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Processo nº 97/2015
(Autos de recurso contencioso)

Data: 11/Maio/2017

Assuntos:
  - Imposto do Selo
  - Alteração do Regulamento do Imposto do Selo introduzida pela Lei nº 4/2011
  - Período de regularização extraordinário

SUMÁRIO
- Estatui-se no artigo 7º da Lei nº 4/2011 que as transmissões intercalares de pretérito, que não tenham sido objecto de liquidação e pagamento do imposto do selo pelos adquirentes, beneficiam de um período de regularização extraordinário dos documentos, papéis ou actos com aplicação da taxa de 0,5%, devendo a regularização ser feita a requerimento dos interessados, no prazo de 30 dias a contar da data da entrada em vigor da referida lei, findos os quais se aplicam as regras aprovadas pela nova lei.
- O período de regularização extraordinário instituído por aquele artigo aplica-se apenas às transmissões intercalares de pretérito em relação às quais não tenha sido liquidado e pago o imposto do selo devido, melhor dizendo, aquela norma visa regular situações em que, não obstante terem sido outorgados documentos, papéis ou actos sujeitos a tributação, os mesmos foram sempre “guardados na gaveta” e nunca submetidos às autoridades fiscais para efeitos de liquidação do imposto do selo devido, este na sua linguagem jurídica e em sentido estrito.
- Considerando que no momento em que entrou em vigor a Lei nº 4/2011, o imposto do selo devido pela recorrente já se encontrava liquidada e paga, apenas faltava o pagamento dos juros compensatórios, isso significa que deixou de se verificar os pressupostos estabelecidos no artigo 7º do referido diploma legal.
- Os juros devem incidir sobre o montante da prestação tributária de cujo atraso na liquidação possam ser causa adequada. À data da celebração do documento sujeito a tributação, a obrigação que impendia sobre a recorrente era tão só a de pagamento do imposto do selo à taxa de 0,5% aplicável às transmissões intercalares, daí que os juros compensatórios previstos no nº 1 do artigo 90º do Regulamento do Imposto do Selo deveriam ter como base de cálculo a taxa de 0,5% instituída pelo então artigo 57º do Regulamento do Imposto do Selo.

O Relator,

________________
Tong Hio Fong

Processo nº 97/2015
(Autos de recurso contencioso)

Data: 11/Maio/2017

Recorrente:
- A Limitada

Entidade recorrida:
- Secretário para a Economia e Finanças

Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:

I) RELATÓRIO
A Limitada, sociedade com sede em Macau, com sinais nos autos, notificada do despacho do Exmº. Secretário para a Economia e Finanças de 7 de Julho de 2014, que indeferiu o recurso hierárquico interposto do despacho da Senhora Directora dos Serviços de Finanças de 9 de Maio de 2014 que recaiu sobre a reclamação apresentada pela recorrente, na qual esta requereu que a base de cálculo dos juros compensatórios por si devidos fosse fixada à taxa de 0,5% prevista no nº 2 do artigo 57º do Regulamento de Imposto do Selo, dele não se conformando, interpôs o presente recurso contencioso de anulação, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
“A. Questão prévia: Da existência de um outro recurso com o mesmo objecto
1. O presente recurso tem por objecto o despacho do Senhor Secretário para a Economia e Finanças exarado na Proposta n.º 027/NAJ/VP/14, de 4 de Setembro, notificado à Recorrente em 26/11/2014 através do ofício n.º 064/NAJ/DB/2014, o qual declarou improcedente o recurso hierárquico interposto por aquela contra o despacho da Senhora Directora dos Serviços de Finanças de 09/05/2014.
2. A Recorrente, por ter dúvidas quanto à imediata recorribilidade contenciosa do despacho a que se refere o doc. n.º 2 (além do recurso hierárquico que o Acto Recorrido declarou improcedente) interpôs igualmente recurso contencioso contra o mesmo, o qual se encontra a correr termos neste Venerando Tribunal sob os Autos de Recurso Contencioso n.º 398/2014.
3. Nos mencionados autos de recurso contencioso foi suscitada por todas as partes envolvidas, a título de questão prévia e excepção, a questão da recorribilidade contenciosa do dito despacho da Senhora Directora dos Serviços de Finanças de 09/05/2014 e que, nesse processo, constitui o acto recorrido, matéria a qual ainda não foi objecto de decisão.
4. Aqui chegados importa referir que se afigura à Recorrente que o objecto de ambos os processos é o mesmo, uma vez que há uma total identidade entre o conteúdo, o alcance e os efeitos dos actos de que em ambos os casos se recorreu.
5. A demonstrar o que acima se disse está a circunstância de, partindo do mesmo facto tributário e assentando em iguais fundamentos, os despachos que constituem o objecto de cada um dos recursos em apreço (e que aí consistem nos actos recorridos) se terem pronunciado no mesmo sentido, determinando que a base de cálculo dos juros compensatórios a suportar pela Recorrente desde 12/12/2006 até 09/09/2009 são as taxas progressivas instituídas pela Lei n.º 4/2009 e não a taxa de 0,5% prevista no n.º 2 do artigo 57º do Regulamento do Imposto do Selo (RIS), aprovado pela Lei n.º 17/88/M, com as alterações que lhe foram introduzidas, entre outras, pela Lei n.º 8/2001, de 2 de Julho, após a republicação ordenada pelo despacho do Chefe do Executivo n.º 218/2001, conforme defendeu a Recorrente nos recursos hierárquicos declarados improcedentes pelo Senhor Secretário para a Economia e Finanças e pela Senhora Directora dos Serviços de Finanças (tudo conforme se comprova pelos docs. n.º 1 a 7 que ora se juntam).
6. O objecto dos Autos de Recurso Contencioso n.º 398/2014 e o dos presentes autos reconduz-se, pois, à mesma relação material controvertida e à mesma pretensão, conforme se demonstra pelo facto de o pedido aqui formulado ser idêntico ao pedido deduzido no processo 398/2014; a revogação dos referidos despachos e a sua substituição por uma outra decisão que determine que a base de cálculo dos juros compensatórios em apreço seja a referida taxa de 0,5%.
