Proc. nº 189/2017
Relator: Cândido de Pinho
Data do acórdão: 04 de Maio de 2017
Descritores:
-Intimação para passagem de certidão
-Sigilo tributário
-Confidencialidade
-Acesso a informação procedimental
SUMÁRIO:
I. Ainda que se possa entender que, em matéria tributária, o sigilo a que se referem os 89º, do RICR, 91º do RIP, 132º, do ECPU e 62º do RCI possam estar cobertos pela confidencialidade de sinete, nem por isso se pode excluir o direito à informação naquilo em que ela não perigue com a revelação de elementos nominativos muito próprios, pessoais e exclusivos das declarações dos contribuintes.
II. O art. 67º do CPA estabelece as condições de acesso aos arquivos e registos administrativos, permitindo a obtenção de certidões de documentos nominativos às pessoas a quem os dados digam directamente respeito, também a não nega a terceiros que demonstrem ter nelas um interesse directo, pessoal e legítimo, necessárias eventualmente à impugnação de qualquer decisão que o afecte e para a qual a informação obtida por essa via se mostre imprescindível e essencial.
Proc. nº 189/2017
Acordam no tribunal de Segunda Instância da R.A.E.M.
I – Relatório
“A LIMITED”, sociedade comercial com sede em Hong Kong e representação permanente em Macau, RAE, na Rua de xx, nos. xx, xx, xx e xxxA-D, Edifício xxxxxx, empresário comercial, pessoa colectiva no. xxxx(SO), instaurou no Tribunal Administrativo (Proc. nº 279/16-PICPPC) uma acção de intimação para passagem de certidão contra a Directora dos Serviços de Finanças.
A pretensão era no sentido de que se intimasse a entidade administrativa a emitir, nos termos do disposto nos artigos 64º e ss. do Código do Procedimento Administrativo:
A) Certidão integral do procedimento referente à fixação do seu rendimento tributável nos anos 2011 e 2012.
B) Subsidiariamente, lhe fosse mandada passar fotocópia dos seguintes documentos:
a) «Despacho da Direcção dos Serviços de Finanças datado de 17 de Novembro 2006» e
b) «carta de confirmação da Direcção dos Serviços de Finanças datada de 14 de Janeiro de 2013».
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Contestou a entidade demandada sustentando a falta de interessem em agir por parte da autora e, quanto ao fundo, a improcedência da acção.
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O Ministério Público opinou no sentido de lhe ser deferida a pretensão referente ao pedido principal.
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Foi, então, proferida sentença, que foi de procedência da acção quanto ao 1º pedido.
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É contra essa sentença que ora vem interposto o presente recurso jurisdicional interposto pela Directora dos Serviços de Finanças, em cujas alegações foram produzidas as seguintes conclusões:
“I. A sentença recorrida decidiu a procedência do primeiro pedido da requerente ordenando a ora recorrente, emitir, no prazo de 10 dias, certidão dos processos administrativos respeitantes à fixação do rendimento colectável da requerente nos anos de 2011 e 2012, constando os dados que foram facultados pela DICJ para a apreciação das reclamações pela Comissão de Revisão do Imposto Complementar de Rendimentos, por nela não se incluírem peças ou elementos referidos na excepção prevista na alínea a) do nº 3 do artigo 63.º do CPAC, nem se tratarem de dados fiscais que levaram a relevar situação ou capacidade tributária de outros contribuintes
II. Pelo ofício n.º 010/CRIC/2016, de 28.11.16 já tinha sido a requerente informada que lhe iria ser passada certidão de todos os documentos do procedimento com exclusão de elementos considerados confidenciais, devendo estar apenas em causa na presente acção a decisão sobre a passagem de certidão destes documentos,
III. Em que está em discussão o carácter confidencial dos documentos cujo acesso através da emissão de cópia certificada foi negada pelo Presidente da Comissão de Revisão do Imposto Complementar de Rendimentos, carácter que a aliás douta sentença negou, e que se discorda. Com efeito,
IV. O artigo 63.º, n.º 3, al. a) CPA exclui do direito dos interessados a informação sobre peças ou elementos que nos termos legais estejam classificados como secretos ou confidenciais, enquanto essa classificação não for retirada pela entidade competente.
V. E o artigo 64.º, n. 1 CPA limita o acesso à consulta de processo e consequente direito de certidão a documentos classificados ou que revelem segredo comercial ou industrial ou segredo relativo a propriedade literária, artística ou científica.
VI. Desta forma, mesmo o direito dos interessados à consulta e obtenção de certidões é limitado por referência a documentos classificados, daí se extraindo que, no caso de existir um ou outro documento classificado, ou de outra natureza secreta, mas destacável do processo, não deva ficar completamente vedado o acesso dos interessados aos restantes elementos constantes do procedimento: se tais documentos forem facilmente destacáveis não havendo inconveniente burocrático em dar consulta do resto do processo (cfr Código do Procedimento Administrativo, Mário Esteves de Oliveira, Pedro Costa Gonçalves J Pacheco de Amorim, anotação artigo 62.º do CPA de Portugal p. 332).
VII. Ora foi o que foi decidido.
VIII. A não ser assim para respeitar a confidencialidade dos documentos só expurgando dos mesmos os elementos identificadores do contribuinte ou contribuintes neles identificados.
IX. Com efeito, “os segredos comerciais financeiros ou fiscais: fazem parte da lista de «excepções inelutáveis: que consubstanciam os segredos vários - incluindo o fiscal - orientados à protecção de valores maximizados (…).» (cfr. parecer n.º 83/87, de 04.11.87, citado no ponto 5.2.4. do Parecer da Procuradoria Geral da República n.º P000201994, de 09.02.95).
X. Pelo que sobre actividades de empresas só se informará se se tratar de elementos constantes do registo comercial, abertos a terceiros, porque se por actividade se pretende algo mais, à falta de diploma específico que o venha a permitir, há que ser reservado.
XI. Donde se conclui que também a actividade comercial daquela pessoa colectiva constitui para estes efeitos também segredo comercial e em consequência matéria de segredo.
XII. Procedendo os documentos constantes do procedimento da Direcção dos
Serviços de Inspecção e Coordenação de Jogos à indicação à DSF de empresas específicas que tendo determinados contratos, apreciados no âmbito das competências daquela entidade, detêm uma determinada “isenção fiscal”,
XIII. A Requerente não tem legitimidade para a eles aceder por poderem revelar de algum modo, a actividade comercial de outras pessoas.
XIV. E por, outro lado, se tratarem de documentos confidenciais, por se referirem outros contribuintes.
XV. Porque a requerente não consta desses documentos.
XVI. Os dados relativos aos contribuintes encontram-se protegidos pelo princípio da confidencialidade fiscal adoptado nos artigos 89º RICR, 91º RIP, 132º RCPU e 62º RCI,
XVII. Assim como por constituir a situação económico-financeira dos contribuintes um elemento da vida privada protegido pelo direito de reserva da intimidade da vida privada constante do artigo 30º da Lei Básica e do artigo 74º do Código Civil.
XVIII. Dúvidas não existem de que os factores que afectem a determinação da matéria tributável de um determinado contribuinte designadamente diminuindo-a fazem parte do lançamento constituindo matéria confidencial nos termos do artigo 89.º do RICR.
XIX. Informando a correspondência da DSICJ a DSF, para os efeitos das suas competências em matéria fiscal, que determinadas empresas, das quais não faz parte a requerente, em virtude da análise de contratos por aquela Direcção de Serviços apreciados, tem implicações em matéria da determinação da matéria colectável.
XX. Primariamente relativamente às empresas aí referidas e só por exclusão relativamente a quaisquer outros contribuintes, designadamente a requerente.
XXI. Estriba-se a douta sentença no artigo 29.º da Lei n.º 16/2001 designadamente nos seus n.ºs 3 e 4 e no facto da requerente precisar de saber as razões de não ter beneficiado dessa isenção,
XXII. Não sendo a requerente uma promotora de jogo, não o sendo relativamente aos exercícios de 2011 e 2012, nem se tendo arrogado de tal qualidade.
XXIII. Labora em erro a sentença recorrida por partir de um pressuposto errado.
XXIV. A requerente não solicitou que determinados rendimentos se encontrassem isentos ao abrigo do citado artigo 29.º 3 e 4 nem esta o afirma para fundamentar o acesso aos documentos cuja entrega está em causa.
XXV. Aliás no artigo 20.º da p.i., a requerente diz o seguinte: “A informação que a Autora se arroga o direito de aceder é de um despacho da Ré que confere um benefício fiscal a um terceiro”.
