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--- Decisão Sumária nos termos do art.º 407º, n.º 6 do C.P.P.M. (Lei n.º 9/2013).-------------------------
--- Data: 02/05/2017 ----------------------------------------------------------------------------------------------------
--- Relator: Dr. Chan Kuong Seng -----------------------------------------------------------------------------------

Processo n.º 779/2016
(Recurso em processo penal)
Arguido recorrente: A (A)





DECISÃO SUMÁRIA NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA
1. Por acórdão proferido a fls. 593 a 604v do Processo Comum Colectivo n.º CR1-14-0111-PCC do 1.o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base, ficou inclusivamente condenado o arguido A, aí já melhor identificado, como autor material de um crime consumado de falsificação de documento de especial valor, p. e p. pelos art.os 244.º, n.º 1, alíneas b) e c), e 245.º do Código Penal (CP), na pena de um ano e seis meses de prisão, e como co-autor material de um crime de usura para jogo, previsto pelo art.º 13.º, n.º 1, da Lei n.º 8/96/M, de 22 de Julho, e punível com a moldura penal correspondente à do crime de usura do art.º 219.º, n.º 1, do CP, na pena de nove meses de prisão, com proibição de entrada nos casinos de Macau pelo período de três anos, e ainda como co-autor material de um crime consumado de sequestro, p. e p. pelo art.º 152.º, n.º 1, do CP, na pena de um ano e nove meses de prisão, e, em cúmulo jurídico dessas três penas, finalmente na pena única de três anos e três meses de prisão, com proibição de entrada nos casinos de Macau pelo período de três anos.
Inconformado, veio este arguido então revel recorrer para este Tribunal de Segunda Instância (TSI), para imputar à decisão recorrida, na motivação de fls. 658 a 679 dos presentes autos correspondentes, os três grandes vícios aludidos no art.º 400.º, n.º 2, alíneas a), b) e c), do Código de Processo Penal (CPP), e também, pelo menos, o excesso na medida da pena, em violação dos art.os 40.º, 65.º e 48.º do CP, a fim de rogar a absolvição dos três crimes em causa ou, pelo menos, a redução da duração da pena única de prisão para abaixo de três anos, a ser suspensa na execução.
Ao recurso, respondeu o Ministério Público a fls. 691 a 701 dos autos, no sentido de improcedência da argumentação do recorrente.
Subido o recurso, a Digna Procuradora-Adjunta emitiu parecer a fls. 709 a 712, pugnando pela manutenção do julgado.
Cumpre decidir, nos termos permitidos pelo art.o 407.o, n.o 6, alínea b), do CPP.
2. Do exame dos autos e com pertinência à decisão, sabe-se que:
O texto do acórdão ora recorrido consta de fls. 593 a 604v dos autos, cujo teor integral se dá por aqui integralmente reproduzido, segundo o qual o arguido não chegou a apresentar contestação escrita ao libelo acusatório.
Da leitura desse mesmo texto decisório, resulta claro que o Tribunal já investigou todos os factos então descritos no libelo acusatório, dando uns (muitos deles) como provados e os outros restantes como não provados.
E o Tribunal recorrido chegou a expor aí as razões concretas da formação da sua livre convicção sobre os factos (cfr. o teor do acórdão, especialmente nas suas páginas 15 e 16, a fls. 600 a 600v dos autos).
3. Sempre se diz que mesmo em processo penal, e com excepção da matéria de conhecimento oficioso, ao tribunal de recurso cumpre resolver só as questões material e concretamente alegadas na motivação do recurso e ao mesmo tempo devidamente delimitadas nas conclusões da mesma, e já não responder a toda e qualquer razão aduzida pela parte recorrente para sustentar a procedência das suas questões colocadas (nesse sentido, cfr., de entre muitos outros, os acórdãos do TSI, de 7 de Dezembro de 2000 no Processo n.o 130/2000, de 3 de Maio de 2001 no Processo n.o 18/2001, e de 17 de Maio de 2001 no Processo n.o 63/2001).
Decidindo nesses parâmetros, é de julgar desde já pela inverificação do vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada aludido no art.º 400.º, n.º 2, alínea a), do CPP, porquanto todo o objecto probando (in casu constituído pela matéria fáctica imputada na acusação) já foi investigado sem lacuna nenhuma pelo Tribunal recorrido.
Sendo de notar que a argumentação concretamente tecida pelo recorrente para levantar este vício não tem muito a ver com este vício, pois defende ele, no essencial, que:
– a) não se pode basear somente no teor das declarações prestadas pelo ofendido para memória futura para, sem mais outra prova concreta a secundar o teor dessas declarações, se incriminar juridicamente o próprio recorrente em sede do tipo legal de usura para jogo, apenas por se entender, por parte do Tribunal a quo, mas erroneamente, estar provada a intervenção dele na negociação com o ofendido sobre o empréstimo para jogo;
– b) não há prova concreta a apontar cabalmente que foi o recorrente quem, com dolo, limitou a liberdade do ofendido ou não deixou este sair do quarto de hotel;
– e c) atento o teor do 1.º facto não provado, não se pode dar por provada a situação prevista na alínea b) do n.º 1 do art.º 244.º do CP.