7. Sem prejuízo de melhor opinião pensa a Recorrente que se poderá estar perante uma relação de prejudicialidade ou dependência entre a questão prévia suscitada nos Autos de Recurso Contencioso n.º 398/2014 – traduzida, como se disse, na recorribilidade contenciosa do acto que aí constitui o objecto do recurso e de que depende a sua admissão liminar – e a própria admissão do presente recurso e sua consequente prossecução para a apreciação da questão de mérito questão que este Venerando saberá doutamente suprir.
B. Dos restantes pressupostos do recurso contencioso
8. In casu dúvidas não restam de que todos os pressupostos da recorribilidade contenciosa do Acto Recorrido se encontram preenchidos.
9. Neste particular diga-se que a Recorrente é a destinatária directa do Acto Recorrido e que o Senhor Secretário para a Economia e Finanças, autor do acto, é a “Entidade Recorrida”, vide o disposto no artigo 37º do CPAC.
10. O Acto Recorrido produz efeitos em relação à Recorrente pelo que esta tem legitimidade activa para proceder à sua impugnação contenciosa, na medida em que é titular de um interesse pessoal e directo, designadamente, por ser lesada do Acto Recorrido, como resulta do disposto na alínea a) do artigo 33º do CPAC.
11. Finalmente, uma vez que a Recorrente foi notificada do Acto Recorrido em 26/11/2014 (através do ofício junto como doc. n.º 1) não merece igualmente discussão a tempestividade do presente recurso.
C. Do objecto do presente recurso
12. Posto isto refira-se, então que o presente recurso contencioso incide sobre o Despacho do Senhor Secretário para a Economia e Finanças exarado na Proposta n.º 027/NAJ/VP/14 de 4 de Setembro e que, aderindo ao parecer formulado pela Direcção dos Serviços de Finanças anexo ao ofício que constitui o doc. n.º 1, indeferiu o recurso hierárquico interposto pela Recorrente e a que se refere doc. n.º 3 e na qual esta requeria que a base de cálculo dos juros compensatórios por si devidos deveria partir da aplicação da taxa de 0,5% prevista no n.º 2 do artigo 57º do RIS, aprovado pela Lei n.º 17/88/M, com as alterações que lhe foram introduzidas, entre outras, pela Lei n.º 8/2001, de 2 de Julho, após a republicação ordenada pelo despacho do Chefe do Executivo n.º 218/2001, e não das taxas progressivas instituídas pela Lei n.º 4/2009, conforme o pugnado pela DSF.
13. Como tal, o que está em causa no presente recurso (como já estava em causa no recurso hierárquico que o antecedeu) é saber qual a taxa que deverá servir como base para o apuramento do montante de imposto sobre o qual são devidos os juros compensatórios em apreço.
14. Visando-se a anulação e revogação do Acto Recorrido por o mesmo enfermar do vício de violação de lei ao decidir que a base do cálculo dos juros compensatórios são as taxas progressivas instituídas pela Lei n.º 4/2009 e a sua substituição por outro que determine que tais juros deverão ser calculados ou ter como base de cálculo a referida taxa do 0,5%.
D. Os Factos
15. Em 10/11/2006 a ora Recorrente e a sociedade Propriedades Sub F, SA subscreveram um documento em língua inglesa denominado “Master Sale and Purchase Contract of Units in Tower 6 One Central Residences” (cuja cópia ora se junta como doc n.º 8), o qual, como resulta do respectivo texto, dizia respeito a uma futura promessa de compra e venda e subsequente transmissão definitiva de 59 fracções autónomas da Torre 6 do Edifício para comércio e habitação que viria a ser denominado One Central, pelo preço global de HKD$673.386.737,00 equivalentes para efeitos fiscais a MOP$693.876.921,00.
16. O referido documento não foi apresentado junto da Repartição de Finanças através das declarações modelo M/1, para liquidação e pagamento do imposto do selo, nos termos do artigo 58º do RIS.
17. Em 26/08/2009 a sociedade Propriedades Sub F, SA e a Recorrente celebraram um contrato-promessa de compra e venda com eficácia real pelo qual aquela prometeu vender à Recorrente que, por sua vez, prometeu comprar as mesmas 59 fracções autónomas da Torre 6 do Edifício One Central (vide doc. n.º 9) também pelo preço global de HKD$673.386.737,00, equivalentes para efeitos fiscais a MOP$693.876.921,00.
18. Em 09/09/2009 a Recorrente submeteu o contrato-promessa referido supra à Repartição de Finanças para efeitos de liquidação do imposto do selo devido, tendo apresentado as respectivas declarações modelo M/1, em cumprimento do disposto no artigo 58º do RIS (vide docs. n.º 10 a 69).
19. Em 18/09/2009 a Recorrente pagou a totalidade do imposto do selo devido pela transmissão a seu favor das 59 fracções autónomas objecto dos documentos mencionados nos parágrafos 15 e 17 supra, de acordo com as taxas progressivas previstas na legislação nessa data em vigor ou seja nos termos do artigo 42 da Tabela Geral de Imposto do Selo (TGIS) aprovada pela Lei n.º 4/2009 (conforme se comprova pelos docs. n.ºs 10 a 69).
20. Em 19/06/2012 a promitente-vendedora, Propriedades Sub F, SA, e a promitente-compradora, a ora Recorrente, celebraram a escritura pública de compra e venda das 59 fracções autónomas, escritura que não contemplou qualquer alteração das partes, objecto e valor da transmissão em relação ao que consta dos documentos referidos nos parágrafos 15 e 17 supra, não tendo então sido pago qualquer imposto do selo, uma vez que o mesmo não era legalmente devido, pois o imposto havia sido pago na totalidade com o contrato-promessa com eficácia real.