XXVI. Ora, os documentos em causa não constituem quaisquer despachos do ora recorrente.
XXVII. Dados fiscais confidenciais são dados de natureza pessoal sim mas cujo teor possa retratar, de algum modo, a capacidade contributiva dos cidadãos (Breve Reflexões em Matéria de Confidencialidade Fiscal, por Carlos Pamplona Corte-Real e outros, in CTF, 368, pág. 18 e ss).
XXVIII. Por outro lado, o artigo 89.º do RICR não distingue entre pessoas singulares e pessoas colectivas e “E não parece que deva necessariamente circunscrever-se tal protecção apenas aos dados fiscais referentes a pessoas colectivas quando indicadores de aspectos pessoais relativos a pessoas singulares, tal como poderia pensar-se decorrer do recurso ao conceito de dados pessoais” (constante da alínea a) do artigo 2.º da Lei n.º 10/91, cfr citado parecer da PGR, devendo considerar-se a referência feita no que a Macau diz respeito à alínea 1) do n.º 1 do artigo 4.º da Lei n.º 8/2005).
XXIX Não há, na verdade, uma total coincidência entre o âmbito do princípio da confidencialidade fiscal e a noção de dados pessoais constante da Lei n.º 8/2005, mas deve-se buscar a leitura, tributariamente enquadrada dos princípios acolhidos nesse diploma (cfr citado parecer da PGR).
XXX. Dispondo, por outro lado o artigo 144.º n.º 1 CC que a capacidade das pessoas colectivas abrange todos os direitos e obrigações necessários ou convenientes à prossecução dos seus fins - aplicável às sociedades ex vi artigo 140.º CC - exceptuando-se apenas os direitos e obrigações vedados por lei ou que sejam inseparáveis da personalidade singular (n.º 2 artigo 144.º), o que não é manifestamente o caso.
XXXI. Resulta do conjunto das disposições citadas, um regime de segredo sobre os dados relativos à situação tributária dos contribuintes, pessoas individuais ou colectivas.
XXXII. Ao privilegiar-se aqui um direito de reserva respeita-se, em primeiro lugar, a intimidade da vida privada previsto na Lei Básica expressamente ressalvado quando se disciplinou o princípio da Administração Pública aberta considerando-se alargada nessa protecção os dados relativos às pessoas colectivas por força do 144.º CC porque para este preciso efeito surgem equiparadas às pessoas singulares.
XXXIII. A informação solicitada, no caso em apreço, além do mais, retrata a capacidade contributiva do titular dos dados pelo que constitui matéria sujeita a confidencialidade fiscal.
XXXIV. A requerente procura aceder a documentos que fazem referência sim a outros contribuintes.
XXXV. Ora nos termos do artigo 67º do CPA, os particulares têm direito de acesso aos arquivos e registos administrativos, mesmo que não se encontre em curso qualquer procedimento que lhes diga directamente respeito, sendo o direito de acesso aos documentos nominativos reservado à pessoa a quem os dados digam respeito e a terceiros que demonstrem interesse directo e pessoal (nº 2). Podendo ser o acesso aos arquivos e registos administrativos (...) ser recusado, mediante decisão fundamentada, em matérias relativas à (...) intimidade das pessoas (nº 3), a qual abrange a situação patrimonial destas como se referiu.
XXXVI. Ora, nada do que a ora Requerente alegou na petição inicial permite que possa ser considerada como detentora de um interesse directo e pessoal, interesse esse que não se presume. Com efeito, não demonstrou a requerente em como a sua situação é idêntica à do contribuinte a cujos dados pretende aceder.
XXXVII. Pelo que necessariamente se tem de concluir pela falta de legitimidade para aceder a esses dados, também por esta via.
XXXVIII. Independentemente do acesso aos arquivos administrativos e registos administrativos poder ser recusado em matérias relativas à intimidade das pessoas (nº 3 do artigo 67º CPA).
XXXIX. Ora, também da satisfação do pedido poderá resultar uma utilização indevida das bases de dados à guarda da Administração Tributária que não servirão para prestar informação sobre isenções e benefícios fiscais de que podem beneficiar ou beneficiam em concreto os outros contribuintes.
XL. Por outro lado o interesse legítimo a que se refere o artigo 66.º do CPA para acesso dos elementos que pretendam a procedimento de terceiro esse interesse legítimo não é um conhecimento qualquer, curiosidade, simples saber, estar a par.
XLI. Pelo que também aqui se haveria de concluir pela falta de legitimidade para aceder a estes dados.
XLII. Pelo exposto deveria ter sido a acção para passagem de certidão julgada improcedente e o ora recorrente absolvido do pedido de intimação.
XLIII. Ou quanto muito ter-se ordenado a passagem de certidão do documentos expurgados dos elementos identificativos dos contribuintes lá indicados.
XLIV Ao não ter assim decidido, fez o Tribunal recorrido errada interpretação e aplicação da lei material aplicável, os artigos 63.º, 64.º, 66.º e 67.º do CPA, artigo 89.º do Regulamento do Imposto Complementar de Rendimentos, artigo 30.º da Lei Básica, artigos 74.º, 144.º n.º 1 e 140.º do Código Civil, artigo 4.º, n.º 1, alínea 1) da Lei n.º 8/2005, bem como errada apreciação da matéria de facto.
Nestes termos, deve a Sentença do Tribunal Administrativo, de 20 de Janeiro de 2017, ser revogada, tudo com as legais consequências».
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Sem formular conclusões, respondeu ao recurso a autora da acção, pugnando pela confirmação da sentença, em termos que aqui damos por reproduzidos.
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O digno Magistrado do Ministério Público defendeu o improvimento do recurso, louvando-se no parecer da digna colega da 1ª instância.
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Cumpre decidir.
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II – Os Factos
A sentença recorrida deu por provada a seguinte factualidade:
1.º - Pelas deliberações feitas em 17/10/2016, foram indeferidas as reclamações apresentadas pela recorrente relativa às decisões da fixação do rendimento colectável da recorrente sobre os anos de 2011 e 2012 (cfr. fls. 15 a 16 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente transcrito).
2.º - Em 18/11/2016, a requerente apresentou, através do mandatário constituído, um requerimento junto da Comissão de Revisão do Imposto Complementar de Rendimentos sobre a informação relativa aos dados fornecidos pela Direcção de Inspecção e Coordenação de jogos (D.I.C.J.) e referidos nas deliberações tomadas, solicitando assim a passagem de cópias autenticadas de todo os respectivos processos administrativos (cfr. fls. 17 a 18 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente transcrito).
3.º - Por ofício com n.º de referência: 010/CRIC/2016 datado de 28/11/2016, foi a requerente informada pelo Presidente da Comissão de Revisão do Imposto Complementar de Rendimentos que a certidão irá ser emitida com excepção dos documentos que dizem respeito aos dados facultados pela D.I.C.J. por serem documentos confidenciais (cfr. fls. 19 a 23 e verso dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
4.º - Em 19/12/2016, a requerente apresentou junto deste Tribunal o requerimento inicial dos presentes autos da acção para prestação de informação e passagem de certidão (cfr. fls. 2 dos autos).
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III – O Direito
1 - A autora da acção - que explora em Macau o estabelecimento hoteleiro denominado Hotel xxxxxx, mas que aufere também rendimentos de um contrato de prestação de serviços derivados de actividades de promoção e marketing do jogo em casino - procurou administrativamente aceder a toda a informação constante de dois processos administrativos que lhe diziam directamente respeito, o que pretendia fosse assegurado através de cópia integral de cada um deles, incluindo dois documentos que neles teriam sido incorporados (despacho da DSF de 17/11/2006 e Carta de Confirmação da DSF de 14/01/2013) e que conteriam informações prestadas pela Direcção de Inspecção e Coordenação de Jogos respeitantes a B Limited.
E isto por, mesmo após reclamação administrativa, lhe ter sido negada isenção fiscal que tinha peticionado, enquanto, alegadamente, a outra empresa teria sido concedida idêntica isenção de imposto complementar de rendimentos.
A DSF, porém, não satisfez inteiramente a referida pretensão com o argumento, reiterado nos presentes autos, de que os documentos em apreço retratam a capacidade contributiva do titular dos dados (B Limited), o que constituiria matéria sujeita a confidencialidade fiscal, e que à autora faltaria legitimidade para aceder aos pretendidos dados, tanto do ponto de vista do direito à informação procedimental, como não procedimental.
