打印全文
Processo nº 801/2015
(Autos de Recurso Contencioso)

Data: 27 de Abril de 2017

ASSUNTO:
- A audiência prévia
- Obrigação propter rem

SUMÁRIO:
- A audiência de interessados é uma das formas da concretização do princípio da participação dos particulares no procedimento administrativo, legalmente previsto no artº 10º do CPAC, nos termos do qual os órgãos da Administração Pública devem assegurar a participação dos particulares, bem como das associações que tenham por objecto a defesa dos seus interesses, na formação das decisões que lhes disserem respeito.
- E destina-se a evitar, face ao administrado, o efeito surpresa e, no mesmo passo, garantir o contraditório, de modo a que não sejam diminuídos os direitos ou interesses legalmente protegidos dos administrados.
- Só tem lugar no procedimento administrativo do 2º grau quando a Administração tenha realizado, nesse procedimento, qualquer instrução para obter novos elementos para a decisão.
- Nos termos dos nºs 1 e 2 do artº 7º do Regulamento Geral da Construção Urbana (RGCU), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 79/85/M, de 21 de Agosto, os proprietários/comproprietários das edificações têm a obrigação de proceder às obras de conservação, reparação e beneficiação a fim de as manter sempre em boas condições de utilização, obras essas que podem ser ordenadas pela DSSOPT mediante prévia vistoria.
- Trata-se duma obrigação propter rem, inerente à própria qualidade de proprietário/comproprietário, pelo que ainda que a danificação do prédio for causada por terceiro, tal não eximiria a sua responsabilidade na reparação enquanto proprietário/comproprietário, sem prejuízo de poder exigir ao causador dos danos uma devida indemnização pelos prejuízos sofridos.
O Relator,
Ho Wai Neng


Processo nº 801/2015
(Autos de Recurso Contencioso)

Data: 27 de Abril de 2017
Recorrente: A
Entidade Recorrida: Secretário para os Transportes e Obras Públicas

ACORDAM OS JUÍZES NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:

I – Relatório
A, melhor identificada nos autos, vem interpor o presente recurso contencioso de anulação do acto de indeferimento tácito do recurso hierárquico necessário interposto em 15 de Agosto de 2014, concluíndo que:
1. A Recorrente foi notificada pela DSSOPT para executar as indicações constantes do Relatório de Vistoria daquela Direcção de Serviços.
2. Não se conformando com a referida decisão, interpôs recurso hierárquico necessário para o Exmo. Senhor Secretário para os Transportes e Obras Públicas, em 15 de Agosto de 2014.
3. Desde a apresentação do recurso hierárquico necessário até à presente data, a Recorrente não recebeu resposta sobre o recurso interposto, e o Exmo. Senhor Secretário para os Transportes e Obras Públicas mantém-se silente, presumindo-se a existência de indeferimento tácito, de acordo com o disposto no artigo 162.°, n.ºs 1 e 3, do CPA.
4. É entidade recorrida o Exmo. Senhor Secretário para os Transportes e Obras Públicas e objecto do recurso o indeferimento tácito do recurso hierárquico necessário.
5. A Recorrente é comproprietária do prédio, sito em Macau, na Rua do Cunha, n.º 25, Taipa, que é composto por dois pisos.
6. No final do ano de 2012, iniciaram-se as obras de demolição e reconstrução do prédio CC, sito na mesma via, com o número 23 (Edifício Contíguo), pelas quais foi responsável a Sociedade de Construção e Engenharia XX, Limitada.
7. Em meados de Março de 2013, a Recorrente foi incomodada por forte trepidação e ruído propagados das obras de construção do Edifício Contíguo, e produzidos por vibradores de betão na execução de trabalhos de betonagem no Edifício Contíguo.
8. No dia 23 de Março de 2013, foi danificada a parede do primeiro andar da fachada do Prédio, devido à execução de trabalhos de betonagem, abrindo um vão de cerca de 1,20 m x 4,00 m.
