16” à requerente, se necessário com auxílio dos órgãos competentes e com recurso ao arrombamento da fechadura da porta e substituição da mesma (ao abrigo dos artigos 340.º e 326.º do CPC); (sic)
c) Em qualquer dos casos, ordene o requerido para se abster de perturbar a posse da requerente sobre as fracções “E5” e “F16” em causa, sobretudo após a restituição da “F16” à requerente;
d) Ordene que o requerido retire da fracção “F16” todos os seus pertences, no prazo de três dias úteis após ser notificado para o efeito, sob pena de se entender que renuncia a quaisquer direitos tidos sobre esses pertences, podendo a requerente desfazer-se deles como entender, sem que o requerido tenha direito a qualquer indemnização;
e) Ordene que o requerido se abstenha de praticar qualquer acto através do qual onere, disponha, prometa onerar e prometa dispor as fracções em causa ou de interferir, por qualquer forma, na situação jurídica de ambas (excepto pela via jurídica);
f) Ordene que o requerido pague à requerente 1000 patacas por dia, a título da sanção pecuniária compulsória pela não restituição culposa da fracção “F16” após a respectiva notificação.

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Foi na oportunidade proferida decisão que julgou parcialmente procedente o procedimento cautelar especificado de restituição provisória de posse e o procedimento cautelar comum em termos que aqui damos por integralmente reproduzidos.
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O requerido B apresentou posteriormente oposição nos termos do art. 333º, nº1, al. b), do CPC, a que se seguiu a resposta da requerente.
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Foi, então, proferida sentença que julgou improcedente a oposição e manteve as providências decretadas anteriormente pelo tribunal, ou seja, manteve a decisão de restituição provisória de posse da requerente sobre a fracção 16 e a determinação de o requerido se abster de perturbar, por qualquer forma, a possa da requerente sobre as fracções E5 e F16.
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O requerido B, inconformado, apresentou recurso jurisdicional contra esta sentença, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
“1) O presente recurso tem como objecto a sentença do Tribunal a quo proferida a 22 de Julho de 2016 a fls. 360 a 369 dos autos, que julgou improcedente a oposição do recorrente e manteve as providências cautelares já tomadas.
2) Com o respeito por diversa opinião, o recorrente entende que o Tribunal incorreu em errado entendimento do direito.
3) O regime de bens adoptado pelo recorrente e recorrida é o de bens supletivo definido pela lei chinesa.
4) Nenhuma das partes se opôs ao facto acima referido, quer no processo principal quer procedimento cautelar. Razão pela qual, pode-se dar como provado que, no momento da celebração das escrituras de compra de venda das referidas duas fracções, o regime de bens da recorrida era o de bens supletivo definido pela lei chinesa.
5) De acordo com o artigo 17.º da Lei Matrimonial da RPC, as fracções E5 e F16 são o património comum dos cônjuges.
6) Afigura-se ao recorrente que, antes da tomada de decisões transitadas em julgado no processo principal do caso em apreço e no processo n.º CV2-12-0081-CAO, deve, pelo menos, presumir-se no presente procedimento cautelar que as fracções E5 e F16 são património comum dos cônjuges.
7) A Lei Matrimonial Chinesa define o património comum dos cônjuges como “compropriedade em comum”, noção idêntica à propriedade em comum ou compropriedade a que se refere o artigo 1299.º, n.º 1 do CCM.
8) Ao abrigo do disposto no artigo 1302.º, n.º 1 do CCM, os comproprietários têm direito de uso da coisa comum.
9) No caso em apreço, o recorrente usa, na qualidade de comproprietário, as fracções E5 e F16, que são património comum do recorrente e da recorrida.
10) É incorrecta a qualificação por parte do Tribunal a quo da conduta do recorrente como esbulho violento, por o recorrente ter igualmente o direito de propriedade e a posse das duas fracções em causa. A sua conduta não podia ter sido considerada como esbulho violento, porque o recorrente apenas estava a exercer o seu direito (gozar da sua própria propriedade).
11) Razão pela qual, o Tribunal a quo não devia ter dado como verificado o requisito de esbulho violento previsto no artigo 338.º do CPC, logo não devia ter deferido o pedido de restituição provisória da posse de F16.
12) Da mesma forma, o deferimento da providência cautelar comum pelo Tribunal a quo (inibir o recorrente de praticar quaisquer actos perturbantes da posse da recorrida sobre as fracções E5 e F16) obsta necessariamente ao exercício legítimo, por parte do recorrente, do seu direito de propriedade das referidas duas fracções, causando-lhe prejuízo manifestamente superior ao dano que com a providencia a requerente (ora recorrida) pretende evitar. Pelo que a providência deve ser recusada pelo Tribunal ao abrigo do disposto no artigo 332.º, n.º 2 do CPC.
13) Nestes termos, o Tribunal a quo incorreu em erro no entendimento da lei, violando o disposto nos artigos 1204.º e 1302.º do CC e artigos 332.º, n.º 2 e 338.º do CPC.
Face ao exposto, peço aos Exm.ºs Juízes do TSI que julguem procedente o recurso e em consequência revoguem a sentença recorrida.”