Perante o confronto das duas teses provindas das partes, foram três as posições processuais que se uniram em torno do mesmo consenso: Tanto o digno Magistrado do MP junto do TA, como a sentença da 1ª instância, como o digno Magistrado do MP junto deste TSI tiveram ocasião de se manifestar contra a ideia de que o caso ilustrava uma situação de impossibilidade de satisfação do direito à informação. Pelo contrário, entenderam que a autora tinha, e tem, o direito à pretendida informação. E, adiante-se, desde já, que terão razão, como se concluirá adiante.
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2 - Permitam-nos as partes que o presente aresto se sirva para já, e com a devida vénia, dos argumentos da posição do Ministério Público junto do TA, pela assertividade, clarividência e acerto do seu parecer:
«A Requerente pretende, com a presente acção contra a senhora Directora dos Serviços de Finanças de Macau, concretizar o seu direito de obter certidão de teor integral de dois processos administrativos relacionados com deliberações sobre a fixação do imposto complementar de rendimentos da Requerente, referente aos anos de 2011 e 2012, por tal pretensão lhe ter sido parcialmente indeferida pela Entidade Requerida, alegando que a parte respeitante às informações fornecidas pela Direcção de Inspecção e Coordenação de Jogos (DSCJ), constante de tais processos, estava abrangida pela confidencialidade, carecendo a Requerente de legitimidade.
Deduz ainda, como pedido subsidiário, o de passagem das fotocópias dos seguintes documentos:
a) Despacho da Direcção dos Serviços de Finanças datado de 17 de Novembro de 2006,e
b) Carta de confirmação da Direcção dos Serviços de Finanças datada de 14 de Janeiro de 2013.
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Para sustentar o direito à obtenção da certidão pretendida, nela incluídas as informações fornecidas pela DICJ, a Requerente salienta que o solicitado foi apenas a decisão tomada pela DICJ sobre a isenção de pagamento de contribuições, invocada pela Comissão de Revisão nas respectivas deliberações de rejeição das reclamações apresentadas pela Requerente contra a fixação do imposto complementar de rendimentos, referente aos anos de 2011 e 2012, o que nada tem a ver Com a capacidade contributiva do titular dos dados, ou seja da Sociedade “B Limited”, acrescentando ainda que as informações pretendidas visam demonstrar que a situação da Requerente era “igual à de outro quando pretender exercer o princípio da igualdade” (artigo 31º da p.i.).
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A Entidade Requerida alega na sua contestação que, em relação ao pedido subsidiário, não tem a Requerente interesse em agir por não ter pedido antes a passagem das referidas fotocópias, não podendo, em consequência, utilizar o presente meio processual de intimação. Quanto aos documentos abrangentes das informações fornecidas pela DICJ, sustenta que a Requerente não tem legitimidade para aceder a tais documentos por se tratar de documentos confidenciais (artigos 31º e segs. da contestação).
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Dos documentos 2 e 3 anexados à p.i., respeitantes às deliberações da Comissão de Revisão do Imposto Complementar de Rendimentos sobre as reclamações apresentadas pela Requerente contra a fixação do imposto complementar de rendimentos relativamente aos anos de 2011 e 2012, consta efectivamente como fundamento de rejeição das reclamações, a referência às informações fornecidas pela DICJ para sustentar a não aplicação do artigo 29º da Lei n.º 16/2001 e, em consequência, tratar a Requerente como contribuinte normal (“經查博彩監察協調局提供之資料,顯示申駁者並不適用九月二十四日第16/2001號法律第二十九條規定,即其為一般納稅人無異”).
Com a pretensão de obter mais elementos para eventual interposição de recurso contencioso, a Requerente apresentou em 18/11/2016 dois pedidos individuais de passagem de certidão integral do respectivo processo administrativo, nos termos do n.º 2 do artigo 27º do CPAC.
A Entidade Requerida, em 28 de Novembro de 2016, notificou a Requerente, através do seu advogado, de que a certidão só poderia ser emitida com exclusão dos documentos abrangentes das informações fornecidas pela DICJ por se tratar de documentos confidenciais, indicando como o fundamento legal o constante do ofício datado de 26/2/2015, dirigido à Requerente, informando da recusa de passagem de certidão do “Despacho da Direcção dos Serviços de Finanças datado de 17 de Novembro de 2006” e da “Carta de confirmação da Direcção dos Serviços de Finanças datada de 14 de Janeiro de 2013”, juntando para o efeito uma fotocópia deste ofício.
Tal como a Entidade Requerida referiu na contestação, a recusa de passagem de certidão dos referidos dois documentos foi já objecto de outra acção de intimação para a passagem de certidão, que correu termos neste Tribunal sob o n.º 243/15-PICPPC, com a sentença proferida em 13/4/2015 julgando improcedente a acção, sentença essa que viria a ser revogada pelo TSI, no recurso jurisdicional administrativo n.º 466/2015, por se ter entendido que o direito de acção da Requerente havia caducado. O acórdão do TSI transitou em julgado em 11/8/2015 (cfr. fls. 201 do Proc. n.º 243/15-PICPPC do T.A.).
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Sobre o pedido subsidiário, ou seja, a pretensão de obter fotocópias dos 2 documentos não constantes dos pedidos apresentados à Entidade Requerida em 18/11/2016, mas sim de outro pedido cuja satisfação por via judicial não veio a ser concretizada, por ter caducado o direito à acção, afigura-se-nos que assiste razão à Entidade Requerida porquanto, por um lado a presente acção não serve para fazer “renascer” um direito já judicialmente declarado caducado e, por outro, não fazendo a pretensão das fotocópias dos referidos dois documentos, parte dos pedidos formulados em 18/11/2016, não se verifica nenhuma das situações previstas nas alíneas a), b) e c) do artigo 109º do CPAC. Assim, tal como a doutrina ensina, “a admissibilidade do pedido de intimação pressupõe que o interessado tenha começado por requerer à entidade competente a prestação da informação, a consulta do documento ou a passagem da certidão. Também neste caso, a apresentação de requerimento constitui um requisito de cuja observância depende a existência de uma situação de necessidade de tutela judicial e, portanto, a constituição de um interesse em agir em juízo. Na ausência da apresentação de requerimento, faltará, portanto, o requisito do interesse processual, pelo que um eventual pedido de intimação que seja intentado nessas circunstâncias terá de ser rejeitado por falta desse pressuposto processual.” (cfr. Mário Aroso de Almeida, in Manual de Processo Administrativo, 2010, Almedina, p.p. 344 e 345, citado em Código de Processo Administrativo Contencioso Anotado, Viriato Lima e Álvaro Dantas, p.p. 316 e 317).
Deve pois, quanto ao pedido subsidiário ser a Entidade Requerida absolvida da instância.
Passemos agora à questão da confidencialidade dos elemento fornecidos pela DICJ, os quais servem como fundamento de rejeição das reclamações apresentadas pela Requerente sobre a fixação do imposto complementar dos rendimentos, referente aos anos de 2011 e 2012.
A leitura da p.i. e dos documentos anexos permite-nos concluir que a Requerente está consciente de que os elementos fornecidos pela DICJ são respeitantes a uma sociedade denominada “B Limited”, beneficiária da isenção fiscal ao abrigo do artigo 29º da Lei n.º 16/2001, tratando-se pois de documentos “nominativos” que a Entidade Requerida considera como documentos confidenciais.
Para sustentar a natureza confidencial atribuída aos documentos em causa, a Entidade Requerida apresenta vários argumentos: 1) classificação dada pela própria DICJ através de aposição do carimbo de “Confidencial”; 2) princípio da confidencialidade fiscal consagrado nos artigos 89º RICR, 91º RIP, 132º RCPU e 62º RCI; e 3) consideração de que os dados relativos aos contribuintes estão protegidos pelo direito de reserva da intimidade da vida privada, constante do artigo 30º da Lei Básica e do artigo 74º do Código Civil (artigo 34 e segs. da contestação).
Quanto ao carimbo aposto pela DICJ, parece-nos que, na carência de qualquer diploma legal que reconheça à DICJ poderes de classificação legal, com a consequente restrição de acesso aos mesmos, o carimbo “confidencial” não passa de um sinal da importância que lhes é atribuída pela mesma DICJ, chamando a atenção do destinatário dos documentos, isto é, da DSF, para o cuidado no uso (sentido lato, incluído o seu depósito ou passagem) desses documentos, tanto no âmbito interno Como na vertente externa. Porém, não cabe à DICJ determinar quem pode ter acesso a tais documentos porquanto quem quanto a isso decide é a DSF, tal como aconteceu no presente caso em que a DSF permitiu que os elementos da Comissão de Revisão utilizassem as informações contidas nesses documentos para negar a aplicação do artigo 29º da Lei n.º 16/2001 à Requerente. Ora, se a Entidade Requerida entendeu necessário para a apreciação da reclamação o acesso a esses documentos pelos elementos da Comissão de Revisão, não pode agora invocar a suposta classificação traduzida no carimbo “confidencial”, para negar o mesmo acesso à Requerente. Esta posição levantaria até graves problemas embora em outra sede (a da fundamentação) já que não tendo o destinatário de um acto acesso aos elementos, ainda que classificados, que fundamentam o seu conteúdo, nunca poderá conhecer o percurso cognitivo conducente ao respectivo resultado.
