Processo nº 854/2016
(Autos de recurso civil)
Data: 11/Maio/2017
Assuntos: Patente
Concessão parcial
SUMÁRIO
A Direcção dos Serviços de Economia não pode eliminar, por sua própria iniciativa, as reivindicações que não satisfazem as exigências legais e conceder o registo da patente relativamente às outras que as satisfazem, já que o legislador do actual Regime Jurídico da Propriedade Industrial retirou, de forma intencional, esta possibilidade por considerar que aquela Direcção dos Serviços não possui capacidade técnica para o efeito.
O Relator,
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Tong Hio Fong
Processo nº 854/2016
(Autos de recurso civil)
Data: 11/Maio/2017
Recorrentes:
- Direcção dos Serviços de Economia
- A
Recorridas:
- As mesmas
Acordam os Juízes do Tribunal de Segunda Instância da RAEM:
I) RELATÓRIO
A Direcção dos Serviços de Economia (doravante designada por DSE), inconformada com a sentença do Tribunal Judicial de Base que determinou a concessão parcial da patente a favor da A, recorreu jurisdicionalmente para este TSI, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
“1. Na atribuição de patentes não pode haver uma “interpretação extensiva” da concessão parcial prevista no artigo 97º do RJPI, tendo presente o artigo 65º do diploma revogado, o DL 16/95 de 24 de Janeiro.
2. Nos termos do artigo 97º do RJPI, a DSE, está limitada pois a sua competência prende-se com eliminação de desenhos, frases do resumo ou da descrição ou alterar o título ou epígrafe da invenção, está excluído do âmbito desta norma as reivindicações, o legislador pretendeu que a DSE procedesse a modificação de natureza não–substantiva, mas excluiu as de natureza substantiva, as alterações feitas pela DSE tem de ser publicadas no BORAEM.
3. Por força do Acordo celebrado entre a RAEM/DSE e a Direcção Nacional da Propriedade Industrial (DNPI) da RPC, foi esta entidade designada, para proceder ao exame substancial da patente de invenção, cuja protecção seja pedida para Macau.
4. Os relatórios de exame de invenção incidem, sobre a parte do pedido de patente relacionada com o objecto principal das reivindicações.
5. O pedido de registo da patente I/630 preenchia o requisito da unidade consagrado no artigo 80º trata-se assim de uma só invenção que existe como um todo, assim todas as reivindicações independentes e subsidiárias devem preencher os requisitos de patenteabilidade.
6. Ao requerente foi dada oportunidade de proceder às modificações necessárias para a concessão da patente, subsequente ao primeiro relatório de exame, nos termos do n.º 2 do artigo 89º.
7. Foi emitido o segundo relatório conclusivo, segundo qual subsistia o problema levantado no primeiro relatório: a reivindicação independente I. 28 (e as suas subsidiárias) (d. 29-34) não preenchem o requisito da actividade inventiva então a entidade designada considerou que não estava em condições de modificar as suas conclusões face ao primeiro relatório.
8. Como a Invenção é um todo o conjunto das reivindicações independentes (e as acessórias), todas elas, têm que satisfazer os três requisitos de patenteabilidade (artigos 65, 66 e 67 do RJPI) para em conjunto constituírem a invenção o que é sinónimo de dizer que o conjunto das reivindicações têm de respeitar o princípio da unidade da invenção de forma a ser concedida a protecção requerida (artigos 60º e 61º do RJPI), o que não aconteceu pois a reivindicação Independente 28 e suas subsidiárias não preenchiam os três requisitos de patenteabilidade (cumulativos), razão pela qual, foi recusado o pedido de registo da patente de Invenção I/630.
9. Se a não patenteabilidade for manifesta, nos termos do relatório de exame, o pedido de patente é recusada nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 9º conjugado com o artigo 98º do RJPI.
10. A concessão parcial, está directamente ligada à concessão da patente e reporta-se a modificações formais, as reivindicações estão excluídas por força do artigo 97º do RJPI, da concessão parcial.
11. A declaração de nulidade ou anulabilidade só podem resultar de decisão judicial, conforme do artigo 49º do RJPI.
12. Não pode neste processo ser invocado ao artigo 119º porque, além da falta de legitimidade do Requerente não é este o meio processual adequado.
13. O invocado artigo 119º do RJPI, prevê que podem ser declaradas nulas ou anuladas total ou parcialmente uma ou mais reivindicações de uma patente já concedida, ora, o que se discute nestes autos é precisamente, a concessão ou recusa desse direito.
14. A anulação total ou parcial de reivindicações, está directamente ligada à patente que foi concedida, na maioria dos casos, com preterição de direitos de terceiros.