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A requerente A respondeu ao recurso nos seguintes termos conclusivos:
“1. O recorrente está inconformado com a sentença de 22 de Julho de 2016 do Tribunal a quo (doravante designada por sentença recorrida), invocando o erro no entendimento do direito e apresentando primariamente os seguintes fundamentos:
1) O recorrente entende que o regime de bens dele e da recorrida é o de bens supletivo definido pela lei chinesa; e que de acordo com o artigo 17.º da Lei Matrimonial da RPC e o artigo 17.º da Interpretação (I) feita pelo Supremo Tribunal Popular da China em relação ao primeiro, e antes da tomada de decisões transitadas em julgado que arbitrem as referidas fracções como património próprio da recorrida, as fracções E5 e F16 devem ser património comum.
2) Segundo o mesmo, a natureza do património comum dos cônjuges definida pela Lei Matrimonial Chinesa equivale à de compropriedade em comum prevista no artigo 1299.º, n.º 1 do CCM, pelo que ele está a usar as fracções em causa na qualidade de comproprietário, das quais tem a propriedade e a posse, e a sua conduta não é esbulho violento.
3) Razão pela qual, o recorrente entende que o deferimento da respectiva providência cautelar obstará ao seu exercício do direito de propriedade das referidas fracções, causando-lhe prejuízo manifestamente superior ao dano que com a providência a recorrida pretende evitar.
2. Ressalvado o devido respeito, a recorrida não concorda com o supra referido. De acordo com os artigos 6.º e 7.º dos factos provados da sentença recorrida, o registo predial mostra que as fracções E5 e F16 encontram-se registadas apenas em nome da recorrida, quer dizer que esta é a única proprietária das fracções.
3. Antes da tomada da decisão transitada em julgado que arbitre as fracções como bens comuns, estas devem ser, conforme o registo predial, o património próprio da recorrida.
4. E na realidade, a referida sentença já deu como provado que as fracções em causa são o património próprio da recorrida, mas não o comum.
5. Acresce que, a recorrida discorda da interpretação da Lei Matrimonial Chinesa alegada pelo recorrente relativamente à propriedade das fracções em causa. De acordo com o artigo 17.º, n.º 4 da Lei Matrimonial Chinesa, bens adquiridos através de sucessão ou de doação são património comum dos cônjuges. O artigo 18.º, n.º 3 da mesma Lei, entretanto, prevê que é património de um dos cônjuges aquele que conforme testamento ou contrato de doação apenas pertença a um destes.
6. De acordo com o artigo 21.º dos factos provados da sentença recorrida, as fracções E5 e F16 foram adquiridas pela recorrida em 28 de Outubro de 2004 com dinheiro doado pelo seu pai, que declarou expressamente no contrato de doação que as fracções adquiridas apenas seriam património próprio da recorrida. Por isso, estas são bens próprios da recorrida e não bens comuns dos cônjuges.
7. Acresce que, tanto o artigo 22.º, n.º 2 da Interpretação (II) relativa a diversas questões sobre a Lei Matrimonial da RPC como o artigo 7.º, n.º 1 da Interpretação (III), ambas aprovadas pelo Supremo Tribunal Popular da China, suporta a interpretação anteriormente feita em relação ao disposto nos artigos 17.º, n.º 4 e 18.º, n.º 3.º da Lei Matrimonial Chinesa no sentido de as fracções E5 e F16 serem bens próprios da recorrida.
8. Razão pela qual, a recorrida discorda totalmente da opinião do recorrente de que, conforme a Lei Matrimonial Chinesa e outras leis chinesas, e antes da tomada de decisão transitada em julgado no processo n.º CV2-12-0081-CAO, as fracções em causa são bens comuns.
9. Também por esta razão, a recorrida também discorda do recorrente quando este alegou que estava a exercer, na qualidade de comproprietário, o direito de propriedade e a posse relativamente às fracções em causa.
10. De acordo com os artigos 10.º, 12.º e 17.º dos factos provados da sentença recorrida, a fracção E5 é a residência da recorrida e a fracção F16 era gerida por esta, que a deu de arrendamento; todas as despesas relativas às fracções, tais como as contribuições, as despesas de condomínio e de reparação bem como as relativas ao consumo de água e electricidade eram pagas pela recorrida.
11. O recorrente nunca participou na gestão das fracções E5 e F16, não tendo assim o corpus da posse destas.
12. E o recorrente também não tem o animus da posse das fracções em causa. A escritura de compra e venda constante dos artigos 6.º e 7.º dos factos provados da sentença recorrida foi celebrada em 28 de Outubro de 2004. E o recorrente, em 12 de Outubro de 2012, isto é, cerca de 8 anos após a referida celebração, subitamente intentou a acção referida no artigo 19.º dos factos provados da mesma sentença pedindo a alteração do teor dessa escritura.
13. De acordo com as regras da experiência comum e o senso comum, se o recorrente sempre acreditasse que era o comproprietário ou possuidor das fracções E5 e F16, não intentaria subitamente a respectiva acção depois de terem decorrido 8 anos, especialmente quando tinha deixado a residência familiar em 21 de Dezembro de 2007 e se separado da recorrida por vários anos.