Em relação ao princípio da confidencialidade fiscal, afigura-se-nos que o argumento é demasiado vago, sem qualquer concretização na sua aplicação no presente caso, atendendo ao motivo de acesso de tais documentos por parte da Requerente.
Vejamos.
Conforme as duas deliberações da Comissão de Revisão, são as informações fornecidas pela DICJ que determinam a não aplicação do artigo 29º da Lei n.º 16/2001 à Requerente, artigo que tem a seguinte redacção:
Artigo 29.º
Imposto sobre as comissões pagas a promotores de jogo
1. As concessionárias ficam obrigadas à retenção na fonte, a título definitivo, do imposto devido sobre os quantitativos das comissões ou outras remunerações pagas a promotores de jogo, o qual é calculado sobre a receita bruta originada pelo jogador.
2. A taxa do imposto sobre as comissões ou outras remunerações pagas a promotores de jogo é de 5% e tem natureza liberatória.
3. Quando motivo de interesse público o justifique, o Chefe do Executivo pode isentar parcialmente, por um período não superior a 5 anos, o pagamento do imposto referido nos números anteriores, não podendo, todavia, essa isenção ser superior a 40% da taxa do imposto.
4. Quando motivo de interesse público o justifique, o Chefe do Executivo pode autorizar que sejam excluídas, total ou parcialmente, do âmbito de incidência deste imposto as remunerações consistindo em prestações em espécie relativas à atribuição de facilidades a jogadores, nomeadamente no que respeita a transportes, alojamento, alimentação e entretenimento, postas à disposição de promotores de jogo.
5. O imposto sobre as comissões ou outras remunerações pagas a promotores de jogo é entregue pelas concessionárias em duodécimos na Recebedoria da Repartição de Finanças de Macau até ao décimo dia do mês seguinte a que respeitar.
6. As dívidas relativas ao imposto sobre as comissões ou outras remunerações pagas a promotores de jogo são cobradas em execução fiscal.
Tendo em conta o que está em causa no caso da Requerente - a isenção fiscal ao abrigo da citada norma - o que a mesma pretende saber é o “porquê” de não lhe ter sido concedida a isenção fiscal quando, ao abrigo da mesma norma, outro contribuinte supostamente na mesma situação, dela terá beneficiado. Tendo sido estabelecido nesta norma (alíneas 3 e 4) como pressuposto de isenção “Quando motivo de interesse público o justifique”, não constituem os dados fiscais apresentados pelo contribuinte, nem os respeitantes à fiscalização, lançamento, liquidação e cobrança de determinado imposto, o pressuposto de concessão de isenção, pelo que não se demonstra de forma alguma que a revelação dos elementos subjacentes a tal fundamento, utilizado pela Comissão de Revisão, implique a quebra do sigilo fiscal.
Quanto à reserva da intimidade da vida privada, apesar de se reconhecer a detalhada e convincente análise do tema da confidencialidade fiscal no parecer da Procuradoria Geral da República, de 09.02.95, P000201994, parcialmente transcrito pela Entidade Requerida na sua contestação, nomeadamente na parte respeitante à protecção dos dados fiscais no âmbito de tutela da intimidade da vida privada e à extensão da protecção do sigilo fiscal aos entes colectivos “que não são senão criações artificiais, naturalmente integradas por indivíduos”, a revelação dos elementos subjacentes a tal fundamento utilizado pela Comissão de Revisão, atendendo ao pressuposto legal “motivo de interesse público” da isenção, previsto na norma acima transcrita, não se afigura que possa conduzir à ofensa da intimidade da vida privada de determinado contribuinte, pelo menos enquanto a Entidade Requerida não explique, concretamente, em que termos possa estar em causa a suposta ofensa.
Nestes termos, a alegada confidencialidade ou protecção da intimidade da vida privada não são suficientes, pelas razões acima invocadas, para negar o acesso a tais documentos, nos quais a Comissão de Revisão buscou o fundamento para rejeitar as reclamações da Requerente.
Não deixamos de ter em considerar que, nos termos do n.º 2 do art.º 112.º do CPAC, “A decisão que conheça do pedido apenas o pode indeferir com fundamento nas razões que, nos termos do Código do Procedimento Administrativo ou de lei especial, permitem ao órgão administrativo recusar ou limitar a satisfação da pretensão do interessado”.
Porém, há ainda o controlo jurisdicional sobre a verificação das excepções estabelecidas pelas alíneas a) e b) do n.º 3 do art.º 63.º do CPA, através de “deslocação pessoal do Juiz e do Magistrado do Ministério Público ao «local», ao órgão onde se encontra o polémico documento, para um exame ou averiguação J directa ao mesmo, sem interferência ou presença de ninguém mais.”1
No presente caso, tal como acima afirmado, os documentos pretendidos pela Requerente são documentos nominativos respeitantes a outro contribuinte, sendo portanto necessário saber se a Requerente tem legitimidade para o acesso.
Sobre essa matéria de direito, é de salientar o que foi proferido pelo Venerado Tribunal de Segunda Instância, no Acordão de 9/5/2013, Proc. n.º 214/2013:
“...Este direito de acesso aos documentos nominativos existentes em arquivos ou registos administrativos é reservado à pessoa a quem os dados digam respeito, mas também pode ser accionado por “terceiros que demonstrem interesse directo e pessoal ” (nº2).
Não pode ser um interesse qualquer, claro. É preciso que seja directo e pessoal. Ora, um interesse directo, para este efeito, afigura-se-nos ser aquele que traz um aporte à esfera do requerente, que satisfaz a necessidade de informação do requerente com vista à obtenção de uma posição de vantagem ou utilidade presente ou futura. Quer dizer, enquanto o direito à informação procedimental por parte do próprio interessado no procedimento (art. 63º, CPA) não carece mais do que a simples qualidade de administrado que desencadeou ou contra quem foi desencadeado o procedimento (salvo nos casos em que o que dele pretendam seja confidencial, secreta ou reservada: art. 64º do CPA), já de acordo com o art. 67º do CPA a Administração só se abre perante terceiros que mostrem dispor de um interesse sério, real e proveitoso à sua esfera carecida de tutela. Deste modo, não pode o interesse radicar num mero desejo de “saber o que se passa” de “estar a par” de aplacar o anseio da mera curiosidade, já que isso poderia representar uma intolerável intromissão na vida de certas pessoas, órgãos e instituições, razão pela qual tais propósitos estão excluídos da dimensão tituladora do interesse. É forçoso, pois, que, ao atingir o conhecimento do elemento pretendido obter, o requerente passa a dispor de um instrumento capaz de lhe proporcionar a realização de um direito conexo.
E também tem que ser pessoal o interesse, diz a lei. Logo, tem que dizer respeito ao próprio requerente. É, pois, necessariamente suposto que haja, uma descrita relação essencial entre a pessoa e o pedido, de modo que se possa fazer uma conexão fundamental de vantagem entre a pretensão e a sua satisfação ou de lesão entre pretensão e o seu indeferimento.”
No presente caso, nenhuma dúvida há de que a Requerente, tendo visto as suas reclamações rejeitadas pela Comissão de Revisão, dispõe de um interesse sério, real e proveitoso à sua esfera carecida de tutela, em relação ao fundamento utilizado pela Comissão de Revisão na deliberada rejeição, porquanto só o acesso a esses documentos lhe permite conhecer as razões pelas quais não se aplica ao seu caso a isenção fiscal prevista no artigo 29º da Lei n.º 16/2001, quando a mesma vinha sendo concedida a outrem e a ponderar a eventual interposição de recurso contencioso contra as deliberações da Comissão de Revisão, com suposto fundamento de ofensa do principio da igualdade. Portanto, o acesso a tais documentos apresenta-se como um instrumento útil para a Requerente no seu exercício do direito à tutela jurisdicional efectiva, consagrada no artigo 2º do CPAC, e também no artigo 36º da Lei Básica,
O interesse da Requerente é também pessoal por se verificar uma conexão fundamental de vantagem entre a pretensão e a sua satisfação, e por estar a correr o prazo para a Requerente exercer o seu direito de interposição de recurso contencioso contra as deliberações da Comissão de Revisão.