21. É, pois, sobre o doc. n.º 8 – celebrado, repita-se, em 10/11/2006 – e o facto de ter sido omitida a sua apresentação junto da Repartição de Finanças (através das declarações de modelo M/1) para efeitos de liquidação de imposto do selo que assenta a decisão contida no Acto Recorrido de exigir o pagamento de juros compensatórios, desde 12/12/2006 até 09/09/2009, às taxas progressivas instituídas pela Lei n.º 4/2009.
E. Os fundamentos do presente recurso
22. O facto tributário data de 10/11/2006 (data em que foi celebrado o acordo ora junto como doc n.º 8), altura em que regulava esta matéria o RIS aprovado pela Lei n.º 17/88/M, com as alterações que lhe foram introduzidas, entre outras, pela Lei n.º 8/2001, de 2 de Julho, após a republicação ordenada pelo despacho do Chefe do Executivo n.º 218/2001.
23. Do referido diploma importa realçar o n.º 1 do artigo 57º do qual resulta indiscutível que o documento de 10/11/2006 constituía, para efeitos fiscais, uma transmissão intercalar as quais, por força do n.º 2 desta norma, estavam sujeitas a uma taxa de 0,5%.
24. Por outro lado, nos termos do n.º 3 do aludido artigo 57º, o sujeito passivo que adquirisse definitivamente um bem imóvel pelo qual, no âmbito de uma transmissão intercalar, tivesse pago imposto do selo pela referida taxa de 0,5% deveria proceder nessa altura ao pagamento da diferença entre o montante previamente liquidado e o que se mostrasse devido pela aquisição definitiva.
25. Foi precisamente por considerar que existe uma total identidade de sujeitos/partes, objecto e preço entre o aludido contrato-promessa com eficácia real – que o RIS em vigor à data dos factos tratava, no que concerne à liquidação do imposto do selo, como uma transmissão definitiva – e o documento celebrado em 10/11/2006 (e que a DSF considera tratar-se de um contrato-promessa) – e que em termos fiscais equivalia a uma transmissão intercalar – que a Senhora Directora dos Serviços de Finanças, em sede de recurso hierárquico interposto pela Recorrente, decidiu anular, e bem, a liquidação adicional por à mesma não haver lugar.
26. Partindo da referida argumentação, a Entidade Recorrida deveria ter concluído também que havendo lugar a juros compensatórios pela não apresentação e liquidação do imposto do selo devido pelo documento de 10/11/2006, os mesmos terão sempre de adoptar como base para o respectivo cálculo a taxa de 0,5% que, nos termos da legislação em vigor (e, como tal, competente) à data da celebração do mencionado documento, vigorava para as transmissões intercalares.
27. O Acto Recorrido errou, pois, ao considerar que no cálculo dos juros compensatórios em apreço a base de cálculo a ser adoptada é constituída pelas taxas progressivas que resultam do artigo 42 da TGIS com a redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 4/2009 e, fundamentalmente, errou porque, salvo o devido respeito, faz uma incorrecta interpretação dos artigos 5º e 7º da Lei n.º 4/2011, conferindo-lhes uma intolerável aplicação retroactiva que o seu texto não comporta e que os princípios gerais de hermenêutica, mais a mais em matéria fiscal, frontalmente repelem.
28. Aqui chegados, afigura-se pertinente relembrar que a referida Lei n.º 4/2011 veio, entre outras disposições, introduzir uma alteração ao RIS e à TGIS, tendo revogado (vide artigo 5º) o artigo 57º do RIS que, como já se viu, dizia respeito às transmissões intercalares e estabelecido um período de regularização extraordinário aplicável às transmissões intercalares de pretérito ainda pendentes (vide artigo 7º), cujos adquirentes (sujeitos passivo do imposto) não tivessem ainda liquidado e pago o imposto do selo devido (0,5%) e que beneficiariam da aplicação dessa taxa de 0,5% de imposto, desde que o interessado apresentasse o documento junto da Repartição de Finanças no prazo de 30 dias a contar da entrada em vigor da lei, findo o qual se aplicariam as novas regras aprovadas pela Lei n.º 4/2011 (ou seja pagamento integral do imposto às taxas previstas no artigo 42 da TGIS).
29. Ora, é com base numa suposta violação do regime estabelecido no citado artigo 7º pela Recorrente, consubstanciado na circunstância de esta não ter submetido o documento de 10/11/2006 à Repartição de Finanças para efeitos de liquidação e pagamento do imposto nos termos do referido regime de regularização extraordinário, que a Entidade Recorrida (em consonância com a informação lavrada na Proposta n.º 027/NAJ/VP/14 anexa ao Acto Recorrido e que lhe serve de fundamentação) entende que os juros compensatórios não poderão ser calculados tendo em conta a taxa de 0,5% mas sim as taxas progressivas aprovadas pela Lei n.º 4/2009.
30. Sucede que, na situação em análise nunca o referido artigo 7º poderia ser trazido à colação uma vez que os pressupostos de aplicação do mesmo – e que, como a Ilustre Subscritora da referida informação reconhece, são a falta de liquidação e pagamento do imposto – não se verificam, porquanto a situação fiscal relevante está totalmente exaurida.
31. Na verdade, todas as transmissões, tituladas por papéis, documentos ou actos celebrados antes da entrada em vigor do mencionado diploma legal, e cujo respectivo imposto do selo devido já tenha sido totalmente liquidado e pago não estão, nem poderão estar, obviamente abrangidas pelo mesmo e terão de reger-se, por força do princípio da irretroactividade das leis, pelos diplomas legais em vigor à data da sua celebração.
32. É esse o caso da transmissão operada pelos documentos de 10/11/2006 e 26/08/2009 (em relação aos quais, recorde-se, existe uma completa identidade), em que a totalidade do imposto devido foi integralmente liquidada e paga pela Recorrente em 09/09/2009 e 18/09/2009 respectivamente.