9. Provocaram-se também outros danos no Prédio, nomeadamente, frestas nas paredes, rebocos caídos, deslocação das vigas de madeira do telhado e desnivelamento do pavimento, cometendo o respectivo técnico responsável, Sr. Eng.º B (B), um erro sério no processo da obra de construção.
10. Apesar de ser uma construção há mais de cinquenta anos, o Prédio, antes dos danos, encontrava-se em bom estado de conservação, o 1.º andar do Prédio era habitável e no rés-do-chão explorava-se um estabelecimento de comidas e bebidas.
11. Com os danos causados ao Prédio, o andar superior deixou de ser habitável, e o estabelecimento de comidas instalado no rés-do-chão não poderia funcionar, por não poder garantir a segurança das pessoas que ali permanecessem.
12. Os danos acima referenciados provam que a sobredita empresa construtora aplicou método de construção incorrecto e/ou não tomou as medidas de precaução necessárias para garantir a estabilidade e segurança das edificações vizinhas.
13. Um dos responsáveis pela obra, o Sr. C (C), confessou os danos e comprometeu-se a proceder à obra de reparação, colocando de imediato vários suportes metálicos no Prédio.
14. A Recorrente estava convencida de que tivessem anotado as irregularidades verificadas. Contudo, de acordo com o registo lançado no respectivo livro de obra que o funcionário da DSSOPT apenas relatou em 10 de Junho de 2013 a queixa apresentada sobre os danos em causa, razão pela qual a DSSOPT não tomou de imediato (nem posteriormente) quaisquer providências necessárias nos termos legais.
15. Excepto a colocação de suportes metálicos provisórios, a XX não iniciou quaisquer das outras obras de reparação prometidas, pelo que, no dia 10 de Abril de 2013, a Recorrente apresentou queixa junto da DSSOPT.
16. Na sequência da referida queixa e duma reunião realizada com a DSSOPT, a XX apenas tapou um buraco que tinha feitio na parede de alvenaria por ela destruída. Em relação aos restantes danos, não efectuou quaisquer trabalhos de reparação.
17. Pelo que, o filho da Recorrente telefonou no final de Maio de 2013 para a DSSOPT, solicitando a sua intervenção, a qual respondeu através de mensagem escrita (SMS), informando que os funcionários daquela Direcção de Serviços já tinham procedido, em 12 de Abril de 2013, a uma inspecção ín loco, não tendo verificado indícios de desmoronamento do tecto e inclinação do prédio, mas sim indícios de infiltrações.
18. Por solicitação da DSSOPT, o filho da Recorrente, os Senhores Engenheiros D e E da DSSOPT e representante da XX compareceram em Maio de 2014 no prédio n.º 25 da Rua do Cunha para confirmar as obras de reparação realizadas no prédio n.º 25, onde a DSSOPT detectou a existência de frestas nas paredes, vigas de madeira ameaçadas de cair e pavimento desnivelado, propondo na Informação n.º 3353/DURDEP/2014, que seja vistoriado o Prédio pela comissão.
19. Na Informação-Proposta n.º 04718/DURDEP/2014 frisou-se que “os funcionários destes Serviços (...), inspeccionaram o imóvel em 12-04-2013, verificando-se que já se procederam medidas de segurança, por outro lado, de acordo com as fotografias, não se verifica rachas nas paredes da zona do pátio, e as vigas de madeira também não existem indícios de desmoronamento. Também não se verifica desmoronamento do tecto nem desnivelamento do pavimento.”.
20. Contudo, não se verifica qualquer fotografia com menção do pátio ou zona traseira do prédio, pelo que, não sabe com que fundamentos o autor da referida Informação-Proposta chegou àquela conclusão.
21. Na sequência da vistoria, a Recorrente foi notificada do ofício para cumprir as indicações constantes do Relatório de Vistoria.
22. Entretanto, no referido Relatório de Vistoria, a DSSOPT não mencionou os danos do prédio ocorridos em 23 de Março de 2013, e causados pelo método de construção incorrecto aplicado na obra vizinha.