15. Que se determina no artigo 119º, não é a concessão parcial de uma patente, é anulação de uma ou mais reivindicação da patente, permanecendo a mesma em vigor relativamente às restantes, sempre que subsistir matéria para uma patente independente.
16. Nos termos do relatório, a reivindicação Independente 28 (e as subsidiárias) da Invenção satisfazem dos três, dois requisitos: isto é são novas e susceptíveis de aplicação industrial, mas não tem actividade inventiva.
17. A reivindicação não pode ser parcialmente concedida porque as reivindicações estão fora do âmbito do artigo 97º e não pode ser parcialmente anulada porque não existe patente.
18. Acresce que neste processo, salvo de devido respeito, o Mmº Juiz do Tribunal recorrido, não pode declarar a nulidade ou anulabilidade parcial de reivindicações de uma patente que não existe, e requer um processo especial.
19. Fica, assim preterida a interpretação elaborada pelo Mmº Juiz segundo o qual: “(…) Na verdade negar esta possibilidade relevaria de um contra senso sistemático, uma vez que seria incompreensível a possibilidade de se obter uma nulidade ou anulabilidade parcial de reivindicações de uma patente nos termos do artigo 119º do RJPI, e depois de todas serem concedidas, e impossibilitar a concessão parcial das reivindicações de uma patente no âmbito do respectivo processo de concessão.””
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Ao recurso respondeu a recorrida A, pugnando pela negação de provimento ao recurso.
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Também esta recorreu da sentença, na parte em que considerou improcedente o seu 1º pedido subsidiário, formulando as seguintes conclusões alegatórias:
“1. O presente recurso subordinado vem interposto do trecho decisório da douta sentença a fls. 45 a 55, que indeferiu a pretendida concessão integral do pedido de patente que tomou o n.º I/630.
2. A evolução legislativa verificada em Macau com a entrada em vigor do RJPI, no que concerne aos fundamentos de recusa e de concessão parcial de uma patente, como se pode constatar das normas actuais dos artigos 97º e 98º do RJPI, demonstra que foi intenção do legislador retirar à entidade administrativa o poder de opor aos requerentes de patentes quaisquer objecções relacionadas com o objecto de uma patente, desde que não impliquem a manifesta não patenteabilidade da Invenção em causa.
3. Resulta assim claro que o legislador de Macau procurou restringir os fundamentos de recusa de uma patente, facilitando o processo de concessão de direitos privativos sobre as Invenções.
4. Ora, no que concerne ao pedido de patente n.º I/630, resulta do relatório de exame que as reivindicações n.ºs 1 a 27, 35 e 36 foram dadas como novas, possuidoras de carácter inventivo e de aplicabilidade industrial, ao passo que a reivindicação independente n.º 28 e as demais reivindicações dependentes n.ºs 29 a 34 apenas carecem de carácter inventivo, sempre segundo o DNPI.
5. Como se disse, a concessão de uma patente com base na alínea a) do n.º 1 do artigo 9º do RJPI, por remissão do artigo 98º da mesma lei, apenas pode ter lugar quando haja uma “manifesta não patenteabilidade”, nos termos do relatório de exame.
6. Não resulta nem do relatório de exame do DNPI nem do despacho de recusa da DSE que a invenção em causa seja manifestamente não patenteável, o que não é de admirar considerando que a grande maioria das reivindicações (80%) foram consideradas novas, possuidoras de carácter inventivo e aplicabilidade industrial, sendo também certo que só o carácter inventivo é posto em causa no que toca às demais reivindicações.
7. Destarte, incorreu em erro o Mmº Tribunal a quo ao concluir pela improcedência do pedido de concessão integral, fundamentando que “(…) Na nossa perspectiva a não patenteabilidade manifesta nada tem que ver com a apreciação do que leoninamente está ou não conforme com a lei, mas sim com o juízo acerca da evidência da não patenteabilidade e que há-de resultar da apreciação técnica competente. (…)”
8. Não resultando da apreciação técnica competente qualquer manifesta não patenteabilidade da invenção em causa, não poderia o Mmº Tribunal a quo ter recusado a concessão integral da patente em causa.”
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Ao recurso não ofereceu a DSE resposta.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.
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II) FUNDAMENTAÇÃO
Está provada a seguinte factualidade com relevância para a decisão da causa:
Em 8 de Novembro de 2007, a sociedade recorrente apresentou à DSE o pedido de registo de patente que tomou o nº I/630, sob o título “Método e dispositivo destinados a um equipamento para tratamento automático de cartas de jogar, incluindo uma rede de comunicações para esse método e dispositivo”.