33. Assim, no momento da entrada em vigor da Lei n.º 4/2011 e no que respeita à obrigação principal do imposto do selo, a situação fiscal relativa à transmissão das 59 fracções em causa a favor da Recorrente era uma “situação exaurida” que vale por dizer que no que respeita à determinação da prestação de imposto, a relação jurídica tributária esgotou-se no domínio de vigência da redacção anterior.
34. E o certo é que, apesar de este regime ter sido revogado o novo modelo que o substituiu não tem eficácia retroactiva, conforme claramente resulta dos artigos 5º e 8º da Lei n.º 4/2011.
35. Doutro passo, o regime do artigo 7º da Lei n.º 4/2011, ao estabelecer um período de regularização extraordinária das “transmissões intercalares de pretérito”, pressupõe a existência de situações tributárias pendentes, isto é, situações em que não se mostrasse liquidado (parte ou a totalidade) do imposto devido de acordo com o sistema resultante do regime até então vigente.
36. Havendo identidade de partes e objecto, quem tiver liquidado o imposto pelo acto de transmissão intercalar continua a só dever a diferença aquando do acto de transmissão definitiva e nada deverá se tudo estiver pago.
37. Destarte, também nada pode ser chamado a pagar a este título quem já tiver liquidado e pago o montante total devido, não podendo fazer-se do artigo 7º da Lei n.º 4/2011 uma interpretação de que resulte a destruição do regime instituído pelo art.º 57º do RIS às situações em que a prestação tributária global tenha sido liquidada no seu domínio de vigência, pois, de outro modo, destruir-se-ia um efeito exoneratório que do regime resultava para o pagamento total nos termos do artigo 42 da TGIS.
38. Dúvidas não restam, portanto, de que à apreciação da situação tributária da Recorrente o regime aplicável é o que resulta do artigo 57º do RIS nomeadamente para efeitos de consequências do incumprimento de obrigações acessórias de que possa ter resultado o retardamento da liquidação.
39. Deste modo, só pode ser por referência ao montante da prestação que a obrigação de declarar omitida gerou e pelo tempo do retardamento da liquidação que essa omissão de sujeito passivo provocou que os juros compensatórios terão de ser calculados.
40. Logo, o Acto Recorrido erra claramente na definição do montante do imposto sobre o qual os juros compensatórios serão devidos, o qual deverá ser obtido por aplicação da citada taxa de 0,5% e não por aplicação das taxas progressivas instituídas pela Lei n.º 4/2009, pois na verdade, conforme resulta do disposto no artigo 90º do RIS, os juros compensatórios têm a natureza de indemnização concedida ex lege ao credor tributário por virtude do retardamento da liquidação resultante do incumprimento ou atraso no cumprimento de deveres fiscais acessórios ou instrumentais.
41. Finalizando, a omissão de declarar que se censura à Recorrente respeita ao documento de 10/11/2006 que, como se demonstrou, só poderia ser qualificada como “transmissão intercalar”, geradora de imposto à imposto à taxa de 0,5%, nos precisos termos do n.º 2 do art.º 57º do RIS.
42. É essa a obrigação de declarar o documento de 10/11/2006 e que foi omitida, e só sobre o capital correspondente à colecta a que legalmente conduziria, obtida por aplicação da taxa em vigor à data do facto tributário (a taxa de 0,5% aplicável às transmissões intercalares), que podem ser liquidados juros compensatórios.
F. Dos vícios do acto recorrido – Da violação da Lei
43. O Acto Recorrido padece do vício de violação de lei mormente por erro na interpretação e aplicação (retroactiva) do artigo 7º da Lei n.º 4/2011 à presente situação e, consequentemente, do artigo 42 da TGIS com a redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 4/2009 e que também não poderá ser tomada em linha de conta no cálculo dos juros compensatórios devidos pela Recorrente.
44. O Acto Recorrido, ao não considerar aplicável à presente situação o RIS vigente à data do facto tributário, viola também o artigo 57º deste diploma legal.
Termos em que, por todo o exposto, se requer a V. Exa. se digne dar provimento ao presente recurso e, em consequência, seja anulado e revogado o Acto Recorrido por violação de lei – mormente por erro na interpretação e aplicação (retroactiva) in casu do artigo 7º da Lei n.º 4/2011 e, concomitantemente, do artigo 42 da TGIS com a redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 4/2009 e violação do artigo 57º do RIS vigente à data do facto tributário por não o considerar aplicável à presente situação – ordenando-se a sua substituição por outra decisão que determine que a base de cálculo para os juros compensatórios devidos pela Recorrente deverá ser a taxa de 0,5% prevista no n.º 2 do artigo 57º do RIS, aprovado pela Lei n.º 17/88/M, com as alterações que lhe foram introduzidas, entre outras, pela Lei n.º 8/2001, de 2 de Julho, após a republicação ordenada pelo despacho do Chefe do Executivo n.º 218/2001.”
*
Regularmente citada, ao recurso respondeu a entidade recorrida, formulando as seguintes conclusões alegatórias:
“1. O recurso que ora se contesta tem por objecto o Despacho da Directora dos Serviços de Finanças de 9 de Maio de 2014, exarado na Proposta n.º 009/NAJ/VP/2014, de 12.03 na parte em que se determina o cálculo dos juros compensatórios devidos à taxa progressiva instituída pela Lei n.º 4/2009, desde 12/12/2006 até 09/09/2009.
2. A recorrente entende que o cálculo dos juros compensatórios, por falta da liquidação e pagamento da obrigação fiscal, desde 12.12.2006 a 09.09.2009, deveria ser à taxa de 0,5% que vigorava para as transmissões intercalares à data da celebração do documento em 10.11.2006.
3. Em causa está um documento assinado pela recorrente em 10.11.2006 relativamente a 59 fracções autónomas da Torre 6 do Edifício One Central, sujeito a imposto do selo nos termos do artigo 51º do RIS, que não foi apresentado junto da Repartição de Finanças, mediante a declaração modelo M/1, para liquidação e pagamento do imposto do selo devido, nos termos do artigo 58º do RIS.