23. A obra de construção do prédio n.º 23 da Rua do Cunha tinha sido terminada no final de Abril de 2014, e a Recorrente assume que a DSSOPT emitiu mesmo licença de utilização para o edifício recémconstruido.
24. Desde a data da ocorrência dos danos até à data de notificação da Recorrente para cumprimento das indicações constantes do Relatório de Vistoria, a DSSOPT não informou a Recorrente sobre as diligências efectuadas para suprir a falta de reparação e manutenção do Prédio pela XX.
25. Nem esclareceu sobre a não comunicação imediata pelo respectivo fiscal da obra sobre a irregularidade detectada, bem como a não aplicação de quaisquer medidas necessárias ao abrigo do Decreto-Lei n.º 79/85/M.
26. Na sequência imediata da conclusão da obra de construção do prédio n.º 23, veio a notificar a Recorrente da realização de obra de reparação do Prédio, que sabe perfeitamente serem de responsabilidade de XX e por outro lado, a DSSOPT deixou de dar o devido seguimento à queixa apresentada pela Recorrente, e até emitiu licença de utilização do Edifício Contíguo sem ter assegurado a reparação dos danos provocados no âmbito dessa obra, pela XX.
27. Ao longo de todo o procedimento administrativo, desde a queixa apresentada em 10 de Abril de 2013 pela Recorrente até à data da notificação do Despacho do Exmo. Senhor Subdirector dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes, a DSSOPT não informou a Recorrente do sentido provável da sua decisão, nem a notificou para se pronunciar sobre a mesma.
28. O procedimento administrativo adoptado está ferido de vício de forma por preterição das formalidades essenciais, o que inquina o acto de ilegalidade, determinando a sua anulabilidade nos termos do disposto no artigo 124.º do CPA.
29. Pelo que, requer que seja anulado o indeferimento tácito que confirma a não realização da audiência da Recorrente antes de ser tomada a decisão final.
     Caso assim não se entenda,
30. Pelo exposto nos pontos nºs 10 a 18, verifica-se que a DSSOPT não desempenhou as suas funções no âmbito das atribuições e das competências consagradas nas disposições legais abaixo indicadas, o que contribuiu para lesar os direitos e interesses legítimos da Recorrente.
31. Nos termos da alínea j) do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 29/97/M, de 7 de Julho, compete a DSSOPT “licenciar e fiscalizar todas as edificações urbanas, designadamente particulares, municipais ou de entidades autónomas, nos termos da legislação aplicável.” (sublinhado nosso).
32. Dispõem as alíneas f), l) e n) do n.º 3 do artigo 8.º do mesmo diploma legal que compete à Divisão de Fiscalização da DSSOPT “f) fiscalizar a execução de obras particulares e de trabalhos de urbanização, assegurando-se de que as obras e trabalhos estão a ser feitos de acordo com os projectos aprovados; l) efectuar embargos administrativos de obras quando as mesmas estejam a ser efectuadas sem licença ou em desconformidade com ela, lavrando os respectivos autos e procedendo às notificações legalmente previstas; e n) participar superiormente as irregularidades praticadas por técnicos, construtores e empresas responsáveis pela direcção técnica e execução das obras.” (sublinhados nossos).
33. Face ao exposto supra, deve ser anulado o indeferimento tácito que pugna o Despacho do Exmo. Senhor Subdirector dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes, de 16 de Julho de 2014, que ordena à Recorrente a realização da obra de reparação do prédio n.º 25 da Rua do Cunha, em conformidade com o Relatório de Vistoria, visto que o imóvel foi danificado pela Sociedade de Construção e Engenharia XX, Limitada, quem deve assumir a responsabilidade da execução da obra de reparação, e não a ora Recorrente.
*
Regularmente citada, a Entidade Recorrida contestou nos termos constantes a fls. 97 a 111 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, pugnando pelo não provimento do recurso.
*
Ambas as partes apresentaram alegações facultativas, mantendo na sua essência, as posições já assumidas, respectivamente, na petição inicial e na contestação.
