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Processo nº 373/2017 Data: 18.05.2017
(Autos de recurso penal)

Assuntos : Liberdade condicional.
Pressupostos.


SUMÁRIO

1. A liberdade condicional não é uma “medida de clemência”, constituindo uma medida que faz parte do normal desenvolver da execução da pena de prisão, manifestando-se como uma forma de individualização da pena no fito de ressocialização, pois que serve um objectivo bem definido: o de criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, durante o qual o delinquente possa, equilibradamente, recobrar o sentido de orientação social fatalmente enfraquecido por efeito da reclusão.

2. É de conceder caso a caso, dependendo da análise da personalidade do recluso e de um juízo de prognose fortemente indiciador de que o mesmo vai reinserir-se na sociedade e ter uma vida em sintonia com as regras de convivência normal, devendo também constituir matéria de ponderação, a defesa da ordem jurídica e da paz social.

O relator,

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Processo nº 373/2017
(Autos de recurso penal)






ACORDAM NO TRIBUNAL DE SEGUNDA INSTÂNCIA DA R.A.E.M.:





Relatório

1. A, com os restantes sinais dos autos e ora preso no Estabelecimento Prisional de Coloane (E.P.C.), vem recorrer da decisão que lhe negou a concessão de liberdade condicional, motivando para, a final, concluir, imputando à decisão recorrida o vício de violação do disposto no art. 56° do C.P.M.; (cfr., fls. 460 a 462 que como as que adiante se vierem a referir, dão-se aqui como reproduzidas para todos os legais efeitos).

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Em resposta, pugna o Exmo. Magistrado do Ministério Público no sentido da improcedência do recurso; (cfr., fls. 466 a 467).

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Em sede de vista, juntou o Ilustre Procurador Adjunto o seguinte douto Parecer:

“Na Motivação do recurso (fls.460 a 462 dos autos), o recorrente solicitou a revogação do douto despacho recorrido e a concessão da liberdade condicional, assacando-lhe o vício de violação do preceito nas alíneas a) e b) do n.°1 do art.56° do Código Penal de Macau, por entender que ele reunir todos os pressupostos.
Antes de mais, subscrevemos inteiramente as criteriosas explanações do ilustre Colega na douta Resposta (cfl. fls.466 a 467 dos autos).
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No dia de hoje, constitui jurisprudência firme que a concessão da liberdade condicional depende do preenchimento cumulativo de todos os pressupostos, quer formais quer substanciais, consignados no art.56° do CPM, bastando a não verificação de qualquer um para se negar o pedido da liberdade condicional (a título exemplificativo, Acórdão do TSI no Processo n.°195/2003).
Importa recordar que a liberdade condicional não é uma medida de clemência ou de recompensa por mera boa conduta prisional, e serve na política do C.P.M. um objectivo bem definido: o de criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, durante o qual o recluso possa equilibradamente recobrar o sentido de orientação social fatalmente enfraquecido por efeito da reclusão. (Acórdão do TSI no Processo n.°50/2002)
Daí decorre que se, não obstante um comportamento prisional adequado, pelo passado do recluso e perspectivas de reintegração se não se formula um juízo de prognose favorável a uma regeneração e se teme pelas razões de prevenção geral. (Acórdãos do TSI nos Processos n.°225/2010)
Ainda se inculca reiteradamente que cada situação deve ser observada em concreto e caso a caso, num circunstancialismo de modo, tempo e lugar próprios, analisando de forma crítica a personalidade do recluso e de um juízo de prognose fortemente indiciador de que o mesmo se vai reinserir na sociedade e ter uma vida em sintonia com as regras de convivência normal, devendo ainda constituir matéria de ponderação, a defesa da ordem jurídica e da paz social. (Acs. do TSI nos Processos n.°225/2010 e n.°404/2011)
Envolvendo conceitos indeterminados de prognose, as alíneas a) e b) do n.°1 do referido art.56° dota aos julgadores certa margem de livre apreciação na interpretação e na valorização, pelo que a convicção de não verificação dos pressupostos subjectivos só poderia ser neutralizado se houvesse uma exemplar e excelente evolução activa da personalidade do recluso durante a execução da prisão, e não um mero comportamento passivo cumpridor das regras básicas de conduta prisional. (Acórdãos do TSI nos Processos n.°9/2002)
No caso sub judice, quanto à prevenção especial, o MM° Juiz a quo aponta prudentemente: 雖然服刑人本次服刑期間行為良好,然而,考慮到本案的服刑人曾獲得假釋機會,且於假釋期間內再次觸犯刑事罪行,被初級法院刑事法庭判處4個月徒刑,其所獲准的假釋亦因而被廢止,由此,法庭對於其是否能再次獲得假釋必須以更慎重的態度作出考慮,卷宗資料顯示服刑人並未從先前的服刑中汲取足夠教訓,其在假釋期間內再次實施犯罪行為的情況,使本法庭不能得出其能以對社會負責任的方式重返社會及不再犯罪的結論,因此,本法庭認為仍需對其人格的發展作更長時間的觀察。
A nível da prevenção geral, lá lê-se: 此外,服刑人所觸犯的為「販毒罪」及「醉酒駕駛罪」,有關犯罪個案嚴重且有明顯增加的趨勢,因此,服刑人的行為對法制構成負面沖擊,嚴重危害社會治安及公眾安寧,高度打擊社會大眾對法律制度的信心,相關的負面影響在假釋時仍必須衡量,以判斷服刑人提早釋放會否使公眾在心理上無法承受。
Assim, não obstante se militarem, nos autos, umas circunstâncias favoráveis ao recorrente, mas, na esteia das persuasivas jurisprudências supra citadas, e à luz da regra de experiência de ser difícil o abandono do vício de consumo de droga, aderimos, sem reserva, à cristal preocupação do MM° Juiz a quo, no sentido de aquele ainda não preencher, por ora, os pressupostos consagrados no n.°1 do art.56° do CPM.
Com efeito, como bem observou o MM° Juiz a quo, o recorrente não demonstra que ele se disponha da estável capacidade de conduzir a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crime; e a colocação dele em liberdade nesta altura não é compatível com a paz social.
De qualquer modo, importa ter presente que é generalizadamente consabido que em termos comparativos, as sanções penais da ordem jurídica da RAEM são mais benevolentes. Daí que Macau deve tentar todo o esforço para evitar a desastre de ser destino ou “paraíso” de delinquentes.
Nesta linha de perspectiva, não podemos deixar de entender que não tem cabimento o pedido da recorrente, e não merece censura alguma o douto despacho em escrutínio, por este mostrar-se plenamente conforme com o disposto no art.56° do CPM.
Por todo o expendido acima, propendemos pela improcedência do presente recurso”; (cfr., fls. 474 a 475-v).