Através do ofício nº 060442/DPI, datado de 9 de Março de 2015, foi a recorrente notificada do relatório de exame e, na sequência disso, no dia 9 de Junho de 2015, apresentou modificações às reivindicações constantes do pedido de patente.
Nos termos do referido relatório entendeu-se que a reivindicação independente nº 28, e as respectivas reivindicações dependentes nº 29 a 34, carecem de carácter inventivo.
As demais reivindicações (nº 1 a 27, 35 e 36) foram consideradas pelo aludido relatório como preenchendo os requisitos da novidade, carácter inventivo e aplicabilidade industrial.
Por despacho de 16 de Novembro de 2015, publicado no BO nº 50, II série, de 16 de Dezembro, a DSE recusou a concessão da patente pedida, justificando tal com base nos artigos 9º, nº 1, al. a) e 62º do RJPI, tudo conforme decisão junta no processo administrativo e cujo teor aqui se reproduz para os legais e devidos efeitos.
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No respeitante ao recurso interposto pela DSE, por razões de economia processual, socorremo-nos do que este TSI já afirmou no âmbito do Processo nº 900/2016, nos seguintes termos transcritos:
“Como é sabido, o Código da Propriedade Industrial - CPI, aprovado pelo DL nº 16/95, extensivo a Macau através da publicação no BO nº 36, I Série, de 04/09/1995, foi sucedido pelo actual RJPI.
Comparando os dois regimes, verifica-se que o actual RJPI na matéria respeitante à concessão parcial da patente tem a redacção diferente do anterior.
Dispõe o artº 97º do RJPI que:
Artigo 97.º
(Concessão parcial)
1. Tratando-se apenas de eliminar desenhos, frases do resumo ou da descrição ou alterar o título ou epígrafe da invenção, de harmonia com a notificação, a DSE pode proceder a tais modificações e promover a publicação do correspondente aviso se o requerente não se opuser expressamente, no prazo de 1 mês a contar da referida notificação.
2. A publicação do aviso mencionado no número anterior no Boletim Oficial, com a transcrição do resumo, deve conter a indicação das alterações efectuadas.
Enquanto o artº 65º do CPI previa que:
Artigo 65º
(Concessão parcial)
1. Tratando-se apenas de delimitar a matéria protegida, eliminar reivindicações, desenhos, frases do resumo ou da descrição ou alterar o título ou epígrafe do invento, de harmonia com a notificação e se o requerente não proceder voluntariamente a essas modificações, o examinador poderá fazê-las e propor, assim, a concessão da respectiva patente.
2. Quando o examinador propuser a concessão da patente, os avisos respectivos, a publicar no Boletim da Propriedade Industrial, deverão conter a indicação de eventuais alterações da epígrafe, das reivindicações, da descrição ou do resumo.
3. A concessão parcial deverá ser proferida de forma que a parte recusada não exceda os limites das observações constantes do relatório do exame.
A diferença consiste essencialmente no facto de que o texto do nº 1 do artº 97º do RJPI deixou de mencionar a possibilidade de “delimitar a matéria protegida” e “eliminar reivindicações” por parte do examinador.
Para o Tribunal a quo, esta diferença é irrelevante, já que o legislador continua a permitir a concessão parcial da patente, bem como a sua subsistência parcial nos casos da sua nulidade/anulabilidade parcial (cfr. artº 119º, nº 2 do RJPI).
Nesta conformidade, entendeu que não obstante a redacção normativa não ser igual, a intenção legislativa continua a ser a mesma, pelo que fez uma interpretação extensiva do nº 1 do artº 97º do RJPI no sentido de que a DSE podia “eliminar as reivindicações” não reunidas as exigências legais e conceder o registo das que satisfaziam.
Salvo o devido respeito, não podemos sufragar este entendimento.
Entendemos que o legislador do RJPI retirou, de forma intencional, a possibilidade de “delimitar a matéria protegida” e “eliminar reivindicações” por parte da DSE por considerar esta entidade não possuir capacidade técnica para o efeito.
No regime anterior, a entidade que realizava o exame e a que concedia o registo da patente era a mesma – o Instituto Nacional da Propriedade Industrial (cfr. artº 63º do CPI), daí que fazia sentido permitir esta entidade, por iniciativa própria, “delimitar a matéria protegida” e “eliminar reivindicações” para efeito da concessão parcial.
O que já não acontece no regime actual do RJPI, segundo o qual a DSE tem apenas a competência para conceder o registo da patente, não tendo portanto a competência para realizar o exame (cfr. artº 85º do RJPI).
Trata-se duma opção legislativa que prende-se com a realidade social da RAEM, na medida em que o legislador bem sabe que a DSE não possui capacidade técnica para o efeito.