Quanto a esses argumentos concretos, isto será objecto de análise a propósito dos vícios de erro notório na apreciação da prova e de contradição insanável da fundamentação também invocados na motivação do recurso.
Passa-se a decidir agora do suscitado vício aludido no art.º 400.º, n.º 2, alínea c), do CPP. Pois bem, vistos todos os elementos probatórios já referidos na fundamentação probatória da decisão condenatória recorrida, não se vislumbra que o resultado de julgamento da matéria de facto feito pelo Tribunal a quo tenha sido obtido com patente violação de quaisquer regras da experiência da vida humana, ou quaisquer normas jurídicas sobre o valor legal da prova, ou quaisquer leges artis vigentes no campo de julgamento de factos, pelo que não pode o recorrente vir tentar fazer impor, mas infundadamente, o seu ponto de vista sobre a factualidade provada, com a sua interpretação, feita selectiva e fragamentariamente, dos elementos probatórios, em gratuita violação, assim, do princípio da livre apreciação da prova plasmado no art.º 114.º do CPP, sendo de frisar que:
– é de rejeitar mesmo a tese do recorrente de que não são crédiveis as declarações do ofendido prestadas para memória futura, já que essas declarações encontram alicerce nos outros elementos probatórios carreados aos autos (veja-se a fundamentação probatória do acórdão recorrido);
– estando o recorrente acusado como co-autor do crime de sequestro, e como tal provado, deixa de ter sentido útil a tese de alegada “falta de prova” de que ele tenha limitado a liberdade do ofendido ou de que ele não tenha deixado o ofendido sair do quarto de hotel;
– a questão da intervenção do próprio recorrente na negociação do empréstimo para jogo faz parte da livre convicção do julgador sob aval do art.º 114.º do CPP, e o mesmo se pode dizer em relação à tese dele de falta de prova dos factos integradores do seu dolo na prática do crime de sequestro contra o ofendido;
– por fim, o reconhecimento de pessoas por fotografias não é o reconhecimento de pessoas propriamente dito e regulado no art.º 134.º do CPP, pelo que tal maneira de investigação de factos não constitui nenhum método proibido de prova, mas sim sujeita naturalmente à livre apreciação da prova do ente julgador.
Do acima exposto, resulta que não pode haver lugar qualquer contradição insanável da fundamentação no acórdão recorrido, o qual está congruentemente fundamentado com lógica razoável, pelo que tem que decair o assacado vício referido no art.º 400.º, n.º 2, alínea b), do CPP, cabendo observar que o teor do 1.º facto não provado não preclude necessariamente a verificação da situação prevista na alínea b) do n.º 1 do art.º 244.º do CP, porquanto: por força desse 1.º facto não provado, só se pode concluir que não está provado que o recorrente tenha tratado de um Passaporte Chinês através de um indivíduo chamado “B” (“B”), por um lado, e, por outro, os 1.º, 2.º e 3.º factos provados já comprovam que o recorrente, para ocultar a sua verdadeira identidade, obteve, por via ilegal, um Passaporte Chinês, a respeito do qual ele, na altura, já sabia claramente que com excepção da fotografia aí aposta, todos os restantes dados identificativos não eram seus, e mesmo assim o utilizou depois, por várias vezes, para saídas/entradas de Macau, daí que fica lógico o teor do 27.º facto provado de acordo com o qual o recorrente, juntamente com outrem, fez constar falsamente no Passaporte Chinês factos importantes e o usou como documento identificativo próprio, pelo que fica provada cabalmente a situação da alínea b) do n.º 1 do art.º 244.º do CP.
E por último, da questão do alegado excesso na medida da pena única de prisão: considerados todos os ingredientes fácticos já apurados pelo Tribunal recorrido (de entre os quais se salientam os antecedentes criminais do recorrente em dois processos anteriores, por prática de crimes de sequestro, extorsão e usura para jogo) com pertinência à medida dessa pena única aos padrões sobretudo dos art.os 40.º, n.º 1, e 71.º, n.os 1 e 2, do CP, é evidente que a pena única já achada no aresto recorrido não pode admitir mais margem para a pretendida redução, com o que fica comprometida qualquer hipótese de suspensão da execução dessa pena única (devido à impossível verificação, a montante, do requisito formal de a pena de prisão aplicada em concreto ser inferior a três anos de duração).
É, pois, de rejeitar o recurso, nos termos dos art.os 407.º, n.º 6, alínea b), e 410.º, n.º 1, do CPP, sem mais indagação por desnecessária, atento o espírito do n.º 2 desse art.º 410.º deste diploma.
4. Nos termos expostos, decide-se em rejeitar o recurso.
Pagará o recorrente as custas do seu recurso, com quatro UC de taxa de justiça e quatro UC de sanção pecuniária (pela rejeição do recurso).
Transitada em julgado a presente decisão, comunique-a ao ofendido dos autos.
Macau, 2 de Maio de 2017.
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Chan Kuong Seng
(Relator do processo)



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