4. À data do documento estava em vigor o artigo 57º do RIS que visava tributar as transmissões intercalares, entendidas estas como “(…) as que resultem de contrato-promessa de compra e venda ou outro documento, papel ou acto que, ainda que lícito, válido e eficaz, não seja susceptível de transmitir o direito de propriedade ou outro direito real de gozo”, sendo aplicável a estas transmissões a taxa de 0,5%.
5. No caso do sujeito passivo proceder ao pagamento do imposto do selo à taxa de 0,5% à data da aquisição definitiva apenas procederia ao pagamento da diferença entre o montante previamente pago e o que se mostrasse devido pela aquisição definitiva.
6. Posteriormente, a Lei n.º 4/2009 veio alterar o artigo 42 do TGIS, criando uma taxa progressiva para efeitos da tributação do imposto do selo para transmissão definitiva de bens imóveis, substituindo a taxa fixa de 3%, sem contudo ter alterado a taxa de imposto do selo de 0,5% para as transmissões intercalares fixadas pela lei anterior.
7. E por fim, com Lei n.º 4/2011, as transmissões intercalares passam a estar sujeitas à mesma taxa aplicável às transmissões definitivas, sendo que à data da entrada em vigor desta lei, a taxa do imposto do selo aplicável para as transmissões definitivas é a taxa progressiva introduzida pela Lei n.º 4/2009.
8. No entanto, o legislador estabeleceu um período de regularização extraordinário, nos termos do qual as transmissões intercalares de pretérito, que não tenham sido objecto de liquidação e pagamento do imposto do selo pelos adquirentes, beneficiam de um período de regularização extraordinário dos documentos papéis ou actos com aplicação da taxa de 0,5% desde que a regularização seja requerida no prazo de 30 dias a contar da data de entrada em vigor da nova lei, findos os quais se aplicam as regras aprovadas pela nova lei (cfr. art.º 7º da Lei n.º 4/2011).
9. Ora uma vez que não foi apresentado para liquidação do imposto o documento de 10.11.2006, o contrato promessa com eficácia real assinado em 26/08/2009 que foi submetido à Repartição de Finanças em 09.09.2009 para efeitos de liquidação do imposto do selo devido, foi pago na totalidade no dia 18.09.2009 à taxa progressiva por força da lei n.º 4/2009 de 28 de Abril, entretanto em vigor.
10. Pelo que ao cálculo dos juros compensatórios em apreço terá de ser adoptado como base de cálculo as mesmas taxas progressivas que resultam do artigo 42 da TGIS, com a redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 4/2009, atendendo à natureza e regime dos juros compensatórios.
11. Com efeito, os juros compensatórios são devidos sempre que a liquidação de um imposto for retardado por facto imputável ao contribuinte, distinguindo-se dos juros de mora, os quais constituem um acréscimo que um devedor de um imposto tem de pagar quando não efectuar o pagamento no prazo à boca do cofre.
12. Sempre que a liquidação de qualquer imposto só possa ser efectuada com a colaboração do contribuinte, deve este apresentar, no prazo previsto na lei, a declaração ou documento necessário para que a referida liquidação possa ser realizada.
13. Se o contribuinte não fizer essa entrega ou apresentação, como foi o caso, fica sujeito, no momento da liquidação do imposto, a juros compensatórios.
14. Os juros compensatórios são pois devidos quando o atraso da liquidação for imputável ao contribuinte, não tendo relevância saber se o imposto foi ou não pago no período de vencimento, uma vez que nos juros compensatórios, o acento recai no atraso na liquidação do imposto, enquanto para os juros moratórios a sua origem filia-se no não pagamento do imposto no período de cobrança à boca do cofre.
15. Daí que se considere que os juros compensatórios se integram “na própria obrigação tributária, são uma espécie de adicional, pelo que se não foram pagos juntamente com a dívida a que se adicionam, no prazo de cobrança voluntária, acrescerão juros moratórios.”
16. Isto significa que “imposto, adicionais e juros compensatórios formam um todo, constituem uma unidade. É tudo exigível em virtude da força intrínseca do acto administrativo da liquidação – acto tributário – assistido da presunção de legitimidade e da executoriedade. Depois, tudo aparece como única prestação pecuniária, com a mesma forma de pagamento, prazos e garantias. Passa a haver uma única obrigação de imposto.” (Ciência e Técnica Fiscal, Juros Compensatórios, Francisco Rodrigues Pardal, pag. 43 e ss. e nota 11)
17. Ou seja, os juros compensatórios surgem pois como um agravamento ex lege proveniente de omissão de declarações ou de apresentação de documentos ou de falta de participação de qualquer ocorrência que tenha como consequência atraso da liquidação, pelo, nos casos de liquidação retardada, como é o caso, os juros compensatórios são liquidados conjuntamente com o imposto.
18. Pelo que a forma de contagem dos juros compensatórios foi determinada pela data a partir da qual o contribuinte ficou em falta até à data em que foi suprida ou corrigida a falta e foram os mesmo calculados sobre o montante de imposto, já pago pela recorrente à taxa progressiva, entre a data de 12.12.2006 (30 dias após a data do documento) até ao dia 09.09.2009 (data da entrega da declaração M/1 em que foi pago o imposto do selo).
19. Ou seja, o imposto foi calculado e bem à taxa progressiva em vigor aquando da regularização da situação tributária pela recorrente, pelo que os juros compensatórios terão de ser calculados à mesma taxa, não se podendo ter por base de cálculo o imposto à taxa de 0,5% como pretende a recorrente, uma vez que, pela natureza dos juros compensatórios acima exposto, não se pode aplicar para o cálculo do imposto uma taxa e para os juros compensatórios uma taxa diferente.”
Conclui, pugnando pela improcedência do recurso.
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Findo o prazo para alegações, o Digno Magistrado do Ministério Público emitiu o seguinte douto parecer:
“Na petição inicial, a recorrente solicitou a anulação do despacho em escrutínio e, ao mesmo tempo, a sua substituição por outra decisão que determine que a base de cálculo dos juros compensatórios por si devidos seja a taxa de 0.5% prevista no n.º 2 do art. 57º do RIS, na redacção introduzida, entre outras, pela Lei n.º 8/2001, e republicada pelo Despacho do Chefe do Executivo n.º 218/2001. O que configura a cumulação de pedidos contemplada na alínea a) do n.º 1 do art. 24º do CPAC.