Conclui-se do exposto estarem preenchidos os pressupostos previstos no n.º 2 do artigo 67.º do CPA pelo que deve ser concedido deferimento ao pedido da Requerente, com excepção do pedido subsidiário. Caso alguma parte do teor dos documentos contenha dados abrangidos pelas excepções estabelecidas nas alíneas a) e b) do artigo 63º ou no n.º 2 do artigo 67º, deverão os mesmos ser devidamente ocultados, sem prejuízo do seu posterior controlo jurisdicional, a subsistirem dúvidas sobre a sua verificação.
**
É este o nosso parecer».
Perante a transcrição, é para nós bem fácil concluir que quaisquer palavras que quiséssemos utilizar para dizerem o mesmo não teriam melhor impacto do que estas. Subscrevemo-las, pois, fazendo-as nossas.
*
3 – A sentença do Tribunal Administrativo seguiu a mesma rota, dizendo a propósito:
«Segundo os requerimentos apresentados pela requerente a fls. 17 a 18 dos autos, conjugando o r.i, dos presentes autos, dúvida não deixa que os dois documentos pedidos, designadamente, o despacho da D.S.F. datado de 17/11/2006 e da carta de confirmação da D.S.F. datada de 14/01/2013, não foram objecto inicial de prestação de informação, senão a requerente não viria suscitar esta pretensão a título subsidiário com fundamentos invocados no r.i. que não se encontram expostos nesses requerimentos datados de 18/11/2016.
Rezem os art.ºs 108.º, 109.º e 112.º do Código de Processo Administrativo Contencioso (C.P.A.C.). o seguinte:
“Artigo 108.º
(Pressupostos)
1. Quando não seja dada satisfação às pretensões formuladas ao abrigo dos artigos 63.º a 67.º do Código do Procedimento Administrativo ou de lei especial sobre direito dos particulares à informação, consulta de processo ou passagem de certidão, o interessado ou o Ministério Público podem pedir a intimarão do órgão administrativo competente nos termos e com os efeitos previstos na presente secção.
... ... ...
Artigo 109.º
(Prazo)
A intimação deve ser pedida no prazo de 20 dias contado da ocorrência do primeiro dos seguintes factos:
a) Decurso do prazo, contado da data de apresentação da pretensão, sem que o órgão administrativo a satisfaça;
b) Recusa expressa de satisfação da pretensão;
c) Satisfação parcial da pretensão.
Artigo 112.º
(Decisão)
... ... ...
2. A decisão que conheça do pedido apenas o pode indeferir com fundamento nas razões que, nos termos do Código do Procedimento Administrativo ou de lei especial, permitem ao órgão administrativo recusar ou limitar a satisfação da pretensão do interessado.”
Pela leitura das normas citadas não é equívoco que a pretensão formulada pelos particulares junto da Administração define já o limite da decisão judicial, em caso se existe fundamento legal para o juiz reconhecer o direito à informação dos interessados. Daí é inviável para a requerente solicitar demais informação em sede judicial o que deveria ser requerida oportunamente no requerimento apresentado junto do órgão administrativo competente, visto que não compete ao tribunal se pronunciar sobre uma pretensão de informação que nunca for suscitada perante a Administração.
Tal como a doutrina ensina: “ ... a admissibilidade do pedido de intimação pressupõe que o interessado tenha começado por requerer à entidade competente a prestação da informação, a consulta do documento ou a passagem da certidão. Também neste caso, a apresentação de requerimento constitui um requisito de cuja observância depende a existência de uma situação de necessidade de tutela judicial e, portanto, a constituição de um interesse em agir em juízo. Na ausência da apresentação de requerimento, faltará, portanto, o requisito do interesse processual, pelo que um eventual pedido de intimação que seja intentado nessas circunstâncias terá de ser rejeitado por falta desse pressuposto processual...”.2
Ao lado que chega a concluir, não conseguiu a requerente no r.i. demonstrar se estes dois documentos adicionais fazem parte integrante dos processos administrativos em causa. Efectivamente, da contestação resulta manifesta a não incorporação desses dois documentos nos ditos processos administrativos por constatarem nos procedimentos findos (cfr. art.ºs 50.º e 51.º da contestação).
Pelo que, deve proceder a presente excepção da falta do interesse em agir da requerente do pedido subsidiário e absolver a entidade requerida da instância, ao abrigo do art.º 230.º, n.º 1, alínea e do Código do Processo Civil (C.P.C.), ex vi do art.º 1.º do C.P.A.C.
*
Dos autos não se indicia existir outras nulidades, excepções dilatórias e questões prévias de que cumpre conhecer e que obstam ao conhecimento do mérito da causa, vamos a seguir pronunciar-se quanto à legalidade da pretensão negada, que no entender da requerente, constitui-se uma violação dos art.º 7.º do C.P.A.C. e art.º 63.º e 64.º do Código do Procedimento Administrativo (C.P.A.), por não estar em causa informação sujeita à confidencialidade fiscal cuja recusa se importa prejuízo a tutela jurisdicional efectiva dos seus direitos e interesses legalmente protegidos.
Aqui se transcreve a decisão de deferimento parcial do requerimento da passagem de certidão de informação do Senhor Presidente da Comissão de Revisão:
“ ... ... ...
有關 閣下於2016年11月18日兩封來函之請求,就納稅人 “A LIMITED” (納稅人編號:81xxxxxx),2011及2012年度之所得補充稅整個行政卷宗之經認證之複製本事宜。現回覆如下:
來函提及委員會之以 “…經查博彩監察協調局提供之有關資料…”,一詞或理據,其涉及之文件屬於須保密之文件,即按照 «所得補充稅規章»第八十九條規定,除可披露有權限之機構或實體外,不可任意公開泄露,故按 閣下要求在發出整個行政卷宗之經認證之複製本時,將不予包含所述文件,此點與本局於2015年2月26日回覆予 閣下之公函法律理據相同,詳見附件內容。
... ... ...”
Houve assim o entendimento da entidade requerida que a rejeição se depende dos mesmos fundamentos de direito expostos já no ofício n.º 0108/DIFT/DAIJ/2015/MT, datado de 26/02/2015, pese embora, no caso vertente, os documentos recusados já constam dos processos administrativos em que a requerente é interessada directa, cujo acesso se rege pelas disposições consagradas nos art.ºs 63.º e 64.º do C.P.A., em vez do art.º 7.º do C.P.A.C. nele se dispõe o dever de cooperação dos órgãos, funcionários e agentes da Administração nos processos judiciais instaurados à ordem do juiz, à luz do princípio do inquisitório para a descoberta da verdade.
Rezam os art.ºs 63.º a 64.º do Código do Procedimento Administrativo (C.P.A.):
“Artigo 63.º
(Direito dos interessados à informarão)
1. Os particulares têm o direito de ser informados pela Administrarão, sempre que o requeiram, sobre o andamento dos procedimentos em que sejam directamente interessados, bem como o direito de conhecer as resoluções definitivas que sobre eles forem tomadas.
2. As informações a prestar abrangem a indicação do serviço onde o processo se encontra, os actos e diligências praticados, as deficiências a suprir pelos interessados, as decisões adoptadas e qualquer outros elementos solicitados.
3. Não podem ser prestadas informações sobre peças ou elementos:
a) Que, nos termos legais, estejam classificados como secretos ou confidenciais, enquanto essa classificação não for retirada pela entidade competente;
b) Cujo conhecimento pelos interessados possa comprometer o fim principal do procedimento ou direitos fundamentais de outras pessoas.
4. As informações solicitadas ao abrigo deste artigo devem ser fornecidas no prazo máximo de dez dias úteis.
5. A recusa da prestação de informações é sempre fundamentada e, se o interessado o solicitar, formulada por escrito.
Artigo 64.º
(Consulta do processo e passagem de certidões)
1. Os interessados têm o direito de consultar o processo que não contenha documentos classificados, ou que revelem segredo comercial ou industrial ou segredo relativo à propriedade literária, artística ou científica.
2. Os interessados têm o direito, mediante o pagamento das importâncias que forem decidas, de obter certidão, reprodução ou declaração autenticada dos documentos que constem dos processos a que tenham acesso,”
Conforme as normas transcritas, dúvida não existe que assiste à requerente, interessada directa dos procedimentos administrativos em causa, o direito de obter informações documentais incorporadas neste, a menos que se tratam de dados legalmente classificados como secretos ou confidenciais, ou cujo conhecimento possa comprometer o fim principal do procedimento ou direitos fundamentais de outras pessoas ou revelar segredo comercial ou industrial ou segredo relativo à propriedade literária, artística ou científica.