14. E temos que mencionar que, segundo os artigos 13.º e 17.º dos factos provados da sentença recorrida, a recorrida sempre acreditava firmemente que era a única proprietária das fracções em causa, e entendia que a sua gestão destas não violou o direito de ninguém.
15. Portanto, a recorrida é a única pessoa com o corpus e o animus da posse das fracções em causa, isto é, a recorrida é a única possuidora das fracções. Nem o facto de o recorrente arrombar a fechadura da fracção E5 para nela tentar entrar nem o de ele arrombar a fechadura da fracção F16 e nela realmente entrar, ambos descritos nos artigos 28.º a 33.º dos factos provados da sentença recorrida, é o exercício da propriedade e da posse alegadas pelo recorrente. Tais condutas, ao contrário, são um esbulho violento que privou a recorrida da posse singular que esta deve ter relativamente às fracções em causa.
16. Acresce que, os factos provados pela sentença recorrida não comprovaram quaisquer danos eventuais a sofrer pelo recorrente. E, por serem preenchidos os pressupostos da providência cautelar específica previstos nos artigos 338.º e 339.º do CPC, não é preciso considerar se o recorrente sofrerá prejuízo superior ao dano que com a providência a recorrida pretende evitar.
17. Nestes termos, afigura-se à recorrida absolutamente insustentável a tese do recorrente no sentido de alegar que o deferimento da providência cautelar obstar ao seu exercício do direito de propriedade das fracções em causa e que o prejuízo excede manifestamente o dano que com a providencia a recorrida pretende evitar”.
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Cumpre decidir.
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II – Os Factos
A sentença deu por provada a seguinte factualidade:
«1.º A Requerente e o Requerido contraíram casamento em 23 de Agosto de 2004, sem convenção antenupcial, no Cartório Notarial Público do Distrito de Xuhio de Xangai (Shanghai Xuhio District Notary Public Office), República popular da China.
2.º Da relação entre a Requerente e o Requerido nasceu uma filha a XX de XX de 20XX.
3.º Em 21 de Março de 2014, a Requerente instaurou contra o Requerido uma acção de divórcio litigioso.
4.º Na sequência de tentativa de conciliação realizada nos termos legais, a Requerente e o Requerido acordaram em divórcio por mútuo consentimento, conforme sentença homologatória do Juízo de Família e Menores do T.J.B., transitada em julgado em 6 de Outubro de 2014.
5.º Cerca de dois meses após a celebração do casamento entre a Requerente e o Requerido, a Requerente adquiriu as fracções autónomas seguidamente identificadas.
6.º Por escritura pública de 28 de Outubro de 2004, lavrada no Cartório do Notário Privado XX, a Requerente adquiriu a fracção autónoma para habitação, designada por “E5”, do 5.º andar “E”, com a área de 56.9600 metros quadrados, do prédio urbano sito em Macau, com os n.ºs XX da Rua XX, XX da Avenida XX, XX da Avenida XX e XX da Praça XX, denominado XX, inscrito na matriz predial sob o artigo n.º 7XXX5, descrito na C.R.P. sob o n.º 2XXX6, a fls. XX do livro BXX2, encontrando-se a referida fracção registada a favor da Requerente sob a inscrição n.º 9XXX9 do Livro G.
7.º Por escritura pública de 28 de Outubro de 2004, lavrada no Cartório do Notário Privado XX, a Requerente adquiriu a fracção, autónoma para habitação, designada por “F16”, do 16.º andar “F”, com a área de 63.2600 metros quadrados, do prédio urbano S/N sito em Macau, da Zona XX, com os n.ºs XX da Rua de XX e XX da Alameda XX, Quarteirão XX, Lote “XX”, denominado Edifício “XX”, inscrito na matriz predial sob o artigo n.º 7XXX9, descrito na C.R.P. sob o n.º 2XXX5, a fls. XX do Livro BXX6-A, com o regime propriedade horizontal registado sob o n.º 3XX5, a fls. XX do Livro FXXK, encontrando-se a referida fracção registada a favor da Requerente sob a inscrição n.º 9XXX6 do Livro G.
8.º As fracções em causa foram adquiridas pelo preço de MOP$452,016, equivalente a HKD$438,000, e pelo preço de MOP$887,520, equivalente a HKD$860,000, respectivamente.
9.º Desde a respectiva aquisição até à data, a fracção E5 tem servido de morada da família.
10.º É na fracção E5 que a Requerente e a sua filha dormem, tomam refeições e recebem amigos, familiares e correspondência.
11.º Até 21 de Dezembro de 2007 foi na fracção E5 que o Requerido, enquanto marido da Requerente, viveu com a mesma e com a filha de ambos, ainda que de forma intermitente, por dela se ausentar com frequência.
12.º Desde a respectiva aquisição, é a Requerente que paga a contribuição predial relativa à fracção E5, bem como as rendas relativas à concessão por arrendamento do terreno onde foi construído o edifício onde se localiza aquela fracção, assim como as respectivas contribuições de condomínio e o mobiliário e equipamento existente na mesma fracção.
13.º E tudo a Requerente fez e faz à vista de todos, com a convicção de ser proprietária da fracção E5 e de que, actuando dessa forma, não lesa qualquer direito de outrem, por todos sendo considerada como dona e proprietária daquela fracção.