*
O Ministério Público é de parecer pela improcedência do recurso, a saber:
“Na petição e nas alegações de fls.144 a 163 dos autos, a recorrente solicitou o indeferimento tácito do seu recurso hierárquico necessário do despacho de confirmação emanado pelo subdirector da DSSOPT no Relatório de Vistoria em 16/07/2014 (doc. de fls.347 a 348 do P.A.), invocando o vício de forma por falta da audiência e, subsidiariamente, a violação de lei por ela, apesar de ser proprietária, não dever ser responsável pela reparação do prédio aludido no art.7º da petição.
*
   É certo que o disposto no n.º1 do art.93º do CPA impõe à Administração o dever de realizar audiência dos interessados. Porém, não é menos verdade que nos termos da alínea a) do art.97º deste diploma, a audiência pode ser dispensada se os interessados já se tiverem pronunciado sobre as questões a resolver e as provas, no correlativo procedimento.
   Note-se que nos arts.37º a 38º da petição, a recorrente manifestou a aceitação sem reserva do conteúdo da Informação n.º3353/DURDEP/2014 de 13/05/2014 (doc. de fls.405 a 406 do P.A., que se dá aqui por integralmente reproduzido). Tal aceitação sem reserva implica que são verdadeiros os factos mencionados nos nºs 6 a 9 desta Informação.
   Ora, os nºs 8 e 9 da mesma Informação dizem respectivamente: «8. 現場已通知……應對自身樓宇的失修狀況進行維修,以免影響他人,其表示由於樓宇業權眾多,要求本局派員檢查樓宇及發函通知,以便其可聯絡相關的業權人商討樓宇維修事宜。» «9. 基於25號樓宇(特別是後通天位置)已存在失修狀況,建議委任驗樓委員會到場檢查,並通知樓宇業權人處理維修事宜。»
   O que demonstra inquestionavelmente que o representante da ora recorrente, seu filho de nome F (F), tomou conhecimento efectivo da razão determinante da inspecção pela Comissão de Vistoria do prédio identificado no art.7º da petição.
   Com efeito, e em boa verdade, foi esse representante da recorrente quem solicitou, na altura e no local indicados na sobredita Informação, à Administração ordenar uma inspecção para ele poder contactar todos os proprietários a discutir a reparação do prédio atrás apontado.
   Entendemos ser legítimo presumir que a própria recorrente tinha a mesma posição que assumida pelo seu representante – seu filho. O que equivale a dizer que a solicitação do seu representante/seu filho à Administração corresponde com a vontade real da recorrente.
   Nesta linha de perspectiva, e de acordo com o preceito na alínea a) do art.97º do CPA, não podemos deixar de entender que era e é, no caso sub iudice, dispensável a audiência da recorrente e, deste modo, a falta da audiência não acarreta invalidade ao acto em escrutínio.
*
   Em nome de violação de lei, a recorrente arguiu que o sobredito prédio tinha sido danificado pela Sociedade de Construção e Engenharia XX, Limitada, durante a execução de obra de construção com o conhecimento da DSSOPT e no decurso da obra que esta licenciada.
   Com esta arguição, ela solicitou ser anulado o acto recorrido e «ser determinado que aquela sociedade deve assumir a responsabilidade pela realização das obras de reparação do prédio n.º25 da Rua do Cunha, bem como a citação da referida Sociedade como contra-interessada.
   Em primeiro lugar, entendemos que não se descortina in casu a invocada violação de lei. Pois, a citada n.º3353/DURDEP/2014 constata, de maneira inequívoca, que «6. 經三方人員現場目測確認,25號樓宇牆身損毀的部分已作維修;除此之外,現場初步目測檢視25號樓宇的內部,發現存在失修狀況……», e «7. 經進入地面層單位目測檢查,咖啡室租戶表示後通天(現作為咖啡室廚房)的天花板已於10多年前失修有下塌危險,其表示已作兩次維修,當時亦有通知樓宇的業權人處理,但得不到任何回應,……»
   Tudo isto patenteia convincentemente que o prédio n.º25 da Rua do Cunha carece de obras de reparação e reforço por se encontrar com a grave deterioração e o risco de ruir – cujas existências se vêm verificando há cerca de 10 anos, e estando já devidamente reparada a danificação provocada pela «Sociedade de Construção e Engenharia XX, Lda.» durante a execução daquela obra de construção licenciada pela DSSOPT no chamado Edifício Contínuo (vide. art.8º da petição).