No entender da entidade requerida, a natureza confidencial dos documentos recusados deve ser atribuída pelas razões seguintes (cfr. art.ºs 30.º a 43.º da contestação):
- são documentos constantes do procedimento da D.I.C.J. referentes à determinação de isenção fiscal a empresas específicas pelos quais foram apostos o carimbo de “Confidencial”;
- tratam-se dos dados de outro contribuinte que sujeitam à confidencialidade a que se alude os art.ºs 89.º do «Regulamento do Imposto Complementar de Rendimentos» (R.I.C.R.), 91.º do «Regulamento do Imposto Profissional» (R.I.P.), 132.º do «Regulamento da Contribuição Predial Urbana» (R.C.P.U.) e 62.º do «Regulamento da Contribuição Industrial» (R.C.I.); e
- protegidos pelo direito de reserva da intimidade da vida privada previsto no art.ºs 30.º da (Lei Básica da RAEM) e 74.º do «Código Civil» .
De acordo com as deliberações da Comissão de Revisão, é citada o seguinte (Cfr. fls. 15 a 16 dos autos):
“…經查博彩監察協調局提供之有關資料,顯示申駁者並不適用九月二十四日第16/2001號法律第二十九條規定,即其為一般納稅人無異…”
Relativamente ao primeiro argumento, não se pode ignorar os documentos recusados são analisados pela Comissão de Revisão para fundamentar as deliberações tomadas sobre as reclamações apresentadas pela requerente, respeitante à fixação do rendimento colectável nos anos de 2011 e 2012.
Ainda que os documentos em causa são facultados pela D.I.C.J. à D.S.F. para apreciação das reclamações, e que foram apostos nesses documentos o carimbo de “Confidencial”, os dados a que diz respeito não são classificados como secretos ou confidenciais nos termos da lei, nem a D.I.C.J. fez alguma referência a isso com a conseguinte restrição de acesso aos mesmos. Tal como se refere pela Digna Magistrada junto deste Tribunal, “ ...o carimbo “confidencial” não passa de um sinal da importância que lhes é atribuída pela mesma DICJ, chamando a atenção do destinatário dos documentos, isto é, da DSF, para o cuidado no uso (sentido lato, incluído o seu depósito ou passagem) desses documentos, tanto no âmbito interno como na vertente externa. Porém, não cabe à DICJ determinar quem pode ter acesso a tais documentos porquanto quem quanto a isso decide é a DSF, tal como aconteceu no presente caso em que a DSF permitiu que os elementos da Comissão de Revisão utilizassem as informações contidas nesses documentos para negar a aplicação do artigo 29º da Lei n.º 16/2001 à Requerente. ...”
Pelo que, não constitui motivo legal justificativo para impedir o acesso da requerente aos documentos em causa pela aposição de carimbo “Confidencial” da D.I.C.J..
Em relação à questão da confidencialidade fiscal, reza o art.º 29.º da Lei n.º 16/2001, de 24 de Setembro, que:
“Artigo 29.º
Imposto sobre as comissões pagas a promotores de jogo
1. As concessionárias ficam obrigadas à retenção na fonte, a título definitivo, do imposto devido sobre os quantitativos das “omissões ou outras remunerações pagas a promotores de jogo, o qual é calculado sobre a receita bruta originada pelo jogador.
2. A taxa do imposto sobre as comissões ou outras remunerações pagas a promotores de jogo é de 5% e tem natureza liberatória.
3. Quando motivo de interesse público o justifique, o Chefe do Executivo pode isentar parcialmente, por um período não superior a 5 anos, o pagamento do imposto referido nos números anteriores, não podendo, todavia, essa isenção ser superior a 40% da taxa do imposto.
4. Quando motivo de interesse público o justifique, o Chefe do Executivo pode autorizar que sejam excluídas, total ou parcialmente, do âmbito de incidência deste imposto as remunerações consistindo em prestações em espécie relativas à atribuição de facilidades a jogadores, nomeadamente no que respeita a transportes, alojamento, alimentação e entretenimento, postas à disposição de promotores de jogo.
5. O imposto sobre as comissões ou outras remunerações pagas a promotores de jogo é entregue pelas concessionárias em duodécimos na Recebedoria da Repartição de Finanças de Macau até ao décimo dia do mês seguinte a que respeitar.
6. As dívidas relativas ao imposto sobre as comissões ou outras remunerações pagas a promotores de jogo são (obradas em execução fiscal.”
Vê-se que nas deliberações referidas, não se reconhece à requerente isenção fiscal prevista nos n.ºs 3 e 4 da norma citada com base dos dados facultados pela D.I.C.J. à D.S.F.. É obvio que a interdição do acesso a essa informação viria obstar o destinatário a conhecer os elementos fundamentais que levaram a Comissão de Revisão a tomar tal decisão.
“… - O dever de fundamentação visa dar conhecimento ao administrado quais são as razões de facto e de direito que serviram de base de decisão administrativa, ou seja, permitir ao administrado conhecer o itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pela entidade administrativa, para que possa optar em aceitar o acto ou impugná-lo através dos meios legais...3”
Segundo os alegados da requerente, não conhece os fundamentos da isenção fiscal dada à outra sociedade “Hong Hock” que, no seu entender, se dedica ao mesmo ramo e exerce a actividade idêntica, mas que o contrato celebrado com o concessionário de jogo foi objecto de isenção fiscal (cfr. art.º 26.º a 31.º do r.i.). Com efeito, pela recusa daquela informação solicitada, é de negar à requerente do direito de saber e pôr em causa os fundamentos subjacentes à recusa da concessão do benefício reconhecido ao outro contribuinte, nos termos do art.º 29.º da Lei n.º 16/2001, bem como o itinerário cognoscitivo para chegar a tal decisão.
Ainda, a preocupação da entidade requerida da quebra do dever de sigilo previsto no art.º 89.º do R.I.C.R. tem a ver com o facto que os documentos em causa dizem respeito ao outro contribuinte gozador de isenção fiscal, os quais tiveram conhecimento em sede da apreciação de reclamação graciosa. Como bem observou a Digna Magistrada do MºPº junto deste Tribunal, pela análise da norma citada, sobretudo, os n.ºs 3 e 4, a isenção fiscal pretendida pela requerente foi negada pela inverificação do motivo justificativo do interesse público, o que pode levar a que se conclui todos os dados fiscais apresentados pelo contribuinte interessado, bem como a informação respeitante à fiscalização, lançamento, liquidação e cobrança do imposto complementar do interessado, não pressupõe a concessão da isenção fiscal. De facto, a entidade requerida também referiu que os documentos recusados são constantes da D.I.C.J. e respeitantes a empresas específicas cujos contratos gozam de isenção fiscal (cfr. art.º 30.º da contestação). Pelo que, carece de prova para suportar se os documentos recusados constatam dos ditos dados fiscais de outro contribuinte, nem se pode concluir a descoberta à requerente dos respectivos elementos subjacentes à negação de isenção fiscal com fundamento de falta do motivo justificativo do interesse público poderia incorrer a quebra do dever de sigilo.
Sobre a invocada violação do direito de reserva da intimidade da vida privada, por um lado, a entidade requerida não conseguiu especificar em concreto a suposta ofensa nem comprovar a isenção fiscal dada àquelas empresas, por causa das determinadas cláusulas contratuais, se equivaleria a descoberta da situação ou capacidade tributária das respectivas empresas. De outro, pelo mesmo raciocínio acima referido, a conclusão a chegar é que não deve pôr em causa violação da reserva da intimidade da vida privada, à luz do pressuposto de interesse público de que a isenção fiscal depende.
Daí é de concluir a falta de suporte legal para a entidade requerida recusar os documentos constantes dos processo administrativos em causa, em particular, os elementos que foram facultados pela D.I.C.J. que não versam ou reflectem os dados fiscais de outros contribuintes, que a requerente já manifestou o seu desinteresse para a apreciação das reclamações apresentadas sobre as fixações de rendimento colectável dos anos de 2011 e 2012, designadamente, pelos quais o contrato da requerente celebrado com a concessionária de jogo não foi considerado para efeitos da isenção fiscal prevista no art.º 29.º da Lei n.º 16/2001.
Nesta conformidade, deve proceder o pedido da requerente sobre a emissão da certidão dos respectivos processos administrativos, em termos que os dados fornecidos não se incluem peças ou elementos referidos na excepção prevista na alínea a) do n.º 3 do art.º 63.º do C.P.A.C, nem dizem respeito à situação ou capacidade tributária de outro contribuinte.