14.º A fracção F16, teve como propósito providenciar à Requerente um rendimento mensal.
15.º Pelo que, desde que adquiriu a fracção F16, a Requerente deu-a de arrendamento e manteve-a arrendada a terceiros, auferindo as respectivas rendas.
16.º Desde a respectiva aquisição, é a Requerente que paga a contribuição predial relativa à fracção F16, bem como as rendas relativas à concessão por arrendamento do terreno onde foi construído o edifico onde se localiza aquela fracção F16, assim como as respectivas contribuições de condomínio, as respectivas obras de conservação e as reparações dos electrodomésticos e aquisição dos móveis que se encontram na mesma.
17.º E tudo a Requerente fez e faz à vista de todos, com a convicção de ser proprietária da fracção F16 e de que, actuando dessa forma” não lesa qualquer direito de outrem, por todos sendo considerada como dona e proprietária daquela fracção.
18.º Pese embora a Requerente estivesse casada com o Requerido no regime supletivo da lei chinesa, que equivale ao regime da comunhão de adquirido no ordenamento jurídico de Macau, a Requerente declarou nas duas escrituras acima referidas que era casada com o Requerido no regime da separação de bens.
19.º Com efeito, em 12 de Outubro de 2012, o Requerido, então Autor, instaurou contra a Requerente, então Ré, acção ordinária que correu termos no T.J.B. sob o proc. n.º CV2-12-0081-CAO, no âmbito da qual em suma, alegou o seguinte:
- Quando a Ré adquiriu as fracções dos autos, declarou falsamente que era casada com o Autor no regime da separação de bens perante o Notário, razão pela qual as referidas fracções foram registadas apenas em nome da Ré, na qualidade de casada com o Autor no regime da separação de bens;
- Que as fracções em questão foram adquiridas com dinheiro proveniente do Autor e da Ré, tendo ambos participados financeiramente na aquisição desses bens.
20.º Com base nos factos alegados, peticionou o Requerido, então Autor, que as fracções dos autos fossem declaradas bens comuns do casal e que, consequentemente, as escrituras de compra e venda das fracções, bem como os respectivos registos de aquisição, fossem rectificados, passando dos mesmos a constar que a Requerente estava casada com o Requerido no regime de comunhão de adquiridos (regime supletivo da lei chinesa em vigor).
21.º Após audiência contraditória, realizada nos termos legais, ficou assente a seguinte factualidade com relevância para a decisão da causa:
- O Autor e a Ré, ambos de nacionalidade chinesa, casaram em Shanghai na República Popular da China, em XX de XX de 20XX, sem convenção pós-nupcial. (alínea A) dos factos assentes)
- Na altura do casamento, o Autor e a Ré residiam na China. (alínea B) dos factos assentes)
- A fracção autónoma designada por “E5”, do 5.º andar “E”, para habitação, do prédio urbano sito em Macau, com os n.ºs XX da Rua XX, XX da Avenida XX, XX da Avenida XX e XX da Praça XX, denominado XX, inscrito na matriz predial sob o artigo n.º 7XXX5, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 2XXX6, a fls. XX do livro BXX2, encontra-se registada a favor da Ré sob a inscrição 9XXX9 do livro G. (alínea C) dos factos assentes)
- A fracção autónoma designada por “F16”, do 16.º andar “F”, para habitação, do prédio urbano sito em Macau, na Zona de XX, S/N e com os n.ºs XX da Rua de XX e XX da Alameda XX, Quarteirão XX, Lote XX, denominado Edifício XX, inscrito na matriz predial sob o artigo n.º 7XXX9, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º 2XXX5, a fls. XX do livro BXX6-A, com o regime da propriedade horizontal registado sob o n.º 3XX5, a fls. XX do livro FXXK, encontra-se registada a favor da Ré sob a inscrição n.º 9XX6 do livro G. (alínea D) dos factos assentes)
- Por duas escrituras datadas de 28 de Outubro de 2004 lavradas no Cartório Notarial do Notário Privado XX, a Ré adquiriu as fracções autónomas mencionadas nas alíneas C) e D), pelos montantes de MOP$452,016.00 e MOP$887,520.00, respectivamente. (alínea E) dos factos assentes)
- Nas escrituras referidas na alínea E), a Ré declarou, perante o notário do referido Cartório Notarial, que era casada com o Autor no regime da separação de bens. (alínea F) dos factos assentes)
- Nos registos das fracções autónomas mencionadas na alínea C) e D) consta que as mesmas são inscritas em nome da Ré, na qualidade de casada com o Autor no regime de separação de bens. (alínea G) dos factos assentes)
- O Pai da Ré transmitiu à Ré o montante total de HK$1,460,000, nos termos seguintes (resposta ao quesito 2.º da base instrutória): a. HK$1,000,000.00, em 27 de Agosto de 2004, através do cheque n.º 1XX32 do Banco C; b. HK$60,000.00, em 28 de Setembro de 2004, em dinheiro; c. HK$30,000.00, em 30 de Setembro de 2004, em dinheiro; d. HK$30,000.00, em 2 de Outubro de 2004, em dinheiro; e. HK$130,000.00, em 5 de Outubro de 2004; f. HK$200,000.00, por transferência bancária proveniente do D, Limited de 28 de Setembro de 2004 (efectivamente transferido em 5 de Outubro de 2004); g. HK$10,000.00, através do cheque n.º 0XXX79 do Banco E Ltd. (HK).