Fundamentando seus pedidos, invocou ela o erro de interpretação e aplicação (retroactiva) do art. 7º da Lei n.º 4/2011 e, concomitantemente, do art. 42 do TGIS na redacção dada pela Lei n.º 4/2009 e, ainda, a violação do art. 57º do RIS vigente à data do facto tributário.
Ora, tudo isto evidencia indubitavelmente que a própria recorrente admite que lhe incide a obrigação de pagar juros compensatórios. Pois bem, o que ela tentou a pretender com o presente recurso consiste em lhe aplicar a taxa de 0.5% para o cálculo dos juros compensatórios por si devidos, e não a taxa efectivamente aplicada pela Administração Fiscal.
Quid juris?
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A matéria constante dos art. 26º a 37º da petição inicial demonstra que em 10/11/2006, a recorrente assinou, com a sociedade «Propriedades Sub F, S.A.», o documento denominado «Master Sale and Purchase Contract os Units in Tower 6 One Central Residences». (doc. de fls. 102 a 147 dos autos)
Nos termos e para os efeitos previstos no n.º 1 do art. 57º do RIS, tal documento configura-se na transmissão intercalar dos correspondentes prédios. De acordo com o n.º 1 do art. 53º do RIS, a recorrente adquiriu a qualidade de «sujeito passivo» do imposto de selo estabelecido, no n.º 1 do art. 57º deste RIS, para transmissões intercalares.
Por força do preceituado no n.º 1 do art. 58º do mesmo diploma, o recorrente devia liquidar e pagar o imposto de selo correspondente ao dito documento «Master Sale and Purchase Contract os Units in Tower 6 One Central Residences», no prazo de 30 dias contado desde 10/11/2006 – data deste documento, que terminou em 10/12/2006.
Na realidade, sucede que neste prazo legal de 30 dias, a recorrente não liquidou nem pagou o imposto de selo correspondente à transmissão intercalar incorporado no apontado documento de «Master Sale and Purchase Contract os Units in Tower 6 One Central Residences». E, essa omissão cometida pela recorrente veio a ser oficiosamente detectada pelo Fisco em 11/12/2009 durante a acção de fiscalização externa.
Na Proposta n.º 027/NAJ/VP/14 cujo teor se encontra integralmente transcrito no ofício n.º 064/NAJ/DB/2014 (doc. de fls. 20 a 30 dos autos), a Administração Fiscal reconhece: Em 09/09/2009, a ora recorrente entregou na DSF a declaração/guia M/1 do contrato-promessa de compra e venda com eficácia real outorgada em 25/08/2009 entre as mesmas partes, com o mesmo valor e sobre os mesmos imóveis, e em 18/09/2009 veio a pagar a totalidade do imposto de selo na quantia de MOP$18.140.180,00 calculada às taxas progressivas força da Lei n.º 4/2009 de 28 de Abril.
No entanto, o não cumprimento do dever da liquidação, no aludido prazo de 30 dias, do imposto de selo devido pela apontada transmissão intercalar constitui, pois, o atraso da liquidação contemplado no n.º 1 do art. 90º do RIS e, assim, dá lugar a juros compensatórios prescritos neste comando legal, que prevê: Sempre que houver atraso do sujeito passivo na liquidação de parte ou da totalidade do imposto do selo, acrescem ao montante em dívida juros compensatórios à taxa legal, sem prejuízo da multa prevista no artigo 82.º
Deste preceito podemos extrair que: a)- Os juros compensatórios incidem no atraso do sujeito passivo na liquidação (autoliquidação) de parte ou da totalidade do imposto do selo; b)- O cálculo deste tipo de juros traduz em aplicar a taxa legal ao montante em dívida que, como a sua denominação indica, deve ser a quantia da dívida fiscal que um contribuinte deva pagar.
Chamando à colação as prudentes jurisprudências do STA de Portugal (a título exemplificativo, vide. acórdãos do STA nos processos n.º 0645/12 e n.º 0805/15), colhemos que a «taxa legal» aludida no n.º 1 do art. 90º do RIS não coincide com a taxa prescrita ao próprio imposto de selo, mas é idêntica à taxa de juros legais que, no ordenamento jurídico de Macau, vê consignada no n.º 1 do art. 552º do CC.
E em obediência ao princípio da legalidade que, sem margem para dúvida, vigora o nosso ordenamento jurídico-fiscal, afigura-se-nos que a taxa legal aplicável a cada caso deve ser a de juros legais vigente no respectivo período no qual durava o atraso do sujeito passivo na liquidação e no pagamento do montante em dívida.
No que respeite ao significado do conceito «montante em dívida» no n.º 1 do art. 90º do RIS, cabe apontar, antes de mais, que perfilhamos a brilhante doutrina que proclama pacificamente: os juros compensatórios se integram na própria dívida do imposto, com a qual são conjuntamente liquidados e ainda formam a globalidade da quantia devida.
Ressalvado sempre o elevado respeito pela melhor opinião em sentido contrário, entendemos que o «montante em dívida» não é sinónimo da totalidade da dívida fiscal que um contribuinte deva pagar, nem tem de sempre coincidir com a totalidade da dívida fiscal.
No n.º 1 do art. 90º do RIS, o próprio legislador admite, expressa e propositadamente, o atraso do sujeito passivo na liquidação de parte do imposto do selo. Nos casos em que o atraso do sujeito passivo na liquidação se cinge apenas à parte do imposto do selo, o «montante em dívida» como base para cálculo de juros compensatórios deve também circunscrever à parte da respectiva matéria colectável.