   Em segundo lugar, tanto o director da DSSOPT como o Secretário para os Transportes e Obras Públicas dispõem de jurisdição para resolver as disputas entre a recorrente e a «Sociedade de Construção e Engenharia XX, Lda.», pelo que não podiam nem podem, sob pena de cair na usurpação de poderes, ordenar essa Sociedade proceder à reparação do risco de ruir derivado da deterioração do prédio.
   Em terceiro lugar, estando peremptoriamente excluídas de recurso contencioso quaisquer questões de direito privado (art.19º, alínea 5), da Lei n.º9/1999), o douto TSI não pode, nesta sede de recurso contencioso, determinar aquela sociedade deve assumir a responsabilidade pela realização das obras de reparação do prédio n.º25 da Rua do Cunha. Daí decorre que é ilegal o pedido neste sentido.
   E afinal, é, com efeito, igualmente ilegal o pedido da citação da mesma Sociedade como contra-interessada. Pois, como se vê, o eventual e meramente hipotético provimento do recurso contencioso em apreço – o que não se concede e apenas se representa por cautela de raciocínio – não acarretaria directo prejuízo a tal Sociedade, pelo que não se verifica in casu o pressuposto no art.39º do CPAC.
   O que torna facilmente compreensível e previsível que a citação da «Sociedade de Construção e Engenharia XX, Lda.» contende com o princípio da economia processual e é meramente dilatória. Eis a razão subjacente da não citação da mesma.
***
   Por todo o expendido acima, propendemos pela improcedência do presente recurso contencioso.”
*
Foram colhidos os vistos legais dos Mmºs Juizes-Adjuntos.
*
II – Pressupostos Processuais
O Tribunal é o competente.
As partes possuem a personalidade e a capacidade judiciárias.
Mostram-se legítimas e regularmente patrocinadas.
Não há questões prévias, nulidades ou outras excepções que obstam ao conhecimento do mérito da causa.
*
III – Factos
Com base nos elementos existentes nos autos, fica assente a seguinte factualidade com interesse à boa decisão da causa:
1. A Recorrente é comproprietária do prédio, sito em Macau, na Rua do Cunha, n.º 25, Taipa, o qual é composto por rés-do-chão e primeiro andar, descrito na Conservatória do Registo Predial de Macau sob o n.º 6.058, a fls. 4 do Livro B24, e inscrito na respectiva matriz predial com o artigo 40.285.
2. No final do ano de 2012, iniciaram-se as obras de demolição e reconstrução do prédio CC, com o número 23 da Rua do Cunha (o “Edifício Contíguo”), ao abrigo da Licença de Obra n.º 529/2012, tendo sido contratada para essas obras a Sociedade de Construção e Engenharia XX, Limitada, em chinês, XX建築工程有限公司(a “XX”), com sede em Macau, na ……, sociedade comercial por quotas, registada na Conservatória dos Registos Comercial e de Bens Móveis sob o n.º 18.XXX(SO).
3. Em meados de Março de 2013, quando a Recorrente entrou no Prédio sentiu trepidação acompanhada de ruído propagada das obras do Edifício Contíguo, e contou de imediato ao seu marido, G (G), do fenómeno anormal acima referido.
4. Depois, veio a saber que a trepidação e o ruído foram produzidos pela utilização de vibradores de betão na execução de trabalhos de betonagem nas obras do Edifício Contíguo.
5. No dia 23/03/2013, a Recorrente verificou que foi danificada a parede do primeiro andar da fachada do Prédio, parede essa que confronta com o Edifício Contíguo em construção, abrindo nesta parede do Prédio um vão de cerca de 1,20 m x 4,00 m, e derramando no pavimento tijolos, pedras, betão e areia.