- Os montantes de HK$200,000.00 e HK$10,000.00 mencionados nas alíneas f) e g) da resposta ao quesito 2.º foram transferidos das contas de F a pedido e por conta do Pai da Ré. (resposta ao quesito 3.º da base instrutória)
- O pai da Ré, por espírito de liberalidade e à custa do seu património, transmitiu os montantes identificados na resposta ao quesito 2.º gratuitamente à Ré, que o aceitou, tendo em vista a aquisição das fracções referidas nas alíneas C) e D) dos factos assentes. (resposta ao quesito 4.º da base instrutória)
- A Ré efectuou o pagamento da totalidade do preço de HK$438,000.00, referente à fracção autónoma “E5”, identificada na alínea C) dos factos assentes, nos termos seguintes (resposta ao quesito 5.º da base instrutória): a. HK$60,000, em 30 de Setembro de 2004, como sinal, dividido em HK$10,000.00, em dinheiro, e HK$50,000.00, através da ordem de caixa n.º 2XXX23 do Banco da G, Sucursal de Macau; b. HKD378,000.00, em 28 de Outubro de 2004, como remanescente do preço, através da ordem de caixa n.º 2XXX65 do Banco da G, Sucursal de Macau.
- A Ré efectuou o pagamento da totalidade do preço de HK$860,000.00, referente à fracção autónoma “F16”, identificada na alínea D) dos factos assentes, nos termos seguintes (resposta ao quesito 6.º da base instrutória): a. HK$200,000.00, em 5 de Outubro de 2004, como sinal, dividido em HK$50,000.00, em dinheiro, e HK$150,000.00, através da ordem de caixa n.º 2XXX92 do Banco da G, Sucursal de Macau; b. HKD660,000.00, em 28 de Outubro de 2004, como remanescente do preço, através da ordem de caixa n.º 2XXX64 do Banco da G, Sucursal de Macau.
- O dinheiro pago pela Ré e referido nas respostas aos quesitos 5.º e 6.º foi proveniente do dinheiro transmitido pelo pai da Ré na resposta ao quesito 2.º. (resposta ao quesito 7.º da base instrutória)
- Ficou combinado entre o pai da Ré e a Ré que o dinheiro cedido, bem como as fracções que com o mesmo viessem a ser adquiridas, seriam para benefício exclusivo desta última. (resposta ao quesito 8.º da base instrutória) (sublinhado nosso)
22.º A alegação do Autor, ora Requerido, de que as fracções identificadas autos foram adquiridas com dinheiro proveniente dos então Autor e Ré foi julgado NÃO PROVADO (cfr. resposta ao quesito 1.º da base instrutória).
23.º A sentença referenciada ordenou a rectificação das escrituras de aquisição e respectivos registos, por forma a que dos mesmos passe a constar que a Requerente estava casada com o Requerido no regime supletivo da lei chinesa.
24.º No entanto, não julgou procedente o pedido de as fracções dos autos serem declaradas bens comuns, uma vez que, em face da matéria de facto provada, resultou inequivocamente demonstrado que, “tendo a Ré e o seu pai combinado que as fracções autónomas adquiridas com o dinheiro doado seriam para benefício exclusivo da Ré, as mesmas são bens próprios da Ré”.
25.º A Requerente interpôs recurso da sentença referenciada em 21 de Setembro de 2015 e apresentou as respectivas alegações a 9 de Novembro de 2015, com alguns fundamentos de que a sentença recorrida é nula na parte em que foi ordenada a rectificação da escritura pública de compra e venda de aquisição das fracções E5 e F16, para que das mesmas passe a constar que a Recorrente estava casada com o Requerido no regime supletivo da lei chinesa, e que o Tribunal a quo deve mandar rectificar as escrituras que titulam a aquisição das fracções referidas e respectivos registos, no que respeita ao regime de bens da Requerente e explicitar nas respectivas rectificações que as fracções referidas estão excluídas da comunhão, sendo, por isso, bens próprios da Requerente.
26.º O Requerido interpôs igualmente recurso da sentença referenciada, em 21 de Setembro de 2015, tendo apresentado as respectivas alegações em 17 de Novembro de 2015, incidindo sobre a parte da sentença que absolveu a Requerida dos pedidos de declaração das fracções em causa como bens comuns do casal.
27.º Pese embora a Requerente e o Requerido já se encontrem separados de facto desde 21 de Dezembro de 2007 e divorciados desde 6 de Outubro de 2014, o Requerido enviou à Requerente as seguintes mensagens de texto via telemóvel:
- 11 de Julho de 2015, pelas 9:32 - “Tens dois dias para arranjar os teus bens e deixar um quarto livre para mim (...)”.
- 11 de Julho de 2015, pelas 9:42 - “(...) Não preciso de nada para viver no meu próprio prédio! (...) até o tribunal adjudicar-te o prédio, o prédio pertence a nós! (...) Deixa algum espaço em casa! A casa de Bei (Norte) é muito pequena!”.
