--- Decisão Sumária nos termos do art.º 407º, n.º 6 do C.P.P.M. (Lei n.º 9/2013). ----------
--- Data: 19/05/2017 --------------------------------------------------------------------------------------
--- Relator: Juiz José Maria Dias Azedo -----------------------------------------------------------------------
Processo nº 328/2017
(Autos de recurso penal)
(Decisão sumária – art. 407°, n.° 6, al. b) do C.P.P.M.)
Relatório
1. A, arguido com os restantes sinais dos autos, respondeu no T.J.B., vindo a ser condenado como autor material da prática de 2 crimes de “reentrada ilegal”, p. e p. pelo art. 21° da Lei n.° 6/2004, nas penas parcelares de 3 meses e 4 meses e 15 dias de prisão, e, em cúmulo jurídico, na pena única de 6 meses de prisão suspensa na sua execução por 1 ano e 6 meses; (cfr., fls. 149 a 152-v que como as que se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os efeitos legais).
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Inconformado, o arguido recorreu, imputando à sentença recorrida o vício de “violação do princípio in dubio pro reo” e “insuficiência da matéria de facto provada para a decisão”, pedindo a sua absolvição ou o reenvio dos autos para novo julgamento; (cfr., fls. 180 a 186).
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Respondendo, diz o Ministério Público que o recurso não merece provimento; (cfr., fls. 195 a 199-v).
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Neste T.S.I., juntou o Exmo. Representante do Ministério Público o seguinte douto Parecer:
“Condenado na pena global de seis meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de um ano e seis meses, pela prática de dois crimes de reentrada ilegal da previsão do artigo 21.° da Lei n.° 6/2004, vem A impugnar a sentença condenatória, imputando-lhe o vício de insuficiência, para a decisão, da matéria de facto provada.
A argumentação do recorrente está votada ao insucesso, tal como a Exm.a colega faz notar na sua resposta à motivação do recurso, cujo teor acompanhamos.
O recorrente entende que, não tendo o tribunal logrado esclarecer o modo como ele conseguiu entrar em Macau, durante os períodos de interdição, não há base fáctica suficiente para ser condenado pelos imputados crimes de reentrada ilegal.
E alvitra, de duas, uma: ou é absolvido, por força do princípio in dubio pro reo, face às dúvidas que conduziram a que não ficasse esclarecida a forma como entrou; ou procede-se ao reenvio do processo para novo julgamento, a fim de ser apurada a forma como entrou, pára se ajuizar se cometeu os crimes de reentrada ilegal pelos quais fora acusado.
O recorrente está equivocado.
O modo ou a forma utilizados para reentrada em Macau não fazem parte do tipo legal do crime por que foi condenado o recorrente – cf. artigo 21.° da Lei n.° 6/2004.
O tipo pune a violação da proibição de reentrada daqueles que viram decretada e concretizada a expulsão da RAEM. É-lhe totalmente indiferente o modo através do qual se opera a reentrada, ocorra ela nos postos de fronteira ou fora deles, seja feita por via terrestre, aquática ou aérea, ou levada a cabo por escalamento, escavamento ou projecção…
Portanto, demonstrado que ficou, como se vê da decisão recorrida, que o recorrente foi expulso por duas vezes de Macau, disso ficando ciente, e que, por outras tantas vezes, voltou a entrar em Macau, consciente e voluntariamente, dentro dos períodos de interdição fixados, estão preenchidos o tipo e os demais pressupostos normais de punição.
Não se detecta, pois, qualquer insuficiência da matéria de facto para a decisão, acrescendo que as dúvidas de que fala o recorrente, por não respeitarem a matéria fáctica relevante para a integração da conduta no tipo, não revestem qualquer acuidade no âmbito do princípio in dubio pro reo.
Quanto às interrogações que coloca, a propósito de supostas autorizações de entrada, durante os períodos de interdição, trata-se de hipóteses que estão fora do objecto do presente recurso. Essas e outras situações equacionáveis, como por exemplo uma reentrada forçada, no âmbito de uma acção de sequestro, não deixarão de encontrar solução em sede de teoria da infracção penal e dos normativos pertinentes da parte geral do Código, nomeadamente aqueles que respeitam aos pressupostos da punição e os relativos às causas excludentes da ilicitude e da culpa.
Improcede manifestamente a argumentação do recorrente, não merecendo a douta decisão recorrida qualquer reparo, pelo que deve ser negado provimento ao recurso”; (cfr., fls. 266 a 267).
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Em sede de exame preliminar constatou-se da “manifesta improcedência” do presente recurso, e, nesta conformidade, atento o estatuído no art. 407°, n.° 6, al. b) e 410°, n.° 1 do C.P.P.M., (redacção dada pela Lei n.° 9/2013, aplicável aos presentes autos nos termos do seu art. 6°, n.° 1 e 2, al. 2), e tendo-se presente que a possibilidade de “rejeição do recurso por manifesta improcedência” destina-se a potenciar a economia processual, numa óptica de celeridade e de eficiência, visando, também, moralizar o uso (abusivo) do recurso, passa-se a decidir.
Fundamentação
Dos factos
2. Estão “provados” e “não provados” os factos como tal elencados na sentença recorrida a fls. 150 a 150-v, e que aqui se dão como integralmente reproduzidos.
Do direito
3. Vem o arguido recorrer da sentença que o condenou como autor da prática de 2 crimes de “reentrada ilegal”, p. e p. pelo art. 21° da Lei n.° 6/2004, nas penas parcelares de 3 meses e 4 meses e 15 dias de prisão, e, em cúmulo jurídico, na pena única de 6 meses de prisão suspensa na sua execução por 1 ano e 6 meses, assacando à mesma o vício de “violação do princípio in dubio pro reo” e “insuficiência da matéria de facto provada para a decisão”.