No vertente caso, dado que o «atraso» da recorrente na liquidação do imposto do selo concerne apenas à referida transmissão intercalar incorporada no sobredito documento assinado em 10/11/2006, o «montante em dívida» deve resultar de aplicar a taxa de 0.5% ao preço global indicado no mesmo documento que é de HKD$673.386.737,00, não podendo ser o montante total do imposto de selo da transmissão definitiva.
Chegando aqui, concluímos que: para efeitos de cálculo de juros compensatórios, o «montante em dívida» não é a quantia efectivamente paga em 18/09/2009, devendo ser o valor (da dívida fiscal) correspondente à transmissão intercalar supra identificada, de outro lado, a «taxa legal» é idêntica à taxa de juros legais, em vez da taxa legal do imposto de selo.
Nesta linha de consideração, e com todo o respeito pela opinião diferente, afigura-se-nos que padece do erro de direito o acto recorrido que acolhe Proposta n.º 027/NAJ/VP/14 e, na medida de negar provimento ao recurso hierárquico, chama a si a decisão da Sra. Directora da DSF, que ordenou a «calcular os juros compensatórios à taxa progressiva instituída pela Lei n.º 4/2009, desde 1/12/2006 até 09/09/2009.» (cfr. fls. 31 dos autos)
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Por todo o expendido, propendemos pelo provimento do pedido da anulação do despacho recorrido, e pela improcedência do restante.”
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O Tribunal é o competente e o processo o próprio.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas, e têm interesse processual.
Não existe outras nulidades, excepções nem questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
Corridos os vistos, cumpre decidir.
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II) FUNDAMENTAÇÃO
Resulta provada dos elementos constantes dos autos, designadamente do processo administrativo, a seguinte matéria de facto com pertinência para a decisão do recurso:
A 10.11.2006, foi celebrado entre a recorrente e a sociedade Propriedades Sub F, SA um documento denominado “Master Sale and Purchase Contract of Units in Tower 6 One Central Residences”, o qual dizia respeito a uma futura promessa de compra e venda e subsequente transmissão definitiva de 59 fracções autónomas da Torre 6 do Edifício para comércio e habitação que viria a ser denominado One Central, pelo preço global de HKD$673.386.737,00, equivalentes para efeitos fiscais a MOP$693.876.921,00.
O referido documento não foi apresentado junto da Repartição de Finanças, através das declarações modelo M/1, para liquidação e pagamento do imposto do selo, nos termos do artigo 58º do Regulamento do Imposto do Selo.
Em 26.8.2009, a sociedade Propriedades Sub F, SA e a recorrente celebraram um contrato-promessa de compra e venda com eficácia real pelo qual aquela prometeu vender à recorrente que, por sua vez, prometeu comprar as mesmas 59 fracções autónomas da Torre 6 do Edifício One Central também pelo preço global de HKD$673.386.737,00, equivalentes para efeitos fiscais a MOP$693.876.921,00.
Em 9.9.2009, a recorrente submeteu o contrato-promessa à Repartição de Finanças para efeitos de liquidação do imposto do selo devido, tendo apresentado as respectivas declarações modelo M/1, em cumprimento do disposto no artigo 58º do RIS.
Em 18.9.2009, a recorrente pagou a totalidade do imposto do selo devido pela transmissão a seu favor das 59 fracções autónomas objecto dos documentos acima referidos.
Em 19.6.2012, a promitente-vendedora, sociedade Propriedades Sub F, SA, e a promitente-compradora, a ora recorrente, celebraram a escritura pública de compra e venda das 59 fracções autónomas, escritura que não contemplou qualquer alteração das partes, objecto e valor da transmissão em relação ao que consta dos documentos acima referidos.
Com a escritura não foi pago qualquer imposto do selo, uma vez que o mesmo havia sido pago na totalidade com o contrato-promessa com eficácia real.
Por despacho da Senhora Directora dos Serviços de Finanças de 9.5.2014, foi ordenado, entre outros, o cálculo de juros compensatórios às taxas progressivas instituídas pela Lei nº 4/2009.
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Comecemos por dizer que a recorrente veio desistir da instância no Processo nº 398/2014, razão pela qual deixou de se verificar a eventual relação de prejudicialidade ou dependência entre a questão prévia suscitada pela recorrente e a própria admissão do presente recurso contencioso.
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A questão que se coloca neste recurso contencioso é o seguinte:
Foi celebrado entre a recorrente e a sociedade Propriedades Sub F, SA em 10.11.2006 um acordo sujeito a tributação, mas não foi submetido o documento às autoridades competentes para efeitos fiscais.
Em 26.8.2009, foi celebrado um novo acordo nele constavam as mesmas partes, objecto e valor das transmissões.
Nessa altura, a recorrente submeteu esse novo acordo à Repartição de Finanças para efeitos de liquidação do imposto do selo, tendo pago a totalidade do imposto.
Entretanto, a Administração Fiscal veio a exigir da recorrente o pagamento dos juros compensatórios desde 12.12.2006 até 9.9.2009, às taxas progressivas instituídas pela Lei nº 4/2009.
Mas segundo a recorrente, entende que os juros compensatórios deveriam ser calculados à taxa de 0,5% que vigorava para as transmissões intercalares nos termos da legislação em vigor à data da celebração do documento datado de 10.11.2006.
Quid iuris?
Salvo o devido respeito por melhor opinião, entendemos assistir razão à recorrente.
De facto, à data em que foi celebrado o acto sujeito a tributação, em 10.11.2006, vigorava ainda o artigo 57º do Regulamento do Imposto do Selo, em que determinava o seguinte:
“1. Para efeitos fiscais consideram-se transmissões intercalares de bens imóveis as que resultem de contrato-promessa de compra e venda ou outro documento, papel ou acto que, ainda que lícito, válido e eficaz, não seja susceptível de transmitir o direito de propriedade ou outro direito real de gozo.
     2. Nas transmissões referidas no número anterior é aplicada a taxa de 0,5%.
     3.
     4.