- 11 de Julho de 2015, pelas 9:59 - “(...) arranja os teus bens antes da próxima semana!”.
- 11 de Julho de 2015 - pelas 10:10 - “(...) Prepara uma chave de porta para evitar que nós mudemos a fechadura!”.
- 19 de Julho de 2015, pelas 10:10 - “(...) limpa e esvazia a propriedade do sul (...) Neste momento, as minhas exigências são: 1) As propriedades são minhas; 2) Faz reparações e começa a tomar conta da filha; 3) Deita fora todas as roupas de homem, injeta um pouco de hormonas femininas e veste sapatos de salto alto, meias de seda e saias... Deves entender que o apelido desta casa é Yao. O casamento é assunto de homem. Isto é a tua última oportunidade. (...) ”.
- 18 de Agosto de 2015, pelas 11:51 - “(...) Vou mudar e voltarei a viver esses dois dias, pede à rapariga esperar em casa (...). E, por sinal, casa do sul já está livre?”.
- 19 de Agosto de 2015, pelas 17:01 - “(...) Amanhã vou abrir a porta. (...) Amanhã vou voltar, se a rapariga não estiver lá, vou pedir ao serralheiro.”
28.º A 20 de Agosto de 2015, o Requerido deslocou-se à fracção E5 e tentou efectivamente arrombar a respectiva porta da rua e introduzir-se na mesma fracção.
29.º O Requerido acabou por não conseguir arrombar a porta e introduzir-se na fracção, levando ao imediato abandono do local.
30.º Chegados os agentes da Polícia de Segurança Pública (PSP), a Requerente apresentou a respectiva queixa criminal.
31.º O Requerido, em data concretamente não apurada, mas no mês de Setembro de 2015, arrombou a porta da fracção F16 e mudou a respectiva fechadura, apropriando-se das respectivas chaves e ficando a Requerida sem acesso à mesma.
32.º As seguintes mensagens de texto foram enviadas por telemóvel pelo Requerido à Requerente:
- 10 de Setembro de 2015, pelas 13:17 - “(...) informa os habitantes para recolherem os bens em XX.”
- 13 de Setembro de 2015, pelas 22:13 - “(...) Estou a viver na minha casa em XX, aí dentro há umas centenas de milhares, bem como bens importantes e vários documentos. (...) Estou a viver na minha casa, em XX.”-
- 13 de Setembro de 2015, pelas 23:55 - “Reflectes e pedes -desculpa rapidamente? Voltar a lutar só significa que ficarás mais perto do túmulo; Todavia, quando vieres não te esqueças de vestir um vestido, meias de seda e sapatos de salto alto, sua burra! Sabes que agora te vestes como um fantasma terrível?”.
- 14 de Setembro de 2015, pelas 00:33 - “(...) burra velha (...)!”.
- 14 de Setembro de 2015, pelas 16:42 - “Sai de Van Sion também, tola. Chama a Polícia e eles vão contar-te, agora estou na minha casa”.
33.º Em 13 de Setembro de 2015, a Requerente deslocou-se à fracção F16 e verificou que a fechadura da porta havia sido mudada e que as chaves que tinha já não abriam porta da fracção.
34.º Termos em que chamou novamente a PSP e apresentou a respectiva queixa criminal.
35.º Depois, a Requerente deslocou-se a uma esquadra da PSP onde entregou a cópia da sentença proferida pelo T.J.B. no proc. n.º CV2-12-0081-CAO.
36.º A PSP deu finalmente por arquivadas ambas as queixas da Requerente acima referenciadas.»
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III – O Direito
1 – A desencadeou contra o ex-marido B a instauração dos presentes autos de procedimento cautelar de restituição provisória de posse e de procedimento cautelar comum.
Na base desta iniciativa processual esteve a alegada atitude do requerido - de arrombamento da fechadura da porta de entrada da fracção F16, melhor identificada nos autos, que a requerente considera sua propriedade exclusiva, não obstante ter sido adquirida pouco tempo depois de com aquele ter contraído casamento na RPC sem qualquer convenção, portanto, segundo o regime supletivo de comunhão de adquiridos, mas que o requerido considera ser bem comum.
Pretendia a requerente que aquela fracção fosse imediatamente restituída à sua posse, nos termos dos arts. 338º e 339º do CPC ou, subsidiariamente, nos termos dos arts. 340º e 326º do mesmo Código.
Mais ambicionava a requerente que o requerido se abstivesse de perturbar a posse da requerente sobre essa fracção e sobre uma outra (E-5), retirasse todos os seus pertences, se abstivesse de praticar actos de oneração, disposição e de interferência com a situação jurídica das fracções, bem como fosse obrigado a pagar-lhe a quantia de mil patacas diárias a título de sanção pecuniária por cada dia de atraso na restituição da fracção E-6.
Nos autos da acção principal (Proc. nº CV2-12-0081-CAO), de que os presentes são dependência, foi decidido rectificar o regime de bens do casamento constante do registo, de forma a dele constar ser o supletivo em vigor na República Popular da China (nele havia sido consignado que era o de separação de bens, pois era assim que constava da escritura pública de compra e venda das fracções indicadas).