6. Um dos responsáveis pela execução da obra, de nome C, funcionário de XX, escreveu uma carta, datada de 25/03/2013, ao filho da Recorrente H, pedindo desculpas e comprometendo-se a proceder à reparação do dano no sentido de tapar o buraco, acompanhada o respectivo projecto de reparação (fls. 56 e 57 dos autos).
7. No final do mês de Março de 2013, a XX colocou vários suportes metálicos no Prédio da Recorrente.
8. No dia 10/04/2013, a Recorrente apresentou queixa formal junto da DSSOPT quanto aos danos acima referidos, e foi informada, por aquela Direcção de Serviços, de que foi então instruído o processo sob a referência n.º 003992/2013.
9. Em data não apurada, a XX tapou o buraco da parede que destruiu.
10. A DSSOPT determinou a realização de uma vistoria com o intuito de verificar as condições da estrutura do prédio.
11. Na sequência de tal vistoria, realizada no dia 04/06/2014, a Comissão de Vistoria, constituída por dois engenheiros civis da DSSOPT, elaborou o respectivo auto, cujo teor consta de fls. 75 a 80 do processo instrutor e que aqui se dá por integralmente reproduzido, do qual se pode retirar o seguinte:
“Trata-se de um prédio constituído por dois pisos, de modelo antigo com estrutura de tijolo e madeira;
O rés-da-chão do prédio é destinado a finalidade comercial e o segundo piso a finalidade de habitação (fotografias 1 e 2);
Foram verificadas as seguintes situações no 2.º piso do prédio:
A parte da frente é destinada para habitação e atrás é a cozinha e a casa de banho, mostrando sinais de estarem abandonadas;
Nas vigas de madeira do tecto verifica-se a existência de bolores e estão em estado avançado de degradação, suportadas provisoriamente por suportes metálicos, estando as suas sapatas colocadas no chão deste piso (fotografias 3 a 6);
O tecto é coberto por zinco, os suportes de madeiras estão danificados e partes da estrutura estão soltas (fotografias 7 e 8);
A parede da cozinha apresenta muitas fendas e em estado de queda de revestimento, a parede junto ao lavatório apresenta fendas visíveis (fotografias 9 e 10);
As paredes da sala de estar apresentam várias fendas e em situação de queda do revestimento das paredes (fotografias 11 e 12);
Da vistoria efectuada no rés-do-chão do prédio, ressalta a seguinte situação:
O rés-do-chão é destinado a comércio, o tecto da cozinha está fechado por placas metálicas e estas apresentam-se em estado de degradação (fotografias 13 a 14);
A fachada do prédio do segundo piso e a parede do tecto (do quarto) da filha resentam queda do revestimento das paredes (fotografias 15 e 16);
O edifício não é definido no artigo 117º da Lei n.º 11/2013 (Lei de Salvaguarda Património Cultural), de interesse cultural relevante, constituido por monumentos, edifícios de interesse arquitectónico, conjuntos e sitios, bem como pelas respectivas zonas de protecção;
Concluindo, a comissão considera que o edifício supra-identificado, em geral, está em mau estado por falta de conservação e de reparação, as vigas de madeira e madeira do edifício estão em muito mau estado de conservação, apresentando indicios de puderem cair, assim como o chão se encontra muito degradado”.
12. Na sequência desse exame in loco e das recomendações constantes no auto de vistoria, por despacho de 16/07/2014 da subdirectora da DSSOPT, que homologou o referido auto de vistoria, foi ordenado aos comproprietários a adopção das seguintes medidas:
“No prazo de 5 dias após a recepção do auto de vistoria, devem os comproprietários tomar medidas provisórias para reforçar as peças estruturais;
No prazo de 20 dias após a recepção do auto de vistoria, devem apresentar na DSSOPT o projecto de obra de suporte e reforço, nos termos do Decreto-Lei n.º 79/85/M, de 21 de Agosto, para reforçar as peças estruturais do prédio;
Enquanto não estiver concluída a obra de reforço e suporte. o local não oferece condições para utilização, pelo que ninguém deverá lá permanecer.