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Corridos os vistos legais dos Mmos Juízes-Adjuntos, e nada obstando, vieram os autos à conferência.

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Passa-se a decidir.

Fundamentação

Dos factos

2. Flui dos autos a factualidade seguinte (com relevo para a decisão a proferir):

– por Acórdão do T.J.B. de 11.12.2008 (e por factos ocorridos em 2007), foi A, ora recorrente, condenado como autor de 1 crime de “tráfico ilícito de estupefacientes” e 1 outro de “consumo ilícito de estupefacientes”, na pena única de 8 anos, 6 meses e 15 dias de prisão e multa de MOP$10.000,00 ou 66 dias de prisão subsidiária, (cfr., Proc. n.° CR4-08-0179-PCC);
– o recorrente deu entrada no E.P.C. como preventivamente preso em 14.12.2007, e em 13.11.2014, após ter atingido o cumprimento de dois terços da pena em 23.08.2013, em sede de renovação da instância, foi-lhe concedida a liberdade condicional.
– por factos ocorridos em 29.09.2015, foi condenado pela prática de 1 crime de “condução em estado de embriaguez”, na pena de 4 meses de prisão, nesta data dando entrada no E.P.C. para cumprimento da pena; (cfr., Proc. n.° CR3-15-0178-PSM);
– em 17.11.2015, foi-lhe revogada a anteriormente concedida liberdade condicional, determinando-se-lhe o cumprimento do remanescente da pena, de 1 ano, 7 meses e 15 dias de prisão, tendo então que cumprir as duas penas sucessivamente, num total de 1 ano 11 meses e 15 dias;
– em 11.03.2017, atingiu os dois terços destas penas, vindo a expiar toda a pena em 11.09.2017;
– durante o período de reclusão, participou em actividades ocupacionais, tendo tido visitas dos seus familiares;
– em caso de vir a ser libertado, irá viver com a sua mãe e um dos filhos, em Macau, de onde é natural, possuindo proposta de emprego numa empresa comercial.

Do direito

3. Insurge-se o ora recorrente contra a decisão que lhe negou a concessão de liberdade condicional, afirmando, em síntese, que se devia considerar que reunidos estão todos os pressupostos do art. 56° do C.P.M. para que tal libertação antecipada lhe fosse concedida.

Vejamos.

— Preceitua o citado art. 56° do C.P.M. (que regula os “Pressupostos e duração” da liberdade condicional) que:

“1. O tribunal coloca o condenado a pena de prisão em liberdade condicional quando se encontrarem cumpridos dois terços da pena e no mínimo 6 meses, se:
a) For fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes; e
b) A libertação se revelar compatível com a defesa da ordem jurídica e da paz social.
2. A liberdade condicional tem duração igual ao tempo de prisão que falte cumprir, mas nunca superior a 5 anos.
3. A aplicação da liberdade condicional depende do consentimento do condenado”; (sub. nosso).

Constituem, assim, “pressupostos objectivos” ou “formais”, a condenação em pena de prisão superior a seis (6) meses e o cumprimento de dois terços da pena, num mínimo de (também) seis (6) meses; (cfr. n.° 1).

“In casu”, atenta as penas sucessivas atrás assinaladas e visto que o ora recorrente se encontra ininterruptamente preso desde 29.09.2015, expiados estão já dois terços de tais penas, pelo que preenchidos estão os ditos pressupostos formais.