O autor da acção (aqui requerido/recorrente) pedia ainda nessa acção que fosse reconhecido que os bens em causa (fracções E-5 e E-6) eram bens comuns. Este pedido foi, porém, julgado improcedente.
Ora, esta decisão viria a ser sufragada pelo acórdão deste TSI datado de 12/01/2017, no Proc. nº 154/2016.
Significa isto, portanto, que a questão essencial que urgia deslindar foi efectivamente resolvida de um modo definitivo contra a tese do ora recorrente. Ou seja, apesar de o casamento entre si e A ter sido celebrado sem convenção antenupcial e, por conseguinte, segundo o regime supletivo de bens da República Popular da China – que é o de comunhão de adquiridos – a verdade é que, por os bens terem sido adquiridos pela ora recorrida com dinheiro doado pelo seu pai e com a intenção de que eles fossem exclusivamente seus, ficou pelo caminho a pretensão do ora recorrente de ver reconhecida a sua pretensão de que eles fossem bens comuns.
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2 – Ora bem. A sentença impugnada tomada na sequência da oposição do requerido, manteve a decisão proferida nos autos no dia 8 de Março de 2016, que:
a) ordenou a restituição provisória de posse à requerente sobre a fracção F/16, se necessário com auxílio dos órgãos dos poderes públicos e com recurso ao arrombamento da fechadura da porta e substituição da mesma;
b) ordenou que o requerido se abstivesse de perturbar, por qualquer forma, a posse da requerente sobre as fracções E5 e F16.
Fê-lo por considerar que a requerente foi esbulhada com violência da posse sobre a fracção F16 e isto por ter sido entendido que ela é proprietária exclusiva desse bem, como da outra fracção E5 e por reconhecer que ela exercia o corpus e o animus sobre uma e outra. Tudo ao abrigo dos arts. 338º do CPC e 1185º, nº2 e 1204º do CC.
O requerido, ora recorrente, acha que a sentença fez uma errada interpretação do direito.
Para tanto, insiste que as fracções indicadas devem integrar o património comum de ambos, face ao art. 17º da Lei Matrimonial da RPC. E, por assim ser, defende que, nos termos do art. 1302º do CC, tanto a requerente, como o requerido/recorrente poderiam servir-se das coisas comuns.
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3 – Não tem razão, porém, o recorrente.
Sem quebra de respeito pelo impugnante, mas apenas por uma razão de economia e celeridade, é com a devida vénia que nos servimos do teor da sentença, aqui transcrevemos para valer nos termos do art. 631º, nº5, do CPC:
«O artigo 1204.º do Código Civil prevê que o possuidor que seja esbulha com violência tenha o direito de ser restituído provisoriamente à sua posse, sem audiência do esbulhador, por meio de providência cautelar.
Em consequência, resulta do disposto no artigo 338.º do Código de Processo Civil que no caso de esbulho violento, pode o possuidor pedir que seja restituído provisoriamente à sua posse, alegando os factos que constituem a posse, o esbulho e a violência.
É, pois, necessária a verificação cumulativa dos seguintes pressuposto: ser o requerente titular da posse ou detenção com tutela jurídica equiparada; ter ocorrido esbulho e este com violência.
Exercido o contraditório e produzida a prova do requerido, julgamos que se mantêm todos os requisitos necessários à conservação desta providência cautelar, conforme passaremos a expor.
O Requerido defende que é possuidor das fracções objecto desta providência, atento o regime de bens do seu casamento.
Em face dos factos dados como sumariamente provados, teremos de reafirmar que o primeiro requisito, - ser titular da posse - continua a estar preenchido relativamente à Requerente. Está indiciariamente provado que a mesma é proprietária das duas fracções e que numa delas instalou a sua casa de morada de família e a outra arrendou-a para assim obter rendimentos prediais.
Ora, em face destes factos não podemos deixar de concluir que a 1.ª requerente tem o corpus e o animus da posse, ou seja, exerce o poder de facto com intenção de agir como beneficiária do direito de propriedade dos imóveis desde a sua a aquisição.
Julgamos, pois, que a Requerente tem uma posse idónea, susceptível de ser defendida atento todo o factualismo dado como indiciariamente assente, sendo certo que não se apurou em audiência final, que a posição jurídica do Requerido se sobreponha ao exercício dos seus poderes. Mesmo que se admitisse que o requerido também é possuidor - o que não se concede em face dos factos sumariamente apurados em 11. e 27. - essa sua qualidade não colidiria com a que, evidentemente, se tem de reconhecer à Requerente,
Quanto ao elemento “esbulho” é a privação ilícita de posse de outrem contra a vontade do possuidor e pode ser, ou não, violento.
A violência é a que é exercida quanto à privação da posse, nos termos do artigo 1185.º, n.º 2 do Código Civil, e pode resultar de coacção física ou de coacção moral.
A jurisprudência e a doutrina têm entendido que violência contra as coisas só releva se se pretender por via dela intimidar, directa ou indirectamente, a vítima da mesma, sendo irrelevantes os meros actos materiais de danificação ou destruição inaptos para afectar o possuidor em termos psicológicos.