Cremos por esta razão, foi lhe retirada a possibilidade de “delimitar a matéria protegida” e “eliminar reivindicações” para efeito da concessão parcial da patente.
Repare-se, ainda que a DSE possa, nos termos do nº 1 do artº 97º do RJPI, eliminar desenhos, frases do resumo ou da descrição ou alterar o título ou epígrafe da invenção, esta alteração tem de ser feita em conformidade com a notificação da entidade examinadora, o que evidencia, mais uma vez, o não reconhecimento da capacidade técnica da DSE por parte do legislador.
É certo que o RJPI admite a subsistência parcial da patente já registada nos casos de nulidade/anulabilidade parcial, mas isto não significa que a DSE pode, por iniciativa própria, “delimitar a matéria protegida” e “eliminar reivindicações” para efeitos da concessão parcial.
Não está em causa a possibilidade ou não da concessão parcial do registo da patente, a qual é expressamente admitida no RJPI.
O que está em causa é em que modo a concessão parcial pode e deve ser feita – se a DSE pode ou não, por sua própria iniciativa, “delimitar a matéria protegida” e “eliminar reivindicações” para efeitos da concessão parcial da patente.
A nossa resposta, face ao expendido, não deixa de ser negativa.”
Sem embargo de opinião diversa, concordamos inteiramente com o teor do douto Acórdão acabado de transcrever, até a questão ali tratada era precisamente a mesma que ora nos preocupa.
Posto isto, há-de conceder provimento ao recurso interposto pela DSE, revogando a sentença recorrida que determinou a concessão parcial da patente, devendo, em consequência, ser recusado o pedido da patente de invenção nº I/630.
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Quanto ao recurso da A, entende a recorrente que ao abrigo do artigo 98º do RJPI, por referência ao disposto no artigo 9º da mesma lei, a recusa só lhe é oponível se a não patenteabilidade for manifesta, de acordo com o relatório de exame, mas não se verificando essa manifesta patenteabilidade, incorreu a decisão recorrida em erro de direito na interpretação das referidas disposições legais.
Está em causa a seguinte decisão:
“E no que concerne ao 1º pedido subsidiário?
O Tribunal tira o “chapéu” ao argumentário apresentado e suporte do mesmo. É realmente exímia a argumentação.
Todavia, apesar disso, não podemos deixar de considerar que a letra da lei, nomeadamente do previsto no artº 98 do RJRI quando se refere que a recusa com base na al. a) do nº 1 do artº 9 só é oponível ao requerente se a não patenteabilidade for manifesta, não permite a leitura que a recorrente dela retira, ou seja, a de que será pela ponderação da globalidade das reivindicações e da percentagem das que estão conforme que se haverá de concluir pela viabilidade ou não do registo.
Não nos parece de todo que assim seja, nem nos parece assertivo o recurso ao direito comparado.
Na nossa perspectiva a não patenteabilidade manifesta nada tem que ver com a apreciação do que leoninamente está ou não conforme com a lei, mas sim com o juízo acerca da evidência da não patenteabilidade e que há-de resultar da apreciação técnica competente.
Improcede, pois, o 1º pedido subsidiário.”
Conforme dito acima, segundo o regime actual previsto no RJPI, se bem que compete à DSE conceder o registo da patente, não tem ela competência para realizar o respectivo exame, por não possuir capacidade técnica para o efeito.
Daí que, seguindo o mesmo raciocínio, para ajuizar se determinada patente é manifestamente patenteável, continua a ser da competência da Direcção Nacional da Propriedade Intelectual da República Popular da China.
Ora bem, tendo a Direcção Nacional da Propriedade Industrial realizado o exame e, em consequência, emitido o relatório para a Direcção dos Serviços de Economia, no qual se concluiu pela falta de preenchimento do requisito da actividade inventiva em relação a certas reivindicações, dúvidas não restam de que verificada está a não patenteabilidade manifesta prevista no artigo 98º do RJPI.
Pelo que, há-de negar provimento ao recurso interposto pela recorrente A
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III) DECISÃO
Face ao exposto, acordam em conceder provimento ao recurso interposto pela Direcção dos Serviços de Economia e, em consequência, revogando a sentença recorrida que determinou a concessão parcial da patente, antes devendo ser recusado o pedido da patente de invenção nº I/630.
Mais acordam em negar provimento ao recurso interposto pela A.
Custas pela recorrente A, em ambas as instâncias, fixando-se o valor da causa em 500 U.C.
Registe e notifique.
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RAEM, 11 de Maio de 2017
Tong Hio Fong
Lai Kin Hong
João A. G. Gil de Oliveira
Recurso cível 854/2016 Página 14