Todavia, e como é sabido, tal “circunstancialismo” não basta, já que não sendo a liberdade condicional uma medida de concessão automática, impõe-se para a sua concessão, a verificação cumulativa de outros pressupostos de natureza “material”: os previstos nas alíneas a) e b) do n.° 1 do referido art. 56°.

Com efeito, importa ter em conta que a liberdade condicional não é uma “medida de clemência”, constituindo uma medida que faz parte do normal desenvolver da execução da pena de prisão, manifestando-se como uma forma de individualização da pena no fito de ressocialização, pois que serve um objectivo bem definido: o de criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, durante o qual o delinquente possa, equilibradamente, recobrar o sentido de orientação social fatalmente enfraquecido por efeito da reclusão; (cfr., v.g., J. L. Morais Rocha e A. C. Sá Gomes in “Entre a Reclusão e a Liberdade – Estudos Penitenciários”, Vol. I, em concreto, “Algumas notas sobre o direito penitenciário”, IV cap., pág. 41 e segs.).

Na esteira do repetidamente decidido nesta Instância, a liberdade condicional “é de conceder caso a caso, dependendo da análise da personalidade do recluso e de um juízo de prognose fortemente indiciador de que o mesmo vai reinserir-se na sociedade e ter uma vida em sintonia com as regras de convivência normal, devendo também constituir óbviamente matéria de ponderação, a defesa da ordem jurídica e da paz social”; (cfr., v.g., os recentes Acs. deste T.S.I. de 19.01.2017, Proc. n.° 915/2016, de 09.02.2017, Proc. n.° 49/2017 e de 23.03.2017, Proc. n.° 210/2017).

Assim, detenhamo-nos na apreciação de tais pressupostos de natureza material.

Ponderando na factualidade atrás retratada, poder-se-á dizer que é fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes, mostrando-se a pretendida liberdade condicional compatível com a defesa da ordem jurídica e paz social?

Cremos que de sentido positivo deve ser a resposta.

É verdade que o ora recorrente já beneficiou de um liberdade condicional, e que pela prática de 1 crime de “condução em estado de embriaguez”, foi novamente condenado, vendo também revogada aquela.

Porém, demonstram os autos que se encontra arrependido da sua conduta, realizando que desperdiçou uma oportunidade, (cfr., cartas e relatório social), tendo desenvolvido uma conduta prisional pelo Director do E.P.C. considerada “adequada”, tento participado em actividades ocupacionais, possuindo também vontade, apoio familiar e ocupação profissional assegurada para poder levar uma “vida nova”.

Não se nega que estamos em sede de uma 2ª liberdade condicional, contudo, considerando o tipo de crime de “condução em estado de embriaguez”, e que constituiu um “deslize” ocorrido no período da sua liberdade condicional, atento também o seu comportamento prisional entretanto desenvolvido, afigura-se-nos que aquele não deve constituir óbice a um juízo de prognose favorável, assim se devendo dar por satisfeita a “alínea a)” do n.° 1 do art. 56° do C.P.M..

Por sua vez, ponderando-se no período da pena que entretanto cumpriu, quase 1 ano e meio de prisão, e que lhe falta cumprir cerca – menos – de 4 meses, sendo esta a última oportunidade para poder beneficiar da pretendida medida, cremos possível, (atenta a ratio do instituto jurídico em questão), uma nova liberdade condicional, acompanhada de deveres e regras de conduta, desta forma se mostrando de considerar igualmente verificado o pressuposto da al. b) do n.° 1 do art. 56° do mesmo C.P.M..

Decisão

4. Nos termos e fundamentos expostos, acordam julgar procedente o recurso, concedendo-se ao recorrente a liberdade condicional, ficando o mesmo obrigado a apresentar-se, quinzenalmente, na Polícia Judiciária, com início no dia seguinte ao da sua libertação antecipada, devendo também comprovar nos autos a sua ocupação profissional no prazo de 30 dias.

Passem-se os competentes mandados de soltura.

Sem custas.

Honorários ao Exmo. Defensor Oficioso no montante de MOP$1.800,00.

Registe e notifique.

Nada vindo de novo, e após trânsito, remetam-se os autos ao T.J.B. com as baixas e averbamentos necessários.

Macau, aos 18 de Maio de 2017
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José Maria Dias Azedo
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Chan Kuong Seng
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Tam Hio Wa
(Vencido com declaração de voto que se junta)



Processo nº 373/2017 (Autos de recurso penal)
Data: 18/05/2017


Declaração de voto

Vencida por seguintes razões:

Não concordo com a decisão de conceder a liberdade condicional ao recorrente A, porque este já tinha sido beneficiado de uma liberdade condicional e liberdade essa foi revogada por ter o recorrente voltar a praticar novo crime.
Assim sendo, na falta de um comportamento prisional capaz de mostrar o seu sincero arrependimento, não vejo um juízo de prognose favorável ao recorrente de conduzir a sua vida de modo socialmente responsável.
Portanto, creio que se deveria manter a decisão do Tribunal a quo, julgando improcedente o recurso.


A Segunda Adjunta

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Tam Hio Wa

Proc. 373/2017 Pág. 18

Proc. 373/2017 Pág. 17