No prazo de 30 dias, contados a partir da conclusão da obra de suporte e reforço, nos termos do Decreto-Lei n.º 79/85/M, de 21 de Agosto, devem apresentar o projecto de obra de conservação e de reparação geral do prédio ”.
13. De tal acto interpôs a Recorrente A recurso hierárquico necessário para o STOP, a pedir a sua anulação ou revogação com base nos argumentos constantes do seu requerimento, apresentado em 15/08/2014.
14. Decorrido o prazo legal sem que esse recurso administrativo fosse decidido, formou-se, nos termos do n.º 3 do artigo 162.º do Código do Procedimento Administrativo (CPA), o seu indeferimento tácito, pelo que veio a Recorrente interpor o presente recurso contencioso.
*
IV – Fundamentação
1. Da citação da Sociedade de Construção e Engenharia XX, Limitada como contra-interessada:
A Recorrente indicou a Sociedade de Construção e Engenharia XX, Limitada como contra-interessada e requereu a citação da mesma, o que não foi realizada.
Dispõe o artº 39º do CPAC que “Têm legitimidade para intervir no processo como contra-interessados, as pessoas a quem o provimento do recurso possa directamente prejudicar”.
Ora, tendo em conta as atribuições e as competências tanto da Entidade Recorrida como da DSSOPT, não se afigura que a eventual procedência do recurso, isto é, a eventual anulação do acto recorrido, possa lhe prejudicar de forma directa, visto que a resolução das disputas entre a Recorrente e a referida Sociedade não cabe nas suas atribuições e competências, pelo que tanto a Entidade Recorrida como a DSSOPT nunca podem, sob pena de usurpação do poder judicial, ordenar a referida Sociedade para proceder às obras de reparação em causa.
Nesta conformidade, não é de admitir a intervenção da mesma como contra-interessada por falta de legitimidade passiva.
2. Do mérito do recurso contencioso:
Na óptica da Recorrente, o acto recorrido padece dos seguintes vícios:
- vício da forma por falta de realização de audiência prévia da interessada; e
- vício de violação de lei, na medida em que o Prédio foi danificado pela Sociedade de Construção e Engenharia XX, Limitada durante a execução de obra de construção no Edifício Contínuo, pelo que deveria esta ser responsável pela realização das obras de reparação.
Vamos agora analisar se lhe assiste razão.
2.1 Do vício da forma por falta de audiência prévia:
Como é sabido, a audiência de interessados é uma das formas da concretização do princípio da participação dos particulares no procedimento administrativo, legalmente previsto no artº 10º do CPAC, nos termos do qual os órgãos da Administração Pública devem assegurar a participação dos particulares, bem como das associações que tenham por objecto a defesa dos seus interesses, na formação das decisões que lhes disserem respeito.
E destina-se a evitar, face ao administrado, o efeito surpresa e, no mesmo passo, garantir o contraditório, de modo a que não sejam diminuídos os direitos ou interesses legalmente protegidos dos administrados.
No caso em apreço, o acto recorrido é o indeferimento tácito do recurso hierárquico necessário interposto pela Recorrente ao Senhor Secretário para os Transportes e Obras Públicas.
Trata-se portanto de um acto do procedimento administrativo do 2º grau (recurso hierárquico necessário), no qual a Recorrente já tem toda a possibilidade de se pronunciar o que tiver por conveniente nesse procedimento quanto à decisão do procedimento administrativo de 1º grau.
Nesta conformidade, a audiência prévia do interessado no procedimento administrativo do 2º grau só tem lugar quando a Administração tenha realizado, nesse procedimento, qualquer instrução para obter novos elementos para a decisão, que não é o caso.
Improcede assim este argumento do recurso.
2.2 Do vício de violação de lei:
Para a Recorrente, uma vez que os danos verificados no seu Prédio foram causados pela Sociedade de Construção e Engenharia XX, Limitada, a Entidade Recorrida deveria ordenar à referida Sociedade para proceder-se à reparação dos mesmos.