Como nos dá conta Abrantes Geraldes1, citando o Mestre Orlando de Carvalho, “a violência contra as coisas só é relevante se com ela se pretende intimidar, directa ou indirectamente, a vítima da mesma, não devendo, por isso, qualificar-se como tal os meros actos de destruição ou danificação desprovidos de qualquer intuito de, influenciar psicologicamente o possuidor”. E, concluindo, afirma ainda que “a violência sobre as coisas que estorvam a privação apenas, relevará para este fim quando o agente usou, pelo menos, de dolo eventual, quando previu, como normal consequência da sua conduta, que iria constranger psicologicamente o possuidor e, todavia, não se absteve de a assumir, conformando-se com o resultado”
Ora, os factos apurados continuam a poder ser subsumidos ao conceito de violência, assim definido.
Neste aspecto, manteve-se a prova indiciária de que o Requerido introduziu-se na fracção F16 através do arrombamento da respectiva fechadura que mudou, apropriando-se das respectivas chaves, impedindo a Requerente de à mesma aceder e a prova de que, nessas circunstâncias, enviou à Requerente uma mensagem de texto por telemóvel onde a ameaça de morte “...voltar a lutar só significa que ficarás mais perto do túmulo”., conjugado com a tentativa de arrombamento da fechadura da porta da fracção E5.
Nesta medida, concluímos pelo preenchimento de todos os requisitos materiais e processuais que estiveram na base do decretamento desta providência cautelar, por se considerar que a requerente tinha a posse, foi dela esbulhada violentamente, havendo fundamento para a restituição da fracção F16, tal como anteriormente decidido.
Relativamente à fracção E5, tal como decidiu o tribunal na decisão que deferiu a providência, em fundamentação para que nos permitimos remeter, conforme os factos provados sumariamente, a Requerente reside com a filha na fracção E5 que tem servido de casa de morada de família, desde a sua aquisição, considera esta fracção como o seu bem próprio e paga as respectivas contribuições prediais, as rendas relativas à concessão por arrendamento do terreno e as despesas de condomínio e de aquisição do mobiliário, por todos sendo considerada como proprietária desta fracção. Pode-se constatar que desde a aquisição da respectiva fracção até à presente data, a Requerente é possuidora da fracção e tem a posse sobre a mesma. Para além disso, segundo os factos provados, quanto à fracção E5 em causa, em 20 de Agosto 2015 o Requerido tentou arrombar a respectiva fechadura com intenção de introduzir-se na mesma fracção (...) o que conjugado com o conteúdo das mensagens de texto enviadas pelo Requerido à Requerente antes dessa data, (...) leva a crer que há fundadas e justas razões para crer que no futuro o Requerido cometerá as condutas semelhantes (o arrombamento da fechadura da porta e introdução na fracção, bem assim a mudança da respectiva fechadura), para que impeça ou esbulhe a posse da Requerente sobre a mesma fracção. Mais ainda, logo que a posse seja esbulhada pelo Requerido, a Requerente e a sua filha perderão a casa de morada de família, causando-lhes lesões graves e dificilmente reparáveis à vida e tranquilidade familiar.
Em suma, não tendo o requerido trazido aos autos factos novos susceptíveis de contrariar a realidade introduzida em juízo pela requerente, ainda que de forma sumária e cautelar, terá a oposição que improceder, mantendo-se as providências cautelares anteriormente decretadas, consignando-se, ainda, que só na acção principal se poderá dar resposta cabal às questões jurídicas suscitadas pelo requerido - natureza do património adquirido por requerente e requerido na constância do seu matrimónio e se este último tinha ou não a posse das fracções autónomas objecto da providência.»
Acresce, para terminar, que tudo o que o recorrente invocava em defesa da sua tese se esboroou a partir do momento em que a acção principal terminou com uma sentença, já transitada, que lhe não reconheceu a compropriedade sobre as ditas fracções e que, em vez disso, apenas a conferiu à ex-esposa, a aqui requerente/recorrida.
Portanto, se a requerente/recorrida agiu sobre o bem com corpus e animus, e como titular exclusivo do direito de propriedade, que na realidade é, podia, ao abrigo dos arts. 1204º do Código Civil e 338º do CPC, pedir e obter a restituição provisória de posse contra o ex-marido, que pela força e contra a vontade da requerente, a ocupou através de arrombamento e mudança de fechadura. É que se tem que considerar como bem próprio e exclusivo da requerente se ele foi adquirido na constância do casamento sem convenção antenupcial na República Popular da China, com dinheiro doado pelo seu pai destinado a esse único fim e com a intenção de que o bem viesse a pertencer apenas a si mesma.
Por tudo isto, o recurso tem que soçobrar.
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IV – Decidindo
Face ao exposto, acordam em negar provimento ao recurso, confirmando a sentença impugnada.
Custas pelo recorrente.
TSI, 04 de Maio de 2017
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José Cândido de Pinho
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Tong Hio Fong
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Lai Kin Hong
1 In “Temas da Reforma de Processo Civil”, Abrantes Geraldes, IV volume, Almedina, págs, 43 e 44, nota 50.
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