***
Por tudo o que fica expendido e justificado, e ao abrigo do art.º 112.º do C.P.A.C, o Tribunal decide-se:
- proceder o primeiro pedido da requerente, e ordena a entidade requerida para, no prazo de 10 dias, emitir à requerente uma certidão dos processos administrativos respeitantes às fixações de rendimento colectável da requerente dos anos de 2011 e 2012, constando dos dados que foram facultados pela D.I.C.J. para a apreciação das reclamações pela Comissão de Revisão do Imposto Complementar de Rendimentos, nela não se incluem peças ou elementos referidos na excepção prevista na alínea a) do n.º 3 do art.º 63.º do C.P.A.C, nem se constatam dos dados fiscais que levaram a relevar situação ou capacidade tributária de outros contribuintes, sem prejuízo de cobrança da importância devida ao disposto do n.º 2 do art.º 64.º do C.P.A.; e
- absolve-se a entidade requerida da instância sobre o pedido subsidiário da passagem das fotocópias do Despacho da D.S.F. datado de 17/11/2006 e da carta de confirmação da D.S.F. datada de 14/01/2013.
Custas fixadas à taxa de justiça de 6UC, sendo a meação a cargo da requerente Sem custas para a entidade requerida por ficar subjectivamente isenta (art.º 2.º n.º 1, alínea b) do Decreto-Lei n.º 63/99/M).
Registe e notifique.
***
20 de Janeiro de 2017
Juiz de Direito»
Como se pode ver, a sentença transcrita assenta essencialmente nos mesmos argumentos utilizados no parecer do MP da 1ª instância, e que o seu colega junto deste TSI, por remissão, também abraçou.
*
4 - Pois bem. É com a devida vénia que também nós acolhemos o teor do parecer do MP da 1ª instância, tal como nosso não podemos deixar de fazer o conteúdo da sentença impugnada, pelo que para ela igualmente remetemos, abrigo da disposição do art. 631º, nº 5, do CPC.
Acrescentaremos, simplesmente, o seguinte:
- Se ficasse apenas na esfera da Administração o poder de abrir mão ou sonegar a consulta de determinados documentos, com fundamento na confidencialidade de chancela, carimbo ou sinete, isso equivaleria, na maior pureza dos efeitos, ao reconhecimento de que bastaria que qualquer serviço dispusesse e usasse um carimbo com os dizeres “Confidencial” e pronto, tudo estaria resolvido. Seria tal qual uma arma que se dispararia contra o administrado, como se ele fosse sempre “abelhudo”, “curioso”, “intrometido” e “impertinente”. Abriria as portas a “favoritismos” e “cedências” intoleráveis num estado de direito moderno. E representaria um obstáculo a todo e qualquer escrutínio judicial, independentemente dos limites do horizonte da confidencialidade, secretismo ou sigilo, perigando com isso a transparência administrativa e deixando eventualmente sem protecção os administrados, aos quais se mostrasse absolutamente útil e indispensável o conhecimento de determinados elementos administrativos com vista ao exercício do seu direito à impugnação administrativa ou contenciosa.
Ora bem. As coisas não se passam assim com essa facilidade em direito administrativo. Realmente, o acesso aos documentos de acesso não livre ou condicionado está geralmente dependente da observância de critérios legais inscritos na classificação operada através do regime do segredo de Estado ou de outros regimes legais específicos. Falamos de uma classificação legal que parte da compreensível preocupação em não deixar nas mãos de todo o administrador o poder discricionário de permitir ou recusar a consulta ou a certidão segundo a sua vontade, humor ou conveniência.
Por isso, deve haver regras que disciplinem a actividade classificativa documental (Em Portugal, por exemplo, o diploma mais recente é a Lei nº 26/2016, de 22 de Agosto), até porque o próprio art. 63º, nº 3, al. a), do CPA parte do princípio de que o direito à informação só possa ser negado se a classificação documental tiver sido feita «nos termos legais», os quais, porém, até hoje ainda não foram criados na RAEM (A lei nº 8/2005, in BO de 22/08/2005, i.e., Lei da Protecção de Dados Pessoais, não tem essa função). Ora, porque inexistem, qualquer serviço que disponha de um carimbo com essa natureza, apenas o poderá usar como mero guia ou sugestão interna para um emprego prudente, cuidadoso, rodeado das maiores cautelas e reservas nos documentos sobre os quais ele seja aposto.
Portanto, aquele argumento não convence.
*
Por outro lado, o facto de aqueles dois documentos serem elementos procedimentais que a Administração utilizou para apreciar a impugnação administrativa da recorrente há-de ter o correspondente direito, por parte do contribuinte, de os conhecer também, até por se tratar aqui de informação procedimental cujo uso pela Administração Tributária, por confronto com a situação do recorrente, acabou por afectá-lo.
A não ser assim, ter-se-ia que admitir dogmaticamente que a Administração pode, no limite e sempre, invocar um conteúdo documental que o interessado nunca virá a conhecer e que, por isso, jamais poderá utilizar numa impugnação administrativa ou contenciosa com êxito. Ora, também isto não parece que seja de aceitar pacificamente.
*
Igualmente o facto de serem elementos documentais (dois) respeitantes a outra pessoa colectiva, não pode servir, por si só, de pretexto para se negar o direito ao seu conhecimento por parte de um interessado directo no procedimento onde foram incorporados. Aliás, se foram incorporados para servirem de elementos instrutórios ao procedimento respeitante à recorrida, não se vê muito bem por que razão não possa esta aceder a eles, ao menos na parte em que eles não contendam com direitos de confidência, reserva ou de protecção de dados exclusivos de terceiros.
O facto de os contribuintes estarem protegidos pelo dever de sigilo fiscal (cfr., v.g., arts. 89º, do RICR, 91º do RIP, 132º, do ECPU e 62º do RCI) em nada belisca o que acabamos de dizer. Isto é, o dever de sigilo previsto em cada um dos artigos citados apenas tem por destinatários os funcionários e agentes, membros das comissões de avaliação e das comissões de fixação e de revisão, a quem é imposta a obrigação de não revelar factos de que tenham conhecimento no exercício das suas funções. Ora, como é bom de ver, este ónus negativo de não revelar factos sigilosos em matéria fiscal é diferente do dever guardar segredo comercial, industrial ou relativo à propriedade industrial, artística ou científica de que trata o art. 64º, nº1, do CPA. Diferente na matéria e diferente no ónus. Num caso, o que se proíbe é a divulgação de dados, noutro é o acesso à informação contida em documentos incluídos no procedimento administrativo.
É de assinalar, de qualquer maneira, que ainda que se possa entender que o sigilo a que se referem os preceitos em matéria tributária acima citados pudessem estar cobertos pela confidencialidade de sinete, nem por isso se poderia excluir o invocado direito à informação naquilo em que ela não perigasse com a revelação de elementos nominativos muito próprios, pessoais e exclusivos das declarações dos contribuintes, dos elementos de fiscalização, lançamento, liquidação e cobrança.
A jurisprudência mais recente em direito comparado, aliás, reflecte isso mesmo. Por exemplo, em Portugal, e não obstante o art. 64º da Lei Geral Tributária4, vem fazendo caminho a ideia de que “A consagração da regra do sigilo fiscal, constante do artigo 64.º da Lei Geral Tributária, corresponde, precisamente, à extensão e reconhecimento do direito à privacidade no âmbito da actividade tributária, estando por ele abrangidos os dados de natureza pessoal dos contribuintes (pessoa singular ou colectiva) e os dados expressivos da sua situação tributária, os quais só podem ser revelados a terceiros - outros sectores da Administração ou particulares - nos casos expressamente previstos na lei, para responder a um motivo social imperioso, e só na medida estritamente necessária para satisfazer o equilíbrio entre os interesses em jogo. (…) Podem, contudo, ser revelados os dados pessoais livremente cognoscíveis (dados públicos ou dados pessoais constantes de documento público oficial, como acontece, por exemplo, com o número de identificação fiscal, com a identificação dos bens inscritos na matriz predial ou no registo predial e comercial) bem como os dados fiscais que não reflictam nem denunciem a situação tributária dos contribuintes” (Ac. STA, de 16/11/2011, Proc. nº 0838/11).
Ou seja, independentemente do sigilo tributário, e não obstante a existência de regra específica sobre a confidencialidade e privacidade no que respeita à divulgação de dados de natureza pessoal dos contribuintes (pessoas singulares e colectivas5), há situações em que a divulgação não está excluída, desde que ela não denuncie a situação tributária dos visados.
E é por isso mesmo que, podendo embora os documentos em causa ser nominativos, a verdade é que, a parte da matéria que atinja os dados pessoais dessa pessoa não podiam ser dados a conhecer, nem isso, aliás, o pretendeu a recorrida, nem tampouco o estabeleceu a sentença em crise.