Porém, e como já se deixou adiantado, é manifesto que o ora recorrente não tem razão, sendo de se acompanhar, na íntegra, o teor do douto Parecer do Ministério Público, que dá clara e cabal resposta ao recurso.
Seja como for, não se deixa de dizer o que segue.
Vejamos.
Temos entendido que o vício de “insuficiência da matéria de facto provada para a decisão” apenas ocorre “quando o Tribunal não se pronuncia sobre toda a matéria objecto do processo”; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 16.03.2017, Proc. n.° 164/2017 e de 30.03.2017, Proc. n.° 169/2017, podendo-se também sobre o dito vício em questão e seu alcance, ver o recente Ac. do Vdo T.U.I. de 24.03.2017, Proc. n.° 6/2017).
No caso, nenhuma “insuficiência” existe, pois que o Tribunal a quo investigou e emitiu pronúncia sobre toda a matéria objecto do processo, (“thema decidendum”), elencando a que do julgamento resultou “provada” e identificando a que “não se provou”, sendo de salientar, (como – bem – se nota no Parecer se deixou o transcrito), que a “matéria” pelo recorrente apontada como em falta é totalmente “estranha ao processo”, não se podendo assim reconhecer qualquer razão ao ora recorrente.
Importa consignar que o arguido não apresentou “contestação” nem suscitou tais “questões de facto” em julgamento, e não será, certamente, em sede de “recurso”, que o pode – ou deve – fazer, invocando, (agora), “factos novos” para, com base neles, justificar uma alegada “insuficiência”.
Por sua vez, e no que ao “princípio in dubio pro reo” diz respeito, temos considerado que “O princípio “in dubio pro reo” identifica-se com o da “presunção da inocência do arguido” e impõe que o julgador valore sempre, em favor dele, um “non liquet”.
Perante uma situação de dúvida sobre a realidade dos factos constitutivos do crime imputado ao arguido, deve o Tribunal, em harmonia com o princípio “in dubio pro reo”, decidir pela sua absolvição”; (cfr., v.g. os recentes Acs. deste T.S.I. de 22.09.2016, Proc. n.° 528/2016, de 26.01.2017, Proc. n.° 744/2016 e de 16.03.2017, Proc. n.° 867/2016).
Por sua vez, e como entende a doutrina, segundo o princípio “in dubio pro reo” «a persistência de dúvida razoável após a produção da prova tem de actuar em sentido favorável ao arguido e, por conseguinte, conduzir à consequência imposta no caso de se ter logrado a prova completa da circunstância favorável ao arguido»; (cfr., Figueiredo Dias, in “Direito Processual Penal”, pág. 215).
Conexionando-se com a matéria de facto, este princípio actua em todas as vertentes fácticas relevantes, quer elas se refiram aos elementos típicos do facto criminalmente ilícito - tipo incriminador, nas duas facetas em que se desdobra: tipo objectivo e tipo subjectivo - quer elas digam respeito aos elementos negativos do tipo, ou causas de justificação, ou ainda, segundo uma terminologia mais actualizada, tipos justificadores, quer ainda a circunstâncias relevantes para a determinação da pena.
Porém, importa atentar que o referido o princípio (“in dubio pro reo”), só actua em caso de dúvida (insanável, razoável e motivável), definida esta como “um estado psicológico de incerteza dependente do inexacto conhecimento da realidade objectiva ou subjectiva”; (cfr., Perris, “Dubbio, Nuovo Digesto Italiano”, apud, Giuseppe Sabatini “In Dubio Pro Reo”, Novissimo Digesto Italiano, vol. VIII, págs. 611-615).
Por isso, para a sua violação exige-se a comprovação de que o juiz tenha ficado na dúvida sobre factos relevantes, e, nesse estado de dúvida, tenha decidido contra o arguido; (neste sentido, cfr. v.g., o Ac. do S.T.J. de 29.04.2003, Proc. n.° 3566/03, in “www.dgsi.pt”).
Daí também que, para fundamentar essa dúvida e impor a absolvição, não baste que tenha havido versões dispares ou mesmo contraditórias; (neste sentido, cfr., v.g. o Ac. da Rel. de Guimarães de 09.05.2005, Proc. n.° 475/05, in “www.dgsi.pt”), sendo antes necessário que perante a prova produzida reste no espírito do julgador – e não no do recorrente – alguma dúvida sobre os factos que constituem o pressuposto da decisão, dúvida que, como se referiu, há-de ser “razoável” e “insanável”.
Dito isto, e não se vislumbrando na decisão recorrida que em momento algum tenha o Tribunal a quo ficado com dúvidas ou hesitações quanto à culpabilidade do arguido e tenha mesmo assim decidido em seu prejuízo, à vista está a solução, mais não sendo preciso consignar para a decisão que segue.
Decisão
4. Em face do exposto, decide-se rejeitar o presente recurso.
Pagará o recorrente a taxa de justiça que se fixa em 4 UCs, e como sanção pela rejeição do recurso o equivalente a 3 UCs; (cfr., art. 410°, n.° 3 do C.P.P.M.).
Registe e notifique.
Nada vindo de novo, e após trânsito, devolvam-se os autos ao T.J.B. com as baixas e averbamentos necessários.
Macau, aos 19 de Maio de 2017
José Maria Dias Azedo
Proc. 328/2017 Pág. 10
Proc. 328/2017 Pág. 11