     5…”
Com a entrada em vigor da Lei nº 4/2011, foi revogado o referido artigo 57º, o que equivale por dizer que todas as transmissões de imóveis com relevo fiscal passaram a ser tratadas como transmissões definitivas e, em consequência, o imposto do selo é liquidado e pago às taxas progressivas instituídas pela Lei nº 4/2009.
No entanto, para assegurar os interesses dos adquirentes nas transmissões intercalares de pretérito, dispõe o artigo 7º da referida Lei a seguinte norma especial:
“1. As transmissões intercalares de pretérito, que não tenham sido objecto de liquidação e pagamento do imposto do selo pelos adquirentes, beneficiam de um período de regularização extraordinário dos documentos, papéis ou actos com aplicação da taxa de 0,5%.
2. A regularização dos documentos, papéis ou actos nos termos do número anterior é feita a requerimento dos interessados, no prazo de 30 dias a contar da data da entrada em vigor da presente lei, findos os quais se aplicam as regras aprovadas pela presente lei.”
Ora bem, salvo melhor opinião em contrário, entendemos que o período de regularização extraordinário instituído pelo citado artigo 7º da Lei nº 4/2011 aplica-se apenas às transmissões intercalares de pretérito em relação às quais não tenha sido liquidado e pago o imposto do selo devido, melhor dizendo, aquela norma visa regular situações em que, não obstante terem sido outorgados documentos, papéis ou actos sujeitos a tributação, os mesmos foram sempre “guardados na gaveta” e nunca submetidos às autoridades fiscais para efeitos de liquidação do imposto do selo devido.
Dito de outra forma, a aplicação do disposto no artigo 7º da Lei nº 4/2011 pressupõe a existência de situações tributárias pendentes, mais precisamente, a falta de liquidação e pagamento do imposto do selo devido, que não é o caso.
No caso vertente, relativamente à transmissão operada pelos documentos de 10.11.2006 e 26.8.2009 (os quais não contemplavam, conforme dito acima, qualquer alteração das partes, objecto e valor), aqueles consubstanciam uma única transmissão, e que a recorrente já efectuou o pagamento da totalidade do imposto devido.
Com efeito, considerando que no momento em que entrou em vigor a Lei nº 4/2011, o imposto do selo devido pela recorrente já se encontrava liquidada e paga (em 18.9.2009), isso significa que deixou de se verificar os pressupostos estabelecidos no referido disposto legal.
Embora não haja dúvidas de que são devidos pela recorrente juros compensatórios referentes ao período compreendido entre 12.12.2006 e 9.9.2009, por não ter ela submetido atempadamente o documento de 10.11.2006 à Repartição de Finanças para efeitos de liquidação do imposto do selo devido, e a questão é saber sobre que montante incidiria o seu valor, ou seja, deverão os juros compensatórios ter como base de cálculo a taxa de 0,5% instituída pelo artigo 57º do Regulamento do Imposto do Selo à data do facto tributário ou as taxas progressivas instituídas pela Lei nº 4/2009?
Estatui-se no nº 1 do artigo 90º do Regulamento do Imposto do Turismo que havendo atraso do sujeito passivo na liquidação de parte ou da totalidade do imposto do selo, são devidos juros compensatórios à taxa legal.
Conforme defendido pela recorrente, os juros devem incidir sobre o montante da prestação tributária de cujo atraso na liquidação possam ser causa adequada.
E qual será esse montante?
Em nossa opinião, provado está que a recorrente deixou de submeter o documento de 10.11.2006 às autoridades fiscais para efeitos de liquidação e pagamento do imposto do selo devido, pelo que entre 12.12.2006 e 9.9.2009, sendo esta última a data em que a recorrente submeteu o contrato-promessa à Repartição de Finanças para efeitos de liquidação do respectivo imposto do selo, a obrigação que impendia sobre a recorrente era tão só a de pagamento do imposto do selo à taxa de 0,5% aplicável às transmissões intercalares, daí que os juros compensatórias previstos no nº 1 do artigo 90º do Regulamento do Imposto do Selo deveriam ser calculados tendo em conta a referida taxa de 0,5% e não as taxas progressivas aprovadas pela Lei nº 4/2009.
Conforme dito acima, o artigo 7º da Lei nº 4/2011 aplica-se apenas às transmissões intercalares de pretérito em relação às quais não tenha sido liquidado e pago o imposto do selo devido, isto é, pressupõe a falta de liquidação e pagamento do imposto do selo, mas no vertente caso, o imposto do selo devido pela recorrente já se encontrava liquidada e paga antes da entrada em vigor dessa lei, apenas faltava o pagamento dos juros compensatórios, pelo que se recorresse às taxas progressivas aprovadas pela Lei nº 4/2009, em vez da taxa de 0,5% aplicável às transmissões intercalares instituída pelo artigo 57º do Regulamento do Imposto do Selo à data do facto tributário, parecer-nos-ia que está perante a aplicação retroactiva da lei nova não contemplada pelo legislador.
A nosso ver, O legislador é bem claro neste sentido: o artigo 7º é aplicável às transmissões intercalares de pretérito que não tenham sido objecto de liquidação e pagamento do imposto do selo (este na sua linguagem jurídica e em sentido estrito), não devendo abranger, como pretende a entidade recorrida, os supostos juros compensatórios.
Nesta conformidade, por o acto sob escrutínio padecer de vício de violação de lei por erro de direito, julga-se procedente o recurso, anulando-se o acto recorrido.
No demais, por não se verificarem os pressupostos de que depende o pedido de determinação da prática de acto administrativo legalmente devido previstos no nº 1 do artigo 103º do CPAC, julga-se improcedente o restante pedido da recorrente.
***
III) DECISÃO
Face ao exposto, acordam em julgar procedente o recurso contencioso, anulando o acto recorrido.
Sem custas por a entidade recorrida beneficiar da respectiva isenção legal.
Registe e notifique.
***
RAEM, 11 de Maio de 2017
Tong Hio Fong
Lai Kin Hong
João A. G. Gil e Oliveira

Mai Man Ieng



Recurso Contencioso 97/2015 Página 34