*
No que respeita, por fim, à alegada violação do direito da reserva da intimidade da vida privada6 constante do art. 30º da Lei Básica e 74º do Código Civil, também estamos em sintonia com a sentença. Acrescentamos, no entanto, e tal como já vimos derramado em jurisprudência válida, que defende que “O regime normativo que regula o sigilo fiscal permite concluir que se está perante um sigilo com uma natureza não absoluta [destaque nosso] e mesmo menos consistente, se comparado com regime normativo de outros segredos tanto de cariz profissional como institucional, como é o caso do segredo de justiça e do segredo jornalístico, das telecomunicações, da correspondência e dos dados pessoais os quais se sustentam numa dimensão constitucional própria” e que “Os interesses que se pretendem proteger com o segredo fiscal enquadram-se numa dimensão da privacidade do cidadão mas não entra no núcleo da sua intimidade privada e familiar, como no caso do segredo médico ou religioso” (Ac. RP, de 16/12/2015, Proc. nº 478/13).
E se o art. 67º do CPA estabelece as condições de acesso aos arquivos e registos administrativos, permitindo a obtenção de certidões de documentos nominativos às pessoas a quem os dados digam directamente respeito, também a não nega a terceiros que demonstrem ter nelas um interesse directo, pessoal e legítimo, desde que necessárias eventualmente à impugnação de qualquer decisão que o afecte e para a qual a informação obtida por essa via se mostre imprescindível e essencial (Ac. TSI, de 9/05/2013, Proc. nº 214/2013).
Quer isto, em suma, dizer que a satisfação do pedido formulado pela aqui recorrida não evidencia qualquer afronta a nenhum princípio de confidencialidade, reserva ou sigilo, nem corresponde a nenhuma quebra da intimidade da pessoa colectiva a que os documentos em causa dizem respeito, desde que, tal como foi decidido, a certidão não revele os elementos respeitantes a situação pessoal e tributária e respectiva capacidade contributiva da pessoa colectiva a quem os documentos respeitam.
Por tudo isto, o recurso não pode proceder.
***
IV – Decidindo
Face ao exposto, acordam em negar provimento ao recurso, confirmando a sentença recorrida.
Sem custas.
TSI, 04 de Maio de 2017
José Cândido de Pinho
Tong Hio Fong
Fui Presente Lai Kin Hong
Joaquim Teixeira de Sousa
1 Como referência, achamos ter interesse transcrever, de Lino José Baptista Rodrigues Ribeiro e José Cândido de Pinho, “Código de Procedimento Administrativo de Macau, anotado e comentado”, págs. 395 e 396, o seguinte comentário:
“O que é preciso discutir, agora, é sobre a forma de o tribunal averiguar duas coisas: uma, se realmente existe a classificação no documento, outra, se a classificação é correcta, seja ao nível da competência do autor da classificação, seja no nível da matéria e dos pressupostos substantivos necessários ao efeito. Claro está que se a classificação não existe, deixa de ser necessário o segundo exercício jurisdicional mencionado. Aí, no mínimo, o recusante ficará exposto a responsabilidade civil extracontratual e/ou responsabilidade disciplinar.
Ora, isso só se consegue através de uma consulta directa pelo juiz do processo (eventualmente, na companhia do representante do Ministério Público) ao documento em causa. O Juiz precisa ver com os seus próprios olhos esse documento.
Mas, pergunta-se, como será isso possível se o documento é alegadamente secreto? Não é verdade que o sigilo desapareceria se ele tivesse que constar do processo ao ser avistado pelos funcionários judiciais, com os riscos inerentes de uma divulgação perniciosa?
A lei não fornece a saída para a resolução desta questão. Cremos, porém, que a justiça não poderá aquietar-se perante as dificuldades e o Magistrado deve ser criativo e procurar sensatamente a solução mais conveniente ao desiderato e ao conflito de interesses instalado: de um lado, o interesse público do Estado (e da sua independência, unidade, integridade, segurança interna e externa); do outro, o interesse particular na obtenção de um elemento informativo. O que o tribunal não pode é, à partida, sem um exame crítico da peça procedimental em causa, omitir a decisão que o caso merece, nem, eventualmente, lavrá-Ia no acolhimento cego de um dos interesses conflituantes, preterindo o outro sem cuidar de saber da razão que lhe possa assistir.
Ora, um dos caminhos para obviar a estas dificuldades é a deslocação pessoal do Juiz e do Magistrado do Ministério Público ao «local», ao órgão onde se encontra o polémico documento, para um exame ou averiguação directa ao mesmo, sem interferência ou presença de ninguém mais. A ocorrência desta diligência será, naturalmente, registada no processo judicial através de uma «auto de exame loca», «auto de averiguação» ou outro termo equivalente, embora sem obviamente, nele se fazer menção do conteúdo do documento analisado.”
2 Cfr. Mario Aroso de Almeida, in «Manual de Processo Administrativo», 2010, Almedina, p. 344 e 345, citado em «Código de Processo Administrativo Contencioso Anotado», Viriato Lima e Álvaro Dantas, Centro de Formação Jurídica e Judiciária, 2015, p. 316 e 317.
3 Cfr. acórdão do Tribunal da Segunda Instância nos processos n.º 434/2015, de 07/07/2016, 586/2013, de 12/03/2015 e 46/2013, de 22/01/2015, respectivamente.
4 Artigo 64º
Confidencialidade
1 - Os dirigentes, funcionários e agentes da administração tributária estão obrigados a guardar sigilo sobre os dados recolhidos sobre a situação tributária dos contribuintes e os elementos de natureza pessoal que obtenham no procedimento, nomeadamente os decorrentes do sigilo profissional ou qualquer outro dever de segredo legalmente regulado.
2 - O dever de sigilo cessa em caso de:
a) Autorização do contribuinte para a revelação da sua situação tributária;
b) Cooperação legal da administração tributária com outras entidades públicas, na medida dos seus poderes;
c) Assistência mútua e cooperação da administração tributária com as administrações tributárias de outros países resultante de convenções internacionais a que o Estado Português esteja vinculado, sempre que estiver prevista reciprocidade;
d) Colaboração com a justiça nos termos do Código de Processo Civil e Código de Processo Penal.
e) Confirmação do número de identificação fiscal e domicílio fiscal às entidades legalmente competentes para a realização do registo comercial, predial ou automóvel.
(Redacção da Lei 83-C/2013, de 31 de Dezembro)
3 - O dever de confidencialidade comunica-se a quem quer que, ao abrigo do número anterior, obtenha elementos protegidos pelo segredo fiscal, nos mesmos termos do sigilo da administração tributária.
4 - O dever de confidencialidade não prejudica o acesso do sujeito passivo aos dados sobre a situação tributária de outros sujeitos passivos que sejam comprovadamente necessários à fundamentação da reclamação, recurso ou impugnação judicial, desde que expurgados de quaisquer elementos susceptíveis de identificar a pessoa ou pessoas a que dizem respeito.
5 - Não contende com o dever de confidencialidade: (Redacção dada pelo n.º 1 do artigo 57º da Lei n.º 60- A/2005, de 31 de Dezembro)
a) A divulgação de listas de contribuintes cuja situação tributária não se encontre regularizada, designadamente listas hierarquizadas em função do montante em dívida, desde que já tenha decorrido qualquer dos prazos legalmente previstos para a prestação de garantia ou tenha sido decidida a sua dispensa; (Redacção dada pelo n.º 1 do artigo 57º da Lei n.º 60-A/2005, de 31 de Dezembro)
b) A publicação de rendimentos declarados ou apurados por categorias de rendimentos, contribuintes, sectores de actividades ou outras, de acordo com listas que a administração tributária deve organizar anualmente a fim de assegurar a transparência e publicidade. (Redacção dada pelo n.º 1 do artigo 57º da Lei n.º 60-A/2005, de 31 de Dezembro)
6 - Para efeitos do disposto na alínea a) do número anterior, considera-se como situação tributária regularizada o disposto no artigo 177.º-A do CPPT. (Redacção do artigo 220.º da Lei n.º 82-B/2014, de 31 de Dezembro)
5 Sobre a extensão desta confidencialidade às pessoas colectivas, ver Carlos Pamplona Corte-Real, J. Bacelar Gouveia e J. Cardoso da Costa, in “Breves reflexões em matéria de confidencialidade fiscal”, na obra Ciência e Técnica Fiscal, nº 368, págs. 17 e sgs.
6 Que o Parecer da PGR nº P000201994, de 09/02/95 também estende às pessoas colectivas.
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189/2017 38