Ao não decidir nesse sentido, violou o disposto da al. j) do artº 2º, als. f), l) e n) do nº 3º do artº 8º, todos do DL nº 29/97/M, de 7 de Julho.
Tratam-se normas jurídicas que estabelecem as atribuições e competências da DSSOPT.
Nos termos da al. j) do artº 2º do citado DL, uma das atribuições da DSSOPT é “licenciar e fiscalizar todas as edificações urbanas, designadamente particulares, municipais ou de entidades autónomas, nos termos da legislação aplicável”.
Por sua vez, as als. f), l) e n) do nº 3º do artº 8º do mesmo DL dispõem que compete à Divisão de Fiscalização da DSSOPT “f) fiscalizar a execução de obras particulares e de trabalhos de urbanização, assegurando-se de que as obras e trabalhos estão a ser feitos de acordo com os projectos aprovados; l) efectuar embargos administrativos de obras quando as mesmas estejam a ser efectuadas sem licença ou em desconformidade com ela, lavrando os respectivos autos e procedendo às notificações legalmente previstas; e n) participar superiormente as irregularidades praticadas por técnicos, construtores e empresas responsáveis pela direcção técnica e execução das obras”.
Não se vê em que medida o acto recorrido tenha violado as normas acima transcritas.
Justamente no âmbito do cumprimento das suas atribuições e no exercício das competências legalmente conferidas, a DSSOPT determinou que o proprietário/comproprietários do Prédio em causa para proceder-se à reparação indispensável, de modo a evitar a ruína do Prédio.
Nos termos dos nºs 1 e 2 do artº 7º do Regulamento Geral da Construção Urbana (RGCU), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 79/85/M, de 21 de Agosto, os proprietários/comproprietários das edificações têm a obrigação de proceder às obras de conservação, reparação e beneficiação a fim de as manter sempre em boas condições de utilização, obras essas que podem ser ordenadas pela DSSOPT mediante prévia vistoria.
Em caso de recusa ou omissão do proprietário/comproprietário e sem prejuízo da aplicação das consequentes sanções, a DSSOPT pode proceder aos indispensáveis trabalhos, cobrando coercivamente as despesas efectuadas, caso tal se mostre necessário.
Trata-se duma obrigação propter rem, inerente à própria qualidade de proprietário/comproprietário.
No caso sub justice, não ficou provado que as deficiências do Prédio detectadas na vistoria foram causadas pela Sociedade de Construção e Engenharia XX, Limitada
Na realidade e contrariamente o que alega a Recorrente, esta Sociedade apenas admitiu ter danificado a parede do Prédio, causando um grande buraco na mesma, o que já fez a respectiva reparação.
De qualquer forma, mesmo que ficasse provado por hipótese que todas deficiências do Prédio detectadas na vistoria foram causadas pela Sociedade em referência, também não eximiria a responsabilidade da Recorrente na reparação do Prédio enquanto proprietária/comproprietária, já que o que está em causa é uma obrigação propter rem, inerente à própria qualidade de proprietário/comproprietário.
Assim sendo, o que ela poderia fazer é justamente, após realizar as obras de reparação ordenadas pela DSSOPT, exigir à causadora dos danos uma devida indemnização pelos prejuízos sofridos.
Como já supra referimos, a resolução das disputas entre a Recorrente e a referida Sociedade não cabe nas atribuições e competências quer da Entidade Recorrida, quer da DSSOPT, pelo que estas entidades nunca podem, sob pena de usurpação do poder judicial, ordenar a Sociedade em referência para proceder às obras de reparação em causa.
*
Tudo visto, resta decidir.
*
V – Decisão
Nos termos e fundamentos acima expostos, acordam em julgar improcedente o presente recurso contencioso, mantendo o acto recorrido.
*
Custas pela Recorrente com 8UC taxa de justiça.
*
Notifique e registe.
*
RAEM, aos 27 de Abril de 2017.

Ho Wai Neng
José Cândido de Pinho
Tong Hio Fong
1


1
801/2015